Você está na página 1de 6

Aula onco 5 – Tradução de sinal

O que é transdução de sinal – conversão de uma mensagem/energia em algo diferente, em determinado


tipo de resposta. Temos um input, um sistema de tomada de decisão que leva a uma determinada
resposta. Na verdade, o que temos são uma série de ligandos (extra-celulares) que se vão associar ao
respetivo receptor à superfície da célula, que depois vai levar a ativação de cascatas bioquímicas, que por
seu turno regulam com frequência FT que regulam a transcrição de genes (ativando/inativando)  output.
Essa resposta pode ser tão díspar quanto a indução ou prevenção de apoptose, migração, adesão ou
diferenciação.

- Por vezes, o input vem da própria célula,


como lesões de DNA que fazem triggering
e despoletam cascatas de sinalização que
leva a resolução de problemas de DNA e,
se não for possível, induz apoptose.

Em termos BQ, isto processa-se sobretudo


em modificações pós-traducionais, e temos
na tabela exemplos destes. Destas, as mais importantes e estudadas são as modificações ao nível da
fosforilação, nomeadamente de proteínas  uma cinase catalisa a transferência de grupo fosfato de ATP
para um resíduo de aa para a proteína, resultando ADP + molécula fosforilada. Que tipos de cinases
temos? Temos essencialmente 3 tipos – tabela. Dentro das TK, temos dois subtipos importantes: as cinases
que são na verdade receptores de superfície com atividade catalítica intrínseca (auto-fosforilam-se e
fosforilam alvos a jusante) e temos as do citosol. Regra geral, as TK situam-se mais a montante nas vias do
que as cinases de serina/treonina e as de dupla-especificidade.

Que efeitos vamos ter em resultado da fosforilação?


As próprias cinases são alvos de fosforilação, podendo ser
reguladas por elas. Pensando num FT do citosol e que seja
fosforilado translocando-se para o núcleo, então essa
fosforilação ativa o FT porque o coloca no sítio onde atua.
Da mesma forma, um que o leve para o citosol leva à sua
inativação invariavelmente  mudanças na localização.
- Muitas vezes estes efeitos intercruzam-se.

Porque é que isto é importante no cancro? As vias de TS afetam uma série de processos essenciais para a
homeostasia da célula e, se desregulados, podem ser promotores de desenvolvimento tumoral (menos
apoptose, crescimento aumentado, que migre mais = mais invasiva e metastática).
Os diferentes elementos das vias de TS podem ser alvos de alterações genéticas/epigenéticas que os levam
a agir como oncogenes ou supressores de tumor.
Um outro aspecto importante é que as células tumorais não são entidades isoladas do seu microambiente,
dialogando com as células que as rodeiam (endoteliais, fibroblastos)  modula e é modulada pelo
ambiente, precisamente através de vias de TS. Estão na interface entre o que se passa dentro e fora da
célula, sendo frequentemente impactadas no processo de progressão tumoral.

Há dois outros pontos adicionais que tornam as vias TS


importantes. As células tumorais apresentam
frequentemente dependência/adição oncogénica, isto é,
são selecionadas naturalmente por terem características
como ativação de oncogenes envolvidos na TS, que
conferem uma vantagem seletiva e levam a que ela tenha
um calcanhar de aquiles: tem uma dependência constante da ativação desse oncogene e da via de TS em
que está envolvido. No entanto, assim, em termos terapêuticos, podemos atacar uma célula maligna sem
comprometer as outras.
Outro ponto é que as cinases são fáceis de inibir cinases de forma seletiva farmacologicamente do que, por
exemplo, FC. E como estas estão no centro das vias de TS, são bons alvos terapêuticos.

TRÊS VIAS DE TRANSDUÇÃO DE SINAL – frequentemente hiperativas no cancro


RTKs podem ser ativados por amplificação génica,
mutações de ganho de função e ativação de loop com
atividade própria – a célula produz de forma ectópica e
aberrante o seu próprio ligando.

Porque é que, sob o ponto de vista terapêutico, há


interesse em tentar inibir as vias de TS?
Porque as vias dirigidas a elementos de TS são, em
teoria, mais seletivas que a terapia convencional,
porque há uma série de alvos que só existem na célula
tumoral (como BCR-ABL, b-raf mutado, k-ras) e para
cada um destes alvos que estão alterados na célula tumoral temos agentes que os podem inibir
seletivamente (mas em teoria por vezes há off-target effects), mas diminuímos as toxicidades associadas.
Há também dependência oncogénica  uma célula tumoral é mais sensível mesmo a inibidores de genes
que existem na sua versão normal nesta célula tumoral. O problema destas terapias é que há frequente
desenvolvimento de resistência, tal como em QT convencional.

Há dois tipos de estratégia para atacar vias de TS:


- Uso de inibidores farmacológicos (atravessam membrana plasmática, podendo inibir tanto receptores
como elementos de ts intracelulares)
- Ac monoclonais que só inibem o que está à superfície, não podendo atingir interior da célula.

Porquê a resistência? Há múltiplos mecanismos de resistência,


mas temos aqui como exemplo o BCR/ABL na LMC  por vezes, as
células tumorais mutam o próprio BCR/ABL que é alvo do imatinib
e este perde a sua atividade. Tendo subclones, é fácil de prever
que após este tratamento haja expansão de clones não sensíveis a
imatinib, que podem ter mutações no sítio catalítico, inibições
alostéricas que inibem a ligação do fármaco, mas no final conferem
resistência. Como a ultrapassamos? Sendo menos seletivos, mas
aumenta a toxicidade  podemos usar inibidores de BCR/ABL de
2ª/3ª geração, que são menos seletivos – pode não funcionar no
BCR/ABL mas funcionará nos outros alvos.
EGF receptor 1 e cancro colorretal – este receptor pertence a uma família de receptores que inclui o HER2,
mas queria falar deste 1 como alvo de cancro colorretal, com cetuximab. Este exemplo ilustra outro
mecanismo de resistência a terapias dirigidas: os autores verificaram que o uso deste fármaco combinado
com QT convencional (ver se combinação era melhor), e verificaram que este benefício só ocorria nas
células sem ganho de função de k-ras  porquê? O que acontece é que quando temos uma célula sensível
a cetuximab, este inibe o receptor e a
via ras, sendo eficaz, mas no caso de
a célula ter resistência, o cetuximab
nessa célula inibe o receptor, mas
como temos uma mutação ativante a
jusante, a via vai continuar a
funcionar e torna obsoleto o uso de
cetuximab. E se tivermos mutação no
PI3K também torna inútil este
fármaco. Importância de caracterizar
bem as mutações todas do doente!

2ª PARTE DA AULA

Melanoma
- Vemurafenib (inibidor de TK, mais especificamente da
mutação BRAF V600E) permitiu uma melhoria
significativa; um dos grandes problemas destas
terapêuticas são as resistências adquiridas e ao fim de
algum tempo, é quase inevitável que retome.

Cancro da mama
 60-75% - A grande maioria tem receptores
hormonais e estes FT são essenciais nestes
tumores hormono-dependentes, com papel
preditivo para resposta à hormonoterapia.
 20-25% - Her2 (tinha pior prognóstico na
capacidade de metastização para cérebro,
menor sobrevida livre sem progressão da
doença e menor sobrevida global, até ao
desenvolvimento de um fármaco para este
receptor!) – têm sobreexpressão de HER2
 10-15% - Triplo negativo, sem receptores para
hormonas nem sobreexpressão de HER2.

Sabemos que nas situações normais podemos ter um certo número de receptores HER2, e chama-se
HER2+ quando temos uma expressão aumentada, que pode ir até 2 milhões por célula, e isto pode ser
visto por imunohistoquímica (IHC), sendo o maior nível de expressão o 3+. Também pode ser feita
fluorescência in situ (FISH) onde vemos cópias de genes HER2+ aumentadas.

O que se sabe deste receptor é que este é capaz de sinalizar de forma independente de ligando, ou seja,
ativa vias de transdução de sinal sem a presença de ligando (homodimerizando), mas depois forma
dímeros com outros elementos da família, nomeadamente HER3 e HER4 e esta sim é uma ação
dependente de ligandos, ativando também vias de transdução de sinal. Sendo este um receptor de
membrana, podemos abordá-lo de duas formas diferentes: ou atráves de Ac monoclonais que se ligam ao
domínio extracelular, ou através de moléculas solúveis que inibem a atividade TK (TKi) do receptor. No
caso de HER2+, temos de facto os dois tipos de moléculas inibitórias:
 Temos Ac como trastuzumab, que se liga ao domínio extracelular e que impede a sinalização da via
ligando independente. Por outro lado, também promove a citotoxicidade dependente de
anticorpos (faz com que ocorra a lise das células que expressam este Ac ligado).
Num estudo, alguns doentes usaram o esquema ACT (Antraciclina, ciclofosfamida e paclitaxel) e outros
ainda associaram Trastuzumab. Comparando com as doentes que usaram o esquema AC, há um
aumento de sobrevivência com o Ac monoclonal!
Temos é o problema da emergência de resistências  assim, foi usado num estudo trastuzumab com
pertuzumab (duplo bloqueio), com benefício na sobrevivência

 Qual é o racional para este duplo bloqueio? É inibir o receptor HER2 a dois níveis: Trastuzumab liga-
se a domínio extracelular, impedindo a sinalização intracelular independente de ligando; o
Pertuzumab liga-se a outro subdomínio e impede dimerização com outros receptores da família
HER  Tx que inibe a mesma molécula, mas com dois mecanismos diferentes e há benefício com
esta dupla associação sinergicamente.

Targeting EGFR no cancro colorretal


Este tema será mais desenvolvido no seminário, mas basicamente
temos receptores para os domínios extracelulares (cetuximab e
panitumumab) e moléculas do tipo TKi para inibir domínio
intracelular.

Há um ganho com a associação destes inibidores com QT, mas


verificou-se que este ganho se perde completamente se houver
mutações em Ras (há mutação de um gene downstream na via).
O EGFR, um fator de crescimento epitelial, tem também uma
relevância enorme no cancro do pulmão, onde tem sido um grande
alvo terapêutico.

EGFR e NSCLC (pulmão)


No caso do cancro do pulmão, contrariamente ao que referimos no cólon,
os Ac (como o cetuximab e o panitumumab) não revelaram grande
benefício, mas temos também uma série de TKi que atuam
intracelularmente, como o gefitinib e erlotinib. O que esta via de
sinalização tem em particular comparando com o cólon é que, no caso do
pulmão, temos de facto alguma resposta com inibidores de EGFR (gefitinib
e erlotinib), mas é geralmente uma resposta não muito eficaz nem
duradoura.

Estas moléculas são particularmente relevantes no subgrupo de tumores


que têm mutações ativadoras do EGFR, ou seja, em que este receptor está
de forma constitutivamente ativa, com maior afinidade para o seu ligando
endógeno. Estes tumores são tipicamente aqueles onco-gene addicted,
com aquisição de várias mutações no domínio intracelular do receptor, tornando as células tumorais
dependentes da sinalização induzida pelo EGFR.
Portanto, quando usamos estes inibidores do tipo TKi para a porção interna do receptor EGFR, estamos a
comprometer a proliferação das células, porque sendo dependentes desta via deixam de conseguir
responder aos outros estímulos que estão a permitir o seu crescimento. Estes resultados foram muito bons
em termos de prognóstico.
Efetivamente, no pulmão temos um grande grupo de doentes em que há mutações associadas a uso do
tabaco, mas depois há um grupo de doentes com pouca exposição e baixa carga mutacional e, nessas
situações, há com maior frequência estas mutações ativadoras, sendo que são estes os que vão responder
de forma mais específica à utilização de inibidores anti-EGFR.

Mais uma vez, o grande problema disto é a emergência de


resistências, sendo, no cancro do pulmão, um mecanismo
frequente de resistência a estes inibidores de 1ª geração a
substituição de uma treonina por uma metionina (T790M, no
local da ligação da molécula inibitória).
Neste contexto, deixa de haver ligação do TKi e deixa de haver
inibição. No entanto, os investigadores desenvolveram ainda uma
molécula que inibe os EGFR com esta mutação de resistência.
Assim, osimertinib é uma molécula dirigida para esta mutação.

No pulmão temos ainda outras mutações-driver, isto é, há outro tipo de oncogene-addicted, sendo
particularmente importantes as mutações que envolvem o gene ALK, respresentadas numa percentagem
menor, mas apesar de tudo 2-7% dos NSCLC e o racional é o mesmo: doentes onde identificamos esta
translocação podem ser alvo terapêutico de fármacos dirigidos, nomeadamente o crizotinib (e também
temos alectinib – tem elevada penetração SNC e pode ser útil em doentes com estas metástases).

Neste momento, temos, no campo do


pulmão, uma abordagem muito
personalizada, sendo uma boa prática médica
fazer a caracterização de mutações que
sabemos que têm um valor preditivo de
resposta e podem influenciar a nossa decisão
terapêutica quanto à 1ª linha de tratamento.

GIST – targetting KIT


Estes tumores estão, também, muitas vezes associados a mutações
ativadoras do gene KIT, podendo ser em diferentes domínios (extra/intra) e
a identificação destas mutações tem também valor preditivo de resposta a
determinados tipos de TKis, como o imatinib (que pode ser usado também
no BCR/ABL). Tumores com mutação no exão 11 do KIT respondem muito
melhor ao IMATINIB.
Melanoma – targeting BRAF V600E
Como já vimos, a mutação BRAF V600E é
uma mutação driver muito importante. O
que fazemos atualmente não é uma
inibição em monoterapia do BRAF, como
estava a ser feito anteriormente, mas um
duplo bloqueio BRAF-MEK1, exatamente
porque há outras moléculas downstream
na via e outras formas que resposta que
podem ser ativadas em contexto de
resistência, e o que se demonstrou foi que
um duplo bloqueio de RAF e MEK atrasa
muito a emergência de resistências  uma
das resistências que emergia de forma
muito rápida era o MEK. Fazendo à partida
um duplo bloqueio, conseguimos protular
no tempo a emergência de mutações (que
acabam por se desenvolver, mas demoram
muito mais e os doentes sobrevivem mais).

Um tema de investigação corrente na prática clínica é a possibilidade de se poder monitorizar a


emergência de mutações não em biópsias de tumor, mas em biópsias líquidas, ou seja, até que ponto nós
conseguimos detetar estas mutações de resistência em sangue periférico. Isto é válido, por exemplo, para
a mutação T790M do pulmão – se por exemplo, tivermos um doente a fazer terapêutica de 1ª linha com
inibidor de EGFR, como o erlotinib, e a certa altura a doença progride, está perfeitamente preconizado
fazer biópsia líquida e procurar a mutação em T790 – se ela for detetada, é um argumento aceite para
passar a terapêutica com osimertinib. Se for negativa, temos ainda indicação para tentar fazer biópsia do
tecido – está em desenvolvimento para monitorizar melhor mutações sem biópsias invasivas.
A resposta a anticorpos anti-EGFR difere substancialmente em cancro colorectal e melanoma. Qual dos dois
cancros é mais sensível a este tipo de tratamento?
O cancro colorectal (CCR) é mais sensível a anticorpos anti-EGFR (nomeadamente cetuximab) uma vez que
é frequente que neste ocorra aumento de expressão do EGFR, o que não acontece em melanoma. Em CCR a
sobre-expressão de EGFR resulta na ativação de vias de transdução de sinal a jusante, em especial a RasRaf-
MEK-Erk. Em melanoma, a ativação desta via resulta frequentemente de mutações de ganho de função de
BRAF (nomeadamente V600E) e de outras alterações a jusante do EGFR, e não da sobre-expressão do
recetor, o que também contribuiria para tornar o uso de cetuximab obsoleto numa maioria de casos. Por estas
razões anticorpos anti-EGFR estão indicados para CCR metastático sem mutações de RAS (que conferem
resistência a cetuximab), enquanto que em melanoma é usado vemurafenib em casos com BRAF V600E,
cuja frequência chega a cerca de 60%

Você também pode gostar