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AULA ONCO 2 – Oncogénese molecular

PARTE 1

Na última aula, terminámos a falar de genes e oncogenes, genes


supressores, mas não falámos dos mecanismos moleculares. Há uma série
de alterações que podem justificar a ativação ou inativação de genes
tumorigénicos:

- Alterações cromossómicas: pegando no slide da aula anterior, de foco no


cancro colorretal, podemos ver que cedo no desenvolvimento tumoral temos a perda do braço curto do C17, e mais
tardiamente teremos com mais frequência a perda do braço longo do C5, ou seja, a deleção, duplicação, são
ocorrências frequências que justificam a inativação de inativação de supressores e ativação de oncogenes.
Uma outra forma de aberração cromossómica é a da LMC (Leucemia mieloide crónica), que leva ao surgimento do
cromossoma de Philadelphia, o cromossoma 22 (vamos falar dele nas TPs), mas não é a única, há muitas
translocações recíprocas que
ocorrem no cancro. Quadro com
exemplos mais frequentes: linfoma
folicular com BCL2, ativação do
CMIC no linfoma de Burkitt.

- Amplificação genética: leva a sobreexpressão de oncogenes. Aqui temos o exemplo do HER2 ou EDFR2, no cancro
da mama. Numa célula normal temos 2 cópias do HER2; em certas células cancerígenas vemos amplificação, que
pode ser de grau maior ou menor, e isto tem importância clínica porque esta amplificação confere mau prognóstico.
Isto também acontece na amplificação de N-MYC no neuroblastoma (>10 cópias, a tendência é para mau
prognóstico).

- Mutações: mecanismo altamente frequente de lesar genes envolvidos em cancro. Voltando ao slide do cancro
colorretal, no início da progressão temos mutações que inativam o gene supressor APC. Por outro lado, temos
mutações na sequência codificante que levam a ativação do KRAS. Mais tardiamente, temos tendência para
mutações inativantes do supressor PTEN.
Aqui temos exemplos de mutações que afetam coding sequence de genes alvo, e em mioblastoma temos grande
frequência de mutações da telomerase, que não afetam genes codificantes mas sim zona promotora: recrutam FR
que levam a ativação constitutiva de transcrição, de forma aberrante.

- Um outro mecanismo de regulação da atividade promotora é a epigenética, através da hipermetilação da zona


promotora de genes supressores de tumor (hipermetilação aqui nestes genes constitui um mecanismo importante
de INATIVAÇÃO ou modulação da expressão génica de uma forma que não afeta o próprio gene, mas a sua
transcrição). Pode, portanto, haver metilação de promotores (inibição) e desmetilação (deixam de estar reprimidos)
A desmetilação é importante porque aumenta a instabilidade genética: faz com que genomas antes silenciados
(retrovirais endógenos) e transposões passam a translocar-se de um local para outro, causando estragos genéticos.
Esta instabilidade genética favorece a progressão do tumor. Há outro tipo de alterações epigenéticas muito
importantes: metilação e acetilação de histonas, e estas marcas nas histonas em resíduos de lisina (e também de
arginina, mas em menor frequência) são muito importantes para determinar se temos cromatina mais compacta,
aberta, se temos mais transcrição ou repressão. Dependendo do tipo de alteração e do resíduo afetado, vamos ter
diferentes consequências, com supressão de certos supressores tumorais ou ativação de certos oncogenes. O grau
de maleabilidade disto é grande (modificações por metilação dependem da lisina que é metilada e também do tipo
de metilação – se é 1-dimetilação, etc). Determina se gene é mais ou menos expresso.

- Alterações de RNA e ncRNA: temos gene supressor PTEN que pode ser inibido transcripcionalmente. Não precisa
de haver alterações no gene ou alterações epigenéticas, mas basta alterações upstrem para alterar a sua transcrição.
Há um conjunto de miRNAs neste caso que vão regular a estabilidade do RNA alvo ou a tradução do RNA alvo,
funcionando como inibidor desse RNA alvo. Estes podem ser portanto definidos como ONCO mRNAs. Tem havido
muitos estudos importantes que demonstram que alterações ou metilação do mRNA também gera mudanças na
atividade do mRNA e no próprio ncRNA, porque estas marcas de metilação vão definir se uma determinada espécie
de mRNA é estabilizada, eliminada ou mais traduzida, dependendo do tipo de marcas.

- Modificações postranslacionais, isto é, na própria proteína. Casos de


Leucemina linfoblastica aguda (PTEN pode estar expresso a nível normal e
até superior, não apresentar mutações de perda de função, mas ter a sua
atividade inativada porque há uma cinase CK2 que está sobreexpressa e
que fosforila e inativa PTEN, mecanismo que é complementado por outro
evento nas células tumorais, que é o aumento das ROS, sobretudo
peróxido de hidrogénio, que também inativa PTEN por oxidação).

HEREDITARIEDADE
- Retinoblastoma pediátrico – é um exemplo claríssimo da
importância da hereditariedade. Pode ser nos dois olhos, ou só
num olho (geralmente nas crianças mais novas). Knudson,
geneticista americano, usou estas observações para lançar a
chamada Two Hit Hippotesis: ambas as copias do gene têm de
ser eliminadas para haver progressão maligna. Num cancro não
hereditário, tem de haver a acumulação de 2 eventos bastante
raros: um de inativação de um dos alelos (raro), seguido de
outro evento que terá de ocorrer na mesma célula (ainda mais
raro) e que levará à inativação do 2º alelo. No caso de um
cancro hereditário, todas as células do organismo já têm à
priori uma deleção de um dos alelos, e apesar de ser um evento
muito raro, é muito mais frequente aqui podermos chegar a ter eliminação de 2º alelo. Ou seja, há uma aceleração
da multistep tumorigenesis, uma vez que um dos seus passos limitantes deixa de estar dependente da pouca
probabilidade de ocorrer a 1ª mutação somática (porque já ocorreu na linha germinativa). O retinoblastoma de um
só olho é frequentemente esporádico e o dos dois olhos é hereditário.

FATORES QUE CONTRIBUEM PARA ORIGEM DO CANCRO


- História familiar (genética tem papel importante e muito relevante em certos tipos de tumores). Mas temos de ter
em conta que história familiar vai para além da genética e inclui estilo de vida, hábitos alimentares: certas famílias
têm propensão para certo tipo de cancro sem haver propriamente alterações genéticas  leva-nos ao tópico da
importância do ambiente na regulação de genes tumorais.

CANCER GENES AND ENVIRONMENT


- Um aspecto importante é a infeção.
 Cancro cervical como exemplo (Papilomavirus), que possui proteínas que inativam diretamente os genes
supressores (E6  P53; E7  pRb). pRb é precisamente o gene do retinoblastoma que falámos, é este o
supressor tumoral inativado naquele contexto. Como tem importância na regulação e paragem do ciclo
celular, não é so neste tipo de cancro que está alterado, é muito geral. HPV é, portanto, um potenciador de
cancro cervical.
 Mas há mecanismos + indiretos que são carcinogénicos, como na hepatite B e C, onde temos inflamação
crónica, porque é geradora de mutagénese. Isto acontece porque a infeção leva a recrutamento de
macrófagos e neutrófilos, que tentam eliminar células infetadas pela libertação de ROS, mas se
determinadas células sujeitas a estes compostos sobreviverem, estão em risco acrescido de terem sofrido
mutações que potenciam desenvolvimento tumoral. Este conceito de inflamação não é só no VHB e C, mas
também no próprio HPV, Helicobater, sendo um aspecto muito importante na génese tumoral, de como uma
infeção por vírus pode afetar estabilidade do genoma.
GENES, HEREDITARIEDADE, AMBIENTE
- Teorias de Darwin (origem das espécies)

O cancro não deixa de ser um ecossistema sujeito às mesmas regras do sistema normal. Se houver uma mutação que
gera vantagem seletiva, vai expandir à custa das outras. Se por seu turno tivermos acumulação excessiva de
alterações, vamos ter clones com uma vantagem seletiva cada vez maior, até que temos o desenvolvimento de um
cancro. Este período de acumulação de mutações que levam a estabelecimento de uma célula completamente
transformada e cancerígena tende a ser longo no tempo (há claro exceções), mas tendencialmente demora décadas.
No entanto, quando temos o surgimento do cancro propriamente dito, a passagem para tumor mais avançado já é
mais reduzida no tempo. Porquê? Pela instabilidade genómica gerada, que cria muita variabilidade e variação que,
de uma forma extraordinária, pode exceder a capacidade do ecossistema para eliminar os clones menos fit em
determinado momento: com a evolução do cancro, a instabilidade genómica tende a acelerar a diversificação para
um nível que pode exceder a habilidade de seleção para eliminar os clones less-fit. Ou seja, a evolução do tumor
pode não ser de forma sequencial como no gráfico, mas, por vezes, por instabilidade genómica, podemos ter
alterações múltiplas e distintas em vários clones tumorais. Ou seja, se
olharmos para um tumor, acabamos por ver diferentes regiões com
predominância de diferentes subclones com diferentes características
mutacionais, ou um tumor em que não há propriamente delimitação de
zonas, tendo subclones misturados uns com os outros, ilustrando a alta
heterogeneidade que pode existir num tecido tumoral.
Apesar de o cancro ter origem clonal, regra geral, com origem num
evento iniciador que ocorreu numa célula normal, a acumulação de
alterações que ocorrem ao longo do tempo faz com que tenhamos na
prática um tecido tumoral muito heterogéneo, e isto tem implicações
clínicas  maior heterogeneidade, maior probabilidade de com
tratamento a pressão seletiva fazer seleção de clones mais fit, que têm
mais vantagem sobre esse novo ecossistema. A heterogeneidade dá
mais armas ao tumor para resistir, porque a célula resistente passa a
expandir.

Será que as células tumorais, que já são heterogéneas, têm algum tipo
de arquitetura que as distingue umas das outras? Há células tumorais
que têm mais capacidade de originar tumor quando transplantadas, ou
seja, são mais tumorigénicas que outras na população neoplástica?
Pergunta respondida nos anos 90 por um grupo de investigação que
transplantou células de LMA para ratinhos imunossuprimidos e registaram o que aconteceu em termos de
desenvolvimento tumoral. Separaram as células tumorais de acordo com a expressão do marcador CD34+ (um
marcador de células hematopoiéticas estaminais). A pergunta era: “será que células malignas que expressem um
marcador estaminal terão maior capacidade para originar um tumor do que células diferenciadas? A resposta é sim,
elas claramente têm mais capacidade que células CD34 negativas para originar tumor. Dentro das CD34+, as que são
CD38 negativas (mais imaturas, mais estaminais, são precisamente as que têm maior capacidade de desenvolver
tumores quando transplantados.

Noutro estudo sobre o cancro da mama, os autores transplantaram a população que constitui o tumor que expressa
CD44 e CD24 e transplantar também a população minoritária que apenas expressa CD44. O que é que verificaram?
Foi que a população minoritária que expressa apenas CD44 era a que tinha capacidade clara de induzir
tumorigénese, eram suficientes para isso. Das restantes, 20mil não eram capazes de induzir um tumor quando
transplantadas para ratinhos imunodeficientes. Ou seja, de facto, há uma estrutura hierárquica, pelo menos em
determinados tipos de cancro, que se assemelha à estrutura hierárquica de um tecido normal, em que temos células
estaminais que se auto replicam (têm self-renewal capacity) e de se diferenciar simultaneamente (ou seja, divisão
assimétrica) em células denominadas Transit Amplifying cells (TACs), que, por sua vez, se vão continuar a diferenciar
e expandir até chegar a células terminalmente diferenciadas. Ora, no cancro, este tipo de arquitetura é similar:
temos as cancer stem cells (células tumorais estaminais), que originam progenia mais diferenciada (TACs) e que têm
menor potencial de self renewal, e com capacidade replicativa limitada.
Como é que nós conciliamos a evolução darwiniana com esta noção de arquitectura hierárquica de um cancro?
A maneira de conciliar estas duas peças do puzzle faz-se admitindo que são precisamente as células estaminais
cancerígenas aquelas que estão sujeitas à pressão seletiva que determina se um tumor vai expandir e que mutações
se vão acumular. Ou seja, mutações que ocorram nas cancer stem cells vão acumular, ao passo que mutações que
ocorram nas TACs tendem a ser perdidas, porque têm capacidade replicativa limitada – ou seja, constituem o tumor,
mas eventualmente acabarão por ser eliminadas. Portanto, é no centro desta árvore que está a seleção natural a
ocorrer em termos de
evolução tumoral. Ou seja, a
genética que associamos à
progressão tumoral multi-
step provavelmente ocorre
numa minoria de células, que
são as células estaminais
tumorais.
É importante ter em conta
que estudos mais recentes
revelaram que algumas das
TAC podem na verdade
reverter para SC,
desdiferenciar-se. Portanto,
as coisas podem ser mais
complexas do que acabamos
de ver e algumas mutações
que ocorrem nas TACs podem
então passar para a célula
estaminal e ser perpetuadas.

Tendo estes 3 pontos chave em atenção (hereditariedade, ambiente e células estaminais), é importante tentar
perceber a importância relativa de cada um dele na progressão tumoral. Este tipo de análises foi feita pelo grupo
de Vogelstein (que também propõe a evolução progressiva do cancro colorretal), que calculou a importância relativa
de cada um destes fatores. Chegaram à conclusão de que a hereditariedade tem o seu peso, mas, por exemplo, tem
maior importância em cancro da mama do que no pulmão. Por outro lado, o ambiente tem maior importância no
desenvolvimento do cancro do pulmão do que mama.
Analisaram também a propensão que um cancro tem para se desenvolver em função da capacidade replicativa das
suas células estaminais. Isto varia de tecido para tecido, mas a capacidade replicativa que um tecido tem está
diretamente associada à propensão de desenvolvimento de certos tipos de tumores: por exemplo, a leucemia está
altamente associada ao facto de as células hematopoiéticas estaminais terem um nº de replicações elevado ao longo
da vida. Ou seja, em geral, há uma correlação grande entre o nº de divisões das células estaminais de um tecido e a
propensão desse tecido para desenvolver cancro, justificando-se pelo facto de, de cada vez que uma célula estaminal
se divide, poder ser alvo de mutações e haver perpetuação dessas mutações. A importância relativa de cada um
destes fatores varia consoante os órgãos.

CANCRO E METABOLISMO
Características principais que impactam uma célula tumoral no que toca à desregulação do metabolismo:

 Há tumores que têm aumentada capacidade de incorporar glicose e aa como glutamina. Isto justifica o uso
de PET-scan para identificar células tumorais.
 A célula tumoral tem também uma plasticidade que lhe permite usar formas oportunísticas de aquisição de
nutrientes: macropinocitose, entose (fagocitar uma célula viva inteira), fagocitose de corpos apoptóticos,
internalização de lípidos de forma não canónica e autofagia (a própria célula para sobreviver degrada
componentes macro do seu citoplasma);
 Série de outras alterações, como o uso da glicólise e do ciclo de Krebs (TCA) como fontes anabólicas, ou seja,
fontes de intermediários para biossíntese e para produção de NADPH, e, portanto, quer da glicólise quer do
TCA temos fontes que permitem síntese de nucleótidos, AG, aa, que células tumorais usam para
proliferarem e aumentarem de tamanho: ou seja, não é só o ATP que importa para as células tumorais!
 Interação metabólica entre célula tumoral e seu microambiente . A célula tumoral geralmente é muito boa a
ir buscar glicose e aa no seu ambiente, ou seja, faz com que o microambiente que a rodeia fique com
escassez neste tipo de nutrientes, logo as células normais que não são tão competentes a ir buscá-las,
nomeadamente as células imunes, ficam menos competentes para montar uma boa resposta imunitária.
Produzem também bastante lactato, e, ele próprio, vai ser fonte de inibição da atividade imunológica de
diversos componentes imunes, sendo que os macrófagos M1 são então subvertidos para macrófagos pró-
tumorais. O lactato tmb aumenta a produção de VEGF nas células endoteliais e estimula a angiogénese.
INTERAÇÃO MAIS DETALHADA COM O SISTEMA IMUNITÁRIO (em particular células T)
A depleção de nutrientes (glicose, aa, a.g), que ficam mais disponíveis para a célula tumoral do que para a célula T,
faz com que a célula T seja menos compentente para montar a resposta imune, havendo um metabolismo
diminuído, a menor formação de células T de memória e, por outro lado, a produção de lactato faz com que, em
geral, o metabolismo seja menos competente e o signaling seja menos competente. Mas não é só o lactato: outros
metabolitos (waste metabolites) também diminuem o signaling da T cell. Esta conjugação de fatores contribui
também para o aumento da capacidade das células T reguladoras (pró-tumorais) funcionarem e uma diminuição da
capacidade de resposta das células T efetoras. Ou seja, para além dos mecanismos que vamos falar mais à frente nas
aulas de imunoncologia (que passam pela menor expressão de MHC pela célula tumoral, pelo aumento do PD1-L),
temos alterações no próprio metabolismo a serem imunossupressoras.

Outro ponto importante é o facto de a


heterogeneidade tumoral não se limitar a
heterogeneidade relacionada com as mutações
adquiridas, mas também a uma heterogeneidade
metabólica: ou seja, nem todas as células tumorais
têm o mesmo tipo de alterações metabólicas:
 Por exemplo, as células da periferia do
tumor tendem a usar a glicólise e TCA para
produzir macromoléculas importantes para a
proliferação e crescimento celulares
 Por outro lado, as células mais próximas do
núcleo do tumor e que, portanto, têm menor
acesso a O2 e nutrientes, vão usar vias
catabólicas (oxidação de a.g,
MACROPINOCITOSE, AUTOGAGIA) para
catabolizarem moléculas que lhes permitam
sobreviver, mesmo que não proliferando em
larga escala.

WARBURG EFFECT – uso de glicólise mesmo na


presença de O2. Este efeito que ocorre em certos
tipos de cancro pode ão ser tão prevalente como inicialmente
se julgava. Ou seja, há muitos tipos de cancro que na verdade
têm um aumento da glicólise, mas que têm um aumento
concomitante da respiração mitocondrial, o que resulta do
facto de serem células com capacidade de usar glucose
aumentada em relação às células normais. Ou seja, podem
usar em parte glicose para produzir mais lactato, mas podem
usar outra molécula de glucose para eventualmente servir de
fonte para o TCA e respiração oxidativa. É importante ter em conta que este efeito acontece, mas que pode haver
aumento da glicólise com aumento concomitante da respiração mitocondrial.

ALTERAÇÕES METABÓLICAS QUE TÊM IMPACTO NA REGULAÇÃO DA EXPRESSÃO GÉNICA

- Exemplo das isocitrato desidrogenases IDH 1


e 2, em particular mais envolvidas no cancro,
havendo também uma outra isoforma IDH3
- Normalmente, convertem isocitrato em alfa-
cetoglutarato no TCA no citoplasma.
- No contexto tumoral, o que acontece é que
há mutações em IDH 1 e 2 que fazem com que,
em vez de converterem aqueles compostos,
produzam 2- hidroxiglutarato, que é um
chamado “oncometabolito”, porque ele se vai
ligar e inibir reguladores epigenéticos que são
altamente importantes para regulação da
expressão génica, nomeadamente de
oncogenes e genes supressores tumorais,
contribuindo para a progressão tumoral
É por causa disto que é frequente termos esta
mutação em diferentes tipos de tumores, e
assim a indústria desenvolveu inibidores
clínicos da IDH, sendo que alguns já são usados
por exemplo na leucemia mieloide.

SUMÁRIO DAS ALTERAÇÕES DO METABOLISMO DO CANCRO

O uptake de nutrientes faz também com que ganhem uma vantagem seletiva, criando ambiente imunossupressor.
Efeito out of the box dos metabolitos.
Tudo somado, podemos dizer que a reprogramação que ocorre no processo de transformação carcinogénica leva a
que forma como o metabolismo é programado seja essencial para sobrevivência e crescimento tumoral, sendo
aberrante e essencial para sua função  assim, as vias metabólicas constituem alvos terapêuticos potenciais e muito
importantes, como no caso da IDH e nos exemplos que serão referidos na 2ª parte.

Questões
1. Bom dia Professor! Tenho uma dúvida! Então a heterogeneidade tumoral é uma condição universal num tumor
mais avançado? Ou seja devido à instabilidade genómica, esta faz desaparecer, por assim dizer, tumores
monoclonais em estados avançados?
Nada é universal, mas diria que sim, regra geral um tumor mais avançado é geralmente mais heterogéneo. Há uma
tendência natural, mesmo sem instabilidade genómica, a haver mutações e tumor se tornar naturalmente
heterogéneo. Com a instabilidade genética on top of that, claro que vão ser muito heterogéneos. Se são
monoclonais ou não: são em origem, mas depois tornam-se heterogéneos, surgindo múltiplos subclones, que
partilham a priori o mesmo evento iniciador (como APC no cancro colorretal), mas depois algumas sub-populações
têm acumulação de grupos de mutações específicas A, B, C, mas na prática a origem continua a ser monoclonal.
2. A presença de marcadores estaminais como forma de maior propensão para o desenvolvimento tumoral é
diferente para tumores hematopoiéticos vs tumores sólidos?
É diferente de tumor para tumor e não necessariamente entre estes.
3. Professor, um cancro pode ser comparado a um agregado de células coloniais, cujas funções variam de acordo
com as necessidades e posições celulares? Diria que sim

4. Professor há pouco falou das cancer stem cells e percebi que disse que tendem a perder as mutações pela
capacidade replicativa. Acho que não percebi bem, pode voltar a explicar pf?
Eu falei das cancer stem cells, e elas NÃO PERDEM AS MUTAÇÕES, mas sim perpetuam, porque têm capacidade de
autorrenovação (origina cada uma uma célula estaminal, divisão que ao mesmo perpetua e por outro lado diferencia
a progenia). O que não vai ser perpetuado é a mutação na progenia das células filhas, porque essas sim, não tendo
capacidade replicativa ilimitada, vão sendo eliminadas. As stem cells são a fonte inesgotável de tumor, que o vai
alimentando. Mas as outras, que são a maior parte, não são eternas e acabam por ser perdidas, sem impacto muito
grande, a não ser que se revertam a estado de célula estaminal!

5. Fiquei com a dúvida agora sobre a diferença entre instabilidade genética e surgimento natural de mutações.
Achava que eram sinónimos...
Surgimento natural de mutações acontece em todas as células, mesmo não sendo agredidas por UV e etc. Mas no
contexto de instabilidade, o que acontece é que houve já alterações em genes que são guardiões da estabilidade
genómica, que estavam lá para manter a estabilidade e garantir que não há excesso de mutações, porque as células
têm mecanismos de proteção e podem ser perdidos. Os tais erros que numa situação normal são raros, passam a
tornar-se extremamente frequentes.

6. Num cancro policlonal então temos várias populações clonais com vários niveis de diferenciação entre sí, certo?
Logo, num mesmo tumor pode haver cancer stem cells diferentes entre si?
Atenção, tenham em atenção que podemos ter cancros policlonais, mas também cancros monoclonais que depois
têm policlonalidade, volto a frisar isto, a origem é monoclonal, mas depois há multiplicação de subclones. Ou seja,
temos SUB policlonalidade, mas claro que também há cancros policlonais em origem. A resposta é sim, pode haver
diferentes populações e subpopulaçõs com vários níveis de diferenciação. A segunda parte é melhor ver na
literatura.

7. Tendo em conta a pergunta do Samuel, então basicamente a instabilidade genómica aumenta a probabilidade
de surgirem mutações é isso? SIM, EXATAMENTE ISSO, DEIXAMOS DE TER MECANISMOS DE CONTROLO E
ACELERA TODO O PROCESSO ONCOGÉNICO.

PARTE 2 – Oncogénese celular e a constituição de uma população tumoral

Hoje vamos tentar alguns processos de carcinogénese e depois a oncogénese celular em perspetiva clínica. A grande
questão colocada desde o início, “porque é que o cancro acontece?” – sabemos que a grande maioria tem a ver com
o estilo de vida, fatores ambientais e a longevidade da população (+ tempo = maior risco de termos alterações no
genoma por erros durante a replicação). A predisposição genética envolve 10% dos cancros da mama. Dentro dos
fatores ambientais, os mais importantes são o tabaco e a dieta, mas é difícil sabermos dizer qual é o tipo de dieta de
mais risco (ex. hidrocarbonetos nas carnes e fumados). O que sabemos é que conta muito a proporção de gordura e
também, e sobretudo, o IMC.
Historicamente, sempre se identificaram agentes químicos/físicos
associados a certos tipos de cancro: limpadores de chaminés com
cancro do escroto. Outros agentes cancerígenos são os asbestos
(amianto nas escolas, na construção pública). Este processo leva
cerca de 20 anos a evidenciar-se, logo é difícil haver um trabalho de
associação entre agente-cancro.

O teste aqui descrito é um teste que ainda hoje vem


citado no RCM dos medicamentos. Sabemos se o
medicamento foi ou não testado in vitro (caso deste
teste). São bactérias que passam a sobreviver
independentemente do meio que têm, porque
adquiriram mutação  logo, o agente que aplicámos foi
mutagénico (pode não ser carcinogénio). Especificidade
de 70%, mas sensibilidade mais baixa. No entanto,
usando enzimas hepáticas permitem melhorar 
muitos dos agentes convertem-se em substâncias
carcinogénicas, e isso depende do nosso ritmo de
metabolização, que tem fatores genéticos envolvidos e
hereditários.

Caso da aflatoxina (fungos, África) – é um pro-


carcinogénio que se metaboliza em carcinogénio e dá
mutações de p53 (se álcool, ainda mais metabolização). Se
temos HCV ou HBV, ainda temos mais carcinogénese. Ou seja,
todos os fatores são importantes na saúde pública para o
cancro.

CANCRO CERVICAL

- Nem todos os genótipos causam a mesma persistência de


cancro do colo do útero.

TABACO –
é como
uma roleta russa, com várias balas: temos agentes químicos e físicos
que são carcinogénicos. Dentro dos químicos, são absorvidos no
epitélio brônquico e é eliminado pelo rim  daí o cancro do rim,
esófago, cabeça e pescoço, epitélio brônquico, urotélio serem mais
em fumadores. Há uma alteração genética muito associada ao
tabaco: KRAS. O não associado a tabaco geralmente não tem KRAS.
Ou seja, aquilo que causa o cancro determina também o seu
comportamento.
- Mesmo diminuindo fumadores, vamos ter cancro associado
a outros fatores cancerígenos
- Cancro de pulmão + melanoma são os que têm mais alto
nível de mutações! Mas também são mais sensíveis à
resposta à imunoterapia.

CAUSAS POSSÍVEIS DE CANCRO

- Estrogénios endógenos ou exógenos? Ambos; com exposição


prolongada, sendo ela natural (+ período fértil) ou não, poderá
ser FR para cancro da mama em alguns indivíduos. Uma das
hipóteses possíveis é que o estradiol é metabolizado – os
catecolestrogénios são genotóxicos (causam mutações no DNA,
e se COMT muito lenta, mais toxicidade porque maior tempo de
permanência).
- Tamoxifeno pode ser usado como quimioprevenção e
tratamento.

- Obesidade e IMC – mulheres com mais TA têm mais estrogénios em


circulação (aromatase periférica); só por mais TA, já têm estado de
inflamação crónica. Alguns possíveis fatores BQ e citocinas, ainda não
se sabe bem mecanismo, mas é um facto inegável da epidemiologia.
Será que excesso de lípidos poderá ser FR para cancro? Estudo em
mulheres antes de cancro da mama, em que algumas faziam dieta que
queriam, e outras tinham intervenção: a % de gordura que comia, não
poderia ultrapassar 32%. Só com esta intervenção e mais nenhuma, concluímos que de facto, mais do que diminuir a
incidência do cancro da mama, DIMINUÍA-SE O Nº DE MORTES POR CANCRO DA MAMA! Ou seja, pessoas com
cancro da mama e dieta com alta percentagem de gordura, com mau IMC, têm maior risco de cancro da mama e
risco de cancro da mama MAIS AGRESSIVO.
- Em ambos os sexos: mama, endométrio, cólon, rim, pâncreas associados a aumento do IMC
Cancro esporádico – 80% é por exposição a carcinogénios endógenos, ativando uma primeira célula tumoral –
história familiar é muito importante. Alguns casos que não conseguem ser explicados (tabela).

- Artigo: “se uma pessoa que tem determinado tipo de alimentação, IMC e exposição a fatores cancerígenos, porque
é que tem mais propensão a X cancro do que Y?” A resposta possível é que as stem cells desses órgãos têm nº de
divisões diferentes característico  quanto mais divisões, mais erros possíveis.
Isto explica uma boa parte da incidência do cancro, mas não todo  e o fator extrínseco que ajuda explicar o resto é
que o IMC também tem importância na probabilidade de desenvolver cancro: órgãos mais susceptíveis são os de
influência hormonal – mama e próstata.
- Como explicar a um doente quando ele pergunta “porque é que este cancro me atingiu a mim?”: analogia da
viagem de carro (quanto maior, com problemas intrínsecos nas rodas = problema genético, tempestades = hábitos
alimentares).

MULTI-STEP TUMORIGENESIS – estilo de vida, alterações genéticas, hereditárias


O que vemos do ponto de vista clínico são alterações anatomo-patológicas sequenciais que são o caminho para o
carcinoma: hiperplasia  displasia (morfologia diferente)  carcinoma in situ (é uma lesão pré-maligna, sem
metástase, sem risco de letalidade)  passo gigante para carcinoma invasivo (pode ser curado, mas depende da
altura!). Às vezes encontramos no mesmo doente carcinoma invasivo e in situ! Imagem de um adenoma, e na base
dele já temos tumor invasivo. Temos a certeza de que o adenoma é a origem deste cancro? Sim, porque há
evidências que apontam fortemente para isso:
 Epidemiológicas - diminui cancro com polipectomia
 Nós sabemos que pessoas com defeito genético no gene APC (oncossupressor) têm PAF e alto risco de
cancro
 Bert Vogelstein propôs tumorigenese do cancro do colon (sequência) – através de observações histológicas,
colonoscopias. Alterações hoje em dia muito bem determinadas. Começa com APC, mas depois KRAS
(oncogene) e a alteração de outro oncossupressor (p53) surge já numa fase mais avançada.
Inicialmente, achava-se que não tendo mutação KRAS no tumor, nunca o adquirirá na metástase. Mas não é
verdade, porque alguns dos clones apresentam esta mutação.
Hoje em dia, sabemos que no cancro do colon há duas grandes vias:
 Adenomas (APC) = 80%
 Instabilidade microssatélite (alteração nos mismatch repair genes), não formando adenomas = 20%, que
ocorre mais frequentemente na síndrome de lynch (HNPCC). As
pessoas herdam este defeito e têm mais propensão para cancro do
cólon direito, sem polipose.

Se tratarmos o cancro do colon da mesma maneira, há diferença se é à


direita ou à esquerda? Há uma diferença enorme! A explicação científica é
que o cólon direito tem origem emrbiológica diferente do esquerdo, e a
proporção de mutações que encontramos são diferentes, que podem ser
importantes para risco de metastização.
Portanto, o processo começa muitos anos atrás (prevenir = implica
intervenção forte na sociedade, escolas, saúde pública, rastreios – mas
podemos gerar OVERdiagnosis, temos de saber qual é que efetivamente tem mais risco para tratar só essa). Quando
é metastático, raramente conseguimos tratar.

Caso – doente com 34 com falta de ar, tumor que infiltrou septos interalveolares – Linfangiose carcinomatosa.
Depois de tratamento, desapareceu. Mas morreu com metastização hepática  será que havia resistência de células
no fígado? Seriam stem cells?
Ou seja, há a teoria de que estas SC são células que se não eliminadas podem rapidamente repovoar o tumor. Mas
eliminando estas, conseguimos curar todos os cancros? É verdade que elas originam as populações tumorais, mas
estas transit amplifying cells também são capazes de se tornar SC! Ou seja, curar o cancro implica eliminar TODA a
população tumoral do hospedeiro – parte com tratamento, parte esperando que o SI do doente elimine o resto.

Células ganham indiferenciação, afastamento do tecido de origem e mais resistência. Caso de doente com cancro da
mama que tinha tudo para ser curado (muito hormonodependente, oncoproteína HER2 pouco amplificante, mas
tinha G2, que do ponto de vista genómico pode ser muito mal comportado ou bem comportado). Fez tamoxifeno,
mas teve metástases hepáticas, que continuava a ser hormonodependente, continuou-se tratamento, mas deixou de
ter receptores de progesterona e passou a adquirir uma nova oncoproteína, que pode ser alvo de nova terapêutica.
Ou seja, há este processo de seleção de clones, e HER2 não é por sobreexpressão, mas por existir.

Paper determinante para a heterogeneidade de tumores: as metástases podem ser muito diferentes entre si. O
cancro do rim é dos tumores em que vale a pena eliminar tumor primário apesar das metástases.
Comparou-se tumor de rim num doente com metástases na parede do tórax e pulmonares, que foram biopsadas e
comparadas com tumor primário  houve uma semelhança entre as metástases só numa das moléculas  tronco
comum em todos os cancros do rim (mutação VHL = mais HIF = angiogénicos), mas depois um conjunto de mutações
só presente nas metástases.
No fundo, esta árvore filogenética tem muita semelhança com as árvores desenhadas por Darwin. Provavelmente
começamos com 1 célula, a primeira de origem tumoral (excepto nas de origem policlonal), que origina células
diferentes (ou por mutações, ou por expressão de genes diferentes).

Oncogenes e seleção clonal


Podemos ter ativação de oncogenes que explicam a
constituição de população tumoral, estas têm stress
replicativo, sofrendo lesão de DNA, mas as que têm apoptose
intacta morrem; as que têm mutação da P53 (NÃO TEM
APOPTOSE) sobrevivem, adquirem mais mutações, além de
que estas células são muito resistentes a lesão tumoral
induzida por quimioterapia  ou seja, sobrevivem mais a
lesões fatais. P53 é uma mutação em quase os tumores
sólidos e determina resistência a tratamento, com
sobrevivência de células tumorais que conseguem adquirir
novas mutações e colonizar novos órgãos!

Carcinoma in situ torna-se “carcinoma invasivo” quando invade a membrana basal, ou quando já metastizou para
outros locais? Quando invade a membrana basal! Sabe-se é que a partir dessa altura já tme risco de metastizar.

Quando deu o exemplo do cancro colo-rectal referiu que, de acordo com o modelo de Bert Vogelstein, ocorreria
uma mutação no gene APC, seguida de mutação em K-ras e eventualmente no p53, que levariam ao
desenvolvimento do cancro...mas não é raro as mutações em ras e p53 coexistirem? No caso do cancro do cólon. O
que é raro coexistirem é mutações de oncogenes, e não oncogene+ supressor de tumor.

- O cancro, mesmo sem a pressão seletiva do tratamento, vai adquirir novas mutações que competem entre si. Por
vezes, com tratamento só o tornamos mais agressivo quando já existem muitas metástases. Não se curam mulheres
com cancro da mama e metástase hepática, mas sim cancro do colon com metástase hepática, mas este caso foi
uma excepção.

Quando o professor relacionou o cancro com a imunoterapia, disse que os cancros com maior número de
mutações são mais difíceis de tratar. Isso é justificado por uma maior heterogeneidade do cancro e consequente
maior adaptabilidade? não percebi bem, pode esclarecer sff
São mais difíceis de tratar, mas alguns têm mais propensão à IMUNOterapia (volta a ativar células T antes
bloqueadas por PD1). Porque têm mais mutações, maior propensão a terem desenvolvido neoantigénios.

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