Você está na página 1de 5

capítulo um

ENTREVISTA FORENSE UTILIZADA


NO CONTEXTO DAS AUDIÊNCIAS DE
TOMADA DE DEPOIMENTO ESPECIAL

O Protocolo Brasileiro de Entrevista Fo- 2. O direito de serem ouvidas e expressar seus


rense pode ser utilizado na fase inves- desejos e opiniões, assim como de permane-
tigativa inicial, em sessões de depoi- cer em silêncio (Art. 5-VI);
mento especial realizadas nas unidades policiais 3. O direito de serem resguardadas de qualquer
e também na fase judicial, incluindo as sessões de contato, ainda que visual, com o suposto
produção antecipada de provas. Por essa razão, autor ou acusado, ou com outra pessoa que
é de fundamental importância que a equipe de represente ameaça, coação ou constrangi-
entrevistadores(as) apresente suas linhas gerais mento (Art. 9);
para as partes interessadas presentes na sala de 4. O direito de serem ouvidas em local apropria-
observação ou sala de audiência. No caso das au- do e acolhedor, com infraestrutura e espaço
diências de tomada de depoimento especial na físico que garantam sua privacidade (Art. 10);
fase judicial, recomenda-se que tal procedimento 5. O direito de lhes ser assegurada a livre narrati-
seja consignado em ata. va sobre a situação de violência, podendo o(a)
Os principais aspectos ressaltados a seguir profissional especializado(a) intervir quando
estão em observância das normatizações presen- necessário, utilizando técnicas que permitam
tes na Lei nº 13.431/2017 e no Decreto de Regu- a elucidação dos fatos;
lamentação nº 9.603/2018, que tratam da escuta 6. Deve-se possibilitar ao profissional que esteja
especializada e do depoimento especial: conduzindo a entrevista forense a oportuni-
1. O reconhecimento de que crianças e adoles- dade de conduzi-la de forma integral antes de
centes gozam dos direitos fundamentais ine- se realizar a interação com a sala de observa-
rentes à pessoa humana (Art. 2); ção ou sala de audiência;

18 Childhood Brasil — Conselho Nacional de Justiça — Fundo das Nações Unidas para Infância [UNICEF] — National Children’s Advocacy Center
7. Não se deve realizar a leitura da denúncia violência que está sendo alvo de investiga-
ou de peças processuais para a criança ou o ção ou judicialização. Nesses casos, os(as)
adolescente, pois essa ação implica em alta entrevistadores(as) devem sinalizar essas
probabilidade de induzir seu depoimento, em eventuais ocorrências ao magistrado, situ-
conformidade com o determinado no Art. 12-I ação que pode ser enquadrada como uma
da Lei nº 13.431/2017; forma de violência institucional tipificada
8. Não se deve interromper o relatolivre da crian- no Art. 4-IV da Lei nº 13.431/2017, entendida
ça ou adolescente, salvo em caso de compro- como a praticada pelo próprio judiciário,
vada necessidade; inclusive quando gerar revitimização. Enten-
9. As perguntas devem ser encaminhadas para de-se por perguntas que violam os direitos da
o(a) entrevistador(a) e avaliada a pertinência criança e do adolescente aquelas que pode
delas pelas autoridades que estejam condu- colocá-los na condição de responsáveis pela
zindo a sessão de depoimento especial, orga- violência da qual estão sendo ouvidos como
nizadas em bloco, conforme regulamentado vítimas;
no Art. 12-IV da Lei nº 13.431/2017; 13. Visando à proteção da criança e do adoles-
10. Visando a garantir o grau de confiabilidade cente e do(a) entrevistador(a) e à validação
das respostas, as perguntas das partes pode- das evidências coletadas, deve-se gravar a
rão ser adaptadas ou reelaboradas ao nível so- entrevista desde o início, incluindo a etapa da
ciocultural e do desenvolvimento cognitivo, construção da empatia;
emocional e de linguagem da criança ou ado- 14. Caso haja indicadores de que o réu não deve
lescente pelo(a) entrevistador(a), que deve ter acesso ao conteúdo da entrevista durante a
observar e comunicar as eventuais limitações realização do depoimento, deve-se adotar os
da entrevistada ou entrevistado (Art. 12-V); procedimentos previstos no Art. 12 § 3º e 4º:
11. Deve ser informado que estudos científicos “o profissional especializado comunicará
demonstram que perguntas sugestivas au- ao juiz se verificar que a presença, na sala de
mentam a probabilidade de respostas não audiência, do autor da violência pode pre-
fidedignas, prejudiciais à coleta de provas, judicar o depoimento especial ou colocar o
podendo ser indeferidas durante a audiência, depoente em situação de risco, caso em que,
a critério do magistrado, de forma a não pro- fazendo constar em termo, será autorizado
vocar prejuízos à criança ou ao adolescente. o afastamento do imputado”. Nas hipóteses
Entende-se por perguntas sugestivas aquelas em que houver risco à vida ou integridade fí-
que incluem informações que não foram pre- sica da vítima ou testemunha, o juiz tomará as
viamente fornecidas pela própria criança du- medidas de proteção cabíveis, inclusive a não
rante a entrevista sobre aspectos específicos realização da transmissão em tempo real para
da violência e da autoria da violência ou que sala de audiência e/ou gravação em áudio e
implicam em uma forte expectativa sobre o vídeo (Art. 12 § 4º.);
que ela deve dizer; 15. Deve-se estabelecer que, em caso de problema
12. Não poderão ser realizadas perguntas que técnico impeditivo para a realização ou finali-
violem os direitos da criança e do adolescen- zação do depoimento especial, será marcada
te, como aquelas que colocam as vítimas na nova audiência, respeitando as peculiaridades
condição de responsáveis pela situação de pessoais da criança ou do adolescente.

PRO T OC OL O BR ASILEIRO DE ENTREVIS TA F ORENSE C OM CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS OU TES TEMUNHAS DE VIOLÊNCIA 19
capítulo dois
ESTRUTURA DO PROTOCOLO
BRASILEIRO DE ENTREVISTA
FORENSE (PBEF)

O PBEF se desenvolve em dois está- O segundo estágio é o momento da en-


gios. O primeiro é introdutório, para trevista em que se busca conversar sobre os
o estabelecimento de empatia entre potenciais fatos ocorridos. É considerado a parte
a criança entrevistada e o(a) entrevistador(a), principal da entrevista (também designada como
o compartilhamento dos princípios gerais da substantiva ou central). Aborda o potencial epi-
entrevista e o conhecimento do contexto em que sódio ou episódios ocorridos. Neste estágio pode
vive a criança e/ou o adolescente. No primeiro eventualmente ocorrer a revelação de violência
estágio, constrói-se a base para a “conversa fo- sexual. Estão também incluídas nesse segundo
rense”, uma conversa com o objetivo de facilitar a estágio as fases de esclarecimento e de encerra-
versão da criança sobre uma potencial ocorrência mento. No caso de uso deste Protocolo para as
da violência contra ela. Por meio deste estágio, a audiências protetivas na fase judicial, deve-se
criança aprende a respeito e pratica o processo de incluir o estágio de interação com as autoridades
entrevista forense e o(a) entrevistador(a) se pre- que participam da sessão na sala de transmissão
para para se adaptar às especificidades de cada da entrevista via circuito fechado de televisão.
criança ou adolescente. Recomenda-se que se
inicie a gravação da entrevista em áudio e vídeo
desde o início do primeiro estágio, pois a criança
ou o adolescente pode espontaneamente fazer
a transição para a revelação ou “deixar a porta
aberta” ainda mesmo na fase de introdução ou
estabelecimento da empatia.

PRO T OC OL O BR ASILEIRO DE ENTREVIS TA F ORENSE C OM CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS OU TES TEMUNHAS DE VIOLÊNCIA 21

Você também pode gostar