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2.2.1.

TRANSIÇÃO
Caso as estratégias anteriores não estejam
funcionando, para facilitar que a criança ou o
O objetivo desta etapa é preparar a criança ou o
adolescente converse sobre o fato denunciado,
adolescente para fazer espontaneamente a transi-
o(a) entrevistador(a) pode prosseguir com um
ção paraa revelação ou “deixara porta aberta”. Em
tipo de abordagem denominada estratégia de
caso de relutância em narrar os fatos ocorridos, re-
“afunilamento”. Nela, o(a) entrevistador(a) se
comenda-se utilizar a técnica do “afunilamento”.
move gradualmente de perguntas ou abordagens
A criança ou o adolescente que se encontra
abertas para perguntas ou abordagens mais foca-
no estágio de “revelação ativa” pode iniciar o relato
das e/ou perguntas mais diretas (APSAC, 2002; DAVIES
sobre a alegação durante a fase de construção da
& WESTCOTT, 1999; FALLER, 1999, 2007b; HERSHKOWITZ
empatia/prática narrativa. Nesses casos, o(a) entre-
et al., 2006; LAMB et al., 2008; SORENSON et al., 2002). Por
vistador(a) deve estar preparado(a) para seguir na
exemplo: “Alguém/sua mãe está preocupado(a)
direção apontada pela criança ou adolescente. comvocê?”, “Você estápreocupado(a) comalguma
Quando o(a) entrevistador(a) tiver que ini-
coisa?”, ou ainda “Aconteceu alguma coisa com
ciar a transição para assuntos centrais, ele(a) deve
você?”, “Tem acontecido algum problema na sua
com perguntas ou abordagens mais abertas, tais
vida?”, “Você está com medo de alguém?”, “Você
como: “Você está aqui para falar comigo sobre o
está com medo de falar, com vergonha de falar ou
que?”, “Quem falou para você que você estaria vin-
outrosentimento?”.
do aqui hoje?” e “O que te disseram sobre vir aqui?”.
Esta abordagem focada pode encorajar
Esse tipo de abordagem aberta incentiva a
algumas crianças relutantes a abordar gra-
narrativa a partir do estímulo à expressão da me-
dativamente o assunto de interesse. Permite
mória de livre evocação, tendo em vista que o(a)
também que o(a) entrevistador(a) explore com
entrevistador(a) está fornecendo poucos inputs
profundidade tópicos sobre as experiências da
em sua fala para obter a narrativa livre a partir da
criança ou do adolescente sem fazer suposições
experiência da criança ou do adolescente.
sobre maus-tratos e sem recorrer a perguntas
Convites abertos à narrativa sugestivas, que podem gerar relutância ou con-
permitem que a criança ou o adolescente fusão. Cada resposta positiva deverá ser seguida
inicie um relato sobre acontecimentos da sua por “Me conte mais sobre isso” para identificar se
própria maneira, no seu próprio passo. Mais a informação compartilhada está associada ao
uma vez, o(a) entrevis- tador(a) deve estar
evento que é o objeto da entrevista. Caso contrá-
preparado(a) para seguir na direção dada
pela criança ou adolescente (LAMB et al.,
2008, 2011; LYON, 2005; OLAFSON &
KENNISTON, 2004; SORENSON et al., 2002;
SAYWITZ et al., 2011; STATE OF MI-
CHIGAN, 2011; YUILLE, 2002). Não é
aconselhável inter- romper de pronto a
criança ou o adolescente para perguntar
detalhes ou esclarecer ambiguidades.

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rio, as demais perguntas podem ser introduzidas informações derivadas externamente que não te-
para colocar o foco em possíveis experiências de nham sido narradas pela criança ou adolescente
violação de direitos. durante a entrevista em si, mas que podem cons-
Uma outra maneira de realizar a aborda- tar, por exemplo, no processo judicial ou serem
gem do “afunilamento” é introduzir uma quan- informações verbais de terceiros.
tidade mínima de informações necessárias para Desta forma, o(a) entrevistador(a), diante
focar a criança ou o adolescente no assunto das de crianças relutantes, pode lembrá-las de um
alegações. Vale reforçar que o(a) entrevistador(a) contato anterior com um(a) assistente social, mé-
deve seguir o caminho sinalizado pela criança ou dico(a) ou policial e perguntar o motivo daquela
adolescente em suas respostas (APSAC, 2002; CARNES conversa (APSAC, 2002; FALLER, 2000, 2007b; LAMB et al.,
et al., 2000; OLAFSON & KENNISTON, 2004; YUILLE, 2002; YUIL- 2008, 2011; YUILLE, 2002), utilizando frases como “Eu
LE et al., 1993). sei que você conversou com sua professora sobre o
Quando a criança ou o adolescente não que aconteceu… Conte para mim o que você disse
responde às solicitações abertas mencionadas paraaela”.
anteriormente, o(a) entrevistador(a) pode es- Justifica-se o uso dessa abordagem mes-
colher envolvê-la(o) em conversas mais foca- mo nos casos em que o(a) entrevistador(a) tenha
das sobre assuntos como rotinas de cuidados, alto grau de certeza de que a violência realmente
membros da família, atividades e passatempos, aconteceu (baseando-se em evidências fotográ-
acontecimentos recentes ou outros tópicos que ficas ou médicas, na confissão do suspeito ou
formam um pano de fundo contextual das supos- em outros dados do processo), particularmente
tas experiências de violência, fornecendo assim quanto existem sérias preocupações com a segu-
uma oportunidade para recordar informações rança da criança ou adolescente.
em resposta a perguntas ou abordagens aber- Esse tipo de abordagem focada também
tas, porém focadas em aspectos particulares ou pode se justificar quando as denúncias não são
específicos. Por exemplo: “Você me falou que ia específicas (uma preocupação com o compor-
para a casa de sua tia [ou outro local da suposta tamento da criança ou do adolescente ou sem
violência]… Me conte sobre as pessoas com quem evidências médicas conclusivas) e não tenha
você encontrou lá”. ocorrido uma queixa direta por parte da criança
No exemplo acima, as perguntas enfatiza- ou do adolescente (APSAC, 2002; FALLER, 1999, 2007b;
ram a livre narrativa sobre um ambiente familiar YUILLE, 2002).
e relacionado à violência, estabelecendo como Crianças em idade pré-escolar podem ne-
foco para a narrativa as pessoas com quem a cessitar de abordagens mais diretas e adaptadas
criança interagia. Isso pode fornecer um pano de a elementos específicos ou contextos das alega-
fundo da situação de violência caso esta tenha ções de violência, tais como perguntas sobre uma
ocorrido naquele contexto. pessoa em particular, um local, uma atividade,
Além da abordagem focada, algumas um elemento da situação na qual o pedido de aju-
vezes faz-se necessário o uso de outras estraté- da – a revelação – foi realizado, ou ainda informa-
gias apenas como último recurso. É o caso das ções prestadas por profissionais que interagiram
chamadas solicitações diretas, isto é, aquelas com a criança ou o adolescente (médico(a), auto-
que estimulam a narrativa a partir da memória de ridade policial ou profissional do serviço social).
reconhecimento, pois podem incorporar o uso de O(a) entrevistador(a) deve estar especialmente

P R O T O C O L O B R A S I L E I R O D E E N T R E V I S TA F O R E N S E C O M C R I A N Ç A S E A D O L E S C E N T E S V Í T I M A S O U T E S T E M U N H A S D E V I O L Ê N C I A 31
consciente para evitar perguntas direcionadas sobre assuntos essenciais relacionados à violên- cia,
fundamentalmente quando estas informa- ções não foram trazidas espontaneamente pela criança ou
adolescente (CARNES et al., 2000; FALLER & HEWITT, 2007; HEWITT, 1999).
A abordagem do “afunilamento” apresenta melhores resultados com crianças ou adolescente que
sabem porque estão sendo entrevistadas(os). Os exemplos já mencionados anterior- mente indicam
uma sequência de perguntas da abordagem do “afunilamento” na Transição e devem ser colocados
com o uso de pausas para avaliar e dar tempo à criança para que ela elabore sua narrativa. Após a
introdução de cada pergun- ta, o(a) entrevistador(a) irá aguardar a resposta da criança, fazendo o uso
consciente de pausas de 5 a 10 segundos. Se for o caso, convém reforçar as regras e os objetivos da
entrevista: “Como eu te falei, meu trabalho é conversar com crianças para entender se elas estão seguras”, ou
ainda oferecer apoio emocional não indutivo: “O que eu posso fazer paraajudaranossaconversahoje?”.
Caso a criança ou o adolescente tenha ne- gado ou se recusado a falar sobre os fatos denun-
ciados, mesmo após o uso gradual das perguntas da abordagem do “afunilamento”, oferecimento de
suporte emocional e retorno às regras e aos objetivos da entrevista, o(a) entrevistador(a) po- derá
prosseguir diretamente para etapa de aber- tura para sala de audiência.

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