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Universidade Federal de Goiás

Faculdade de História
Culturas, Fronteiras e Identidades I e II
Prof. Ms.: Danielle Silva Moreira dos Santos
Acadêmica: Milena

Resenha do filme Na natureza selvagem em diálogo com os textos sobre


cultura
O filme Na natureza selvagem, dirigido por Sean Penn, é baseado em fatos
reais e narra a história de Christopher McCandless. Christopher era um jovem
americano de família rica que após terminar a faculdade abandonou todos os seus
bens e decidiu viver do minimalismo e na natureza. Ao tomar esta decisão,
Christopher doou seu dinheiro para uma instituição e abandonou o seu carro,
seguindo, dessa forma, para a sua grande aventura de desbravar o caminho que o
levaria para o Alasca. Christopher ao decidir seguir esse caminho, não comunicou a
família e os deixou atordoados, uma vez que estes não sabiam do seu paradeiro. O
motivo que o levou a tomar essa decisão, é que Christopher passou a não mais
acreditar na sociedade, ele desprezava os padrões imersos nessa e via as pessoas
como vazias, cheias de relações superficiais. Ademais, Chris detestava a relação
dos pais e os via como hipócritas.
Christopher não queria ser encontrado e então mudou seu nome para
Alexandre Supertramp, adotando Alex como apelido. Assim, Alex passa a viver uma
vida completamente diferente, “sem lenço e documento”, ele passa a trilhar seu
caminho, conhecendo pessoas e lugares novos, sem se fixar, pois seu destino era o
Alasca e esse pretendia viver sozinho na natureza. Durante seu novo estilo de vida,
Alex passa a alimentar-se de animais e frutos da natureza e em razão disso tem um
final trágico, morrendo envenenado ingerir sementes de batata selvagem.
Diante do exposto acerca do filme, podemos pensar a relação deste com o
conceito de cultura discutido pelo antropólogo Roque de Barros Laraia, em seu livro
Cultura: um conceito antropológico e também discutido por Clifford Geertz em A
interpretação das culturas. MCCandless ao decidir iniciar um novo estilo de vida,
objetivava a busca pelo autoconhecimento, distância da sociedade capitalista e
queria livrar-se do modo de vida estadunidense uma vez que acreditava que a
individualidade era suficiente para a sobrevivência humana.
No entanto, como sustenta Laraia “o modo de ver o mundo, as apreciações
de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as
posturas corporais são [...] produtos de uma herança cultural [...].” (LARAIA, 1999, p.
37). Nesse sentido, McCandles era completamente moldado pela cultura da
sociedade em que foi criado e assim, por mais que ele tentasse livrar-se dessa,
ainda carregaria consigo vários aspectos dessa cultura. E apesar de poder moldar-
se ao longo do tempo,ainda continuava imerso em vários costumes da sociedade
estadunidense.
O antropólogo Geertz argumenta que a cultura é um processo complexo,
todavia é inerente ao homem e que essa faz parte da construção filogenética
humana. Laraia também sustenta a complexidade da cultura e segundo ele essa faz
parte até mesmo da fisiologia e biologia humana. Assim, diante dessa acepção de
Laraia, pode-se dizer que McCandles apesar de querer livrar-se dos padrões de
vida estadunidense, ele continuava executando modos da cultura em que foi criado,
esses modos são: o modo de andar, o modo de rir, a forma de se comunicar com as
pessoas, a habilidade de ler, de escrever, de falar, de comer.
Outrossim, o filme mostra que em um acampamento McCandles conheceu
uma jovem menor de idade e ele não se relacionou com a mesma justamente por
conta desse fator. O fato de McCandles achar errado se relacionar com alguém
menor de idade também é algo cultural. Laraia menciona que em algumas
sociedades tribais uma moça é considerada adulta logo após a primeira
menstruação, podendo dessa forma, exercer todos os papéis femininos. Nesse
sentido, se McCandles tivesse sido criado em uma dessas sociedades tribais, ele
não veria problema em relacionar-se com a jovem.
Laraia alude que a participação dos indivíduos na cultura se dá de forma
diferente, “a participação do indivíduo em sua cultura é sempre limitada; nenhuma
pessoa é capaz de participar de todos os elementos de sua cultura [...].” (LARAIA,
1999, p. 49). Assim, por mais que Christopher pertencesse a uma sociedade em
que, por exemplo, é comum a limpeza de animais para o consumo e a colheita de
grãos, ele não sabia executar tais atividades e tentou aprendê-las para a própria
sobrevivência.
Apesar de permanecer vários aspectos culturais em McCandles, filme mostra
que que ele pode remodelar-se também de acordo com o ambiente em que ele
estava imerso. Um exemplo disso, é que existem várias cenas no filme que mostram
McCandles comendo animais crus e sem nenhum tempero, mostrando dessa forma
uma mudança cultural em Christopher. Laraia, explica que existem dois tipos de
mudança cultural, um interno, resultante do próprio sistema cultural e um externo,
resultante do contato de um sistema cultural com um outro. Assim, diante dessa
acepção pode-se dizer que a mudança no hábito alimentar de Christopher ocorreu
em virtude do ambiente em que ele estava imerso.
Como mencionado acima, McCandles acreditava que a individualidade era
suficiente ao ser humano, que esse não precisava traçar relações para encontrar a
felicidade, tanto que durante sua jornada conheceu várias pessoas, mas sempre
preferiu continuar seu caminho sozinho, no entanto, ao ingerir as sementes de
batata selvagem e sofrer todos efeitos provocados pelo fruto, percebeu que sua
concepção de mundo estava errada e que não é possível viver sozinho em um
ambiente tão hostil quanto a natureza selvagem. Uma de suas últimas escritas no
seu diário foi a seguinte frase: happiness only real when shared (a felicidade só faz
sentido quando é compartilhada).
Geertz defende duas ideias, a primeira é a cultura como conjunto de
mecanismos de controle para governar o comportamento e a segunda é que o
homem é precisamente o animal mais desesperadamente dependente de
mecanismos de controle,ou seja, necessita de tais programas culturais para ordenar
o seu comportamento. Nesse sentido, a cultura torna-se uma condição essencial
para a existência humana. Segundo Geertz não existe não existe natureza humana
independente da cultura. Os homens sem cultura seriam “[...] monstruosidades
incontroláveis, com muito poucos instintos úteis, menos sentimentos reconhecíveis
e nenhum intelecto: verdadeiros casos psiquiátricos.” (GEERTZ, 2008, p. 35).
Portanto, por mais que Christopher tente fugir de toda a sua formação cultural, isso
não é possível, uma vez que o ser humano só existe dentro da cultura e esta só
existe se houver outro para compartilhar.
Referências bibliográficas
GEERTZ, Clifford. O impacto do conceito de cultura sobre o conceito de homem.
In:______. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. p.25-39.

Into The Wild (Na Natureza Selvagem). Direção de Sean Penn. EUA. 2007.
LARAIA, Roque de B. Segunda parte: Como opera a cultura. ______. In: Cultura:
um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

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