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P R OTO CO LO B RA S I L E I R O D E E N T R E V I STA FO R E N S E CO M C R I A N Ç A S E A D O L E S C E N T E S V Í T I M A S O U T E ST E M U N H A S D E V I O L Ê N C I A 33
quê, onde, quando e como) sobre o assunto da
PERGUNTAS QUE PODEM TER denúncia, mas com consciência das limitações
COMO RESPOSTAS “SIM” OU “NÃO” demonstradas na fase anterior da entrevista.
SÃO POUCO RECOMENDADAS, POIS Vale lembrar ainda que, nos casos de even-
GERAM RESPOSTAS LIMITADAS E tos múltiplos, pode-se avaliar a necessidade de
MUITAS VEZES POUCO ACURADAS. buscar informações sobre a existência de outros
tipos de violência e de outros possíveis autores da
violação de direitos, bem como de outras formas
de maus-tratos ou negligência – apesar de não
da por um pedido de “Me fale sobre isso”; uma res- serem o foco da denúncia tratada no depoimen-
posta “Não”, porém, pode significar que a criança to especial, podem sinalizar a possibilidade de
ou o adolescente não codificou aquela informa- abertura de outros procedimentos criminais ou
ção ou a esqueceu, e não necessariamente que o de proteção à vítima. O(a) entrevistador(a) deve
evento ou fato questionado não tenha ocorrido estar também atento(a) para outras possíveis
(EVERSON, 1999; FALLER, 2007; WALKER, 1999). Por exem- explicações a serem exploradas e para o fato de
plo, a pergunta “Você contou o que aconteceu para que pode haver questões traumáticas para uma
alguém antes?” pode ser seguida por um convite criança ou um adolescente que não estejam re-
à narrativa livre com a frase “Me fale tudo sobre o lacionadas à violência sexual. Cada assunto/epi-
que você contou”. sódio deve ser tratado em sua totalidade até que
O(a) entrevistador(a) deve evitar sobre- a criança ou o adolescente tenha oferecido toda
carregar a criança ou o adolescente com pergun- informação de que dispõe.
tas diretivas (respondidas com “Sim” ou “Não” e Quando a criança ou o adolescente relata
de múltipla escolha) para reunir detalhes sobre vários episódios de violência, o(a) entrevista-
um assunto em discussão. Não devem ser reali- dor(a) pode obter primeiro uma descrição geral
zadas perguntas indutivas, isto é, que apenas pe- do que geralmente acontece (a memória semân-
[2] dem para a criança ou o adolescente confirmar tica)2 e, em seguida, entrar em cada um dos acon-
A memória semântica
ou negar uma informação dada pelo(a) entre- tecimentos específicos (a memória episódica).
de script se refere aos
esquemas, isto é, aos vistador(a), especialmente quando associadas O(a) entrevistador(a) pode dizer, por exemplo,
conhecimentos sobre ao foco da possível experiência abusiva, como, “Fale sobre uma vez que você se recorda bem”
o mundo, os eventos, por exemplo, “Você acha que seu tio/pai também [usar caso a criança tenha revelado experiências
as pessoas ou as
ações baseadas em
fez isso com a sua irmã?” ou outras perguntas da de violência] ou “Houve alguma vez em que algo
sequências típicas mesma natureza. diferente aconteceu?”, e “Me conte sobre esta
de eventos em várias É importante ter atenção para o fato de vez em que algo diferente aconteceu”, ou ainda
situações comuns
que as crianças podem não ter respostas para “Alguma vez aconteceu em um local diferente?” e
que se repetem
como, por exemplo,
todas as questões. Quando diante de uma criança “Me fale tudo sobre essa vez que aconteceu em um
ir a um restaurante ou um adolescente relutante ou com habilidades lugar diferente”.
(BADDELEY, 2011). narrativas limitadas, o(a) entrevistador(a) deve O(a) entrevistador(a) pode optar por ex-
fornecer estrutura adequada, utilizando-se de plorar pela sequência: “Me fale sobre a primeira
um conjunto diverso de perguntas. Deve-se conti- vez” e “Me fale sobre a última vez”, focando no
nuar coletando tantos detalhes quanto a criança fato denunciado. O(a) entrevistador(a) deve
ou o adolescente conseguir fornecer (quem, o se esforçar para usar termos que a criança ou o
34 Childhood Brasil — Conselho Nacional de Justiça — Fundo das Nações Unidas para Infância [UNICEF] — National Children’s Advocacy Center
adolescente utiliza para designar cada um dos lidades estude as vantagens e desvantagens de
acontecimentos, como, por exemplo, “o dia do cada uma das modalidades antes de adotá-las.
meu aniversário” ou “o dia em que não fui à esco- Sugere-se também acordar previamente
la”. Deve-se tentar esclarecer descrições de atos, com os(as) profissionais da sala de observação ou
terminologia ou afirmações ambíguas para cada com a autoridade que esteja conduzindo a sessão
um dos acontecimentos (APSAC, 2002; POOLE & LAMB, de depoimento especial, as maneiras de sinalizar
1998; YUILLE et al., 1993). o momento de abertura para a sala de observação
ou de audiência. Aplicam-se nesta fase as orien-
tações gerais que constam no início do presente
documento para dar suporte à interação entre
2.2.4. INTERAÇÃO COM A SALA DE o(a) entrevistador(a) forense e a sala de audiência.
AUDIÊNCIA OU SALA DE OBSERVAÇÃO O(a) entrevistador(a) deve estar atento(a)
ao fato de que os questionamentos fechados ne-
O objetivo desta etapa é garantir a interação entre cessitam de serem transformados para perguntas
o(a) entrevistador(a) e os(as) demais profissionais abertas, de modo a evitar a indução e oferecer
interessados(as) nas narrativas de crianças ou evidências mais confiáveis oriundas da própria
adolescentes em situação de violação de direi- narrativa da criança. A literatura especializada in-
tos. Uma vez concluída a etapa do seguimento e dica que, para se obter as informações relaciona-
detalhamento, focada nos possíveis episódios das às perguntas fechadas, é necessário utilizar
abusivos, o(a) entrevistador(a) deve verificar com questionamentos abertos que estimulem a livre
a sala de observação ou a sala de audiência se narrativa dos(as) entrevistados(as). Caso contrá-
alguém tem alguma pergunta para a criança ou rio, há um risco de indução e sugestionabilidade,
adolescente. O(a) entrevistador(a) anuncia: “Ago- o que poderá comprometer a prova a ser obtida
ra vamos aguardar para ver se há mais perguntas a em juízo. Caso a criança não tenha revelado
serem feitas pelas pessoas que estão na outra sala nada com as abordagens anteriores, o(a) entre-
nos acompanhando” ou “na sala de audiência”. vistador(a) irá sinalizar à sala de audiência para
No caso de o PBEF ser utilizado para toma- indagar se há outras perguntas a serem realizadas
da de depoimento na fase judicial, em sede de pro- a partir do telefone ou do ponto eletrônico. Neste
dução antecipada de provas, a Lei nº 13.431/2018 caso, o(a) juiz(a) poderá decidir se deseja ou não
determina que as perguntas devem ser transmi- realizar as perguntas fechadas, informando sua
tidas ao entrevistador ou à entrevistadora em decisão ao entrevistador ou à entrevistadora que
bloco. Lembre-se de que, no caso do depoimento irá realizá-las no formato desejado. Em caso de
especial realizado em sede de produção antecipa- respostas afirmativas, o(a) entrevistador(a) irá
da de provas na fase judicial, a autoridade judiciá- buscar informações de contexto para auxiliar na
ria tem poder para deferir perguntas ou indeferir caracterização dos fatos, com perguntas de livre
perguntas consideradas revitimizantes. narrativa e narrativa focalizada. Deve-se observar
É importante que se defina a modalidade se as perguntas realizadas nesta fase são capazes
de comunicação com a sala de observação ou de serem respondidas pela criança com base no
sala de audiência. No Brasil, são utilizadas várias nível de desenvolvimento dela. Recomenda-se a
modalidades: telefone, ponto de som no ouvido análise do Anexo III (Guia Prático para Perguntas
e tablets. Recomenda-se que cada uma das loca- Apropriadas ao Nível de Desenvolvimento) para
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