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7.

POTENCIOMETRIA E ELÉTRODOS SELETIVOS

7.1. Conceitos básicos

 Potenciometria
uso de elétrodos para medir diferenças de potencial
com o objetivo de obter informação sobre sistemas
químicos

 Espécie eletroativa - espécie química que pode ceder ou


aceitar eletrões de um elétrodo
 Elétrodo indicador - elétrodo que responde diretamente ao
analito
 Elétrodo de referência - elétrodo cujo potencial é constante
e independente da composição do
sistema em estudo

 Voltagem da célula - diferença de potencial entre o elétrodo


indicador, que responde à atividade do analito, e
o elétrodo de referência que é constante (normal-
mente o contato com o sistema em estudo é feito
através de uma ponte salina)
7.2. Elétrodos de referência

 Considere-se como exemplo uma solução contendo Fe3+/Fe2+.


Como é que o potencial de um elétrodo inerte pode fornecer
informação sobre a concentração destas espécies em solução?
 Considere-se uma célula galvânica contendo dois
semielementos

Elétrodo indicador
Fe3+ (aq) + e- Fe2+ (aq) Eº = +0,771 V

Elétrodo de referência
AgCl(s) + e- Ag(s) + Cl-(aq) Eº = +0,222 V

 Equações de Nernst

0,05916 Fe 2+
E(Fe3+ Fe 2+ )
= 0,771 − log 3+
1 Fe

0,05916
E(AgCl Ag ) = 0,222 − log Cl -
1

Ecélula = EFe3+ − EAgCl


2+ Ag
Fe

 Fe 2+ 
= 0,771 − 0,05916 log 3+ [
 − 0,222 − 0,05916 log Cl

]
 Fe 

 Como a |Cl-| é mantida constante (elétrodo de referência) a diferença


de potencial resultante só depende da razão |Fe2+|/|Fe3+|.
Elétrodo de referência de cloreto de prata - prata
 Equação química que traduz a reação de elétrodo

AgCl(s) + e- Ag(s) + Cl-(aq) Eº = +0,222 V

0,05916
E(AgCl Ag ) = 0,222 − log Cl -
1

Quando a solução de KCl se encontra saturada, diz-se que se


trata do elétrodo saturado de AgCl/Ag e o valor do potencial
do elétrodo é:
E(KCl saturado) = +0,197 V

Elétrodo de dupla junção - o objetivo é minimizar o contato entre a solução


de KCl saturada e o sistema em estudo, de
modo a perturbá-lo o menos possível
Elétrodo de referência de calomelanos

 Equação química que traduz a reação de elétrodo

½ Hg2Cl2(s) + e- Hg(l) + Cl-(aq) Eº = +0,268 V

0,05916
E(Hg 2Cl2 Hg ) = 0,268 − log Cl -
1

Quando a solução de KCl se encontra saturada, diz-se que se


trata do elétrodo saturado de calomelanos e o valor do potencial
do elétrodo é:
E(KCl saturado) = +0,241 V
Conversão da diferença de potencial medida entre
diferentes sistemas de referência

Exemplo de aplicação:
Considere-se dois sistemas químicos A e B, para os quais o potencial
medido relativamente ao elétrodo padrão de hidrogénio foi:
A→ -0,220 V e B→ +0,230 V
Qual será o potencial desses sistemas relativamente aos sistemas de
referência saturado de calomelanos e saturado de AgCl/Ag?

A
-0,220 V
+0,241 V
calomelanos
-0,461
+0,197 V
AgCl/Ag
-0,417

0V
H+/H2

0 0,1 0,2
Potencial vs. Elet. Padrão de hidrogénio (V)

+0,033

-0,011
B
+0,230 V
7.3. Elétrodos indicadores

Elétrodos metálicos – o potencial do elétrodo corresponde


à sua resposta a um sistema oxido-
-redutor

Elétrodos seletivos – o potencial do elétrodo deve-se à


de iões migração seletiva das espécies iónicas
através de membranas não a pares
oxido-redutores

Elétrodos indicadores metálicos

 O mais utilizado é o elétrodo de platina, pelo facto deste metal


ser relativamente inerte.
A função do elétrodo é possibilitar a transferência de eletrões
de e para as espécies com caraterísticas de oxidação-redução
existentes em solução.
Outros exemplos: elétrodos de ouro, elétrodos de carbono
(grafite, carbono vítreo, pasta de carbono)
7.4. Potenciais de junção

 Sempre que duas soluções de eletrólitos com composição


diferente estão em contacto, estabelece-se uma pequena
diferença de potencial (denominado potencial de junção) na
interface.

Por exemplo: nas pontes salinas, em cada extremidade


existirá um pequeno potencial de junção

 A existência de potenciais de junção limita a exatidão das


medições da diferença de potencial em células eletroquímicas

Em geral a contribuição dos potenciais de junção não


é rigorosamente conhecida e não pode ser compensada
7.5. Medição de pH com elétrodo de vidro

Elétrodo de vidro
Elétrodo seletivo
(medição do pH)

Responde seletivamente a
determinadas espécies químicas

Não é, contudo, imune a


interferências

Considerações termodinâmicas sobre o funcionamento


dos elétrodos seletivos de iões

 Não dependem de processos de oxidação-redução

Baseiam-se no uso de membranas na superfície sensora


através da qual um dado ião pode migrar, enquanto que
outras não podem migrar

 Essa migração resulta no aparecimento de uma diferença


de potencial a nível da membrana
 Mas, como se pode prever essa diferença de potencial?

 Quando uma espécie se difunde de uma zona de atividade


A1 para uma zona de atividade A2 (A1 > A2), a variação da
energia de Gibbs é dada por:

∆G = − RT ln 1 
A
 A2 
Por seu lado, o movimento dessas espécies através da
membrana vai originar o estabelecimento de um potencial
de membrana que é dada por:
∆G = −n ⋅ F ⋅ E
Quando o sistema atinge o equilíbrio as dois valores de
∆G igualam-se:

RT ln 1  = −n ⋅ F ⋅ E
 A
 A2 
∆G devido às ∆G devido à
diferenças de atividade polarização da membrana

 RT   A1  0,05916  A1 
E = −  ln A  = − log  (volts a 25 ºC)
 nF   2 n  A2 

Diferença de potencial
elétrico que se estabelece
num elétrodo seletivo

Esta equação aplica-se a todos os elétrodos


seletivos, incluindo o elétrodo de vidro para
medição do pH

∴ De acordo com esta equação uma diferença de potencial


de 59,16 mV (a 25 ºC) estabelecer-se-á quando a
n
diferença de atividade varia 10 vezes
Exemplo:
No elétrodo de vidro quando a AH+ varia 10 vezes (Ex: AH+= 10-5
para 10-6) a variação de potencial será de 59,16 mV (a 25 ºC).

No elétrodo seletivo de Ca2+ uma variação de atividade de


10 vezes corresponderá a uma variação de potencial de
59,16 mV (a 25 ºC)
2

Elétrodo de vidro
 Normalmente é um elétrodo combinado que incorpora
o elétrodo de referência e o elétrodo de vidro num corpo
único

→ A célula eletroquímica pode ser representada por:


membrana
de vidro

Ag(s) | AgCl(s) | Cl-(aq) || H+(aq, sol. ext.) H+(aq, sol. int.); Cl-(aq) | AgCl(s) | Ag(s)

elétrodo de referência solução externa em solução no elétrodo de referência


combinado contacto com o Interior do no elétrodo de vidro
elétrodo de vidro elétrodo de
(solução a testar) vidro

→ Os dois sistemas de referência servem para medir a diferença


a diferença de potencial elétrico que se estabelece através da
membrana

 Onde se encontra a ponte salina nos elétrodos combinados?


Para que serve essa ponte salina?

 Como se pode explicar esta capacidade dos elétrodos de


vidro responderem a variações na atividade de H+ em
solução?

Admite-se que a superfície do vidro que constitui a ampola
pode absorver água e expandir-se muito ligeiramente, criando
uma camada hidratada. Nessas camadas (que se estabelecem
em cada uma das faces do vidro) admite-se que pode ocorrer
difusão de catiões da estrutura do vidro para a solução,
essencialmente o catião sódio, e de H+ da solução para a
camada hidratada. Resulta daí uma diferença de potencial a
nível da membrana que é relacionável com as diferenças na
atividade de H+ nas duas faces.

Resposta do
E = constante + β (0,05916 ) log
(A
H + (externo )
)
elétrodo de vidro (A
H + (interno )
)
Potencial de assimetria – Eficiência eletromotriz–
devido à existência de diferenças Este valor deve ser próximo
nas caraterísticas das duas faces de de 1,00
vidro expostas (interna e externa)

O objetivo da calibração dos


elétrodos de pH é obter os valores de
β e da constante (potencial de assimetria)
Calibração do elétrodo de vidro

 Os elétrodos são calibrados usando soluções padrão


de tampões de pH, cujo valor de pH é rigorosamente
conhecido (± 0,01 pH)

 Normalmente são utilizadas duas soluções padrão de


tampões de pH; por exemplo os conjuntos: 7,00 e 4,00
(a 25 ºC) ou 7,00 e 9,00 (a 25 ºC).

 Os elétrodos devem ser recalibrados com frequência porque


o valor do potencial de assimetria varia acentuadamente com
o tempo e com as condições de utilização do elétrodo

Erros na medição do pH com o elétrodo de vidro

 Soluções padrão de tampões de pH


→ normalmente a sua incerteza é de ± 0,01 unidades de pH

 Potencial de junção
→ resulta das diferenças entre a composição iónica da solução
amostra e das soluções padrão de tampões de pH usadas na
calibração do elétrodo
 Variação no tempo do potencial de junção
→ a variação do potencial de junção com o tempo é devido a
alterações na porcelana porosa (que atua como ponte
salina) que se pode dever a fenómenos como deposição
de AgCl, por exemplo.

 Erro alcalino (erro do sódio)


→ quando a concentração de H+ é muito pequena e a
concentração de Na+ é grande, a resposta do elétrodo
ao catião sódio não pode ser desprezada. Como
consequência surgirá um valor de H+ superior ao real
e o pH surgirá mais baixo que o real

 Erro ácido
→ em condições de elevada acidez o pH medido é maior que o
real (a concentração de H+ medida é inferior à real). Admite-se
que tal se deve à saturação da superfície de vidro hidratada
com H+

 Tempo de equilíbrio
→ a resposta do elétrodo necessita que se estabeleça um
equilíbrio superficial. Numa solução com boa capacidade
tampão o tempo de equilíbrio é, normalmente, curto (< 30 s).
Em soluções com baixa capacidade tampão o tempo de
equilíbrio terá de ser maior (alguns minutos, por vezes)
 Hidratação do vidro
→ se o elétrodo estiver seco, vai ser necessário aplicar várias
horas de condicionamento ao elétrodo para que a sua
resposta seja a adequada

 Temperatura
→ a temperatura à qual é feita a calibração e as medições de
pH deve ser a mesma

∴ Devido a todas estas limitações as medições dos valores


de pH têm uma incerteza nunca inferior a cerca de
± 0,02 unidades de pH
7.6. Elétrodos seletivos de iões

 Membrana de vidro -
essencialmente para medição do pH

 Elétrodos de estado sólido -


baseados em cristais de sais inorgânicos

Tipos de elétrodos  Elétrodos de membrana líquida -


seletivos de iões baseados numa membrana polimérica
hidrofóbica saturada com um líquido
hidrofóbico permutador de iões

 Elétrodos compostos -
baseados na utilização de elétrodos
seletivos protegidos por membranas
que são capazes de separar compostos
ativos

Coeficiente de seletividade

 Nenhum elétrodo seletivo responde exclusivamente a uma


única espécie

o elétrodo de vidro é um dos mais seletivos, mas mesmo esse


também responde a Na+:
 Se |H+| < 10-12 mol/L e |Na+| > 10-2 mol/L a interferência
de Na+ não pode ser desprezada
 Definição de coeficiente de seletividade
(para um elétrodo que responde à espécie A e X é uma interferência)

resposta à espécie X (interferente)


K A,X =
resposta à espécie A

∴ quanto menor KA,X  menor a interferência de X

Exemplo de aplicação:
O elétrodo seletivo de K+ baseado no permutador líquido
valinomicina possui os seguintes coeficientes de seletividade:
KK+,Na+ = 1 x 10-5; KK+,Cs+ = 0,44 ; KK+,Rb+ = 2,8

 Comente a interferência dos iões Na+, Cs+ e Rb+ na resposta


do elétrodo ao ião K+?

 Os valores dos coeficientes de seletividade indicam que a


interferência de Na+ é muito reduzida; no entanto, quer o
Cs+, quer o Rb+ interferem fortemente.
De acordo com os valores dos coeficientes de seletividade
a resposta do elétrodo é maior para o Rb+ do que para o K+

Quererá isto dizer que o elétrodo não pode ser utilizado para
a determinação de K+, por não ser suficientemente seletivo?
 Resposta de um elétrodo seletivo

 0,05916   
E = constante ± β    A ∑ A,X X 
log A + K ⋅ A
 n   X 

AA - atividade do ião A (ião principal)


AX - atividade do ião X (ião interferente)
KA,X - coeficiente de seletividade
± - o sinal será + se se tratar de um catião e – se se tratar de
um anião

Exemplo:

Um elétrodo de fluoreto tem um coeficiente de seletividade


relativamente ao HO- de KA,X = 0,1. Qual será a variação
do potencial do elétrodo quando o pH de uma solução
1,0 x 10-4 mol/L em F- com pH = 5,5 é aumentado para
pH = 10,5?

Resolução:
A pH = 5,5 a concentração de HO- é desprezável, ficará então:

E = constante − 0,05916 log(1,0 ×10 −4 ) = constante + 236,6 mV

a pH = 10,5  |HO-| = 3,2 x 10-4 mol/L, ficará então:

[ (
E = constante − 0,05916 log 1,0 ×10 −4 + (0,1) ⋅ 3,2 × 10 −4 )]
= constante + 229,5 mV
∴ A variação será de:
229,5 – (236,6) = -7,1 mV

Esta variação de potencial, se fosse totalmente considerada devida


ao F- (não se considerando a interferência do HO-), corresponderia
a uma diferença de concentração desta espécie de 32%; ou seja, se
não se atendesse à diferença de pH o erro na concentração de F-
seria de 32%

Elétrodos de estado sólido


 O elétrodo seletivo de ião fluoreto é um exemplo de um
elétrodo deste tipo
→ usa um cristal de LaF3 (fluoreto de lantânio)
dopado com Eu2+ (ião európio)

 Resposta do elétrodo seletivo de F-

E = constante − β ⋅ 0,05916 log AF- (solução externa )


Na rotina laboratorial a medição de F- numa amostra é
feita em condições de elevada força iónica e em condições
de pH tamponado (pH = 5,5)

Usa-se uma solução denominada TISAB (Total


Ionic Strength Adjustement Buffer) para ajuste
da força iónica e tamponar a solução a analisar

 Nestas condições de força iónica constante ficará:

E = constante − β ⋅ (0,05916) log F- γ F-


= constante − β ⋅ (0,05916) log γ F- − β ⋅ (0,05916 ) log F-

constante’
 Mas, qual é o objectivo do ajuste de pH a 5,5?

 O ajuste de pH tem por objetivo eliminar a interferência do HO-

e garantir que o F- se encontra totalmente desprotonado (a

forma HF não é medida no elétrodo seletivo de F-)

 Outro elétrodo seletivo deste tipo é o baseado num cristal


iónico de Ag2S
→ usa um cristal de Ag2S (sulfureto de prata)
dopado com Cu2+, Cd2+, Pb2+

Este elétrodo seletivo responde a Ag+ e a S2-


Elétrodos de membrana líquida

 Baseiam-se no uso de líquidos permutadores iónicos que


atuam como transportadores iónicos através de uma
membrana impregnada com esse líquido
 Resposta do elétrodo seletivo ao ião Ca2+

 0,05916 
E = constante + β ⋅   log ACa 2+ (solução externa )
 2 
Carga do ião
Ião bivalente
é positiva

Elétrodos compostos

 Nos elétrodos deste tipo utilizam-se elétrodos seletivos


convencionais rodeados por membranas que conferem
maior seletividade à resposta
Exemplo: Elétrodo seletivo a CO2 gasoso
O CO2 gasoso difunde-se através de uma membrana semipermeável

e faz diminuir o pH da solução em contato com o elétrodo de vidro.

Esse abaixamento de pH pode ser relacionado com o teor de CO2

gasoso na solução exterior (amostra). Outras espécies que dão

origem a gases com caraterísticas ácido-base podem igualmente ser

medidas. Por exemplo: SO2, H2S, NOx (óxidos de azoto), NH3.

 Este mesmo princípio tem sido utilizado para o desenvolvimento


dos chamados biossensores, baseados na imobilização de
enzimas e na medição dos produtos da reação enzimática
dos analitos
11.7. Aplicações dos elétrodos seletivos de iões

 Resposta linear entre o potencial medido e o logaritmo da


atividade do analito
 Gamas de linearidade muito extensas
≡ tipicamente entre 10-3 e 10-6 mol/L≡
→ O elétrodo de vidro tem uma gama linear ainda mais abrangente
 Tempos de resposta relativamente curtos e as medições
podem ser realizadas em meios com elevada turvação ou cor
≡ podem ser aplicados como detetores em

analisadores de fluxo contínuo≡

 Respondem à atividade das espécies pelo que é necessário


adicionar uma solução de ajuste de força iónica para elevar
a força iónica para valores elevados. Deste modo garante-se
que a resposta é proporcional à concentração, devido ao
facto de os coeficientes de atividade serem constantes.

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