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CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO DO CAMPO

- Que currículo de ensino médio para as escolas do campo?


- Quais as especificidades desse currículo? Quais as generalidades?

- Há ainda um grande debate acerca de duas questões que se defrontam na Educação


do Campo, quando se discute currículo:
1- formação geral x formação profissional
2. unidade x diversidade
3. especificidades x generalidade
4. global x local
5. Saber popular / empírico x saber sistematizado / saber científico

O grande desafio está na construção de um Currículo que favoreça uma formação


integral e integradora, que possa superar a formação dualista e fragmentada, caracterizada
pela divisão social do trabalho, permitindo - aos sujeitos do campo o pleno exercício da
cidadania, o que significa participar ativamente do mundo em que vivem, do mundo do trabalho,
da ciência, da tecnologia, da arte, da cultura; participar como consumidores e produtores de
conhecimento;
Um currículo que permita aos sujeitos do campo estudar, compreender e intervir
na sua realidade, mas não se restrinja ao local, que favoreça a relação entre o local e o global;
que considere a unidade, mas também a diversidade; que garanta aos sujeitos do campo o
acesso ao conhecimento histórico e socialmente acumulado pela sociedade e que lhes foi negado
ao longo da história, mas que também valorize o saber popular, a memória coletiva, as
representações sociais formadores da identidade, da relação e sentimento de pertencimento;

Um currículo articulador / fomentador de um projeto de desenvolvimento do campo


– não só econômico, mas social, cultural político por meio da produção do conhecimento, de
tecnologia, de cultura, vinculado a estratégias de economia solidária; favorecer um modelo de
desenvolvimento do campo baseado numa outra matriz tecnológica diferente da adotada pelo
agronegócio, articulado aos arranjos produtivos e sócio-culturais, tanto locais quanto territoriais,
na perspectiva do desenvolvimento sustentável do campo; possibilitar reflexão sobre as vivências
dos sujeitos para busca de soluções de problemas da comunidade por meio de um processo de
ação-reflexão-ação permanente envolvendo saber popular e saber científico, o local e o globale
que permita o aprofundamento no conhecimento científico e historicamente acumulado;
Currículo que possa favorecer o resgate e valorização da identidade dos sujeitos
do campo; desconstrua estereótipos, preconceitos (visão positivada ou negativizada do campo);
superar a antinomia campo-cidade; e que estimule a auto-estima; o sentimento de pertencimento
fundado na crítica
Currículo que contribua para formar e fortalecer sujeitos coletivos e integrados com
os processos formativos que acontecem fora da escola, favorecendo a formação de agentes
políticos e a valorização de lideranças engajadas no processo de emancipação cultural, política,
social e econômica do campo;

Um currículo que seja propulsor de uma nova relação entre conteúdo e método –
relação de unidade; Para transformar a educação não bastava alterar os conteúdos escolares, é
preciso mudar o jeito da escola, suas práticas, seus valores, sua estrutura de organização e
funcionamento. integrar saberes, fazeres e modos de pensar, tendo o estudo como capacitação
para leitura crítica da realidade, para visão sistêmica e para a emancipação intelectual e
produtiva;

Um currículo que considera a temporalidade e territorialidade do campo – a


pedagogia da alternância tem se mostrado uma estratégia eficaz nessa perspectiva;

Princípios do currículo do ensino Médio do Campo


O trabalho como princípio educativo
Educação voltada as várias dimensões da pessoa humana
Educação para a transformação social
Realidade do campo como base da produção do conhecimento
Unidade Teoria-prática
O desenvolvimento do espírito investigativo
Vivência de processos democráticos e participativos

Considerando-se esses elementos, destacaremos os seguintes aspectos na estruturação


do currículo integrado.

1. Sistematizar um percurso formativo que possibilite a vivência de diferentes momentos e

estratégias na apropriação, construção e reconstrução do conhecimento. A sistematização de


um percurso formativo é importante no estabelecimento de pontos de partida e de chagada no
processo de ensino e aprendizagem, definindo processos compartilhados de estudo,
pesquisa, aprofundamentos de teorias, ações de intervenção na realidade e produção
científica. O percurso formativo é, portanto, um referencial didático de educadores e
educandos na caminhada da construção de saberes.

2. Selecionar objetos e temas de estudos fundamentais considerando seus significados

social e pedagógico, isto é, a seleção dos temas de estudo deve levar em conta sua
importância para a compreensão da realidade do campo, não somente na esfera local, mas
regional e global. Os temas de estudo não podem ser escolhidos ao acaso ou por imperativo
de uma disciplina ou ainda por um determinado fato do cotidiano, mas no plano social, não
perdendo de vista a função social da escola de transmitir, reconstruir e construir
conhecimentos. Por outro lado, os temas de estudos não são uma concentração de disciplinas
sobre um mesmo assunto, em todos os momentos, na mesma quantidade de tempo, mas a
articulação das disciplinas em torno de uma mesma idéia, a um mesmo objetivo; Também, os
temas não podem ser estanques entre si; é preciso manter uma relação entre os sucessivos
temas, os quais devem constituir uma totalidade, dentro de um determinado agrupamento de
alunos ou séries a partir dos objetivos da série, do curso e da escola.

3. Problematizar fatos, fenômenos e situações, colocando-os como objetos de investigação,

buscando compreender sua essência em múltiplas perspectivas: histórica, econômica,


cultural, social, tecnológica, produtiva e nas suas múltiplas relações. A problematização
deverá conduzir o processo de construção do conhecimento, relacionando fatos, fenômenos,
idéias, conceitos, teorias, formando uma teia de perguntas e repostas sucessivas na busca de
explicação da realidade. Nessa perspectiva, o tema (ou temática) dá origem a outros temas
menores, sendo que um estudo vai conduzindo a outro, cujo limite será, didaticamente,
estabelecido, considerando a série, o nível, a região e os objetivos estabelecidos.

4. Selecionar e explicitar teorias e conceitos fundamentais para a compreensão dos fatos e


fenômenos problematizados em suas múltiplas dimensões, identificando suas relações nos
diferentes campos do conhecimento. Assim, é possível definir conceitos, teorias e campos de
conhecimentos mais relevantes para compreensão do objeto de estudo. Há que se dar ao aluno
horizontes de captação do mundo além das rotinas escolares, dos limites do estabelecido, do
normatizado, do imediato, para que ele se aproprie da teoria e da prática, como um todo, que
tornam o trabalho uma atividade criadora, fundamental ao ser humano.
5. Contextualizar conceitos como conhecimentos de formação geral e específica, tendo
como referência a base científica dos conceitos e sua apropriação tecnológica, social, política e
cultural. A possibilidade científico-tecnológica de uma usina de arroz está no uso de
procedimentos técnicos, em conhecimentos básicos de física; mas também de matemática, de
política, de história. O uso do maquinário, o beneficiamento do arroz, sua distribuição, sua
finalidade, os diferentes usos que dele se farão socialmente, exigem que se mobilize diferentes
saberes, de diferentes naturezas, permitindo ao agricultor planejar, formular, agir, decidir frente às
situações da realidade concreta do mundo do trabalho.

6. Organizar componentes curriculares e práticas pedagógicas que permitam a


compreensão numa perspectiva de totalidade e de síntese. O processo de construção de
conhecimento se dá a partir de sucessivas e ampliadas sínteses na perspectiva de compreensão
global do fenômeno estudado. O processo de construção de sínteses (sistematização dos
conhecimentos apreendidos de forma integrada) deve possibilitar o retorno à realidade, aos
fenômenos e às teorias, com olhar crítico e mais ampliado, tendo em vista os objetivos do ensino
traçados para aquele conjunto de estudos e atividades. A produção de síntese é um exercício
fundamental para a consolidação do processo de construção do conhecimento, a percepção dos
resultados de todo o trabalho realizado e as relações existentes entre os diversos fatos,
fenômenos, conceitos e conhecimentos das diversas áreas.
7. Planejar e organizar o trabalho pedagógico coletivamente é condição essencial para o
currículo integrado. A seleção dos temas de estudo, das estratégias de trabalho, a definição dos
conhecimentos de cada disciplina deve ser objeto de reflexão e debates coletivos entre a equipe
de educadores e coordenadores. O currículo integrado só se efetivará se o trabalho dos
educadores também for integrado.

– ter o trabalho como princípio pedagógico, onde o processo educativo se desenvolve


para o trabalho e pelo trabalho;
– oferecer formação escolar geral e específica para o trabalho, dando condições ao
educando de fazer sua opção profissional.

o currículo de Ensino Médio Integrado do Campo precisa incluir conteúdos da


formação profissional de forma integrada aos conhecimentos das ciências, das letras e das artes,
sem aligeiramento do processo educativo, preservando-se ao máximo o grau de complexidade,
para dar condições ao jovem camponês de continuar seus estudos, inclusive com o ingresso no
Ensino Superior.
Cada curso deve se organizar a partir de um Plano de Formação estruturado em torno
de eixos articuladores e eixos temáticos, que serão trabalhados de forma integrada com as áreas
do conhecimento e conhecimentos técnicos. O Plano de Formação deve contextualizar a
formação escolar e profissional e articular saberes técnico-científicos com saberes locais.
A definição do currículo deve partir de objetivos específicos de cada turma articulados
com os objetivos gerais de cada curso. Para isso, deve ser realizado um bom diagnóstico da
realidade local/territorial que orientará a área profissional do curso. Posteriormente, já com a
participação dos educandos, famílias e monitores, realizar atividades de
conhecimento/aprofundamento da realidade da comunidade para definição dos eixos temáticos e
seu planejamento curricular durante o percurso formativo.
É importante destacar que o currículo integrado não precisa (não pode, não permite
essa visão) ser estático. Ao contrário, é importante que acompanhe a dinâmica de cada turma e
da realidade local/territorial.
Devem ser trabalhados os conteúdos das áreas de conhecimento da Base Nacional
Comum, destinadas à formação escolar geral integrados aos conteúdos de cada formação
profissional proposta. Por exemplo, no caso de curso técnico em agropecuária devem ser
trabalhados conteúdos de Cooperativismo e Associativismo, Zootecnia, Agricultura, Economia
Rural, Horticultura, Artesanato, Administração Rural, Educação Familiar, entre outras – que pode
variar de acordo com as necessidades e objetivos de cada escola.
É importante enfatizar que a diversidade cultural e sócioeconômica e a pluriatividade
observada no meio rural brasileiro, demanda hoje a formação em outras áreas profissionais além
da formação em agropecuária. Assim, as instituições de ensino deverão diversificar a oferta com
outros cursos, de acordo com os arranjos produtivos e sócio-culturais locais, como por exemplo:
turismo rural, agente de saúde, meio ambiente, entre outros.
Quando for adotado o regime de alternância, o processo de formação do educando
deve ser estruturado com períodos de vivência na escola e na propriedade rural, alternando-se
assim formação teórica com a prática, que engloba a preparação para a vida associativa e
comunitária.
A articulação dos períodos de formação na escola e na propriedade é realizada por
atividades programadas, que deverão ser acompanhadas por monitores e professores e/ou pelo
uso de instrumentos pedagógicos pré-definidos.
Portanto, o desenvolvimento da habilitação profissional no ensino
médio é uma possibilidade legal e necessária aos jovens brasileiros, devendose
ter assegurada a formação geral, de acordo com as finalidades dispostas no
artigo 35 e com os princípios curriculares a que se referem o artigo 36.

Nesse contexto, a politecnia relaciona-se com “domínio dos


fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo
de trabalho moderno” (Saviani, 2003, p. 140). De acordo com essa visão, a
educação escolar, particularmente o 2º grau, deveria propiciar aos estudantes
a possibilidade de (re)construção dos princípios científicos gerais sobre os
quais se fundamentam a multiplicidade de processos e técnicas que dão base
aos sistemas de produção em cada momento histórico.

3.2. TRABALHO, CIÊNCIA, TECNOLOGIA E CULTURA COMO


CATEGORIAS INDISSOCIÁVEIS DA FORMAÇÃO HUMANA11
Partimos do conceito de trabalho pelo fato de o compreendermos
como uma mediação de primeira ordem no processo de produção da existência
e objetivação da vida humana. A dimensão ontológica do trabalho é, assim, o
ponto de partida para a produção de conhecimentos e de cultura pelos grupos
sociais.

3.4. A PESQUISA COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO: O TRABALHO DE


PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO13
Esse princípio está intimamente relacionado ao trabalho como
princípio educativo, o qual ao ser assumido no ensino médio integrado contribui
para a formação de sujeitos autônomos que possam compreender-se no
mundo e dessa forma, nele atuar, por meio do trabalho, transformando a
natureza em função das necessidades coletivas da humanidade e, ao mesmo
tempo, cuidar de sua preservação face às necessidades dos demais seres
humanos e das gerações futuras. A necessária autonomia para que o ser
humano possa, por meio do trabalho, atuar dessa forma pode e deve ser
potencializada pela pesquisa, a qual contribui para a construção da autonomia
intelectual e deve ser intrínseca ao ensino, bem como estar orientada ao
estudo e à busca de soluções para as questões teóricas e práticas da vida
cotidiana dos sujeitos trabalhadores.

Sabemos que o
currículo é sempre uma seleção de conhecimentos a serem ensinados e
aprendidos dependendo da finalidade e dos objetivos educacionais.
Defendemos aqui a formação integral, plena, completa. Isso não pressupõe,
entretanto, que se possa ensinar e aprender “tudo”. A questão é: como
podemos proporcionar compreensões globais, totalizantes da realidade a partir
da seleção de componentes e conteúdos curriculares? Como orientar a seleção
de conteúdos no currículo da formação integrada? A resposta a tais perguntas
implica buscar relacionar partes e totalidade.

Para que isto seja possível, entretanto, como afirmamos, é preciso


estudar os problemas de uma área profissional em múltiplas dimensões, tais
como econômica, social, política, cultural e técnica. Os conceitos “pontos-departida”
para esse estudo revertem-se em conteúdos de ensino sistematizados
nas diferentes áreas de conhecimento e suas disciplinas.

Como síntese, apresentamos alguns pressupostos que os sistemas


e instituições devem considerar para a elaboração do projeto políticopedagógico
do ensino médio integrado à educação profissional, apropriados de
Ciavatta (2005), com os quais compartilhamos:
a) Não reduzir a educação às necessidades do mercado de trabalho,
mas não ignorar as exigências da produção econômica, como
campo de onde os sujeitos sociais retiram os meios de vida. Em
conseqüência, é importante considerar os estudos locais, a identificação
das oportunidades ocupacionais, as tendências da dinâmica sócioprodutiva
local, regional, nacional e global.
b) Construir e contar com a adesão de gestores e educadores
responsáveis pela formação geral e da formação específica, bem
como da comunidade em geral. É preciso discutir e elaborar
coletivamente as estratégias acadêmico-científicas de integração. Tanto
os processos de ensino-aprendizagem, como os de elaboração
curricular devem ser objeto de reflexão e de sistematização do
conhecimento através das disciplinas básicas e do desenvolvimento de
projetos que articulem o geral e o específico, a teoria e a prática dos
conteúdos, inclusive com o aproveitamento de aprendizagens que os
ambientes de trabalho podem proporcionar (visitas, estágios etc.).
c) Articular a instituição com familiares dos estudantes e a sociedade
em geral. As experiências de formação integrada não se fazem no
isolamento institucional. A escola deve levar em conta a visão que os
alunos têm de si mesmos; as possibilidades de inserção social e
profissional que o mundo externo lhes oferece; as modalidades
formativas oferecidas pela escola. Isso exige um processo de diálogo e
de conscientização dos alunos e de suas famílias sobre as próprias
expectativas e sua possível realização.
d) Considerar as necessidades materiais dos estudantes, bem como
proporcionar condições didático-pedagógicas às escolas e aos
professores. Os sistemas e as instituições não podem estar alheios às
necessidades materiais para levar adiante um processo educacional
dessa natureza. Por exemplo, as necessidades dos alunos para cumprir
a jornada de estudos, em termos de locomoção, de alimentação, de
renda mínima para se manter e manter-se na escola; segundo, a
existência de instalações que ofereçam laboratórios, biblioteca, ateliês,
espaços de lazer, oficinas onde aprender a teoria e a prática das
disciplinas e dos projetos em curso.
e) Transformar o projeto de formação integrada em uma experiência
de democracia participativa e de recriação permanente. Ela não
ocorre sob o autoritarismo, porque deve ser uma ação coletiva, já que o
movimento de integração é, necessariamente, interdisciplinar. Requer
que os professores se abram à inovação, a temas e experiências mais
adequados à integração. Idéias em curso nas escolas são, por exemplo,
projetos que articulam arte e ciência; projetos de iniciação científica;
componentes curriculares voltados para a compreensão dos
fundamentos sócio-políticos da área profissional, dentre outros. Há que
se dar ao aluno horizontes de captação do mundo além das rotinas
escolares, dos limites estabelecidos e normatizados da disciplina
escolar, para que ele se aproprie da teoria e da prática que tornam o
trabalho uma atividade criadora, fundamental ao ser humano.
f) Resgatar a escola como um lugar de memória. Sucessivas reformas
educacionais e carências materiais diversas traduzem-se em uma
dificuldade intrínseca às escolas e a seus professores de pensaram de
modo orgânico e criativo projetos autônomos de educação. O
desenvolvimento consensual de um projeto de resgate da escola como
um lugar de memória, das lembranças de seus personagens e
momentos mais expressivos. Documentos dispersos, preservados na
história particular de muitos, fotografias, livros, papéis e objetos
guardados com zelo e nostalgia podem alimentar a perspectiva de uma
escola e de uma formação integrada e mais completa para os mais
jovens, com reconhecimento e orgulho de si mesmos como mestres.

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