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CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA

CIDADANIA
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 2

CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE


FORMAÇÃO DA CIDADANIA

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CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 3

SUMÁRIO

CURRÍCULO ESCOLAR E CIDADANIA ......................................................................... 4


EDUCAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DA DEMOCRACIA ................ 8
O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO..................................................................... 9
DIREITOS FUNDAMENTAIS: Direito Político como Essencial ao Exercício da
Cidadania ...................................................................................................................... 11
A EDUCAÇÃO NO BRASIL........................................................................................... 17
CURRÍCULO: CONCEITOS BÁSICOS ......................................................................... 24
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO CURRICULAR ................................................. 25
Reflexões Críticas em Currículo .................................................................................... 30
ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DA ESCOLA E AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM .. 33
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DO CURÍCULO ESCOLAR ......................................... 34
CURRÍCULO E AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR ................................... 36
CURRÍCULO, AVALIAÇÃO E MOBILIDADE ESCOLAR .............................................. 40
Currículo: elemento básico de articulação das práticas educativas .............................. 43
Abordagem contextual sobre currículo .......................................................................... 44
O currículo social e suas questões educacionais .......................................................... 45
O currículo oculto .......................................................................................................... 47
O currículo estruturador ................................................................................................ 48
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 50
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CURRÍCULO ESCOLAR E CIDADANIA

A sociedade em crise busca, hoje, nos


espaços educativos, a possibilidade de
formação de indivíduos com uma nova
mentalidade, que enxerguem novas pistas
que conduzam à superação dos dilemas
sociais e à construção de uma nova forma
de gerenciar os recursos naturais e
históricos da humanidade; uma forma mais
adequada socialmente, menos predatória, e mais solidária nas relações entre os
indivíduos e com o planeta.
Nessa perspectiva, o currículo escolar busca as suas fontes de inspiração no
saber e nas necessidades do contexto social. É função da escola, hoje, entre
outras, apresentar ao aluno, com os instrumentos de cada disciplina, as
possibilidades de leitura das dimensões do todo, integrando-as
interdisciplinarmente, para uma visão de complexidade da realidade. A necessária
superação da visão fragmentada de conhecimento pode viabilizar-se no currículo,
integrando as disciplinas para a compreensão da realidade em suas dimensões.
O sistema, o todo, é mais do que a soma das partes, pois emergem
características não contidas nas partes isoladamente; a visão sistêmica passa a
ser o "que rejunta o todo e impulsiona a razão aberta, pois conhecer é sempre
rejuntar uma informação a seu contexto e ao conjunto ao qual pertence" MORIN
(1989, p. 33)
Ética e cidadania, trabalho e consumo, desigualdades sociais, educação
sexual, educação para a saúde, educação ambiental, informática, tecnologias são
realidades do mundo atual, entre outras, que a escola deve trabalhar, de forma
integrada e interdisciplinar, como ponto de partida para a compreensão da
complexidade dos fenômenos sociais em suas contradições. O seu tratamento no
currículo pode viabilizar um novo rosto aos conteúdos escolares, tendo em vista a
formação para a cidadania.
No exercício da função social da escola, cabe a construção de um projeto
político-pedagógico, expresso no desenvolvimento de um currículo que ajude a
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compreender a complexidade dos fenômenos da realidade, articulando-os ao todo


social de que faz parte. A trajetória de transformação da escola historicamente
conservadora e racional para uma escola reflexiva e emancipadora (ALARCÃO,
2001) é um processo de mudança continuado, em construção, em conflito
permanente com a ordem vigente. Exige esforço contínuo, racional, ético, coletivo
e solidário; uma demonstração de que a prática pedagógica é, também, um
campo aberto à formação e (re)construção da cidadania.
No desenvolvimento do currículo, formar alunos reflexivos implica em uma
prática docente reflexiva, de que as instituições escolares são também
responsáveis, pois a construção do projeto político-pedagógico das escolas exige
uma permanente avaliação e formação.
"Outro fator intervém a despeito das novas tecnologias, da modernização
dos currículos, da renovação das ideias pedagógicas, o trabalho dos professores
evolui lentamente porque depende pouco do progresso técnico, porque a relação
educativa obedece a uma trama bastante estável e porque as condições de
trabalho e sua cultura profissional instalam os professores em rotinas. É por isso
que a evolução dos problemas e dos contextos sociais não se traduz 'ipso facto'
por uma evolução de práticas pedagógicas". PERRENOUD (1999, p. 12)
Um professor reflexivo trabalha
com e sobre o pensar da e na prática
pedagógica, em processo
continuamente repensado e
reconstruído. Ao profissional de
educação, é necessário dar-se tempo e
oportunidade de familiarização com os
eixos de uma renovação curricular e
com as novas tecnologias educativas; possibilitar-lhe condições de reflexão sobre
o tipo de educação e de currículo a ser desenvolvido, em função universo social
de alunos e professores. Sempre que pensamos criticamente nossa ação
educativa, entramos também no domínio da ética, além do domínio das
dimensões da ciência, da técnica e da política. Questionamentos poderão ser
levantados: "por que trabalhamos a nossa prática pedagógica desta ou daquela
maneira?", "Por que trabalhar novos eixos paradigmáticos?", "Em que medida
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esses eixos instigam a uma prática pedagógica inclusiva?", "Por que trabalhar a
complexidade de fenômenos sociais no desenvolvimento do currículo?". Essa
reflexão no coletivo da escola pode fazer a diferença em relação a possibilidades
de educar para um novo modo de pensar, de construir e de acessar
conhecimento numa sociedade tecnológica.
Conquistas inegáveis na trajetória humana, em que a tecnologia esteve
presente, contribuíram para o processo de globalização: desde a época das
estradas terrestres que, no império romano, facilitaram as trocas comerciais, das
estradas marítimas que modificaram o conceito de mundo de então, ao final da
Idade Média, passando pelas estradas do ar que encurtam distâncias e tempo,
até as estradas da informação que, hoje, se intercruzam planetariamente, de
forma virtual. Importa, nesse contexto, que o gestor de processos educativos, em
cada âmbito escolar, oportunize o preenchimento do vazio existente nas fronteiras
disciplinares, com a problematização das condições de desigualdade de vida e de
acesso ao conhecimento. Contingentes populacionais espalhados pelo planeta
Terra, em que o Brasil se inclui, não usufruem do conhecimento, nem
compartilham de direitos iguais no acesso a bens materiais e espirituais. Trata-se,
pois, de uma questão de natureza ética e sociológica, não apenas epistemológica
ou tecnológica. Trata-se, sim, para os homens e para as mulheres, de uma
questão de formação para a cidadania, numa busca da sua própria humanidade.
A sociedade em crise busca, hoje, nos espaços educativos, a possibilidade
de formação de indivíduos com uma nova mentalidade, que enxerguem novas
pistas que conduzam à superação dos dilemas sociais e à construção de uma
nova forma de gerenciar os recursos naturais e históricos da humanidade; uma
forma mais adequada socialmente, menos predatória, e mais solidária nas
relações entre os indivíduos e com o planeta.
Nessa perspectiva, o currículo escolar busca as suas fontes de inspiração no
saber e nas necessidades do contexto social. É função da escola, hoje, entre
outras, apresentar ao aluno, com os instrumentos de cada disciplina, as
possibilidades de leitura das dimensões do todo, integrando-as
interdisciplinarmente, para uma visão de complexidade da realidade. A necessária
superação da visão fragmentada de conhecimento pode viabilizar-se no currículo,
integrando as disciplinas para a compreensão da realidade em suas dimensões.
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O sistema, o todo, é mais do que a soma das partes, pois emergem


características não contidas nas partes isoladamente; a visão sistêmica passa a
ser o "que rejunta o todo e impulsiona a razão aberta, pois conhecer é sempre
rejuntar uma informação a seu contexto e ao conjunto ao qual pertence" MORIN
(1989, p. 33)
Ética e cidadania, trabalho e consumo, desigualdades sociais, educação
sexual, educação para a saúde, educação ambiental, informática, tecnologias são
realidades do mundo atual, entre outras, que a escola deve trabalhar, de forma
integrada e interdisciplinar, como ponto de partida para a compreensão da
complexidade dos fenômenos sociais em suas contradições. O seu tratamento no
currículo pode viabilizar um novo rosto aos conteúdos escolares, tendo em vista a
formação para a cidadania.
No exercício da função social da escola, cabe a construção de um projeto
político-pedagógico, expresso no desenvolvimento de um currículo que ajude a
compreender a complexidade dos fenômenos da realidade, articulando-os ao todo
social de que faz parte. A trajetória de transformação da escola historicamente
conservadora e racional para uma escola reflexiva e emancipadora (ALARCÃO,
2001) é um processo de mudança continuado, em construção, em conflito
permanente com a ordem vigente. Exige esforço contínuo, racional, ético, coletivo
e solidário; uma demonstração de que a prática pedagógica é, também, um
campo aberto à formação e (re)construção da cidadania.
No desenvolvimento do currículo, formar alunos reflexivos implica em uma
prática docente reflexiva, de que as instituições escolares são também
responsáveis, pois a construção do projeto político-pedagógico das escolas exige
uma permanente avaliação e formação.
Outro fator intervém a despeito das novas tecnologias, da modernização dos
currículos, da renovação das ideias pedagógicas, o trabalho dos professores
evolui lentamente porque depende pouco do progresso técnico, porque a relação
educativa obedece a uma trama bastante estável e porque as condições de
trabalho e sua cultura profissional instalam os professores em rotinas. É por isso
que a evolução dos problemas e dos contextos sociais não se traduz 'ipso facto'
por uma evolução de práticas pedagógicas. PERRENOUD (1999, p. 12)
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EDUCAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DA DEMOCRACIA

Capacidade de mobilização social e a participação política são referenciais


importantes para o aprimoramento e reafirmação do Estado Democrático de
Direito, uma vez que os movimentos sociais se constituem um meio de expressão
dos interesses públicos e permitem a aproximação do Estado e da sociedade.
Portanto, as manifestações populares que ocorreram no Brasil em 2013 podem
ser consideradas um marco democrático na história do país. Nessa ocasião,
milhares de brasileiros foram às ruas protestar contra as mais diversas causas:
aumento das tarifas de transporte público, corrupção, educação, PEC 37, gastos
com a Copa do Mundo de 2014 e etc.
Inicialmente restrito a poucos milhares de participantes, os atos dos
manifestantes ganharam grande apoio popular em meados de junho, em especial
após a forte repressão policial contra os grupos. Destaca-se a ausência de
articulação de uma liderança centralizada do movimento e a carência de objetivos
claros nos protestos perpetrados em 2013. Na ocasião notou-se um clima de
insatisfação que gerou um movimento de grandes proporções, porém realizado de
maneira desfocada, devido à existência de objetivos diversos e à ausência de
organização. Com o passar dos meses os ânimos se acalmaram, as eleições de
2014 ocorreram, as reinvindicações foram esquecidas e os ganhos se perderam,
como quando ocorreu o aumento das tarifas de transporte público sem a
respectiva melhoria no serviço prestado, observados em 2014 e 2015 em diversos
municípios brasileiros.
Em uma breve análise do referido movimento, pode-se perceber que as
manifestações foram o resultado de um descontentamento da população frente à
gestão da coisa pública e descaso dos políticos em meio aos escândalos de
corrupção, um verdadeiro “grito de socorro”. Nesse sentido, cabe asseverar que
as manifestações não podem ser consideradas uma solução permanente, nem
uma medida que deva ocorrer rotineiramente, e sim algo com caráter excepcional,
uma vez que o envolvimento dos cidadãos e a participação efetiva dos mesmos
nas decisões políticas deve se dar de forma permanente e contínua. Portanto, a
despeito das garantias constitucionais existentes, mostra-se necessário promover
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o real engajamento dos cidadãos na política mediante a efetiva compreensão dos


mesmos das questões envolvidas.
A compreensão dos direitos constitucionais e do ordenamento jurídico
brasileiro exige o estudo e a interpretação que parte do pressuposto de
entendimento de diversos conceitos jurídico políticos. Portanto, a efetiva
participação popular demanda o conhecimento do sistema político adotado pelo
país, sendo a educação cidadã imprescindível para fins de efetivação dos direitos
democráticos. Desse modo, o povo deve ser capaz de compreender os preceitos
da Constituição de 1988 e o sistema político para fins participar das decisões
emanadas pelo poder público, que atua no sentido de alcançar o bem comum em
representação dos interesses da sociedade.

O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, lei maior de uma


sociedade ocidental politicamente organizada, instituiu o denominado Estado
Democrático de Direito, in verbis:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional
Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,
o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”. (Constituição
Federal, 1988, grifo nosso)
O conceito descrito acima abrange a concepção de Estado, de Estado de
Direito e de Estado Democrático. Conforme preceitua o ilustre filósofo Immanuel
Kant (1997), o Estado pode ser designado como coisa pública (res publica) que
tem por liame o interesse de todos os indivíduos de viver em sociedade. Tem-se,
portanto, que o ente público originou-se da vontade do homem e da busca pelo
bem comum, posto que a “sociedade natural” não detinha os mecanismos
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necessários para promover a paz e o bem estar de seus membros. Neste


raciocínio assevera Immanuel Kant:
“O ato pela qual um povo se constitui num Estado é o contrato original. A se
expressar rigorosamente, o contrato original é somente a ideia desse ato, com
referência ao qual exclusivamente podemos pensar na legitimidade de um
Estado. De acordo com o contrato original, todos (omnes et singuli) no seio de um
povo renunciam à sua liberdade externa para reassumi-la imediatamente como
membros de uma coisa pública, ou seja, de um povo considerado como um
Estado (universi). E não se pode dizer: o ser humano num Estado sacrificou uma
parte de sua liberdade externa inata a favor de um fim, mas, ao contrário, que ele
renunciou inteiramente à sua liberdade selvagem e sem lei para se ver com sua
liberdade toda não reduzida numa dependência às leis, ou seja, numa condição
jurídica, uma vez que esta dependência surge de sua própria vontade
legisladora”. (KANT, 2002, p.158)
O Estado de Direito é aquele no qual o poder público encontra-se sujeito ao
ordenamento jurídico e aos limites impostos por este em atenção à hierarquia das
normas, separação dos poderes e aos direitos fundamentais. Pode-se afirmar que
suas principais características são a soberania, a unidade do ordenamento
jurídico, a divisão dos poderes estatais, o primado da lei sobre outras fontes de
proteção jurídica, o reconhecimento da certeza do Direito como valor político
fundamental, a igualdade formal dos cidadãos perante a lei, o reconhecimento e a
proteção de direitos individuais, civis e políticos, a garantia constitucional, a
distinção entre público e privado e a afirmação da propriedade privada e da
liberdade de iniciativa econômica (ANJOS FILHO, 2006).
O Estado Democrático, por sua vez, trata acerca da prerrogativa de
participação popular nas decisões emanadas pelo ente estatal na condução da
sociedade, de forma direta ou indireta, tendo em vista a previsão constitucional de
que “todo pode emana do povo” (art. 1º, parágrafo único, da CF/88). Portanto,
haja vista que a figura Estatal decorre do interesse que todos os indivíduos
possuem de viver em sociedade, cabe ao poder público reger a organização
social no intuito de alcançar o bem comum e atender ao interesse público. Nesse
sentido, a Constituição estabelece como objetivos da República:
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“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do


Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o
desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação”. (Constituição Federal, 1988)
A Constituição Federal de 1988 é vista como valor-guia para arquitetura do
sistema político brasileiro na medida em que, mediante suas normas
programáticas, realiza a condução da sociedade e a distribuição da justiça
visando o desenvolvimento social, humano e o alcance do bem comum. Desse
modo, a Carta Magna representa formação jurídica que abarca os anseios da
comunidade e uma série de direitos como instrumento da cidadania e dignidade
humana, inaugurando um conjunto de preocupações éticas: ética da igualdade,
ética da não-invasividade, ética da personalidade humana, ética do não abuso de
poder, ética da liberdade intelectual, ética da tolerância e etc. (BITTAR, 2004). Por
conseguinte e para fins de alcançar a convivência social pacífica e o pleno
desenvolvimento do homem são assegurados constitucionalmente os
denominados direitos fundamentais.

DIREITOS FUNDAMENTAIS: Direito Político como Essencial ao Exercício da


Cidadania

A Constituição Federal de 1988 elenca os direitos e deveres individuais e


coletivos que norteiam o ordenamento jurídico brasileiro em seu artigo 5º, sendo
que os direitos fundamentais podem ser definidos como aqueles necessários à
proteção do indivíduo perante a atuação do poder estatal. Os direitos
fundamentais positivados podem ser divididos em três gerações ou dimensões.
Essa classificação de gerações foi criada por Karel Vazak (1979) e ficou famosa
no Brasil através do autor Paulo Bonavides.
A primeira geração corresponde ao direito à liberdade, na esfera civil e
política, e pressupõe a separação entre Estado e Sociedade. Os direitos de 1ª
geração possuem um caráter negativo, no sentido de exigir, principalmente, uma
abstenção por parte do Estado no que se refere à intervenção nas liberdades
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individuais. Já em relação à esfera política, a liberdade se faz presente na


participação política dos cidadãos. Como exemplo dos direitos fundamentais de
primeira geração há os direitos à vida, à liberdade e à igualdade, previstos no
caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, assim como, por derivação de
tais direitos, as liberdades de manifestação (art. 5º, IV), de associação (art. 5º,
XVII) e o direito de voto (art. 14, caput) (PFAFFENSELLER, 2007).
Os direitos fundamentais de segunda geração são aqueles derivados do
princípio da igualdade (Estado Social) como os direitos sociais, culturais e
econômicos, também conhecidos como os direitos da coletividade. Esses direitos
possuem um caráter positivo, vez que exigem uma participação ativa do Estado
no sentido de garanti-los ou mesmo provê-los. No caso brasileiro, a Constituição
de 1988 define que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” e garante sua
prestação no art. 5º, § 1º, ao estabelecer que “as normas definidoras dos direitos
e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (PFAFFENSELLER, 2014, 19).
A terceira geração de direitos fundamentais, por sua vez, são os direitos
difusos que visam à proteção da coletividade como um todo, do ser humano, sem
focar no Estado ou no indivíduo, como o direito ao desenvolvimento, à paz, ao
meio ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da
humanidade e o direito de comunicação. Esses são batizados por alguns
doutrinadores como direitos de fraternidade ou solidariedade, por exigirem um
esforço coletivo, até em nível global, para que sua efetivação seja possível.
Bonavides (2002) remete ao lema da Revolução Francesa de “liberdade,
igualdade e fraternidade” para sistematizar as três gerações dos direitos
fundamentais respectivamente, afirmando que essa profetizou a sequência
histórica dos Direitos Fundamentais. Há quem defenda os direitos fundamentais
de quarta geração, tidos como os direitos à democracia, à informação e ao
pluralismo, sendo necessários no contexto de globalização política. Nesse
sentido, Bonavides afirma que "os direitos de quarta geração compendiam o
futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão somente com
eles será legítima e possível a globalização política." (Bonavides, 2002, p. 525).
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Diante do exposto, podem-se conceituar os direitos fundamentais como os


direitos do ser humano positivados no ordenamento constitucional de determinado
Estado, frutos da luta universal pelo direito. As referidas normas possuem papel
diretivo-principiológico tendo plena eficácia e não carecedora de qualquer outra.
Além disso, trata-se de norma semanticamente vinculativa da decisão judicial e
interpretação no caso concreto.
Considerando os pilares acima descritos, tendo em vista o princípio
constitucional da democracia, os direitos políticos e as garantias fundamentais, a
Carta Magna estabelece que o cidadão poderá exercer o seu poder soberano de
forma direta, mediante referendo, plebiscito e iniciativa popular, e de forma
indireta por meio de representantes eleitos. As formas descritas estão diretamente
relacionadas ao conceito de cidadania (do latim, civitas, "cidade") que é a
condição da pessoa natural que, como membro de um Estado, encontra-se no
gozo dos direitos que lhe permitem participar da vida política de forma a intervir
na direção dos negócios públicos do Estado, participando de modo direto ou
indireto na formação do governo e na sua administração.

EDUCAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DA DEMOCRACIA

O exercício da cidadania é analisado por


Mariá Brochado[1] em sua palestra intitulada
“Ética e as relações entre estado, política e
cidadania”. Na oportunidade, a autora traz do
Dicionário Aurélio o conceito de cidadão sendo
“aquele indivíduo no gozo de direitos civis e
políticos de um Estado; é um indivíduo na
fruição dos seus direitos ou no desempenho dos
seus deveres para com o Estado” (BROCHADO, 2010, p. 72) para questionar, em
sua exposição, a formação que se faz necessária ao cidadão para realizar
reivindicações políticas afirmando que “cidadãos em maioria desconhecem o
histórico e o contexto atual de seus próprios direitos fundamentais; não
reconhecem o valor da conquista de uma Constituição democrática, o significado
de res publica.” (BROCHADO, 2010, p.72).
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 14

Como solução para o desconhecimento das conquistas jurídicas


mencionadas, Brochado acredita na educação jurídica básica nas escolas para
aquisição de, pelo menos, conhecimento sobre direitos fundamentais: uma
política pedagógica. Afinal, sem “uma política pedagógica séria de inclusão de
conteúdos jurídicos nas práticas escolares, ficam inviabilizadas a prática efetiva
da cidadania e a exigência de um Estado ético” (BROCHADO, 2010, p.72-73). A
autora fala sobre o Núcleo de Estudos Paideia Jurídica da Faculdade de Direito
da Universidade Federal de Minas Gerais, no qual é coordenadora, que busca
levar a educação jurídica em direitos humanos não apenas aos juristas, mas a
todos os indivíduos visando à formação da cidadania. Nesse sentido, é citada por
Brochado a iniciativa do Estado de Minas Gerais com a Lei nº 15.476 de 2005 que
determina a inclusão de conteúdos referentes à cidadania nos currículos das
escolas de ensino fundamental e médio, como exemplo de inserção dos direitos
humanos fundamentais nas escolas da rede pública de ensino. A referida lei é
pequena, possui apenas dois artigos e ainda não foi regulamentada, o que, para a
autora, é prova de “descaso ético com projeto político tão sério e necessário”
(BROCHADO, 2010, p.73). O trecho abaixo transcreve a mencionada Lei, in
verbis:
“Art. 1° – As escolas de ensino fundamental e médio integrantes do Sistema
Estadual de Educação incluirão em seu plano curricular conteúdos e atividades
relativos à cidadania, a serem desenvolvidos de forma interdisciplinar.
Art. 2° – Integram os conteúdos a que se refere o art. 1° os seguintes temas:
I – direitos humanos, compreendendo:
a) direitos e garantias fundamentais;
b) direitos da criança e do adolescente;
c) direitos políticos e sociais.
II – noções de direito constitucional e eleitoral;
III – organização político-administrativa dos entes federados;
IV – (Vetado);
V – educação ambiental;
VI – direitos do consumidor;
VII – direitos do trabalhador;
VIII – formas de acesso do cidadão à justiça”. (Lei nº 15.476, 2005)
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 15

Nesse viés, o ilustre autor Eduardo C. B. Bittar, estudando as relações entre


a dimensão da ética, da política, da responsabilidade social e do cosmopolitismo
cultural, acredita no debate filosófico como meio de alteração desse status quo.
Segundo o autor, o termo "ética" vem do grego ethikos e significa aquilo que
pertence ao ethos, que significava "bom costume", "costume superior", ou
"portador de caráter". Ao contrário da moral que fundamenta as ações humanas
na obediência a costumes, a ética fundamenta as ações morais exclusivamente
pela razão. Ou seja, a ética visa encontrar o melhor modo de viver e conviver em
sociedade através da razão. O Direito, por sua vez, tem a função de favorecer a
independência ética e reequilibrar qualquer desarmonia existente em sociedade.
A denominada independência ética do indivíduo está diretamente ligada à noção
de consciência crítica e liberdade de pensamento, uma vez que no Estado
Democrático de Direito o indivíduo racional possui liberdade e direito de
participação nas decisões da máquina pública. Portanto, visando reequilibrar
qualquer desarmonia e com o intuito assegurar a igualdade e liberdade de
pensamento do indivíduo em conformidade com os fundamentos éticos da razão,
são estabelecidos os direitos à cidadania.
O termo cidadania está relacionado à possibilidade de participar da fruição
dos benefícios trazidos pelo Direito na Constituição, no que tange à
materialização dos direitos no plano do exercício de diversos aspectos da
participação na justiça social: direitos civis, políticos, econômicos e sociais. Desse
modo, BITTAR dispõe acerca da cidadania como condição inerente ao povo, que
será realizada mediante a organização da sociedade civil, conscientização dos
grupos minoritários, participação popular e etc. Corroborando esse entendimento
cabe destacar que a educação visa garantir ao indivíduo o desenvolvimento na
sua mais alta potência e essência racional, sendo que a razão prática tem o
conhecimento como um meio para alcançar um objetivo maior, que é o agir ético
no sentido de desenvolver aptidões críticas do cidadão livre. Nesse sentido,
segundo BROCHADO “enquanto modo de fixação histórica do ethos, o processo
educativo é o único caminho possível para uma vida ética plena. O ato moral é ao
mesmo tempo do indivíduo (subjetivo), da sociedade em que ele vive
(intersubjetivo), visando a um fim que é objetivo (valores, instituições), transmitido
no ethos pela educação” (Brochado, 2011, v.80 – n.3). Portanto, a consciência
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política diz respeito ao exercício da cidadania como exigibilidade dos próprios


direitos, mediante retomada de uma educação como formação ética ou moral.
Contudo, sabe-se que a condição de vida na qual parcela da população se
encontra é um fator determinante para a tomada de decisão do indivíduo e
participação política, que muitas vezes desconhece informações acerca dos
direitos que possui e se vê compelido pelas circunstancias a adotar determinado
posicionamento (BITTAR, 2004). Nesse sentido, cabe asseverar que as
condições historicamente desiguais entre os membros da sociedade ocasionam a
exclusão de alguns grupos, criando déficits sociais irreparáveis.
A existência de condições desiguais entre os indivíduos desvirtua totalmente
o preceito de cidadania, uma vez que o exercício dos direitos fundamentais de
forma igualitária é requisito e modelo de uma vida ética-cidadã. Segundo BITTAR
(2004), a ética dos direitos humanos decorre do princípio da dignidade da pessoa
humana, que serve de lastro para a construção da sociedade aberta e pluralista,
sendo abrigo comum da geração de todos os direitos humanos, uma vez que
todos os demais direitos se curvam a este minimun dos povos. Portanto, a
dignidade da pessoa humana traduz toda a carga de demanda por justiça e
igualdade em torno das aflições humanas. Nesse sentido dispõe Eduardo Bittar:
“Ante a falta, se instala uma nova ordem, e uma nova concepção de
cidadania precisa se modular para restabelecer certa coerência na administração
dos conflitos, onde a participação direta nos processos flexíveis de articulação de
decisões políticas seja possível. Diante da falência, e mesmo da ineficiência, do
Estado no gerenciamento e na distribuição de bens fundamentais da vida
organizada em sociedade, as alternativas aos modos tradicionais de se
conceberem práticas jurídicas e práticas políticas se instalam para suprir
carências”. (BITTAR, 1997)
Nesse sentido, para fins de viabilizar a efetiva participação e o exercício da
cidadania, deverão ser implementadas políticas públicas que visam promover a
educação política dos membros da sociedade de forma igualitária. Destaca-se
que a educação é entendida como direito fundamental do ser humano e está
prevista no art. 6º da Constituição Federal dentro do rol dos direitos sociais:
“Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,
a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e
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à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.


(Constituição Federal, 1988)
Já em seu art. 205, a Carta Magna mostra a importância da educação na
formação do indivíduo como cidadão, ao dispor que:
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”. (Constituição Federal, 1988)
O direito à educação é de grande relevância, pois trata-se de um meio de
acesso a outros direitos. Por meio da educação o ser humano torna-se
conhecedor de seus direitos e deveres e, assim, passa a ter participação efetiva
na sociedade. É a partir da educação que os indivíduos passam a adquirir uma
consciência crítica acerca das questões que envolvem a sociedade estando livre
de influências externas, uma vez que passam a compreender a função social e
política que exercem e os direitos fundamentais que possuem, tornando-se
verdadeiros cidadãos.

A EDUCAÇÃO NO BRASIL
Para alcançar um nível de educação
satisfatório, o indivíduo precisa ser alfabetizado e
ser também capaz de ler e interpretar textos.
Portanto, o simples índice de analfabetos em um
Estado não traz uma real perspectiva da educação
de seus cidadãos. Nesse sentido, o Instituto Paulo
Montenegro e a ONG Ação Educativa, em parceria, criaram o Indicador de
Alfabetismo Funcional (Inaf)[2]. Segundo informações do Instituto: “O Indicador de
Alfabetismo Funcional (Inaf) revela os níveis de alfabetismo funcional da
população brasileira adulta. Seu principal objetivo é oferecer informações
qualificadas sobre as habilidades e práticas de leitura, escrita e matemática dos
brasileiros entre 15 e 64 anos de idade, de modo a fomentar o debate público,
estimular iniciativas da sociedade civil, subsidiar a formulação de políticas
públicas nas áreas de educação e cultura, além de colaborar para o
monitoramento do desempenho das mesmas. Dessa forma, pretende-se que a
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 18

sociedade e os governos possam avaliar a situação da população quanto a um


dos principais resultados da educação escolar: a capacidade de acessar e
processar informações escritas como ferramenta para enfrentar as demandas
cotidianas. Revela os níveis de alfabetismo funcional da população brasileira
adulta. Seu principal objetivo é oferecer informações qualificadas sobre as
habilidades e práticas de leitura, escrita e matemática dos brasileiros entre 15 e
64 anos de idade, de modo a fomentar o debate público, estimular iniciativas da
sociedade civil, subsidiar a formulação de políticas públicas nas áreas de
educação e cultura, além de colaborar para o monitoramento do desempenho das
mesmas. Dessa forma, pretende-se que a sociedade e os governos possam
avaliar a situação da população quanto a um dos principais resultados da
educação escolar: a capacidade de acessar e processar informações escritas
como ferramenta para enfrentar as demandas cotidianas. ”
Dessa forma, o referido indicador mede não apenas a habilidade de leitura e
escrita, como também a capacidade do indivíduo adulto de interpretar textos e se
relacionar com o mundo que o cerca, denominado alfabetismo funcional. Essa
releitura sobre índices de analfabetismo foi vivenciada pela UNESCO, que em
1.958 definiu como alfabetizado aquele que possui habilidade de ler e escrever
um enunciado simples relativo à sua rotina e, 20 anos após, passou a adotar os
dois conceitos, o de analfabetismo e alfabetismo funcional. A pessoa alfabetizada
funcionalmente deve conseguir aplicar a leitura, escrita e habilidades matemáticas
em seu meio, desenvolvendo-as ao longo de sua vida.
O documento INAF BRASIL 2011 - Indicador de Alfabetismo Funcional –
apresenta os principais resultados do estudo realizado entre dezembro de 2011 e
abril de 2012:
Considerando os resultados apresentados, verifica-se que cerca de 73% da
população é alfabetizada funcionalmente, sendo que desses apenas 23%
possuem capacidade crítica. Portanto, os números descritos demonstram as
dificuldades inerentes à participação popular no âmbito do poder público, uma vez
que grande parte da população não possui capacidade de análise critica do
cenário no âmbito público. Nesse sentido, tendo em vista que parcela
considerável do povo desconhece os seus direitos políticos descritos na
Constituição e que grande parte, a despeito de possuir conhecimento de seus
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 19

direitos democráticos, não tem capacidade para analisar o caso concreto de


forma crítica e independente, como esperar que o cidadão esteja politicamente
engajado? Como esperar um real envolvimento da população no processo
decisório? Faz-se necessária a promoção de politicas públicas de melhoria na
educação com vistas à conscientização dos cidadãos acerca dos conceitos
jurídicos e políticos, visando assegurar a participação popular independente,
consciente e livre de influências externas nesse processo.
Destaca-se que para educar o povo brasileiro, não basta instituir normas
alterando a grade curricular escolar. A promulgação de uma lei no sentido de
incluir conteúdos de cidadania nos os currículos das escolas de ensino
fundamental e médio foi uma iniciativa louvável dado pelo Estado de Minas
Gerais, entretanto, ainda espera-se a concretização da referida norma. Além
disso, o país como um todo ainda sofre de problemas estruturais na educação, na
alfabetização de seus cidadãos.
MÍDIA SOCIAL E A EDUCAÇÃO POLÍTICA CIDADÃ
A partir do inicio dos anos 50, a Tecnologias da Informação e Comunicação
(TIC’s) entraram em um sistema amplo e veloz de desenvolvimento,
desencadeando consideráveis mudanças no comportamento da sociedade. Na
década de 90, as TIC’s já proporcionavam a capacidade de interligação mundial
através da rede de internet, possibilitando a interação de indivíduos nesse
ciberespaço. Levy define ciberespaço como “O espaço de comunicação aberto
pela interconexão mundial de computadores e das memórias dos computadores”
(LEVY, 1999). Essa definição engloba todos os sistemas de comunicação
eletrônicos, que transmitem informações dentro do ambiente virtual, tendo os
aparelhos de computadores como suporte.
Atualmente, fala-se em uma Revolução Tecnológica, processo capaz de
manifestar novas formas de sociabilidade através de ferramentas online de
comunicação, como as denominadas redes sociais. Nesse sentido, Recuero
dispõe que “uma rede é definida como um conjunto de nós conectados por
arestas. Assim, uma rede social é definida como um conjunto de dois elementos:
atores (pessoas, instituições ou grupos) e suas conexões (Wasserman e Faust,
1994, Degenne e Forsé, 1999).” (RECUERO;RAQUEL, 2007, , p.2). A partir dessa
perspectiva as redes sociais podem ser definidas como um meio de criação,
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 20

interação e difusão de informações no qual os atores interconectados ocupam as


posições de emissores e receptores de mensagens. Existem diversas
denominações para esse novo formato comunicacional que, a partir de sua
interferência, desencadeia importantes transformações no modo em que a
sociedade contemporânea se comunica, não sendo preciso mais ter contato físico
e conhecimentos sobre a pessoa na qual está se relacionando, basta uma
apresentação de “perfis virtuais” e, em virtude de uma afeição entre os dois atores
(donos de tais perfis), é estabelecida uma relação virtual. Nesse sentido dispõe
Recuero:
(...) “ É importante que se distinga o que são as redes sociais na Internet.
Elas são constituídas de forma diferente das redes offline, justamente por conta
da mediação. As redes sociais online, por exemplo, são apresentadas através de
representações dos atores sociais. Ou seja, ao invés de acesso a um indivíduo,
tem-se acesso à uma representação dele. Do mesmo modo, as conexões entre
os indivíduos não são apenas laços sociais constituídos de relações sociais. No
meio digital, as conexões entre atores são marcadas pelas ferramentas que
proporcionam a emergência dessas representações. As conexões são
estabelecidas através dessas ferramentas e mantidas por elas.” (RECUERO,
2012, p.2).
As redes sociais foram as principais ferramentas de comunicação utilizadas
para divulgar as manifestações que aconteceram no ano de 2013. A propagação
das informações desse movimento foi feita por meio do Facebook, Twitter, blogs
entre outras, sendo que milhares de pessoas formaram grupos e comunidades
virtuais para reivindicar a redução da tarifa de transporte público. Cabe asseverar
que Recuero define as redes sociais online como associativas, afirmando que as
mesmas possuem a tendência de serem muito mais amplas e interconectadas
que as redes off-line. Essas ferramentas possuem um alcance rápido de
indivíduos que estão interconectados, acarretando uma rápida propagação das
informações e, com isso, torna-se possível a reunião de uma extensa massa
popular que, além de manifestarem dentro das próprias redes sociais, foram as
ruas de todo o Brasil reivindicar seus direitos. Com a expansão das divulgações
via redes virtuais, houve uma extensa divulgação e expansão do número de
pessoas a aderir esse movimento, até mesmo em outros países, brasileiros e
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 21

estrangeiros mostraram seu apoio manifestando-se dentro do ciberespaço através


de postagens de fotos, vídeos, tuítes e compartilhamentos de diversos tipos de
informações. Entretanto, após a vitória da reivindicação do Passe Livre, outras
demandas geradas pela insatisfação popular começaram a surgir entre os
manifestantes. Com a massiva dispersão do movimento evidenciada, a “falta de
foco” dos manifestantes foi uma característica bastante discutida pelas agências
mediáticas. Notava-se que as reivindicações não eram mais específicas, o que
estava sendo percebido era a generalização da problemática em meio a várias
solicitações simultâneas por parte dos manifestantes. Nesse diapasão dispõe
Ávila:
(...) “ A medida que os protestos se tornavam maiores, eventos criados nas
redes sociais incitavam as pessoas à adesão a luta, mas agregavam
particularidades: pautas diversas começaram a surgir. “Gritos de guerra” como “o
gigante acordou” entoaram as manifestações virtuais e físicas. Ativistas
reforçaram a onda de indignação generalizada com os serviços públicos do país e
colocaram em pauta reivindicações contra leis específicas em processo de
votação pelo poder legislativo. As ruas passaram a “abrigar” uma massa de
milhares em marcha, mas com propósitos próprios, que não necessariamente
convergiam uns com os outros” (ÁVILA, 2013, p.2).
O movimento durou cerca de 3 meses, acontecendo nos meses de março,
maio e junho. Após o seu término pouco se ouviu falar sobre as manifestações e
seus efeitos nas redes sociais, “a bola da vez” passava ser algum assunto que
estava “na moda” dentro das ferramentas online, como o campeonato brasileiro
de futebol que inicia-se geralmente no mês de agosto. O engajamento dos
indivíduos para lutar por seus direitos durante as manifestações de 2013 foi
intenso, mas não duradouro. Muitas pessoas aderiram a causa sem conhecerem
a fundo o que estavam reivindicando e como realmente é conduzido o processo
político brasileiro. A partir de mensagens absorvidas nas redes sociais os
indivíduos se engajaram de maneira imediatista e líquida, gerando um grande
fluxo de informações absorvido e disseminado dentro do ciberespaço, sendo que
na maioria das vezes a veracidade dessas informações não era verificada. A
autora Marilena Chauí nomeia como “Pensamento Mágico” a disseminação de
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 22

informações pelas redes sociais e a adesão dos atores virtuais a esse propósito.
Nesse sentido dispõe:
(...) “Assume gradativamente uma dimensão mágica, cuja origem se
encontra na natureza do próprio instrumento tecnológico empregado, pois este
opera magicamente, uma vez que os usuários são, exatamente, usuários e,
portanto, não possuem o controle técnico e econômico do instrumento que usam
– ou seja, deste ponto de vista, encontram-se na mesma situação que os
receptores dos meios de comunicação de massa.(CHAUI, 2013, P.?)
A filósofa faz o comparativo entre as redes sociais e os meios de
comunicação de massa (MCM), uma vez que ambos os meios são capazes de
alcançar milhares de indivíduos e incitá-los a absorver determinados assuntos.
Desse modo, a sociedade civil conta, agora, não apenas com os Meios de
Comunicação de Massa (MCM) mas, também, com Plataformas Comunicativas
Multimidiáticas Ciberespaciais (PCMC). As habilidades inerentes ao meio digital
(como sincronia, hipertextualidade, entre outras) propiciam o surgimento de
competências comunicativas que favorecem um processo de construção de
opinião, minimizando interferências. Constatamos que as PCMC abrigam desde
fóruns de debate público, como exemplificam as listas de discussão, até formatos
inéditos de jornalismo como o colaborativo, os quais subvertem processos
excludentes, próprios dos MCM (Brittes, 2007, p. 2). A professora Juçara Gorski
Brittes (2013) também compara as Plataformas Comunicativas Multimidiáticas
Ciberespaciais (PCMC) aos Meios de Comunicação de Massa (MCM), mas
enfatizando uma diferença entre eles. Segundo a professora, os MCM são
excludentes, pois não há interação direta com o receptor, a exemplo o jornal que
produz uma matéria política impressa em que os seus leitores não conseguem
exercer uma interferência direta e imediata sobre aquela matéria. Entretanto, se a
mesma matéria for publicada em um jornal digital os leitores terão a possibilidade
debater diretamente e exatamente no momento da sua publicação. Esse é o
formato utilizado pelas redes sociais, os atores recebem a todo momento diversos
tipos de informações e podem optar por exprimir suas opiniões sobre elas e
repassar a respectiva informação, o que como já dito acima os coloca na posição
de destinatários e receptores de mensagens.
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 23

A respeito do tema Recuero (2012) dispõe acerca do efeito cascata definido


por Kleinberg e Easley:
“A rede proporciona aos indivíduos influenciarem-se uns aos outros. Parte
dessa influência dá-se pela informação disponível que circula na rede. Quando
essa informação consegue impactar a decisão de diversos indivíduos e gerar um
comportamento de massa na sua difusão, há uma epidemia”. (KLEINBERG E
EASLEY, 2010)
Os autores Kleinberg e Easley (2010) chamam a esse comportamento
“cascata”, tendo em vista que as redes sociais são capazes de atingir
rapidamente os seus usuários e esses ainda podem exprimir suas opiniões, tirar
suas dúvidas e disseminar as informações que entendem convenientes. Desse
modo, esse meio agrega a capacidade de ser um novo formato educacional,
ajudando os indivíduos a formar senso crítico perante as notícias que recebem de
diversos meios de comunicação, pois não mais ocupam apenas o lugar de
receptores passivos de mensagens. Esse talvez seria o tão almejado formato de
esfera pública definido por Habermas (2003), um espaço no qual os indivíduos se
encontrariam para discutir sobre questões de interesse público formando
argumentos e opiniões visando o bem comum (Habermas,1984). Entretanto, o
que se observa, como no caso das manifestações de 2013, é que não há um
efetivo interesse na criação de senso crítico, os indivíduos recebem as
informações advindas das redes sociais, relutam sobre elas ou as propagam sem
analisar qual é verossimilhança das mesmas. O que parece existir é um interesse
em participar do momento que está acontecendo dentro do ambiente virtual. O
indivíduo refuta ou concorda com alguma informação que está em pauta, mas não
parece se importar ou ao menos cogitar se possui entendimento e engajamento
suficiente para estar presente naquele debate e também não é realizada uma
busca por maiores informações acerca do assunto. O professor da Universidade
Federal do Rio Grande Sul Lucas Casa Grande, relata em seu artigo “As
Manifestações de 2013 no Brasil e as Organizações Imediatistas”, um fato
ocorrido durante esse acontecimento, in verbis:
“Quero relatar um caso breve: enquanto professor de uma Universidade, um
grupo de alunos se aproximou ao final de uma aula e me perguntou o que eles
deveriam escrever nas faixas e cartazes que levariam às manifestações.
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 24

Perguntei, então, por que iriam à manifestação. A resposta foi de que achavam
que o que ocorria no país naquele momento era "fantástico", "diferente de tudo" e
queriam tomar parte disso. No entanto, também queriam se sentir úteis e, por
isso, pensavam sobre o que deveriam manifestar. Dei algumas sugestões sobre
os cartazes - todas aceitas, porém não convincentes. Ao final, concluímos que o
mais importante era estar lá, experienciar o que aquele momento poderia gerar,
do que reivindicar algo ao estado. Não se tratava de buscar uma solução externa
à manifestação: naquele momento, a manifestação era a solução.”
Em sua obra Modernidade Líquida Bauman (2001) discute acerca da relação
existente entre a modernidade sólida e a modernidade líquida ou fluída, na qual
dispõe que “a modernidade “sólida” era uma era de engajamento mútuo. A
modernidade “fluída” é a época do desengajamento, da fuga fácil e da
perseguição inútil. Na modernidade “líquida” mandam os mais escapadiços, os
que são livres para se mover de modo imperceptível”(BAUMAN, 2001). Portanto,
a modernidade líquida parece estar presente no desengajamento ou na falta de
engajamento em relação às questões debatidas dentro das redes sociais,
tornando frágil o interesse em manter discussões sobre importantes questões que
devem ser debatidas.
Nesse sentido, conclui-se que para que as redes sociais se tornem formatos
educacionais efetivos é necessário que haja um estudo aprofundado das
questões debatidas, um filtro de informações e um real interesse em se engajar
sobre o assunto que está sendo tratado, para que assim seja criado a perspectiva
de senso crítico em relação às mensagens recebidas. Ou seja, a real participação
prescinde de educação política. Portanto, não basta apenas se envolver de forma
imediatista e momentânea sobre determinado assunto pois, assim como nas
Manifestações de 2013, passado o “boom” das discussões no meio virtual o
assunto é deixado de lado e trocado pelo próximo que terá mais
compartilhamentos, comentários, tuítes ou curtidas.

CURRÍCULO: CONCEITOS BÁSICOS


CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 25

O termo currículo é encontrado em registros do


século XVII, sempre relacionado a um projeto de controle
do ensino e da aprendizagem, ou seja, da atividade
prática da escola. Desde os seus primórdios, currículo
envolvia uma associação entre o conceito de ordem e
método, caracterizando-se como um instrumento
facilitador da administração escolar. No presente texto,
serão apresentadas as duas grandes vertentes do campo do currículo neste
século: a primeira, cuja preocupação central é a construção de modelos de
desenvolvimento curricular; e a segunda, na qual a ênfase recai na compreensão
do currículo escolar como espaço conflitivo de interesses e culturas diversos.

MODELOS DE DESENVOLVIMENTO CURRICULAR

Um dos textos mais conhecidos e utilizados no Brasil para a organização


curricular é o clássico "Princípios Básicos de Currículo e Ensino", que, embora
datado do final da década de 40, fundamentou a construção de propostas
curriculares por várias décadas. Nesse texto, Ralph Tyler se propõe a
"desenvolver uma base racional para considerar, analisar e interpretar o currículo
e o programa de ensino de uma instituição educacional" . A base racional
proposta pelo autor centra-se em quatro questões fundamentais que, uma vez
respondidas, permitem a elaboração de qualquer currículo ou plano de ensino:
Que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir?
Que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham
probabilidade de alcançar esses propósitos?
Como organizar eficientemente essas experiências educacionais?
Como podemos ter certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados?
Essa base racional para a elaboração de programas de ensino não se
preocupava com a organização do sistema, pressupondo-a como dada. Por
exemplo, se utilizamos o modelo de Tyler para organizar o currículo de uma
escola de ensino fundamental, não temos informações sobre como dividimos os
anos ou os ciclos escolares, sobre se organizamos a escolarização por disciplinas
ou por núcleos temáticos, sobre como selecionar as disciplinas que deveriam
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 26

constar do currículo. Essas decisões precedem, para Tyler, o processo de


elaboração curricular.
Ainda hoje, as questões formuladas por Tyler tendem a servir de guias para
a maioria dos projetos curriculares elaborados por administradores ou
supervisores dos sistemas educacionais. É verdade, também, que nem sempre as
respostas apontam os mesmos caminhos trilhados por Tyler, cuja matriz básica
era o comportamentalismo. Se observarmos os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), propostos pelo MEC, verificamos que, a despeito da matriz
construtivista, a organização do material segue uma racionalidade que em muito
pouco difere daquela enunciada por Tyler. Todos os documentos apresentam a
mesma estrutura básica com objetivos, conteúdo, critérios de avaliação e
orientações didáticas. A primeira pergunta de Tyler encaminha a resposta aos
dois primeiros elementos dessa estrutura: objetivos e conteúdos; a segunda e a
terceira nos permitem definir orientações didáticas e ordená-las seguindo os
princípios de coerência horizontal e vertical; e a quarta, aponta para os
procedimentos de avaliação dos programas implementados. O modelo curricular
sobre o qual se assentam os PCN foi elaborado pelo psicólogo espanhol Cesar
Coll e tem uma lógica muito próxima das preocupações de Tyler.
O modelo de Coll parte de uma estrutura básica, que se torna diferenciada
nos estágios subsequentes. O quadro I, retirado do livro "Psicologia e Currículo",
apresenta os passos iniciais da elaboração de um currículo seguindo a lógica de
Coll.
A visão de conjunto dos componentes curriculares do ensino obrigatório
parte do âmbito legal, passando pelas finalidades do sistema educacional,
definidas na LDB 9394/96, com o objetivo de definir as unidades de tempo do
currículo (ciclos) e as áreas nas quais esse currículo está organizado. No
desdobramento do modelo, no entanto, o autor não define os critérios que seriam
utilizados para a determinação dos ciclos ou das áreas.
Um segundo aspecto que sobressai no modelo apresentado no Quadro I diz
respeito às fontes do currículo. Para Coll, a elaboração curricular deve ter em
conta a análise da realidade, operada com referenciais específicos:
 sócio-antropológico, que considera os diferentes aspectos da
realidade social em que o currículo será aplicado;
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 27

 psicológica, que se volta para o desenvolvimento cognitivo do aluno;


 epistemológica, que se fixa nas características próprias das diversas
áreas do saber tratadas pelo currículo;
 pedagógica, que se apropria do conhecimento gerado na sala de aula
em experiências prévias.
Observa-se que, para cada área curricular, Coll propõe que sejam definidos
objetivos finais, blocos de conteúdo e orientações didáticas para as atividades de
ensino e avaliação. Os blocos de conteúdo serão, então, sequenciados e a
programação das atividades elaborada segundo critérios estabelecidos pela
proposta pedagógica em vigor no sistema escolar ou nas escolas.
Antes de analisar cada um dos componentes curriculares apresentados por
Coll, cumpre salientar que o esquema apresentado no Quadro II introduz a ideia
de níveis de concretização. Os níveis de concretização são níveis decisórios
acerca das questões curriculares. Assim:
O 1º nível de concretização é aquele em que são definidos desde os
objetivos gerais do ciclo até as orientações didáticas para os professores,
passando pela definição de áreas, pela formulação de objetivos para essas áreas
e pela seleção dos conteúdos de cada área por ciclo. Na concepção de Coll, esse
nível de concretização deve estar a cargo de uma autoridade central, aquela
responsável pelo desenho da escolarização obrigatória.
O 2º nível de concretização diz respeito à temporalização e sequenciação
dos aprendizados ao longo do ciclo. Coll define temporalização como "a
distribuição temporal do conjunto de aprendizagens específicas que os alunos
devem realizar para adquirir as capacidades estipuladas pelos objetivos gerais do
ciclo" (p.170). Uma vez que os objetivos tenham sido distribuídos no tempo, os
conteúdos selecionados devem ser analisados e sequenciados, de acordo com os
seguintes passos estabelecidos por Coll:
1º - identificação dos principais componentes dos blocos de conteúdo;
2º - análise das relações entre os componentes e estabelecimento de
estruturas de conteúdo;
3º - estabelecimento da sequenciação com base nas relações e estruturas
estabelecidas.
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 28

Esse nível de concretização ainda é pensado como um nível central a cargo


de grupos responsáveis pela administração da educação.
O 3º nível de concretização diz respeito aos "diferentes programas de ação
didática em função das características concretas das diversas situações
educativas" (p. 177). Segundo Coll, esse nível de concretização é de
responsabilidade dos Centros Escolares (na nossa realidade, das escolas ou
grupo de escolas) e permite a adaptação do modelo curricular às peculiaridades
de cada caso. O autor ressalta que esse nível já não pode ser entendido como
integrante do projeto curricular, sendo uma ilustração acerca da maneira como o
referido projeto pode ser utilizado.
A partir das competências estabelecidas por Coll para cada nível de
concretização curricular pode-se observar que, a despeito de o autor caracterizar
seu modelo curricular como aberto, a centralização da proposta é bastante visível.
Caberia às escolas, no modelo proposto, apenas a adaptação de um conjunto de
objetivos, conteúdos e procedimentos didáticos já sequenciados à realidade de
cada escola.
Retomando o Quadro II, o Projeto Curricular Básico apresenta como
componentes curriculares: objetivos finais da área, blocos de conteúdos da área e
orientações didáticas, todos definidos para um determinado tempo - os ciclos
previamente estabelecidos. A concretização dos objetivos gerais da área por ciclo
se estabelece a partir de aprendizagens específicas, sendo fundamental a
determinação simultânea dos blocos de conteúdos e dos objetivos finais de cada
área.
Para Coll, conteúdos são "o conjunto de formas culturais e de saberes
selecionados para integrar as diferentes áreas curriculares em função dos
objetivos gerais da área" (p.161 e 162). Para selecionar os conteúdos, deve-se
buscar responder à seguinte questão: que conteúdos devem ser levados em
conta na área curricular determinada para que o aluno adquira, no final do ciclo,
as capacidades estipuladas pelos objetivos gerais da área?
O conjunto de conteúdos assim selecionados pode ser subdividido em:
a) fatos discretos, conceitos e princípios;
b) procedimentos;
c) valores, normas e atitudes.
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 29

Pode-se definir cada uma dessas subdivisões como:


Fatos discretos: informações não articuladas
Conceito: designa o conjunto de objetos, acontecimentos e símbolos com
algumas características comuns
Princípio: enunciado que descreve como as mudanças que ocorrem em um
conjunto de objetos, acontecimentos, situações ou símbolos relacionam-se com
as mudanças que ocorrem em outros conjuntos
Procedimento: conjunto de ações ordenadas e finalizadas, ou seja,
orientadas para o atingimento de uma meta
Valor: princípio normativo que preside e regula o comportamento das
pessoas em qualquer momento ou situação
Normas: regras de comportamento que as pessoas devem respeitar em
determinadas situações
Atitude: tendência a comportar-se de forma consistente e persistente ante
determinadas situações
Em função dessa classificação dos conteúdos, Coll define os objetivos finais
da área, organizando uma taxionomia de objetivos baseada nos três grupos nos
quais classifica os objetivos. Essa taxionomia apresenta um conjunto de verbos
para cada conjunto de objetivos desejados (p. 165 e 166):
Fatos, conceitos e princípios: identificar, reconhecer, classificar, descrever,
comparar, conhecer, explicar relacionar, situar, lembrar, analisar, inferir,
generalizar, comentar, interpretar, tirar conclusões, esboçar, indicar, enumerar,
assinalar, resumir, distinguir, aplicar.
Procedimentos: manejar, confeccionar, utilizar, construir, aplicar, coletar,
representar, observar, experimentar, testar, elaborar, simular, demonstrar,
reconstruir, planejar, executar, compor.
Valores, normas e atitudes: comportar-se (de acordo com), respeitar, tolerar,
apreciar, ponderar (positiva ou negativamente), aceitar, praticar, ser consciente
de, reagir a, conformar-se com, agir, conhecer, perceber, estar sensibilizado,
sentir, prestar atenção a, interessar-se por, obedecer, permitir.
Acompanhando a listagem de conteúdos e os objetivos de cada área, o
projeto curricular deve apresentar um resumo das opções didáticas e
metodológicas, assim como os procedimentos para a avaliação da consecução
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 30

dos objetivos gerais das áreas por ciclo. No caso do modelo proposto pelo autor,
esses procedimentos de avaliação devem seguir os princípios do construtivismo,
opção pedagógica assumida por Coll.
O modelo de Coll permite alguns questionamentos:
O caráter psicológico da educação é priorizado, esquecendo-se de aspectos
sociais e culturais.
O caráter técnico da elaboração curricular é priorizado, com o
estabelecimento de uma taxionomia de objetivos de natureza comportamental, a
despeito da ênfase construtivista que o autor diz apresentar.
O controle do planejamento curricular é posto nas mãos de especialistas em
currículo ligados aos órgãos centrais de planejamento de ensino.
A participação das unidades escolares e dos professores é reduzida no
processo de planejamento curricular, cabendo-lhes adaptar as diretrizes
curriculares à realidade de cada escola e elaborar os planos de aula.

Reflexões Críticas em Currículo

Nos modelos curriculares acima apresentados, currículo pode ser


interpretado como um produto elaborado por especialistas, a partir de diretrizes,
visando a uma programação das atividades de ensino que direcionam os alunos
para atingir comportamentos desejados e pré-determinados.
Visões alternativas sobre o conceito de currículo são apresentadas a seguir:
O currículo tem que ser entendido como a cultura real que surge de uma
série de processos, mais que como um objeto delimitado e estático que se pode
planejar e depois implantar; aquilo que é, na realidade, a cultura nas salas de
aula, fica configurado em uma série de processos: as decisões prévias acerca do
que se vai fazer no ensino, as tarefas acadêmicas reais que são desenvolvidas, a
forma como a vida interna das salas de aula e os conteúdos de ensino se
vinculam com o mundo exterior, as relações grupais, o uso e o aproveitamento de
materiais, as práticas de avaliação etc. (Sacristán, J.G., 1995, p.86-87).
Currículo é o conjunto daquilo que se ensina e daquilo que se aprende, de
acordo com uma ordem de progressão determinada, no quadro de um dado ciclo
de estudos. Um currículo é um programa de estudos ou um programa de
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 31

formação, mas considerado em sua globalidade, em sua coerência didática e em


sua continuidade temporal, isto é, de acordo com a organização sequencial das
situações e das atividades de aprendizagem às quais dá lugar. (Forquin, 1996,
p.188).
O currículo representa muito mais do que um programa de estudos, um texto
em sala de aula ou o vocabulário de um curso. Mais do que isso, ele representa a
introdução de uma forma particular de vida; ele serve, em parte, para preparar os
estudantes para posições dominantes ou subordinadas na sociedade existente. O
currículo favorece certas formas de conhecimento sobre outras e afirma os
sonhos, desejos e valores de grupos seletos de estudantes sobre outros grupos,
com frequência discriminando certos grupos raciais, de classe ou gênero.
(McLaren, 1977, p. 216)
Nos trechos acima, alguns aspectos merecem ser destacados:
1º - Os currículos escolares transcendem os guias curriculares
O material escrito representa apenas uma das dimensões do currículo: o
currículo formal ou escrito. Nele encontram-se cristalizados os acordos
estabelecidos entre os participantes do processo de elaboração curricular.
Embora o cotidiano da sala de aula sofra uma grande influência do currículo
formal, ele não é totalmente determinado por esse documento. No dia-a-dia
curricular acontecem muitas manifestações não prescritas no currículo escrito.
Esse cotidiano da sala de aula é também uma das dimensões do currículo
denominada currículo vivido.
Tanto o currículo formal, quanto o vivido, constituem um ambiente simbólico,
material e humano que se modifica constantemente. Dessa forma, as decisões
curriculares não são neutras nem científicas, envolvendo questões técnicas,
políticas, éticas e estéticas (Apple, 1991). Essas dimensões que perpassam
qualquer formulação curricular constituem o que se denomina currículo oculto. É
por intermédio, especialmente, do currículo oculto que diferentes mecanismos de
poder penetram na escola sem que estejam explícitos no currículo formal ou
vivido.
2º - O currículo não é um conjunto de objetivos, conteúdos, experiências de
aprendizagem e avaliação
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 32

Objetivos, conteúdos, procedimentos metodológicos e procedimentos de


avaliação são componentes curriculares. O estabelecimento da periodização do
tempo escolar, a opção por uma determinada forma de organização dos
conteúdos (disciplinar, por eixos, por temáticas), a integração entre os conteúdos
de um mesmo período ou de período subsequentes são outros aspectos que
precisam ser considerados ao se elaborar um currículo.
No entanto, esses aspectos requerem decisões que não são apenas de
natureza técnica. Elas têm implicações nas formas de conceber a sociedade, a
escola, o conhecimento. Elas são formas culturais de organização da
escolarização e essas formas configuram o currículo. Por exemplo, uma prática
de avaliação meramente classificatória funciona como mecanismo de
diferenciação social dos indivíduos não apenas na escola, mas em toda a sua
vida social. Não se trata, portanto, apenas de uma decisão técnica acerca de uma
determinada metodologia de trabalho em sala de aula.
3º - O currículo escolar não lida apenas com o conhecimento escolar, mas
com diferentes aspectos da cultura
A escola moderna está muito acostumada com a ideia de que deve se
ocupar da transmissão/ assimilação/ construção do conhecimento. Isso é
verdade, na medida em que a especificidade da escola é o trato com o
conhecimento escolar. No entanto, o conhecimento é apenas uma das facetas da
cultura construída e reconstruída no ambiente escolar.
Ainda que a ênfase dos currículos escolares tenda a recair constantemente
sobre os conteúdos escolares, esses conteúdos fazem parte de um padrão
cultural influenciado pelo currículo oculto. A escolha de um determinado padrão
cultural na seleção de conteúdos para um dado currículo expressa uma
valorização desse padrão em detrimento de outros.
Todo currículo é um processo de seleção, de decisões acerca do que será e
do que não será legitimado pela escola. A existência um conjunto de culturas
negadas pelo currículo cria nos alunos pertencentes a essas culturas um
sentimento de alijamento do que é socialmente aceito.
4º- A seleção de conteúdos e procedimentos que comporão o currículo é um
processo político
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 33

Os modelos curriculares técnicos sempre buscaram definir parâmetros


científicos através dos quais se deveria realizar a seleção e a organização dos
conteúdos e dos procedimentos escolares. Embora alguns parâmetros científicos
existam, eles não são neutros e desinteressados. Ao contrário, embutem em si
uma compreensão política do mundo e são, também eles, negociados pelas
comunidades que os definem. Assim, os professores de matemática, por
exemplo, partilham crenças e atitudes que direcionam a seleção dos conteúdos e
dos procedimentos escolares. Tais crenças e atitudes originam-se no processo
histórico do qual participam esses atores.
Em síntese, ao propor determinada organização curricular, a sociedade está
realizando uma seleção histórica, problemática que reflete, em alguma medida, a
distribuição de poder que se dá em seu interior.

ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DA ESCOLA E AVALIAÇÃO DA


APRENDIZAGEM CURRÍCULO: O CORAÇÃO DA ESCOLA

Como sabemos, o currículo escolar requer uma organização dos


tempos/espaços em que a escola vai desenvolver os diferentes conhecimentos e
valores que durante a construção do seu Projeto Político Pedagógico - PPP forem
considerados necessários para a formação de seus alunos. Isso é possível, hoje,
porque, com base no princípio da autonomia, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional - LDBEN (Lei n° 9394/1996) estabeleceu como incumbência
da escola e de seus professores (Art. 12 e 13) a construção do PPP. É na
construção do PPP que a comunidade escolar (Pais, Professores, Alunos,
Funcionários) debate, discute e estabelece suas concepções de homem, de
mundo, de sociedade, de conhecimento, de currículo, de avaliação e tantas
outras, com o objetivo de criar referências e diretrizes próprias para as práticas
que pretende implantar.
Dentre as práticas implantadas pela escola, a mais legitimamente ligada à
sua razão de ser é, sem dúvida, a que denominamos desenvolvimento do
currículo escolar. Muito mais do que um conjunto de saberes dividido em áreas de
conhecimento, disciplinas, atividades, projetos e outras formas de recorte, por sua
vez hierarquizados em séries anuais ou semestrais, ciclos, módulos de ensino,
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 34

eixos e outras formas de escalonar o tempo, o currículo é o coração da escola. É


por dentro dele que pulsam e se mostram as mais diversas potencialidades, em
meio às reações manifestadas pelos alunos nos seus escritos, desenhos, jogos,
brincadeiras, experimentos, estratégias de relacionamento entre si e com os
educadores. É por dentro dele que desejos podem ser tolhidos ou encorajados.
A força do currículo escolar é tanta, que sobre ele costumam recair os aplausos
ou as criticas sobre o “êxito” ou “fracasso escolar”, quando se discutem as causas
internas da boa ou da má qualidade do ensino. Assim, quando crescem os índices
de reprovação e evasão escolar é bastante frequente que os Sistemas de Ensino
e as escolas procurem reorganizá-lo, intensificando, por exemplo, o número de
horas de determinada atividade, disciplina ou área de conhecimento, ou, ainda,
incluindo novos componentes curriculares ou excluindo outros.

FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DO CURÍCULO ESCOLAR

Dentre as formas de organização curricular, as mais frequentes nas


escolas brasileiras são denominadas de regime seriado e regime ciclado.
O regime seriado predominou em nossas escolas do final do século XIX
até o início da década de 80 do Século XX, quando passou a ser problematizado
por ter seus fundamentos vinculados a uma pedagogia tradicional. A pedagogia
tradicional, como se sabe, está centrada na transmissão de conhecimentos
acumulados e considerados essenciais para a inserção de todos à sociedade e ao
mercado de trabalho. Nesse modelo, os conhecimentos são divididos em
componentes curriculares específicos para cada campo do conhecimento e
esses, por sua vez, são subdivididos em séries ou anos de estudos. A lógica
dessa forma de organização curricular é exclusivamente temporal, pois fica
estabelecido que determinados conteúdos devam ser aprendidos, indistintamente,
por todos os alunos num tempo também determinado.
O regime ciclado também é dividido em tempos que costumam variar entre
dois e três anos de duração, mas considera as variações evolutivas dos alunos,
suas histórias pessoais/familiares, suas experiências, seu ritmo, sempre
procurando compreender e atender cada um em suas diferenças, mas sem perder
de vista sua inclusão na sociedade como cidadão de direitos e deveres e,
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 35

portanto, como protagonistas na vida coletiva. Mas é, acima de tudo, o resultado


de uma nova concepção de escola como espaço onde as aprendizagens não se
dão apenas a partir de um campo científico definido como, por exemplo, Artes,
Matemática, Estudos Sociais e outros, mas, sim, agregando valor formativo a
cada um desses ou de outros campos do saber sistematizado. Isso implica,
necessariamente, no estabelecimento de uma ética curricular que respeita os
percursos individuais mas que impõe o trabalho coletivo com vistas a
consolidação de uma sociedade democrática.
Os regimes seriado e ciclado coexistem, atualmente, em função do olhar
pedagógico que cada escola define de forma autônoma em seu PPP. Mas cabe
destacar, que ambos são objetos de inúmeras análises e debates acadêmicos, na
medida em que cada grupo de estudiosos pesquisadores e professores das redes
públicas e privadas de ensino assumem posições a favor ou contra uma dessas
duas formas de organização curricular.
Essa polarização tem levado os defensores do regime seriado a criticarem
o regime ciclado acusando-o de desqualificar o ensino e de promover
automaticamente o aluno sem uma definição clara dos critérios avaliativos e sem
que as aprendizagens tenham se efetivado. Por outro lado os defensores do
ensino ciclado acusam o regime seriado de elitista e atrelado aos valores de
mercado e, principalmente, de excludente em face dos rígidos critérios avaliativos
que estabelece.
Mas existem outras formas de organização curricular previstas para o
atendimento de determinadas populações ou grupos de alunos em função de
suas peculiaridades, estabelecidas no Art. 23 da LDBEN, como se observa no
excerto que segue:
“A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos
semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-
seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma
diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem
assim o recomendar”.
A alternância regular consiste na “organização do ensino de forma
sequencial, cumprindo dois momentos diferentes, um presencial na escola e outro
que se dá fora dela, sempre na mesma ordem”. (Parecer CEED/RS 740/1999). As
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 36

demais possibilidades (grupos não seriados e outras formas diversas)


dependerão das condições que possuírem as unidades escolares, do número de
alunos a serem atendidos e, sobretudo, da “capacidade de gestão educacional
para cumprir os objetivos a que se propõe” (Parecer CEED/RS 740/1999), no
sentido de recursos humanos em quantidade adequada e devidamente
capacitados.
Esta flexibilidade contida na atual LDB, apesar dos mais de dez anos de
sua promulgação, ainda representa algo novo para as escolas e para os
profissionais da educação, formados em regimes seriados, num contexto histórico
que fez prevalecer essa forma de organização curricular por bem mais de cem
anos. Por tudo isso,
A opção da escola por esta ou aquela forma de organização curricular
requer uma meticulosa discussão, pois cada escola será reconhecida pelo tipo de
homem que ela deseja formar e por meio dos mecanismos que utiliza na definição
de seu currículo: propondo, selecionando, privilegiando, excluindo, silenciando
conteúdos e posturas tanto dos professores e alunos quanto de possíveis
interesses das comunidades onde as escolas se localizam. (GONTIJO. GONTIJO.
Salto Para o Futuro. Série Currículo e Projetos. Programa N° 4/2004)
Como se observa, a questão que está em jogo quando a escola debate e
decide coletivamente suas intenções curriculares é a concepção que irá nortear
suas práticas. Essa concepção pode se concretizar numa forma de organização
como a “grade curricular” com tempos, espaços e conteúdos rigidamente
definidos, sendo mais comum no regime seriado, ou num campo de
possibilidades com raízes que se multiplicam indefinidamente colaborando para a
constituição das potencialidades dos alunos, o que é mais provável quando a
forma de organização for ciclada.

CURRÍCULO E AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR


Um aspecto fundamental quando se fala em organização do currículo
escolar é a forma como se avalia as aprendizagens que os alunos efetivam
durante seu desenvolvimento. Com isso, estamos querendo dizer que currículo e
avaliação da aprendizagem escolar, são faces indissociáveis de uma mesma
moeda e que, portanto, ocorrem simultaneamente.
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 37

A ideia de que a avaliação da aprendizagem dos alunos é um processo


dissociado do desenvolvimento curricular nasceu com a pedagogia tradicional e
ainda se faz presente em muitas unidades escolares, apesar de intensamente
questionada. Quando essa concepção prevalece a avaliação da aprendizagem
consiste somente na aplicação de instrumentos como questionários, provas,
trabalhos escritos em geral, em períodos regulares (final de cada mês, ou
bimestre ou semestre) e com o objetivo de verificar a quantidade de informações
que os alunos assimilaram naquele período e classificá-los em escalas de notas
ou até mesmo de conceitos tratados como se fossem notas. Quando a
concepção vai além da classificação, preocupando-se com o processo de
aprendizagem ao longo do desenvolvimento curricular e ocorrendo por meio de
um acompanhamento do aluno com o objetivo de reorientá-lo a cada dificuldade
encontrada, situa-se na perspectiva formativa.
As duas formas de avaliação são necessárias quando se pensa na
indissociabilidade currículo-avaliação. A primeira, porque quando utilizada não
apenas com sua finalidade classificatória auxilia na problematização do próprio
currículo e com isto fornece pistas para a melhoria do planejamento docente e
escolar. Se algo não vai bem com a parte, provavelmente precisará de uma
análise e até reformulação do todo, inclusive do PPP e do Regimento Escolar. A
segunda, porque possibilita uma intervenção imediata no processo de
aprendizagem, permitindo que o currículo em desenvolvimento se reconstrua
ainda durante o processo e comprovando, assim, sua natureza dinâmica e
impermanente no atendimento das necessidades dos alunos. Assim, entendemos
que:
A avaliação é uma das atividades que ocorre dentro de um processo
pedagógico. Este processo inclui outras ações que implicam na própria
formulação dos objetivos da ação educativa, na definição de seus conteúdos e
métodos, entre outros. A avaliação, portanto, sendo parte de um processo maior,
deve ser usada tanto no sentido de um acompanhamento do desenvolvimento do
estudante, como no sentido de uma apreciação final sobre o que este estudante
pôde obter em um determinado período, sempre com vistas a planejar ações
educativas futuras. (FERNANDES. FREITAS. 2007, p. 47)
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 38

Uma questão importante é a da relação entre a concepção de


conhecimento e a forma de organizar o currículo e de avaliar as aprendizagens
dos alunos.
Assim, quando a concepção de conhecimento ainda se apresenta
fragmentada, a proposta curricular da escola costuma ser organizada na forma de
disciplinas organizadas em regime seriado que ao serem desenvolvidas não
dialogam e não buscam pontos de articulação. Além disso, e por consequência, a
prática avaliativa, costuma ser classificatória.
Mas, nem sempre a organização curricular em regime seriado vem
acompanhada de uma avaliação classificatória. Esse avanço ocorre quando a
concepção de conhecimento e sua respectiva proposta curricular estão
fundamentadas numa epistemologia que considera o conhecimento como uma
construção sócio interativa que ocorre na escola e em outras instituições e
espaços sociais. Nesse caso, já se percebe múltiplas iniciativas entre professores
no sentido de articularem os diferentes campos de saber entre si e, também, com
temas contemporâneos, baseados no princípio da interdisciplinaridade, o que
normalmente resulta em mudanças nas práticas avaliativas. Em situações como
essa, encontram-se professores que trabalham cooperativamente em projetos e
outras metodologias que envolvem alunos de diferentes disciplinas e turmas e
onde esses são avaliados antes, durante e depois das práticas vivenciadas, por
meio até mesmo de autoavaliação e sem foco na classificação. Mais ainda,
escolas que assumem essa posição costumam aprovar regras de avaliação mais
inovadoras em seus Regimentos e mais compatíveis com o percurso escolar dos
alunos, como a de progressão continuada, também adotada no regime ciclado.
A LDB (Art. 24;III), com a flexibilidade que a caracteriza, já prevê a
possibilidade de progressão parcial nos estabelecimentos que adotam a
progressão regular por série, lembrando que o regimento escolar pode admiti-la
“desde que preservada a sequência do currículo, observadas as normas do
respectivo sistema de ensino”. Também, no art. 32, inciso IV, § 2º, quando trata
especificamente do Ensino Fundamental, refere que: os estabelecimentos que
utilizam progressão regular por série podem adotar no ensino fundamental o
regime de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação do processo ensino-
aprendizagem, observadas as normas do respectivo sistema de ensino.
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 39

O Conselho Nacional de Educação, em mais de um Parecer em que a


avaliação do rendimento escolar é analisada demonstra a nova visão de avaliação
recomendada aos Sistemas de Ensino e às escolas (públicas e particulares),
destacando seu caráter formativo predominando sobre o classificatório. O
Conselho Estadual do Estado do Rio Grande do Sul - CEED/RS, por meio do
Parecer n° 740/99 destaca a progressão continuada como uma possibilidade
oferecida ao aluno [...] com determinadas dificuldades de aprendizagem
detectadas pelo professor ao longo do processo, a oportunidade de retomá-las,
não sendo impedida a sua promoção ao período seguinte. Não se trata
simplesmente de uma estratégia de promoção do aluno, mas, sim, de uma
estratégia de progresso individual e contínuo, que favoreça o crescimento do
educando, preservando a qualidade necessária para sua formação escolar.
Em se tratando do regime ciclado o conceito de progressão continuada
emerge com maior facilidade. Isso ocorre porque um de seus fundamentos é o de
que o conhecimento não é transmitido nem está pronto, mas sim, construído
permanentemente. No âmbito da aprendizagem escolar, esse fundamento
provoca a ressignificação das formas de tratar o conteúdo e de avaliá-lo. Se o
conhecimento é permanentemente construído, e se essa construção não obedece
a padrões rígidos, graças ao entendimento que hoje se tem de que cada aluno ou
aluna tem seu próprio ritmo e caminhos para aprender, como, então, manter as
formas tradicionais de avaliação?
Ou seja, a implantação dos ciclos, ao prever a progressão continuada,
supõe tratar o conhecimento como processo e, portanto, como uma vivência que
não se coaduna com a ideia de interrupção, mas sim de construção, em que o
aluno, enquanto sujeito da ação, está continuamente sendo formado, ou melhor,
se formando, construindo significados a partir das relações dos homens com o
mundo e entre si. (SOUZA, 2000)
Ao falar em progressão continuada, portanto, estamos falando de uma
escola que inclui a todos. Naturalmente, isso requer outra forma de gestão do
currículo, esteja ele organizado em séries ou em ciclos, pois na medida em que o
avanço no percurso escolar é marcado por diferentes níveis de aprendizagem, a
escola precisará, também, organizar espaços e formas diferenciadas de
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 40

atendimento, a fim de evitar que uma defasagem de conhecimentos não se


transforme numa lacuna permanente.

CURRÍCULO, AVALIAÇÃO E MOBILIDADE ESCOLAR

Uma situação bastante corriqueira em nossas escolas é a mobilidade dos


alunos. Quantas vezes nos perguntamos sobre o que fazer quando recebemos
alunos provenientes de outras instituições e de até de outros Sistemas de Ensino,
dentro ou fora do município ou Estado em que a escola em que atuamos se situa?
Quantas vezes admitimos nossas dificuldades para incluí-lo no novo contexto
escolar? Quantas vezes esquecemos que estes alunos ao viverem um processo
de transição institucional passam por momentos de insegurança frente aos novos
professores, colegas e frente a pedagogia que lhes é oferecida? Como inseri-los
nos tempos/espaços da escola em que são acolhidos quando provêm de outra em
que a forma de organização curricular e de avaliação é diferente?
A mobilidade escolar ou a conhecida transferência também e objeto de
regramento na LDB e em outros instrumentos normativos do CNE e dos
Conselhos de Educação Estaduais e Municipais. Esta é uma realidade que
precisa ser tratada a partir do que se entende por direito à educação, pois envolve
dimensões que extrapolam a escolha da criança, quando se tratar da Educação
Básica e nessa, especialmente do Ensino Fundamental, por seu caráter
obrigatório.
As mobilidades, de modo geral ocorrem por necessidade dos adultos
responsáveis pelo menor que não pode deixar de ser atendido frente a uma
escolha que não foi sua. Nesse sentido não há como recusar matrícula em algum
estabelecimento de ensino que favoreça o deslocamento do aluno transferido.
Mas, acima dessas questões administrativas, não há como recusar a continuidade
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 41

dos estudos iniciados em outra escola de forma que o aluno não se sinta
despreparado para avançar em seu percurso de aprendizagem ou que não se
sinta retrocedendo em conquistas já efetivadas.
Parece estarmos tratando do óbvio, mas, nossas observações e
acompanhamento de alguns estudos indicam que essa questão tem sido
descuidada inúmeras vezes gerando nos alunos transferidos uma sensação de
abandono ou descaso, semelhante a que costuma ocorrer com alunos que não
acompanham o ritmo de seu colegas em classes cujo professor se pauta por uma
visão rígida de conhecimento.
Por tudo isso, ao tratar da mobilidade inter-séries e inter-escolas ou
sistemas e pensando, prioritariamente na dimensão pedagógica que envolve o
currículo escolar e a avaliação a LDB estabeleceu no § 1° do Art. 23 que:
A escola poderá reclassificar os alunos, inclusive quando se tratar de
transferências entre estabelecimentos situados no País e no exterior, tendo como
base as normas curriculares gerais.
Entendemos que reclassificar significa incluir o aluno transferido de uma
para outra escola com regimes diferentes, no lugar compatível com se
desenvolvimento e com suas aprendizagens. Isso só poderá ser feito após
cuidadosa observação e acompanhamento de sua adaptação na instituição que o
acolhe, em termos de relacionamento com colegas e professores, de
preferências, de respostas aos desafios escolares, indo além de uma simples
análise do seu currículo escolar.
Sobre a reclassificação possibilitada pela LDB, mais uma vez é o Parecer
CEED/RS n° 740/99 que nos oferece importante contribuição:
A despadronização da escola, referida no artigo 23 da LDBEN, permite
diversas maneiras de organização escolar. Diante de tal diversidade
organizacional, a escola pode se utilizar da reclassificação para situar o aluno que
a ela chega nas séries, períodos, ciclos, etapas ou fase, visando a integrá-lo no
espaço-tempo adequado ao seu estágio de desenvolvimento e a suas
possibilidades de crescimento. Em tais situações, a reclassificação, cumpridas as
normas curriculares gerais [...] deverá ficar explicitada no Regimento Escolar.
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 42

Voltando a LDB, não podemos deixar de apontar o Art. 24, com seus
incisos e alíneas, também fornecedores de alternativas à problemática que
estamos discutindo e, mais uma vez, deixando claro que se trata de flexibilizar as
condições, para que a passagem dos alunos pela escola seja lembrada como um
momento de crescimento, mesmo frente a percursos de aprendizagem não
lineares. Extraímos alguns excertos desse Artigo para melhor compreensão do
que afirmamos:
Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será
organizada de acordo com as seguintes regras comuns:
II - a classificação em qualquer série ou etapa, exceto a primeira do ensino
fundamental, pode ser feita:
a) por promoção, para alunos que cursaram, com aproveitamento, a série
ou fase anterior, na própria escola;
b) por transferência, para candidatos procedentes de outras escolas;
c) independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita
pela escola, que defina o grau de desenvolvimento e experiência do candidato e
permita sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do
respectivo sistema de ensino;
III- nos estabelecimentos que adotam a progressão regular por série, o
regimento escolar pode admitir formas de progressão parcial, desde que
preservada a sequência do currículo, observadas as normas do respectivo
sistema de ensino;
IV -poderão organizar-se classes, ou turmas, com alunos de séries
distintas, com níveis equivalentes de adiantamento na matéria, para o ensino de
línguas estrangeiras, artes, ou outros componentes curriculares;
Uma leitura mais cuidadosa do artigo 24 da LDB nos oferece indicativos de
que a escola hoje possui os instrumentos legais e normativos para exercitar sua
autonomia também no terreno do currículo e da avaliação da aprendizagem. Esse
exercício permitirá que ela se posicione e institua suas próprias regras para
mudar e reinventar-se em nome do que entendemos como qualidade da
educação ou, ao contrário, para perpetuar as muitas injustiças cometidas em
nome de uma padronização do conhecimento e da avaliação. Em qualquer um
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 43

dos casos, trata-se da escolha de um caminho institucional que impõe um


posicionamento sobre o tipo de homens e mulheres que a escola pretende formar.

Currículo: elemento básico de articulação das práticas educativas

A compreensão sobre o currículo e a memória social é de fundamental


importância para a construção da identidade educacional. Recomenda-se que no
ensino, em toda a sua abrangência, a temporalidade e a cultura estejam
presentes no cotidiano dos alunos e demais profissionais envolvidos no processo
ensino-aprendizagem, para que os mesmos saibam se localizar e organizar no
tempo histórico, identificar referências, medições temporais, perceber a existência
de diferentes épocas e que o tempo é uma convenção social.
Do ponto de vista da relevância científica, é importante considerar que o
novo conceito de currículo e a aplicação do mesmo têm passado por intenso
processo de mudança, cultural e social, e se manifesta na estrutura da ocupação
e formação de profissionais. Há pouco conhecimento sobre o novo conceito de
currículo na educação. É preciso avançar mais neste conhecimento e também
pesquisar suas diferenças com relação à sociedade e a pedagogia.
Do ponto de vista da importância pedagógica, parte-se da conjectura de
que a formação educacional em toda sua amplitude deve contemplar o
desenvolvimento cognitivo, social, cultural e consciência da necessidade de uma
educação permanente. Sendo assim, esta pesquisa poderá contribuir para a
compreensão das necessidades educacionais do processo ensino- aprendizagem
bem como a importância da prática do currículo na sociedade escolar.
Segundo Silva (2001, p.72): “A organização do currículo obedecia um
princípio abrangente ao qual se subordinam todas as áreas que o compõem.”
Desta forma, uma abordagem menos limitativa tem sido trabalhada quanto ao
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 44

conceito e estrutura do currículo educacional, portanto, os conteúdos pré


determinados devem ser extintos. A oferta de um processo de construção de
conhecimento, que envolva a pesquisa, seleção de conteúdos educacionais a
serem transmitidos pelo(a) educador(a), valores e metodologias nas práticas
educativas são a nova abordagem do currículo dinâmico, interativo e criativo que
hoje se propõe.
As questões sobre currículo estão no centro das discussões atuais sobre a
educação escolar. Professoras e professores, estudantes, familiares e
governantes estão preocupados, embora com distintas ênfases e objetivos, em
examinar e compreender a forma como opera o processo fulcral da escolarização,
supostamente incumbindo de forjar os cidadãos e cidadãs que concretizam o
projeto de sociedade do início do século XXI (COSTA, 2003, p. 9).
É plausível supor que o currículo passará a ter um papel fundamental neste
processo, por meio de sua prática pedagógica. Para tanto, precisa reunir
conhecimentos teóricos e metodológicos inovadores.
Portanto, identifica-se a necessidade de acompanhar a formação histórica
educacional do conceito e aplicação do currículo escolar. Dessa forma, buscar o
entendimento de nossas raízes na educação e como as mesmas estão presentes
e atuantes no entendimento de currículo no mundo contemporâneo.

Abordagem contextual sobre currículo

A educação sofreu mudanças que resultaram em modificações tanto nas


legislações do ensino quanto nas práticas pedagógicas adotadas no Brasil e tais
alterações passaram necessariamente pela questão do currículo, razão pela qual
me disponibilizei neste estudo para analisar as implicações advindas do currículo
para o cotidiano educacional.
O currículo sempre esteve presente na educação e desta forma vem
acompanhando as mudanças políticas ocorridas no Brasil, especialmente no que
se refere a forma da organização e implementação do ensino. Esse fato fez com
que a discussão sobre currículo se limitasse a forma de estruturação do conteúdo
didático.
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 45

O currículo não é um conceito, mas uma construção cultural. Isto é não se


trata de um conceito abstrato que tenha algum tipo de existência fora e
previamente à experiência humana. É antes de um modo de organizar uma serie
de práticas educativas (GRUNDY 1998, p.5).
Sendo assim, a atualização dos profissionais da educação quanto ao
currículo e sua implementação na sociedade escolar, se faz necessária para que
as práticas pedagógicas implantadas por estes profissionais tenham resultados
positivos dentro e fora da escola.
O currículo da teoria tradicional surge com o componente que estrutura as
atividades escolares. Desta forma o currículo não é entendido de forma
humanizadora e social, não há como afastar o currículo educacional da práxis,
sendo que o currículo relaciona-se inteiramente com o processo ensino
aprendizagem.

O currículo social e suas questões educacionais

A diversidade social está


presente de forma sólida nas
escolas, cada aluno traz suas
vivências familiares para a sala de
aula, e estas se permutam com a
vida social dos educadores (as) e
demais funcionários que estão
envolvidos nas ações dos espaços
escolares.
O termo currículo na pedagogia associa-se a modelos antigos empregados
para auxiliar a elaboração organizacional das matérias escolares, bem como a
matriz curricular que cita as disciplinas a serem ensinadas cumprindo uma carga
horária pré-definida conforme a seguinte reflexão de Sacristán:
O currículo aparece, assim, como o conjunto de objetivos de
aprendizagem selecionados que devem dar lugar à criação de experiências
apropriadas que tenham efeitos cumulativos avaliáveis, de modo que se possa
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 46

manter o sistema numa revisão constante, para que nele se operem as oportunas
recomendações (SACRISTÁN 2000, p.46).
Desta forma o currículo deve ser a base para a aprendizagem e acesso
para a elaboração da informação, participação e entendimento da própria cultura
em sua forma regional ou em caráter ampliado. O profissional da educação deve
entender as origens do processo educacional na qual atua diretamente ou
indiretamente de modo a aumentar a sua produtividade para com o trabalho
realizado.
O currículo educacional deve respeitar a diversidade social e cultural e se
adequar as peculiaridades dos sistemas educativos no qual será inserido e
vivenciado. A construção do currículo social faz parte da identidade educacional,
desta forma, organizar as diferenças das mediações e referências sociais
contribui para o bom rendimento do processo ensino aprendizagem.
As profundas relações entre currículo e produção de identidades sociais e
individuais, tantas vezes destacadas nas teorizações criticas, tem levado os
educadores e educadoras engajados nesta tradição, a formular projetos
educacionais e curriculares que se contraponham às características que fazem
com que o currículo e a escola reforcem as da presente estrutura social
(MOREIRA; SILVA 2005, p. 33).
Mudanças que envolvem o ensino, geralmente são difíceis, principalmente
quando se trata de modelos educacionais remotos, vivenciados e praticados
durante décadas na educação brasileira. Reflito que os profissionais da educação
que são envolvidos na formulação e inserção do currículo devem estar
preparados para tais questões além de serem condescendentes com a e as
identidades, pessoais e culturais dos alunos e demais envolvidos no contexto
educacional.
O termo identidade possui várias vertentes na psicologia, sociologia e
antropologia. No campo da educação todas estas ações estão presentes de forma
significativa. Os educadores (as) devem ser mediadores destas ações, Charlot
(2000, p. 91) diz que “qualquer seja a figura sob que se apresente a relação com
o saber, está em jogo a construção de si mesmo e da imagem de si”.
Para que haja um melhor entendimento sobre o currículo social e demais
ações recentes na educação, os profissionais da área devem se capacitar, ser
CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA 47

pesquisadores e reflexivos a fim de se envolver nos processos educativos de


forma mais concreta e precisa, respeitando a identidade individual e coletiva dos
alunos.

O currículo oculto

Lidar com as variáveis sociais não é uma


empreitada fácil, o respeito às diferenças, deve
ser trabalhado de forma objetiva. O currículo com
foco na formação social deveria se adequar a
realidade econômica e cultural das escolas, mas
diante da prática nem sempre refletida o currículo
acaba tendo uma dimensão oculta e deseduca
quando deveria educar. Sendo assim Silva cita
que: O que se aprende no currículo oculto são
fundamentalmente atitudes, comportamentos, valores e orientações que permite
que crianças e jovens se ajustem da forma mais convincente às estruturas e às
pautas de funcionamento, consideradas injustas e antidemocráticas e, portanto,
indesejáveis, da sociedade capitalista (SILVA 2001, p. 78).
As regras e normas das convenções sociais do currículo oculto se fazem
presentes nas práticas dos(as) educadores(as) que ensinam, por exemplo, que os
meninos são mais forte que as meninas, que a mulher tem o dever de cuidar da
casa e dos filhos.
O currículo oculto está presente no cotidiano educacional: contendo
elementos que contribuem para aprendizagem de conceitos e valores de práticas
educativas que são incluídas como conteúdo escolar onde ainda meninos brincam
de carrinho e meninas de boneca.
Ricci (1998, p. 17) afirma que “toda estrutura curricular contém intenções
nem sempre explicitas.”, enquanto SILVA (2001, p. 81) apresenta um
posicionamento que diz que “não existe muita coisa oculta no currículo”.
Concordo com o Ricci, o currículo possui uma dimensão oculta muito forte
que banaliza as questões sociais na vivência. Tanto o educador quanto os
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educandos se tornam cúmplices das desigualdades e injustiças da sociedade que


são ensinadas e aprendidas nas escolas.
Por mais que o(a) educador(a) tente evitar com que o currículo oculto faça
parte do seu trabalho, a prática educativa acaba demonstrando o contrário. As
figuras dos livros didáticos reforçam as variações de classes econômicas, as
diferenças étnicas, homofóbicas, a intolerância religiosa entre outros. Este ensino
oculto está presente no cotidiano cultural e social escolar o que exige dos(as)
educadores(as) constante reflexão e vigilância sobre seu fazer pedagógico.

O currículo estruturador

Entendo que a expressão currículo articulador conceitue melhor o termo


currículo, pois ela traz a ideia que remete a rede e interação, que são
características fundamentais para a implementação do currículo normalmente
chamado de currículo estruturante. Essa ideia de articulação ajuda superar a
forma de listagem de informações normalmente confundidos com conteúdos da
disciplina.
Quando os conceitos que estruturam a área e as disciplinas estão
explícitos, pode-se ordenar um currículo recortando da realidade os fenômenos
que precisam ser compreendidos, traduzindo-os em temas de estudos, nos quais
os conceitos, procedimentos e atitudes serão construídos (RICCI 1998, p.
6). O conceito de currículo articulador desmistifica a ideia de que a
elaboração de disciplinas organizadas de forma fragmentada é mais eficiente no
processo educacional. O currículo estruturador busca ligar as disciplinas, afim de
que o conhecimento proposto seja articulado em todas as áreas de conhecimento.
Efland (1998, p. 61) sugere a organização de currículo a partir de uma ideia
chave. Sendo assim cada área de conhecimento se organiza por meio de um
tema problema. Os alunos precisam se envolver com questionamentos a fim de
se tornarem pesquisadores do próprio tempo histórico.
Na prática os alunos podem estudar fenômenos interdisciplinares de forma
não linear, e construir seu conhecimento traçando paralelos entre diversos
teóricos e conceitos bem como a evolução das pesquisas, suas mudanças e seus
conflitos, passando por vários autores e diversas áreas de práticas. Os(as)
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educadores(as) que são mediadores/as destes processos devem estar atentos a


mudanças globais. Ricci afirma que:
Para o professor e a organização curricular o conceito estruturante é
fundamental na seleção do que será ensinado. È um modo mais ordenado de definir
temas, questões problema e mesmo organizar projetos nos quais os conteúdos
disciplinares possam ser trabalhados num enfoque globalizador (RICCI 1998, p. 07).
Para que a articulação do currículo aconteça de forma positiva, as escolas devem
rever sua organização, estabelecer projetos e planejamentos interdisciplinares, além
de definir cada processo formador em conjunto com os(as) educadores(as). Desta
forma planejar os conteúdos de modo objetivo e articulador proporciona a vivencia
de um currículo estruturante nas práticas educativas.
Para que o currículo educacional seja entendido, deve ser pensado como
uma produção social, pedagógica e cultural e encarado como parte integrante do
modo de organização que as escolas devem transformar para atribuir
significados. O currículo precisa ser visto como um meio que contribui tanto para
produzir como para reproduzir as experiências educacionais de determinados
grupos social, independente do segmento escolar.
O currículo necessita afastar-se das abordagens tradicionais que realçam a
aquisição de habilidades mecânicas. Na tentativa de atingir essa meta, a escola
deve, rejeitar os princípios conservadores e tradicionais que impregnam as
abordagens do currículo como um suporte de orientação pedagógica ou como
mera listagem de conteúdo.
É preciso conhecer a necessidade de promover a conciliação entre
currículo e sociedade, sem perder, a especificidade de cada um desses
processos. Isso implica reconhecer as muitas facetas de um e outro e a
diversidade de métodos e procedimentos para ensino, uma vez que não há um
método para a aprendizagem enfim há múltiplos métodos.
Utilizar certos procedimentos de ensino, respeitando as características de
cada grupo e até mesmo de cada pessoa, exigirá formas diferenciadas de ações
pedagógicas. Sendo assim, o currículo necessita ser entendido e vivenciado
como elemento básico de articulação das práticas educativas.
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REFERÊNCIAS

BRASIL. Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de


dezembro de 1996.
CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre:
Artes Médicas Sul, 2000.
COSTA, Marisa Vorraber. O currículo nos lineares do contemporâneo. 3° edição.
Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
EFLAND, A. D. Cultura, sociedade, arte e educação num mundo pós-moderno.
São Paulo: Perspectiva, 1998.
FILHO, Lourenço. Introdução ao estudo da Escola Nova. São Paulo:
Melhoramentos, 1950.
GRUNDY, Shirley. Producto o práxis del curriculum. 3. ed., 3ª reimp. Madri:
Ediciones Morata, 1998.
MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa; SILVA, Tomaz Tadeu da; Currículo, cultura e
sociedade. 7° edição. São Paulo: Cortez, 2005
SACRISTÁN, J. Gimeno e Gómez, A. I. Perez. O currículo: os conteúdos do
ensino ou uma análise prática? Compreender e Transformar o Ensino. Porto
Alegre: Artmed, 2000.
RICCI, Cláudia Sapag. Currículo considerações históricas. Belo Horizonte:
UFMG/SEE, 1998.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias
do currículo.2ª edição. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
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