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2.2.3.

SEGUIMENTO E DETALHAMENTO focada de acordo com os exemplos a seguir: “Você


me falou [elemento da descrição narrativa, rela-
O objetivo desta etapa é complementar e deta- cionado à revelação]. Me fale mais sobre isso…”,
lhar a narrativa anterior da criança ou adolescen- “Você disse [tópico de interesse], me conte tudo
te, preenchendo eventuais lacunas importantes sobre isso”, “Me conte mais sobre [tópico de interes-
para a caracterização da violência denunciada. se]”, “Me conte tudo o que aconteceu desde [foco de
Nesta etapa, o(a) entrevistador(a) pode retomar interesse] até [outro foco de interesse]”, ou ainda
os objetivos e as regras gerais da entrevista para “Me explique como [tópico de interesse]”.
sinalizar que irá prosseguir com perguntas de se- Essa consigna deverá ser repetida para as
guimento e detalhamento. demais palavras-chave ou frases-chave que ne-
O(a) entrevistador(a) possui tarefas múl- cessitem de mais esclarecimentos. Por exemplo:
tiplas nesta etapa: manter a atenção e a empatia “Você disse que você estava no banheiro. Me fale
com a criança ou o adolescente, adaptar a entre- mais sobre isso”.
vista forense aos níveis de desenvolvimento da As perguntas de múltipla escolha devem
criança ou adolescente, suscitar informações de- ser utilizadas somente em casos realmente ne-
talhadas necessárias para facilitar a investigação, cessários e devem sempre ser seguidas de con-
lembrar e organizar as informações já fornecidas vites abertos para a narrativa. Esse tipo de per-
pela criança ou adolescente e pedir informações gunta estimula a memória de reconhecimento e
específicas que faltaram na narrativa livre da pode ser necessária se a criança ou o adolescente
criança ou adolescente sem que haja sugestão ou parecer não entender a intenção da pergunta
indução da resposta. aberta. Por exemplo, ao invés de iniciar com
Os desafios nesta fase são grandes, uma “Você estava com roupa ou sem roupa?”, pode ser
vez que o(a) entrevistador(a) tem que equilibrar preferível uma narrativa focalizada sobre “Me
seu conhecimento sobre as exigências normati- fale sobre as suas roupas quando isso aconte-
vas existentes – como o Código Penal e as medi- ceu” (caso a criança tenha narrado experiências
das cíveis de proteção à criança – com a demanda de violência sexual). Se o(a) entrevistador(a) for
para coletar todas as informações com o mínimo levado(a) a realizar uma pergunta de múltipla es-
de direcionamento possível. Para isso, é sempre colha, deverá complementar com uma pergunta
recomendável o convite à narrativa livre (“Me fale aberta como “Me fale sobre como você ficou sem
mais sobre isso”) e o uso de perguntas de detalha- roupa” (APSAC, 2002; CRONCH et al., 2006; DAVIES & WES-
mento (quem, onde e quando) se apropriado ao TCOTT, 1999; GEISELMAN et al., 1993; FALLER, 2007b; POOLE
nível de desenvolvimento, como, por exemplo, & LINDSAY, 2002; QUAS et al. 2007; WALKER, 2001; WATTAM &
“Quem esteve na sua casa naquela noite?” ou “O NSPCC, 1997; YUILLE, 2002).
que a sua avó disse?”. Perguntas que podem ter como respostas
Elementos faltantes na descrição da crian- “Sim” ou “Não” são pouco recomendadas, pois
ça ou adolescente sobre um acontecimento po- geram respostas limitadas e muitas vezes pouco
dem ser suscitados pelo uso de perguntas mais fo- acuradas. Contudo, estas podem ser úteis quan-
cadas e por pedidos de detalhamentos. Para isso, do se questiona a criança ou o adolescente sobre
o(a) entrevistador(a) deverá retomar as palavras- informações periféricas, que talvez não tenham
-chave ou frases-chave e prosseguir no formato de sido codificadas, isto é, que não foram registradas
perguntas que conduzam para uma narrativa mais na memória. Uma resposta “Sim” pode ser segui-

P R OTO CO LO B RA S I L E I R O D E E N T R E V I STA FO R E N S E CO M C R I A N Ç A S E A D O L E S C E N T E S V Í T I M A S O U T E ST E M U N H A S D E V I O L Ê N C I A 33
quê, onde, quando e como) sobre o assunto da
PERGUNTAS QUE PODEM TER denúncia, mas com consciência das limitações
COMO RESPOSTAS “SIM” OU “NÃO” demonstradas na fase anterior da entrevista.
SÃO POUCO RECOMENDADAS, POIS Vale lembrar ainda que, nos casos de even-
GERAM RESPOSTAS LIMITADAS E tos múltiplos, pode-se avaliar a necessidade de
MUITAS VEZES POUCO ACURADAS. buscar informações sobre a existência de outros
tipos de violência e de outros possíveis autores da
violação de direitos, bem como de outras formas
de maus-tratos ou negligência – apesar de não
da por um pedido de “Me fale sobre isso”; uma res- serem o foco da denúncia tratada no depoimen-
posta “Não”, porém, pode significar que a criança to especial, podem sinalizar a possibilidade de
ou o adolescente não codificou aquela informa- abertura de outros procedimentos criminais ou
ção ou a esqueceu, e não necessariamente que o de proteção à vítima. O(a) entrevistador(a) deve
evento ou fato questionado não tenha ocorrido estar também atento(a) para outras possíveis
(EVERSON, 1999; FALLER, 2007; WALKER, 1999). Por exem- explicações a serem exploradas e para o fato de
plo, a pergunta “Você contou o que aconteceu para que pode haver questões traumáticas para uma
alguém antes?” pode ser seguida por um convite criança ou um adolescente que não estejam re-
à narrativa livre com a frase “Me fale tudo sobre o lacionadas à violência sexual. Cada assunto/epi-
que você contou”. sódio deve ser tratado em sua totalidade até que
O(a) entrevistador(a) deve evitar sobre- a criança ou o adolescente tenha oferecido toda
carregar a criança ou o adolescente com pergun- informação de que dispõe.
tas diretivas (respondidas com “Sim” ou “Não” e Quando a criança ou o adolescente relata
de múltipla escolha) para reunir detalhes sobre vários episódios de violência, o(a) entrevista-
um assunto em discussão. Não devem ser reali- dor(a) pode obter primeiro uma descrição geral
zadas perguntas indutivas, isto é, que apenas pe- do que geralmente acontece (a memória semân-
[2] dem para a criança ou o adolescente confirmar tica)2 e, em seguida, entrar em cada um dos acon-
A memória semântica
ou negar uma informação dada pelo(a) entre- tecimentos específicos (a memória episódica).
de script se refere aos
esquemas, isto é, aos vistador(a), especialmente quando associadas O(a) entrevistador(a) pode dizer, por exemplo,
conhecimentos sobre ao foco da possível experiência abusiva, como, “Fale sobre uma vez que você se recorda bem”
o mundo, os eventos, por exemplo, “Você acha que seu tio/pai também [usar caso a criança tenha revelado experiências
as pessoas ou as
ações baseadas em
fez isso com a sua irmã?” ou outras perguntas da de violência] ou “Houve alguma vez em que algo
sequências típicas mesma natureza. diferente aconteceu?”, e “Me conte sobre esta
de eventos em várias É importante ter atenção para o fato de vez em que algo diferente aconteceu”, ou ainda
situações comuns
que as crianças podem não ter respostas para “Alguma vez aconteceu em um local diferente?” e
que se repetem
como, por exemplo,
todas as questões. Quando diante de uma criança “Me fale tudo sobre essa vez que aconteceu em um
ir a um restaurante ou um adolescente relutante ou com habilidades lugar diferente”.
(BADDELEY, 2011). narrativas limitadas, o(a) entrevistador(a) deve O(a) entrevistador(a) pode optar por ex-
fornecer estrutura adequada, utilizando-se de plorar pela sequência: “Me fale sobre a primeira
um conjunto diverso de perguntas. Deve-se conti- vez” e “Me fale sobre a última vez”, focando no
nuar coletando tantos detalhes quanto a criança fato denunciado. O(a) entrevistador(a) deve
ou o adolescente conseguir fornecer (quem, o se esforçar para usar termos que a criança ou o

34 Childhood Brasil — Conselho Nacional de Justiça — Fundo das Nações Unidas para Infância [UNICEF] — National Children’s Advocacy Center
adolescente utiliza para designar cada um dos lidades estude as vantagens e desvantagens de
acontecimentos, como, por exemplo, “o dia do cada uma das modalidades antes de adotá-las.
meu aniversário” ou “o dia em que não fui à esco- Sugere-se também acordar previamente
la”. Deve-se tentar esclarecer descrições de atos, com os(as) profissionais da sala de observação ou
terminologia ou afirmações ambíguas para cada com a autoridade que esteja conduzindo a sessão
um dos acontecimentos (APSAC, 2002; POOLE & LAMB, de depoimento especial, as maneiras de sinalizar
1998; YUILLE et al., 1993). o momento de abertura para a sala de observação
ou de audiência. Aplicam-se nesta fase as orien-
tações gerais que constam no início do presente
documento para dar suporte à interação entre
2.2.4. INTERAÇÃO COM A SALA DE o(a) entrevistador(a) forense e a sala de audiência.
AUDIÊNCIA OU SALA DE OBSERVAÇÃO O(a) entrevistador(a) deve estar atento(a)
ao fato de que os questionamentos fechados ne-
O objetivo desta etapa é garantir a interação entre cessitam de serem transformados para perguntas
o(a) entrevistador(a) e os(as) demais profissionais abertas, de modo a evitar a indução e oferecer
interessados(as) nas narrativas de crianças ou evidências mais confiáveis oriundas da própria
adolescentes em situação de violação de direi- narrativa da criança. A literatura especializada in-
tos. Uma vez concluída a etapa do seguimento e dica que, para se obter as informações relaciona-
detalhamento, focada nos possíveis episódios das às perguntas fechadas, é necessário utilizar
abusivos, o(a) entrevistador(a) deve verificar com questionamentos abertos que estimulem a livre
a sala de observação ou a sala de audiência se narrativa dos(as) entrevistados(as). Caso contrá-
alguém tem alguma pergunta para a criança ou rio, há um risco de indução e sugestionabilidade,
adolescente. O(a) entrevistador(a) anuncia: “Ago- o que poderá comprometer a prova a ser obtida
ra vamos aguardar para ver se há mais perguntas a em juízo. Caso a criança não tenha revelado
serem feitas pelas pessoas que estão na outra sala nada com as abordagens anteriores, o(a) entre-
nos acompanhando” ou “na sala de audiência”. vistador(a) irá sinalizar à sala de audiência para
No caso de o PBEF ser utilizado para toma- indagar se há outras perguntas a serem realizadas
da de depoimento na fase judicial, em sede de pro- a partir do telefone ou do ponto eletrônico. Neste
dução antecipada de provas, a Lei nº 13.431/2018 caso, o(a) juiz(a) poderá decidir se deseja ou não
determina que as perguntas devem ser transmi- realizar as perguntas fechadas, informando sua
tidas ao entrevistador ou à entrevistadora em decisão ao entrevistador ou à entrevistadora que
bloco. Lembre-se de que, no caso do depoimento irá realizá-las no formato desejado. Em caso de
especial realizado em sede de produção antecipa- respostas afirmativas, o(a) entrevistador(a) irá
da de provas na fase judicial, a autoridade judiciá- buscar informações de contexto para auxiliar na
ria tem poder para deferir perguntas ou indeferir caracterização dos fatos, com perguntas de livre
perguntas consideradas revitimizantes. narrativa e narrativa focalizada. Deve-se observar
É importante que se defina a modalidade se as perguntas realizadas nesta fase são capazes
de comunicação com a sala de observação ou de serem respondidas pela criança com base no
sala de audiência. No Brasil, são utilizadas várias nível de desenvolvimento dela. Recomenda-se a
modalidades: telefone, ponto de som no ouvido análise do Anexo III (Guia Prático para Perguntas
e tablets. Recomenda-se que cada uma das loca- Apropriadas ao Nível de Desenvolvimento) para

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