Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
FACULDADE DE LETRAS
1
O CINEMA NO ENSINO DA HISTÓRIA: O FILME TRÓIA
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Resumo
Abstract
This report aims to describe the research developed in the area of cinematographic
contributions in History didactics, more specifically the movie Troy (2004). In question is the
historical validity of the work, considered by many historians as a poor adaptation of
Homer’s Ilíad. The proposal defends the film as a very useful tool to explain to the students,
in a more dynamic way, the origins of the Greek civilization, the traditions and also the
classical culture, The History teacher, in articulation between the cinematographic and
literary sources, would transmit a set of information much more attractive and graspable by
the students.
2
O CINEMA NO ENSINO DA HISTÓRIA: O FILME TRÓIA
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Índice
Introdução …………………………………………………………………………………...4
Bibliografia ………………………………………………………………………………... 18
3
O CINEMA NO ENSINO DA HISTÓRIA: O FILME TRÓIA
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Introdução
Os programas do 7.º ano do 3.º ciclo do Ensino Básico e do 10.º ano do Ensino
Secundário compreendem temas organizadores no âmbito da herança do mediterrâneo antigo.
Ora, a História da Grécia Antiga não é reduzida ao ápice do século V a.C., onde a
democracia, a filosofia e as artes floresceram; apoiados nos trabalhos arqueológicos, os
historiadores corroboraram a existência de outras civilizações que antecederam os gregos: a
civilização egeia1 e a civilização micénica2. O desenvolvimento dos povos da bacia do mar
Egeu deve-se, sobretudo, ao processo expansionista amplamente otimizado pela geografia
local, que permitia o uso de meios de transporte marítimo para praticamente todas as regiões.
É nesta ordem de pensamento que os historiadores e os arqueólogos ponderam a veracidade
da Guerra de Troia3. A fonte mais promissora que narra este acontecimento militar é a Ilíada
de Homero, visto que, como evidencia Hatzfeld, “(...) a epopeia grega tem um valor
histórico incontestável, pois é o primeiro documento escrito de origem helénica a recordar
esta época de conquistas”4. Com base nestas informações - dados muito importantes no
ensino e na aprendizagem da História -, importa conferir a autenticidade do filme Tróia, e a
sua relevância enquanto ferramenta didática.
1
(Hatzfeld, 1965, p. 38): A civilização Cretense ou Egeia, com os seus 1500 anos de História, entre 3000-1500
a.C., demonstra possuir características homogéneas, o que a distinguia dos aglomerados populacionais
pré-helénicos.
2
Idem, p. 35: A civilização Micénica emerge, segundo as referências egípcias, entre 1400 e 1100 a.C. Esta teve
origem na imigração de povos indo-europeus - Italiotas, Celtas e Germanos - para a península dos Balcãs.
3
Idem, p. 34: Um conflito militar que terá ocorrido em cerca de 1200 a.C., na região noroeste da Ásia Menor.
4
Idem, p. 34.
4
O CINEMA NO ENSINO DA HISTÓRIA: O FILME TRÓIA
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Embora o tema seja incomum, outros trabalhos foram desenvolvidos neste campo.
Nesta questão, além do filme Tróia e da Ilíada, a investigação apoiou-se na obra editada por
Martin Winkler, “Troy From Homer’s Iliad to Hollywood Epic”, e no artigo científico de
Matheus Cruz, “Troia: uma reflexão sobre cinema, história, tradição oral e sala de aula”,
estudos que refletem e discutem os erros historiográficos da produção cinematográfica, e
ainda, valorizam a obra como “(...) uma rica fonte em sala de aula”5. Por último, para o
contexto histórico, socorreu-se à obra de Jean Hatzfeld, “História da Grécia antiga”.
1. A Didática da História
5
(Cruz, 2021, p. 215).
6
Idem, p. 216.
7
(Cardoso, 2008, pp. 165-166).
8
(Cruz, 2021, p. 216): Dividida em três incumbências - a empírica, a reflexiva e a normativa -, a ação
compreende o processo de circulação do conhecimento histórico.
9
Idem, ibidem: Consiste numa atividade mental que trabalha a memória histórica.
10
Idem, ibidem: Implica o pensamento da produção e circulação de conhecimento escolar.
5
O CINEMA NO ENSINO DA HISTÓRIA: O FILME TRÓIA
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
“Se a História escolar é uma criação da escola, e não uma versão simplificada da ‘História
dos historiadores’, a Didática da História não pode ser uma coleção de métodos (...) utilizáveis tanto
no ensino de História quanto no de outras disciplinas escolares”11
Primeiramente, pode o cinema ser considerado uma fonte histórica? Esta questão
pode, e deve, ser desconstruída. Na visão de Rüssen, o produto cultural requer um sentido, ou
seja, as fontes devem permitir ao sujeito adquirir capacidades de compreensão do mundo
onde está inserido12. Ao contrário do que muitos historiadores contemporâneos salvaguardam,
esta tese considera a narração como o método de construção de sentido; neste entender,
“narrar é um procedimento mental próprio à constituição humana de sentido [...] (e) um
narrar é histórico quando se refere a acontecimentos reais do passado”13. Equitativamente
aos historiadores de outrora, como Heródoto e Plutarco, a estrutura narrativa é usada para
ordenar e dar sentido aos acontecimentos do passado.
Tendo por base este método, tal como o historiador, também o cineasta elabora uma
seleção e análise de temas, de modo a construir um sentido narrativo.14 No artigo de Cruz, o
autor corrobora com Ismail Xavier numa perspetiva muito pertinente; o estudioso deixa claro
que o cinema é predominantemente um discurso do cineasta, “(...) de certa forma ficcional,
construído e controlado por uma fonte produtora”15.
11
(Cardoso, 2008, p. 157).
12
(Cruz, 2021, p. 217).
13
Idem, ibidem.
14
Idem, p. 218.
15
Idem, ibidem.
16
Idem, p. 219.
6
O CINEMA NO ENSINO DA HISTÓRIA: O FILME TRÓIA
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
17
(Cardoso, 2008, p. 159).
18
(Cruz, 2021, p. 219).
19
Idem, p. 220.
20
Idem, p. 219.
7
O CINEMA NO ENSINO DA HISTÓRIA: O FILME TRÓIA
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
2. A Guerra de Troia
21
(Winkler, 2007, p. 20).
22
A teoria mais plausível que vai ao encontro da cultura grega, é tanto a Ilíada como a Odisseia serem a união
de um conjunto de contos orais, congregados por um ou mais autores da época.
8
O CINEMA NO ENSINO DA HISTÓRIA: O FILME TRÓIA
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
de quatrocentos anos após a Guerra de Troia.23 O extenso período cronológico entre as duas
ações prejudica a veracidade das informações históricas e culturais transmitidas na epopeia;
em concordância com esta tese, Martin Winkler assume que “(...) in Homer’s time Troy was
largely in ruins and probably had already become an object of legends and myths”24.
Todavia, por mais defeituosa, a Ilíada permanece a principal fonte do conflito militar, sendo
poucos aqueles que contrariam este pensamento.
3. O Filme Tróia
23
(Winkler, 2007, p. 21).
24
Idem, p. 24.
25
Idem, ibidem: “(...) an exterior settlement south of the citadel of Troy”.
26
Idem, p. 25.
27
Idem, ibidem.
28
Idem, p. 26.
9
O CINEMA NO ENSINO DA HISTÓRIA: O FILME TRÓIA
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
diretor alemão, Wolfgang Petersen. O investimento de 180 milhões de dólares provou ser
positivo, isto porque o filme obteve uma das maiores bilheteiras entre as obras
cinematográficas com temas históricos.
3.1. Contexto
29
Idem, p. 2.
30
Idem, pp. 2-3.
31
(Cardoso, 2008, p. 221).
32
Idem, ibidem.
33
(Winkler, 2007, p. 3).
34
Idem, p. 109.
10
O CINEMA NO ENSINO DA HISTÓRIA: O FILME TRÓIA
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Benioff’s declaration and subsequent similar statements from others involved in the film, the
close association with Homer’s epic refused to go away”35. Embora com determinadas
incoerências e erros históricos, a Ilíada é indubitavelmente a principal fonte dos produtores
desta obra cinematográfica. Os equívocos tanto podem ser considerados voluntários ou
involuntários, dado que, por um lado, a equipa não possuía oficialmente nenhum historiador
ou arqueólogo para executar uma revisão científica; por outro, o objetivo dos produtores não
era seguir rigorosamente a narrativa da Ilíada, isto podia ser considerado demasiado
instrutivo e pouco atrativo para o público.
3.2.1. As Personagens
35
Idem, ibidem.
36
Idem, p. 21.
37
(Cardoso, 2008, p. 222).
11
O CINEMA NO ENSINO DA HISTÓRIA: O FILME TRÓIA
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Com base nas fontes, subentende-se que, com um enredo distinto, as personagens
também sofrem alterações. Isto verifica-se não só na existência física e psicológica dos
indivíduos, mas também nas suas características e ações. O processo seletivo protagonizado
por Benioff,38 resulta particularmente da necessidade de articular a narrativa do filme com o
mito histórico.
Partindo do pressuposto que o final do filme Tróia não coincide com o destino trágico
do poema, não se pode desconsiderar a fatalidade dos personagens. Martin Winkler crê que,
“If it were to be true to the Iliad or to Greek myth and literature, those characters functioning
as villains would survive while more sympathetic characters would be dead or enslaved”40.
38
(Winkler, 2007, p. 112): Como evidência Martin Winkler, determinados episódios como “(...) the sacrifice of
Iphigenia, the prophecies of Cassandra, and the grief and defiance of Hecuba”, são deixados de parte.
39
Idem, p. 113.
40
Idem, pp. 113-114.
12
O CINEMA NO ENSINO DA HISTÓRIA: O FILME TRÓIA
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Este pensamento é suportado por episódios das obras. Em Tróia, Menelau e Agamémnon,
apesar de terem sido aqueles primeiramente afetados pelos atos inconscientes de Páris, são
caracterizados como os vilões da obra, terminando por morrer em campo de batalha. Dentro
da mesma obra, Páris, aquele que comete esses atos, consegue escapar ileso da cidade,
acompanhado por Helena e o seu filho. As diferenças entre o filme e a fonte literária são
discrepantes em determinados momentos da narrativa, um exemplo é o destino do filho de
Páris e de Helena, que segundo Eurípides, “(...) is hurled to his death from the walls of Troy”
41
. Ainda assim, embora o filme dê valor a uma visão bastante antagónica do poema, para
muitos espectadores, torna-se ainda complicado escolher um lado na narrativa.
3.2.2. A Sexualidade
41
Idem, p. 114.
42
Idem, p. 115.
43
Idem. ibidem.
13
O CINEMA NO ENSINO DA HISTÓRIA: O FILME TRÓIA
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
fontes; no filme é explicado como parte do contexto familiar, mais concretamente por serem
primos; entretanto, no poema é entendido como parte do contexto de amizades, visto que
eram amigos de infância. A maioria dos historiadores e arqueólogos contemporâneos
concordam com a dita relação carnal entre as duas personagens, apesar de, “(...) is nothing in
Homer concerning this, it appears in later versions of the myth”44. Matheus Cruz, por
exemplo, acredita que, “(...) pelo escamoteamento das relações entre Aquiles e Pátroclo, que
no filme são primos, mas que na Ilíada são amigos que, muito provavelmente, mantinham
relações homo afetivas”45. Nesta questão, os produtores do filme praticamente
contradisseram-se, aceitando a acusação de terem produzido uma adaptação da Ilíada; isto
porque, quando questionado sobre o assunto, David Benioff defendeu-se com: “I found
nothing in the text”46.
Aquiles, filho do herói Peleu e da ninfa Tétis, tido como o guerreiro mais forte da
Grécia Antiga, é entendido no filme como um sinónimo de masculinidade. Os críticos
acreditam que a não adaptação desta particularidade é uma forma dos estúdios
cinematográficos protegerem os atores, conservando simultaneamente uma visão homofóbica
pouco acarinhada. Martin Winkler pondera esta hipótese através de um episódio específico do
mito: a morte de Pátroclo. O autor considera que o contexto da relação entre Aquiles e
Pátroclo “(...) never seems close enough to present an adequate motivation for the
grief-driven rage that seizes Achilles after Patroclus’ death”47. No filme, Pátroclo é morto
acidentalmente por Heitor em combate, enquanto vestia os equipamentos de Aquiles; isto
gera uma grande revolta no herói, que parte para um duelo individual com Heitor, o mesmo
que termina por ganhar. A partida de Pátroclo para a batalha está conectada ao isolamento
militar de Aquiles, que por desentendimentos com Agamémnon decidiu não avançar. A
narrativa é profundamente diferente na epopeia, ainda que permaneça o confronto central
entre as duas personagens, e o impasse da entrada de Aquiles na guerra, o que mudaria o
rumo da mesma. A obra de Homero apresenta uma reação mais tradicional de Aquiles, que
conta com o célebre funeral de Pátroclo, seguido dos jogos desportivos à sua homenagem.
44
Idem, p. 113.
45
(Cardoso, 2008, p. 222).
46
(Winkler, 2007, p. 113).
47
Idem, p. 113.
14
O CINEMA NO ENSINO DA HISTÓRIA: O FILME TRÓIA
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
3.2.3. A Mitologia
48
(Cardoso, 2008, p. 222).
49
(Winkler, 2007, p. 114)
50
Idem, ibidem.
51
Idem, ibidem.
52
Durante o período Micénico, e mesmo posteriormente, os gregos eram os representantes da vontade dos
deuses. Construíam templos, organizavam festividades em sua honra, praticavam sacrifícios em sua
homenagem, procuravam consultar os deuses para obter respostas para os seus problemas - exemplo do oráculo
de Delfos -, derramavam libações à sua divindade, entre outras atividades.
15
O CINEMA NO ENSINO DA HISTÓRIA: O FILME TRÓIA
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
mais bela do mundo: Helena de Esparta. Contrariamente, no filme é a atração de Helena por
Páris, em aversão ao seu casamento infeliz com Menelau, que origina a guerra.
Considerações Finais
A investigação produzida constitui-se como uma forte proposta didática para o ensino
de História. O recomendável seria usar o filme como ferramenta complementar de ensino
entre o 7.º ano do 3.º ciclo do Ensino Básico e do 10.º ano do Ensino Secundário, pois são
53
A ira de Apolo com os aqueus surge com a não restituição de Briseida, no entanto, também o filme dá provas
deste confronto com o deus, através do saque do seu templo nas praias de Troia.
54
(Winkler, 2007, p. 115).
55
Idem, ibidem.
56
Os historiadores discutem a veracidade deste utensílio militar, sendo que muitos o associam à personagem
divina de Poseidon; portanto, Troia teria caído por conta do apoio do deus dos mares, o que pode significar a
ocorrência de um sismo ou de um tsunami.
16
O CINEMA NO ENSINO DA HISTÓRIA: O FILME TRÓIA
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
anos escolares que contêm temas programáticos na área das civilizações clássicas. O filme
Tróia comprova ser um instrumento promissor para explicar as origens da Grécia Antiga,
desde a civilização Egeia e Micénica, e todo o processo expansionista que resultou no apogeu
do século V. a.C. Infelizmente, a adaptação cinematográfica deixa a desejar com os
anacronismos, entre outros determinados elementos culturais e mitológicos presentes na
Ilíada de Homero, e ainda noutras obras clássicas posteriores.
17
O CINEMA NO ENSINO DA HISTÓRIA: O FILME TRÓIA
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Bibliografia
Cruz, M. (2021). Troia: uma reflexão sobre cinema, história, tradição oral e sala de
aula. Revista de Pesquisa Histórica - CLIO (vol. 39), pp. 215-231.
Winkler, M. (Ed.). (2007). Troy From Homer’s Iliad to Hollywood Epic. USA:
Blackwell Publishing.
18