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70 Anos da Revolução Comunista na China e 41 Anos do Início da Restauração Capitalista

Debate sobre a Restauração Capitalista na China

Cem Flores
11.10.2019

No último dia 5 de outubro publicamos o artigo A Restauração Capitalista na China:


textos de Francisco Martins Rodrigues. Naquele artigo, apresentamos três textos do
dirigente comunista sobre as “reformas econômicas” chinesas e seu caminho rumo à
restauração capitalista, escritos nos anos 2000. Também fizemos uma apresentação aos
textos de FMR com as teses que estamos estudando, debatendo e desenvolvendo em
nosso coletivo comunista que nos permitem concluir, em termos marxistas-leninistas,
que a China hoje é um país capitalista, país que ocupa um lugar dominante no sistema
capitalista mundial, o sistema imperialista. Ou seja, isso significa que a China hoje
também é um país imperialista.

A partir da reprodução desse texto na nossa página no Facebook, o companheiro André


Alvarenga fez uma série de postagens em resposta a essa nossa publicação, nas quais
expõe sua posição, diametralmente oposta à nossa, e busca embasá-la em argumentos
e dados. Acreditamos poder resumir a tese do André Alvarenga da seguinte forma: ele
defende que a China, não apenas é um país socialista (“caminho socialista de
desenvolvimento da China”), mas também é o maior caso de sucesso da experiência
socialista mundial (“resultados superiores a qualquer outro”), com um desenvolvimento
inovador do marxismo (“economia socialista com concessões ao capital externo”), com
a manutenção da classe trabalhadora no poder do Estado (“Estado permaneceu sob o
poder da classe trabalhadora chinesa”), com subordinação do capital estrangeiro aos
interesses do povo (“Estado Chinês usou o capital estrangeiro para o desenvolvimento
de sua própria força produtiva, isto é, em benefício do seu próprio povo”), tudo isso
refletido nas impressionantes taxas de crescimento econômico, sem crises (“China
cresceu ao longo de todo esse período de maneira ininterrupta”), e no desenvolvimento
de indicadores sociais (“China possui a maior proteção trabalhista do mundo”).

Queremos agradecer ao André Alvarenga pela leitura do nosso texto, por seus
comentários e pela exposição de sua posição, em tudo antagônica à nossa. E,
principalmente, pela oportunidade para, a partir do choque entre escolas diferentes,
desenvolvermos mais a nossa análise sobre um tema tão importante para a luta de
classes quanto esse enigma chinês, incluindo pontos sobre os quais não havíamos nos
manifestado anteriormente.

No texto a seguir, buscamos identificar os principais pontos do André, expor suas teses
e criticá-las de forma franca, aberta e radical, com os fatos existentes e nossa análise
teórica e política marxista-leninista.

Que Cem Flores Desabrochem! Que Cem Escolas Rivalizem!


Ponto 1
“Crescente liberalização da propriedade privada na China? Como essa alegação lida
com o fato de a propriedade estatal, pública e cooperativa ser dominante e estar
passando por forte expansão nos últimos anos?”

“Uma vez que a exploração da indústria por singulares tinha como


consequência necessária a propriedade privada, e que a concorrência não
é mais do que o modo da exploração da indústria pelos proprietários
privados individuais, a propriedade privada não pode ser separada da
exploração individual da indústria nem da concorrência. A propriedade
privada terá, portanto, igualmente de ser abolida e, em seu lugar,
estabelecer-se-á a utilização comum de todos os instrumentos de
produção e a repartição de todos os produtos segundo acordo comum, ou
a chamada comunidade dos bens. A abolição da propriedade privada é
mesmo a expressão mais breve e mais característica desta
transformação de toda a ordem social necessariamente resultante do
desenvolvimento da indústria, e por isso é com razão avançada pelos
comunistas como reivindicação principal”.
Engels. Princípios Básicos do Comunismo (Novembro de 1847).

Sobre esse ponto, o André não apresenta nenhum fato, apenas essa afirmação
categórica. Em contraposição a ela, vamos mostrar as evidências que dispomos sobre o
crescimento acelerado do papel da propriedade privada na China, em paralelo ao
fortalecimento da burguesia chinesa, já reconhecendo, no entanto, o caráter limitado
dessas evidências e a necessidade de reforçar nosso embasamento empírico.

Mas antes, façamos um desvio teórico e político para mostrar como os modernos
revisionistas (na verdade, “restauracionistas”) chineses tratam a questão da
propriedade privada, do mercado e da concorrência, e a importância e a posição
fundamental que atribuem a eles no âmbito das suas reformas econômicas para a
restauração capitalista na China. Para isso, vamos nos basear no discurso do então
secretário do Partido Comunista da China (PCCh), Jiang Zemin, no XIV Congresso
Nacional do PCCh, em 1992, publicado pela revista Política Externa, volume 1, nº 4,
março-abril-maio de 1993, pg. 146-181.

As Origens e os Fundamentos da Moderna Posição Revisionista Chinesa

A III Sessão Plenária do XI Comitê Central, de 18 a 22 de dezembro de 1978, foi o


momento em que Deng Xiaoping assumiu a liderança inconteste, de fato, dentro do
PCCh e em que se definiu o início da restauração capitalista, definida ideologicamente
como a “construção de um socialismo com peculiaridades chinesas” mediante a reforma
e a abertura econômicas e o desenvolvimento das forças produtivas.

Do ponto de vista teórico e político, essa reunião “repudiou de maneira categórica a


política errônea de ‘tomar a luta de classes como elo central’, política ‘esquerdista’
inaplicável à sociedade socialista” (p. 149). Essa resolução se fortaleceu na VI Sessão
Plenária, “reprovando-se radicalmente a ‘revolução cultural’ e a teoria da
‘continuidade da revolução sob a ditadura do proletariado’”. Dessa forma, a vitória dos
revisionistas no combate à Revolução Cultural buscava consolidar-se como teoria.

Esse é um passo fundamental do revisionismo em direção ao capitalismo: ao buscar


enganar as massas proletárias e dominadas defendendo a derrota definitiva do seu
inimigo fundamental (o capital, a burguesia e sua ideologia), busca-se, na verdade,
desarmar essas massas (teórica, política e ideologicamente) na sua luta cotidiana
contra os elementos burgueses da sociedade socialista, abrindo espaço para que o
capitalismo se fortaleça.

A retirada da luta de classes do centro da construção socialista “deslocou o centro do


trabalho do Partido e do Estado para a construção econômica” (p. 149), mediante a
reforma e a abertura para o exterior, que implicavam recolocar a propriedade privada,
o mercado, a competição e a lei do valor de volta ao palco principal. A III Sessão
Plenária do XII Comitê Central, em seguida, aprovou a tese de que “a economia socialista
de nosso país é uma economia mercantil planificada” (p. 151). Com isso, a “contradição
principal” passou a ser considerada aquela “existente entre as crescentes necessidades
materiais e culturais do povo e o atraso da produção social” (p. 154). Saem as classes,
entra “todo o povo” (como havia dito, duas décadas antes, Kruschev).

O fortalecimento da propriedade privada e do mercado (por consequência, da


burguesia) começaram pelo campo e pelas zonas especiais. No campo, suprimiu-se de
imediato a “comuna popular”, substituindo-a pelo sistema de contrato baseado nas
famílias dos agricultores e camponeses. Como consequência desses “direitos de
autonomia na exploração das terras”: “aboliu-se fundamentalmente o sistema de
compra estatal de forma centralizada, ou com quotas obrigatórias dos produtos
agrícolas, e liberaram-se os preços da maior parte desses produtos” (p. 151), reforçando
o papel do mercado (produção de mercadorias, lei do valor) na produção e distribuição.

As zonas econômicas especiais foram os locais da experiência – controlada e depois


generalizada para todo o país – de abertura para a atuação do capital estrangeiro. O
objetivo desse experimento e seu início gradual se coadunam com a visão política do
PCCh: “é impossível ... que todos alcancem a prosperidade ao mesmo tempo, e é
necessário permitir e estimular que algumas zonas e pessoas a alcancem antes das
outras” (p. 155). A burguesia chinesa e seus bilionários agradecem a complacência e as
palavras de estímulo do PCCh...

Após 14 anos de aplicação dessa linha, em 1992 Zemin já podia abrir um pouco a guarda
sobre o real significado de que “não importa a cor do gato, desde que ele cace o rato”:
para ele, não devemos ficar presos na “polêmica abstrata sobre se esta ou aquela coisa
deve denominar-se socialista ou capitalista”, pois para Deng “tanto o planejamento
quanto o mercado não passam de mecanismos econômicos” (p. 159). Eis o auge da
fetichização sobre o crescimento econômico: o que importa é o crescimento, não
importa como, nem às custas de quem, nem qual classe é explorada...

Segue-se o elogio do mercado (isto é, não nos esqueçamos, elogio do capitalismo):


“o mercado vem expandindo seu raio de ação, foram liberados os preços
da maior parte dos produtos, reduziu-se sensivelmente o terreno sujeito
ao controle direto do plano e aumentou, de forma considerável, a
função do mercado na regulação das atividades econômicas. A prática
demonstra que onde o mercado desempenha mais plenamente seu papel,
a economia se torna mais vigorosa e seu desenvolvimento se acha em
melhor estado. É indispensável continuar acentuando o papel dos
mecanismos de mercado para poder otimizar a estrutura de nossa
economia, elevar sua rentabilidade...
Os mecanismos de uma economia de mercado socialista que nos
propomos estabelecer pressupõem atribuir ao mercado, sujeito à
regulação e ao controle macroeconômicos do Estado socialista, o papel
básico na distribuição dos recursos, de modo que as atividades
econômicas acatem as exigências da lei do valor e se ajustem às
mudanças que se operem na relação entre a oferta e a procura. Fazendo
valer a função dos preços como ferramenta e dos mecanismos de
competição, a distribuição de recursos se inclinará em favor dos elos de
maior rendimento, o que suporá, para as empresas, uma pressão e uma
força propulsora e desembocará no êxito das que apresentem melhor
funcionamento, assim como na eliminação das que apresentem
resultados insuficientes. Promover-se-á a coordenação oportuna entre a
produção e a procura, utilizando as vantagens do mercado, cuja reação
é relativamente sensível aos sinais econômicos de todo tipo” (p. 160).

Para encerrar esse necessário desvio teórico-político, confirmamos que os trechos


acima não foram tirados de um discurso do Paulo Guedes, são mesmo de Jiang Zemin,
secretário do PCCh. Mas Paulo Guedes e os demais neoliberais da escola de Chicago os
assinariam com gosto!

Diante dessa avaliação dos primeiros 14 anos das políticas de restauração capitalista
na China, e conhecendo o que aconteceu nos demais 27 até hoje, como colocar em
dúvida o fortalecimento da propriedade privada (e da burguesia chinesa) e o
enfraquecimento da propriedade estatal, como faz o companheiro André Alvarenga?

Quais as estatísticas que temos disponíveis para negar a tese do André? Em primeiro
lugar, o nível dos investimentos realizados pelos setores público e privado na China.
Tiramos esses números de um artigo do Michael Roberts, de outubro de 2017, que, por
sua vez, os obteve de um estudo do FMI. De acordo com Roberts, “houve uma expansão
significativa de empresas privadas, estrangeiras e domésticas, nos últimos 30 anos, com
o estabelecimento de um mercado de ações e outras instituições financeiras”. Assim, “os
dados do FMI mostram que, embora os ativos do setor público na China ainda tenham
quase o dobro do tamanho dos ativos do setor capitalista, a diferença está diminuindo”.
China: razão do estoque de investimentos dos setores público e privado em relação ao PIB.
Público (colunas verdes) e privado (colunas vermelhas).

Notem que a informação do gráfico acima vai apenas até 2011. O que terá acontecido
de lá para cá, nesses últimos 8 anos? Evidentemente, a continuação da trajetória de
fortalecimento do setor capitalista, nas palavras de Michael Roberts, e o
enfraquecimento relativo do setor estatal.

A evidência mais recente para essa tendência está no gráfico abaixo, da revista britânica
The Economist, que mostra a participação das empresas estatais nos ativos, lucros e
emprego na China. Não apenas a tendência desde os anos 2000 é de queda, como a
participação das estatais em qualquer das três medidas já está abaixo de 50%.

Parcela das empresas estatais (%). Ativos (assets), lucros (profits) e emprego (employment)
Até aqui, apresentamos a política do PCCh de fortalecer o mercado privado e a
propriedade privada – portanto a burguesia e o capitalismo – e dois indicadores
quantitativos do sucesso dessa política. Mas, e quanto às empresas estatais, sempre
ressaltadas pelo André e por outros companheiros como símbolos do socialismo?

Voltemos a Zemin: “A via fundamental para essa mudança [das funções


governamentais] reside em separar as funções governamentais das empresariais. Os
governos dos diversos níveis não devem interferir nas funções e atribuições que,
segundo a lei estatal, são competência das empresas” (p. 162).

Por que razão as empresas estatais não deveriam ter sua gestão definida pelo governo?
Zemin responde: “Todas as empresas, estatais, coletivas e outras, entrarão no
mercado” (p. 160), para isso foi preciso “modificar os mecanismos de funcionamento
das empresas estatais, especialmente as grandes e médias, impeli-las para o mercado”
(p. 161), buscando a “harmonização das relações entre o direito de propriedade e o de
gestão, a separação entre as funções governamentais e as empresariais e a
concretização dos direitos de autonomia das empresas” (p. 161) para fazer com que
elas sejam “protagonistas da competição no mercado, operem de forma independente,
responsabilizem-se por seus lucros e perdas, desenvolvam-se com seus recursos
próprios e se controlem por si mesmas” (p. 161).

E com isso, foi aberta a avenida para a “burguesia vermelha”, composta pelos dirigentes
do PCCh e seus indicados, que passaram a dirigir as empresas estatais como suas
empresas, objetivando o cumprimento das metas, mas, principalmente, a expropriação
de lucros crescentes dos trabalhadores – “aproveitando ... as experiências de gestão
empresarial do estrangeiro” (p. 151). Ou seja, o papel das empresas estatais e dos seus
“capitalistas” está vinculado à obtenção de resultados nas próprias empresas – fonte do
“sucesso” de seus dirigentes e condição para sua carreira na burocracia partidária. Como
disse Mao, na frase com que fechamos o nosso texto anterior (frase também citada por
FMR): “representantes da burguesia que se infiltraram no Partido Comunista”.

Ponto 2
“Quanto poder ou influência política ganhou o capital estrangeiro na China, desde a
sua abertura? Nenhum”

Caro André Alvarenga, achamos que, nesse aspecto, sua análise se prende ao fato do
PCCh ser o partido governante na China. Ou seja, sua avaliação fica restrita, por um lado,
ao que Marx chamaria de “aparência” e, precisamente por causa disso, por outro lado,
não avalia os impactos concretos do capital estrangeiro na definição da linha política do
PCCh, na concepção das políticas econômicas do país, na redefinição da estrutura
industrial, na formação da ideologia dominante, etc.

Você realmente acha, André, que os US$1,6 trilhão investidos pelo capital estrangeiro
na China (apenas na forma de investimentos diretos e sem contar outros US$2 trilhões
investidos em Hong Kong) não representam nenhuma influência política naquele país?
Os fatos são contrários à sua tese. O capital estrangeiro – assim como o capital privado
em geral – tem uma influência crescente na China, tanto na definição do seu rumo
econômico, quanto na definição de suas políticas.

Quanto às definições de políticas do PCCh, vimos brevemente acima a contínua


expansão das áreas de atuação do capital estrangeiro, das quatro cidades iniciais que
serviram de zonas econômicas especiais para todas as regiões do país e setores
econômicos. De acordo com uma especialista no tema, a economista marxista Mylène
Gaulard, em 1992 (não por acaso, a data do XIV Congresso do PCCh do qual destacamos
o discurso de Jiang Zemin) inicia-se uma nova etapa da relação entre China e o capital
estrangeiro, já então a principal fonte de financiamento externo do país, etapa que se
aprofundou ainda mais na década seguinte com a entrada do país na OMC e a abertura
dos setores de serviços e bancários-financeiros ao capital estrangeiro (Karl Marx à
Pékin: les racines de la crise en Chine capitaliste. Paris: Demopolis, 2014, p. 167).

O capital estrangeiro (como qualquer capital) tem todo o interesse de não se indispor
com aqueles que os beneficiam, ampliando sua atuação e seus lucros. Por falar em
lucros, de acordo com as estatísticas oficiais da State Administration of Foreign Exchange
(SAFE), no ano de 2018 esses lucros foram de US$276 bilhões, mesmo tendo diminuído
5% em relação ao ano anterior. Dividindo pelo total do investimento, temos uma
lucratividade anual de aproximadamente 18,5%.

Quanto ao impacto do capital estrangeiro na definição da estrutura econômica,


comecemos por uma metáfora: pense na cadeia produtiva de uma montadora de
automóveis, com sua rede de fornecedores, por um lado, e de concessionárias, por
outro (simplificando). Quem você acha que dá a dinâmica desse grupo de empresas? A
mesma coisa acontece com esse capital estrangeiro investido na China. Tomemos a
Foxxonn, a maior montadora de produtos Apple do mundo (capital chinês de Hong
Kong). É a Foxconn que define as inovações tecnológicas, a especificação dos produtos,
o ritmo de produção ou a Apple? A partir dessas variáveis, definidas pela Apple (nesse
exemplo), está definido o ritmo da acumulação de capital privado estrangeiro e chinês
na China, boa parte de suas exportações (Mylène Gaulard menciona que o capital
estrangeiro representa 60% das exportações chinesas, p. 168) e importações, parcela
significativa dos fluxos de capitais e da acumulação de reservas internacionais, entre
diversos outros fatores.

Isso não é alterado pelo fato da China estar com o crescimento, nesta década, cada vez
mais voltado ao mercado interno, com redução do seu superávit em transações
correntes de 9,9% do PIB, em 2007, para 0,4%, em 2018, de acordo com dados do FMI.
Mais da metade da produção do capital estrangeiro investido no país se destina ao
mercado interno.

Mas pelo menos em um aspecto achamos que você concorda conosco: Apple (capital
estrangeiro em geral) é Apple em qualquer lugar, ou seja, explora seus trabalhadores na
produção fabril esteja na China ou no Brasil, certo?

Ponto 3
Capital externo “é regrado por leis e contratos socialistas que o obriga a se tornar
estatal após 20 anos, ficando a China inclusive com direito de uso intelectual das
invenções”

Por fim, sobre o “mito” que você inventou de “socialização”, “nacionalização”,


“expropriação” do capital estrangeiro após 20 anos, quando ele passaria a se tornar
estatal, gostaríamos que você nos indicasse onde podemos achar a lista de empresas de
capital estrangeiro que foram “tornadas estatais” na China por “decurso de prazo”...

Vamos dar um exemplo bem simples do caso contrário: o da Coca-Cola. Ela estabeleceu
a primeira fábrica na China em 1984, cinco anos após (re)começar a ser vendida por lá.
Em 2014, portanto, celebrou 35 anos na China. Não deveria, pela sua lógica, ter sido
nacionalizada? E os chineses não deviam agora ser os donos do seu segredo industrial?
Achamos que você caiu no conto do vigário...

Ponto 4
“E não se trata de qualquer capital... É um capital produtivo, que gera emprego, renda,
sem especulação”

Logo antes de fazer os elogios ao capital estrangeiro que se investe na China (acima, em
negrito), mas também ligado à sua admiração pelo capital, o André afirma que “o que
existe na China é uma economia socialista com concessões ao capital externo”. Sem que
precisemos dedicar muito esforço a esse hibridismo teórico, basta-nos afirmar que esse
paradoxo é, na verdade, uma contradição entre sistemas opostos (por mais que os
modernos revisionistas chineses digam que não), entre classes opostas, ou seja, uma
contradição antagônica, inconciliável, que se resolve pela vitória de um dos seus polos.
E isso já aconteceu na China, com o predomínio das relações de produção e de
exploração capitalistas.

Tratando agora da sua frase específica, aos comunistas parece estarrecedor que você
não apenas defenda o capitalismo na China, talvez de boa-fé iludido pelas aparências
do poder do PCCh, mas, e principalmente, defenda o próprio capital que explora os
trabalhadores chineses. As categorias que você usa na sua frase – o capital produtivo
como gerador, doador, de emprego (diante disso os trabalhadores deveriam fazer o que,
agradecer ao capitalista?) – são próprias da economia burguesa, dos que Marx chamou
de “espadachins mercenários a serviço do capital”.

Para continuar com o Marx, caso você não tenha percebido, é exatamente desse “capital
produtivo”, ou “capital em função”, de que Marx fala no Volume 1 de O Capital; em
Trabalho Assalariado e Capital; em Salário, Preço e Lucro. Foi contra esse capital que
Marx escreveu sua obra. Foi exatamente contra esse capital que explora os
trabalhadores que surgiram o movimento socialista e comunista mundiais. Que, agora,
alguns “socialistas” o defendam diz mais sobre eles mesmos que sobre os capitalistas.

Enquanto você louva o capital que gera emprego, Marx vê uma “luta incessante entre
o capital e o trabalho; o capitalista, tentando constantemente reduzir os salários ao seu
mínimo físico e a prolongar a jornada de trabalho ao seu máximo físico, enquanto o
operário exerce constantemente uma pressão no sentido contrário. A questão se reduz
ao problema da relação de forças dos combatentes”. Essas citações marxistas sobre o
conflito capital/trabalho poderiam se multiplicar infinitamente, mas acho que você já
entendeu a posição dos comunistas e a diferença em relação à sua.

Como já tratamos do “capital produtivo” acima, vamos apresentar agora indicadores do


capital especulativo, do capital fictício na China – aquele mesmo que o André Alvarenga
diz que não existe. O pior cego é o que não quer enxergar...

Comecemos com Jiang Zemin, em seu discurso de 1992. O que diz ele sobre esses
capitais? “é preciso acelerar o fomento do sistema de mercado. Devemos ... fomentar
ativamente o mercado financeiro, que abrange bônus de dívida, ações e outros títulos
de valor” (p. 162).

Todos esses são exatamente os instrumentos que Marx qualifica como capitais fictícios,
muito especialmente a dívida pública e as ações nas bolsas de valores. Vamos a eles,
começando pela dívida pública. A dívida pública chinesa era muito baixa na virada do
século, pouco mais de 20% do PIB. Nesses 20 anos, no entanto, ela mais que dobrou em
relação ao PIB, atingindo 50,5% do PIB em 2018, com crescimento mais elevado
principalmente nos últimos cinco anos. Observem o que isso quer dizer: nos 20 anos de
1999 a 2018, o PIB chinês teve crescimento real médio anual de 9%. Se a dívida pública
cresceu mais do que o dobro do PIB no mesmo período, seu crescimento médio real
anual esteve próximo de 20% por ano!

China - Dívida pública bruta


55

50
Em 20 anos, a dívida pública chinesa mais que dobrou
45 (+133%).
Só depois da crise passou de 27% do PIB (2008) para
% do PIB

40
50,5% do PIB (2018).
35

30

25

20
1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017

Fonte: FMI, World Economic Outlook Database.

Qual seria a razão de tão estupendo crescimento da dívida pública? É simples: depois da
crise global de 2008 e até agora, a China tem promovido uma sucessão de programas
governamentais que juntos configuram o maior programa de estímulo fiscal do mundo
(como proporção do PIB).
E por que isso tem se mostrado necessário para o governo chinês? Para buscar contra-
restar a tendência de desaceleração do crescimento econômico, que tem se mostrado
inexorável. Essa desaceleração é fruto das contradições que a acumulação de capital
tem gerado na China, cujos principais aspectos estão relacionados à tendência de
queda da taxa de lucro, ao sobre-investimento em setores econômicos-chave, às crises
latentes nos setores imobiliário e bancário (em especial o chamado shadow banking).

Disso trataremos mais à frente, no ponto em que criticaremos a afirmação do André


Alvarenga de que o crescimento chinês ocorre de maneira ininterrupta, sem crises.

Ainda sobre a especulação que “não há” na China, sobre o “inexistente” capital fictício
chinês, apresentemos a um incrédulo André a bolsa de valores de Xangai, que resume
o comportamento de suas congêneres chinesas. De acordo com o gráfico abaixo, essa
bolsa é uma das mais voláteis (especulativas) do mundo, sendo capaz de subir 223% em
um ano (até outubro de 2007) e cair 66% no ano seguinte, ou subir 134% em um ano
(até junho de 2015) e cair 39% no ano seguinte.

Índice de preços de todas as ações na China (2015 = 100). Fonte: OCDE.

Além da volatilidade/especulação, no entanto, importa quantificar quanto é a massa de


capital movimentada nessa bolsa de valores chinesa. Vale aqui recordar o estoque de
US$ 1,6 trilhão de investimentos estrangeiros diretos na China, já mencionado, valor
equivalente a 12,1% do PIB chinês. O gráfico a seguir apresenta o total da capitalização
(total de ações multiplicado pelos seus preços) do mercado acionário (bolsas de valores)
na China, que equivale ao montante potencial de capital colocado em
negociação/especulação nas bolsas. Ao final de 2017, última informação divulgada
pelo Banco Mundial, esse valor era equivalente a 65% do PIB chinês, ou mais de cinco
vezes o valor investido na forma de “capital produtivo”.
Capitalização do mercado acionário em relação ao PIB na China. Fonte: Banco Mundial.

Outra parte do capital especulativo “inexistente” na China são os mercados de


derivativos, especialmente os cambiais. Uma pesquisa do Banco de Compensações
Internacionais (BIS) mostrou que, em abril de 2019, o renminbi, a oitava moeda mais
negociada do mundo, tinha 95% da sua negociação tendo como par o dólar e um total
negociado de US$ 284 bilhões... por dia!, o equivalente a US$ 71,6 trilhões por ano. Se
olharmos apenas a negociação do renminbi na China, houve crescimento de 87%
nessas transações em três anos, para valor total de US$ 136 bilhões/dia ou US$34,3
trilhões/ano.

Mesmo com esses números astronômicos, a geração de capital fictício na China ainda
está muito defasada em relação ao tamanho da economia chinesa, se comparada com
os demais países imperialistas. No entanto, os modernos revisionistas chineses e seus
capitalistas, chineses e estrangeiros, estão fazendo todos os esforços para recuperar
esse atraso.

Ponto 5
“Desde a abertura da economia chinesa, o Mundo capitalista viveu 12 crises e 2
depressões econômicas. A China cresceu ao longo de todo esse período de maneira
ininterrupta, sem nunca registrar um único período de recessão”

Comecemos pelo final da frase do André: desde a década de 1980, a China não
enfrentou uma recessão. Como o André utiliza as categorias burguesas para a análise da
China, de sua economia, de sua conjuntura e do seu sistema político, ele tem razão.
Afinal, uma recessão é definida pelo senso comum burguês como dois trimestres
seguidos de variação negativa do PIB.

Essa seria sua prova “científica” de que a China é socialista. Mas qual a razão teórica ou
empírica que impede, como uma “lei” da natureza ou da sociedade, que existam crises
econômicas em um país socialista? Essa é mais uma visão idealizada e ideológica
(ideologia reformista e nacionalista) da realidade, que não convém a quem se pretende
capaz de realizar uma análise científica.

Ser científico na análise da evolução de uma formação econômico social significa partir
da teoria marxista-leninista e analisar a realidade daquele país a partir das
informações disponíveis. Para começo de conversa, em termos teóricos, não existe
processo sem contradições, nem crescimento sem interrupções. Pense, por exemplo, na
agricultura que, por muito tempo nesses mais de 40 anos foi a base da economia
chinesa. Por que razão um país socialista não teria crises agrícolas baseadas em secas
ou enchentes ou quebras de safra?

Nos 40 anos desde o início das reformas capitalistas na China houve uma série de crises
setoriais, regionais, globais com impacto no país, que, no entanto, não foram
suficientes para tornar negativa a taxa nacional em um dado ano. Vejamos como essas
crises se refletem nas taxas de crescimento da China, a partir do gráfico abaixo – que
está longe de expressar uma tendência linear.

Na crise dos finais dos anos 1980 (fim da URSS, protestos na Praça da Paz Celestial), a
taxa de crescimento passou de 11,3%, em 1988, para 4,2%, em 1989, e 3,9%, em 1990.
A redução em dois terços do crescimento em dois anos é uma crise por qualquer
métrica, que não seja o critério rudimentar de dois trimestres “negativos”.

Em seguida, de 1992, pico da recuperação da crise anterior, até 1999, o crescimento


chinês se reduziu de 13,9% para pouco mais da metade disso, 7,6%. A saída para essa
desaceleração foi a entrada na OMC e o aproveitamento da década de 2000, a “década
da globalização”, pré-recessão mundial de 2008/9. Com isso, as taxas chinesas voltaram
a acelerar até 2007.

China - crescimento do PIB


15,5

13,5

11,5
%

9,5

7,5

5,5 6,6

3,5
1992

2008
1980
1982
1984
1986
1988
1990

1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006

2010
2012
2014
2016
2018

Fonte: FMI, World Economic Outlook Database.

Depois da depressão mundial, as taxas de crescimento do PIB chinês vêm em queda


constante, já na casa dos 6% faz cinco anos. Ao mesmo tempo, para sustentar esse
crescimento cada vez menor, o Estado chinês lançou o maior pacote fiscal do mundo,
aumentando sua dívida pública (capital fictício por excelência), como vimos acima.

Uma análise marxista recente das contradições do modelo capitalista chinês


(sobreinvestimento, queda da produtividade do capital, excesso de endividamento,
fragilidade do setor bancário, problema fiscal nas províncias, etc.), contradições que
têm se agravado e se expressam na queda das taxas de crescimento que mostramos no
gráfico acima, pode ser encontrada no capítulo que Mylène Gaulard escreveu para o
livro organizado por Guglielmo Carchedi e Michael Roberts: The Chinese Economic
Crisis: A Marxist Approach, in: World in Crisis: a global analysis of Marx’s law of
profitability (Chicago: Haymarket Books, 2018).

Em termos marxistas, essas contradições podem ser sintetizadas na evolução da taxa de


lucro, cuja tendência de queda é bem observada empiricamente na China (gráfico
abaixo). Segundo a autora, o ligeiro crescimento após 2006 é devido à criação de capital
fictício no setor financeiro e em atividades especulativas – o que está de acordo com os
gráficos e a análise acima.

M. Gaulard. The Chinese Economic Crisis: a Marxist Approach, p. 290.

Segue a conclusão da autora:

“Esta análise parece ir contra a visão corrente da natureza sem


precedentes do crescimento econômico da China. A taxa de lucro em
queda que a China está enfrentando será prejudicial para a
continuidade da elevada acumulação. ... Na China, como no resto do
mundo, é o sistema capitalista em seu conjunto que é responsável pelos
problemas encontrados no processo de acumulação. A acumulação é a
principal característica, e a razão de ser, do capitalismo, mas o sistema
carrega as condições de sua própria destruição. Essa análise da China
poderia ser estendida a todos os países integrados no sistema capitalista”
(p. 291-292).

Ponto 6
“o caminho socialista de desenvolvimento da China alcançou resultados superiores a
qualquer alternativa capitalista”, “fez a economia da China crescer 90 vezes até se
tornar, no início do século XXI, a segunda maior economia do Mundo”

Tudo isso até aqui, André Alvarenga, parece ser só uma “introdução” ao seu
pensamento. O seu ponto central é o “fetiche” do crescimento econômico. Tendo
crescimento, e acelerado, tudo está resolvido. Louvando o crescimento, esqueça-se seu
caráter de classe, o sistema e as relações de produção que o geraram, as condições
concretas de trabalho da classe despossuída dos meios de produção, sua exploração
pelo capital, etc.

Modernização do campo, industrialização maciça, redução impressionante da pobreza,


crescimento de “90 vezes”, segunda maior economia do mundo. Esses feitos
gigantescos, você os atribui ao socialismo, ignorando todas as evidências em contrário.

O que nos parece estar por trás de seu argumento é um suposto caráter neutro do
crescimento econômico e do desenvolvimento das forças produtivas. Ou seja, que
ambos são guiados por especificações eminentemente técnicas e universalmente
válidas, de tal forma que não há considerações a fazer a respeito das relações de
produção dominantes, do papel das classes, de sua luta, e da produção enquanto local
por excelência da luta de classes, em que se confrontam proprietários e despossuídos.

Não por coincidência, essa é a posição dos modernos revisionistas chineses: economia
de mercado e planejamento não são socialistas nem capitalistas, não passam de
mecanismos econômicos (Zemin, p. 159). Do ponto de vista do crescimento, portanto,
capitalismo e socialismo seriam iguais, meras palavras sob as quais se desenvolviam as
forças produtivas “técnicas”.

Do ponto de vista do marxismo, trata-se do oposto. Do primado das relações de


produção sobre as forças produtivas. Sobre esse tema, que não temos espaço para
desenvolver no momento, recomendamos a leitura dos livros: Sobre a Reprodução, de
Louis Althusser (Editora Vozes) e Luta de Classes e Desvalorização do Capital, de A. D.
Magaline (Moraes Editores, 1977).

Para finalizar, uma questão empírica. Você diz que não há nada igual à taxa de
crescimento da China, acumulada nos últimos 40 anos. As estatísticas econômicas
mostram um cenário diferente. Alguns países, poucos é verdade, tiveram desempenho
econômico similar no seu período de industrialização pesada e migração campo-cidade.
O caso mais próximo nos parece ser o do Japão, do começo dos anos 1950 às vésperas
da crise de 1992. Veja o gráfico abaixo – elaborado a partir dos dados do Maddison
Project Database – e tire suas próprias conclusões.
Evoluçao do PIB Real Per Capita
1000
Japão: 100 = 1950; China: 100 = 1980

900
800
700
600
500
400
300
200
100
1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 41

Japão: Ano 1 = 1950 China: Ano 1 = 1980


Fonte: Maddison Project Database.

Ponto 7
Indicadores “sociais”

O último ponto dos seus comentários nos parece ser os “indicadores sociais”. Nesse
ponto vamos tratar dos seus comentários sobre o aumento da expectativa de vida e
sobre a proteção do trabalho na China. Começando pela longevidade, você diz que em
1949 a expectativa de vida na China era de 55 anos e agora é das maiores do mundo.
Sua tese: “Ao estudar o desenvolvimento da expectativa de vida durante os 70 anos da
República Popular da China, na verdade, o que está sendo estudado é o
desenvolvimento do padrão de vida do povo chinês em relação às tendências de outros
países”.

Veja no gráfico abaixo o crescimento da expectativa de vida no Brasil, praticamente no


mesmo período, passando de 45,5 anos, em 1940 – pior que a chinesa pré-revolução –
e chegando a 76 anos, em 2017. Aplicando a sua tese (acima, em negrito) o que você
concluiria sobre o padrão de vida do povo brasileiro? E sobre o nosso sistema
econômico?
Gráfico feito pelo Estadão a partir da Tábua de mortalidade de 2017 (IBGE)

Passemos agora à proteção trabalhista na China. Você afirma que a “China possui a
maior proteção trabalhista do mundo”, a partir de base de dados da OCDE. Vamos então
analisar a fundo os dados que você mesmo cita.

Uma primeira crítica – reconhecemos que ainda temos que estudá-los mais a fundo –
é que esses indicadores são baseados apenas na legislação, e, portanto, não
necessariamente refletem a realidade concreta do mercado de trabalho em cada país
(sabemos que é difícil ter um indicador quantitativo para isso). Veja sua definição: “Os
indicadores da OCDE de legislação de proteção ao emprego medem os procedimentos e
os custos envolvidos na demissão de trabalhadores individuais ou grupos de
trabalhadores e os procedimentos envolvidos na contratação de trabalhadores em
contratos de prazo fixo ou de trabalho temporário”

Mas mesmo assim – mesmo esse indicador sendo imperfeito em relação à análise das
condições do mercado de trabalho – acho que você não olhou seus componentes com
o cuidado devido. O primeiro componente desse indicador é o grau de proteção a
trabalhadores permanentes contra demissões individuais ou coletivas. O país com maior
proteção legal é a Venezuela. A China está em segundo. Isolando o indicador apenas
para demissão individual, o primeiro lugar passa à Indonésia, com a China em quarto.

E as melhores classificações da China param por aí. No terceiro indicador da OCDE –


requerimentos específicos para demissão coletiva – a China fica no 42º lugar dos 57
países para os quais a OCDE coletou dados. No último indicador, que trata da regulação
das formas temporárias de emprego, a China repete a 42ª colocação dentre 67 países.
Serviço: a tabela que citamos está em http://www.oecd.org/employment/emp/EPL-
data.xlsx.

Ponto 8
“Estado permaneceu sob o poder da classe trabalhadora chinesa e seu Partido
Comunista”

Nesse ponto, companheiro André Alvarenga, achamos que sua análise é apenas um
silogismo da lógica formal. Esse silogismo seria assim:

¾ Proposição maior (apriorística): todo partido comunista é o mais fiel


representante da classe operária.
¾ Proposição menor: o PCCh está no poder na China.
¾ Conclusão (formal): a classe operária está no poder na China.

Lembremos a opinião de Francisco Martins Rodrigues sobre a classe no poder na China


em texto que republicamos: “A verdade é que eles não querem saber
desse pormenor da ditadura do proletariado inexistente. Não há sinais de poder das
massas e há muitos sinais de poder dos capitalistas na China? O partido comunista
está penetrado pelo espírito do negócio e do lucro? A propaganda sobre a “harmonia
social” não consegue disfarçar as contradições de classe que crescem
exponencialmente? Não faz mal. Pois não é o próprio PCC que reconhece estar ainda na
“primeira fase do socialismo”? Logo, está tudo justificado”.

Ou seja, o que tem que ser analisado, em termos marxistas, é qual(is) classe(s) está(ão)
no poder na China ou, especificamente para a tese do André, por quais mecanismos se
poderia considerar que as classes trabalhadores estariam no poder na China.

O primeiro – e fundamental – desses mecanismos seria: a classe operária tem qualquer


poder de decisão na gestão das empresas estatais ou nas empresas privadas ou nas
empresas de capital estrangeiro? Como a resposta é não, qual a mudança que o
“socialismo com peculiaridades chinesas” trouxe para a vida desses operários em
relação aos demais países capitalistas?

Talvez você ache isso um detalhe, André. Você está olhando para o poder político, para
os postos do Estado. Quanto a isso, queremos chamar a atenção, novamente, para a
citação de Mao ao final do artigo: “Os representantes da burguesia que se infiltraram no
partido, no governo, no exército e nos sectores culturais são um bando de revisionistas
contra-revolucionários. Se lhes dermos ocasião, transformarão a ditadura do
proletariado em ditadura da burguesia”.

Conclusão

Com essa longa exposição, ponto a ponto, teórica e empírica, do confronto de ideias
entre nós do Coletivo Comunista Cem Flores e o companheiro André Alvarenga,
esperamos contribuir para a discussão de todos os camaradas e leitores sobre esse
importante tema da China, por ocasião dos 70 anos da Revolução Chinesa e dos 41 anos
do início do seu processo de restauração comunista. Esse tema nos parece
imprescindível para a análise marxista atual do sistema mundial do imperialismo, sua
dinâmica e sua crise, do estado da luta de classes no mundo, da retomada do
socialismo e do comunismo, e para a correta compreensão da conjuntura brasileira
em sua inserção subordinada na economia mundial, no imperialismo.

Também achamos necessário esse debate para demarcar melhor os campos entre o
reformismo burguês e o marxismo revolucionário. Nesse debate sobre a restauração
capitalista na China estão envolvidos diversos princípios marxistas-leninistas
fundamentais, tais como o primado da luta de classes, o primado das relações de
produção, a necessidade da ditadura do proletariado durante a construção do
socialismo, a necessidade de combater sem tréguas o reformismo e o revisionismo,
quaisquer que sejam suas formas de manifestação, etc.

Nesse nosso estudo coletivo da questão chinesa – que ainda consideramos longe de
estar terminado – buscamos basear-nos na análise concreta da realidade concreta,
procurando ao máximo evidências empíricas para fundamentar nossa análise teórica,
que segue adotando o ponto de vista da classe operária e da luta de classes, na sua
tarefa inarredável de combater e derrotar o capitalismo e construir o socialismo.

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