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Cem Flores
11.10.2019
Queremos agradecer ao André Alvarenga pela leitura do nosso texto, por seus
comentários e pela exposição de sua posição, em tudo antagônica à nossa. E,
principalmente, pela oportunidade para, a partir do choque entre escolas diferentes,
desenvolvermos mais a nossa análise sobre um tema tão importante para a luta de
classes quanto esse enigma chinês, incluindo pontos sobre os quais não havíamos nos
manifestado anteriormente.
No texto a seguir, buscamos identificar os principais pontos do André, expor suas teses
e criticá-las de forma franca, aberta e radical, com os fatos existentes e nossa análise
teórica e política marxista-leninista.
Sobre esse ponto, o André não apresenta nenhum fato, apenas essa afirmação
categórica. Em contraposição a ela, vamos mostrar as evidências que dispomos sobre o
crescimento acelerado do papel da propriedade privada na China, em paralelo ao
fortalecimento da burguesia chinesa, já reconhecendo, no entanto, o caráter limitado
dessas evidências e a necessidade de reforçar nosso embasamento empírico.
Mas antes, façamos um desvio teórico e político para mostrar como os modernos
revisionistas (na verdade, “restauracionistas”) chineses tratam a questão da
propriedade privada, do mercado e da concorrência, e a importância e a posição
fundamental que atribuem a eles no âmbito das suas reformas econômicas para a
restauração capitalista na China. Para isso, vamos nos basear no discurso do então
secretário do Partido Comunista da China (PCCh), Jiang Zemin, no XIV Congresso
Nacional do PCCh, em 1992, publicado pela revista Política Externa, volume 1, nº 4,
março-abril-maio de 1993, pg. 146-181.
Após 14 anos de aplicação dessa linha, em 1992 Zemin já podia abrir um pouco a guarda
sobre o real significado de que “não importa a cor do gato, desde que ele cace o rato”:
para ele, não devemos ficar presos na “polêmica abstrata sobre se esta ou aquela coisa
deve denominar-se socialista ou capitalista”, pois para Deng “tanto o planejamento
quanto o mercado não passam de mecanismos econômicos” (p. 159). Eis o auge da
fetichização sobre o crescimento econômico: o que importa é o crescimento, não
importa como, nem às custas de quem, nem qual classe é explorada...
Diante dessa avaliação dos primeiros 14 anos das políticas de restauração capitalista
na China, e conhecendo o que aconteceu nos demais 27 até hoje, como colocar em
dúvida o fortalecimento da propriedade privada (e da burguesia chinesa) e o
enfraquecimento da propriedade estatal, como faz o companheiro André Alvarenga?
Quais as estatísticas que temos disponíveis para negar a tese do André? Em primeiro
lugar, o nível dos investimentos realizados pelos setores público e privado na China.
Tiramos esses números de um artigo do Michael Roberts, de outubro de 2017, que, por
sua vez, os obteve de um estudo do FMI. De acordo com Roberts, “houve uma expansão
significativa de empresas privadas, estrangeiras e domésticas, nos últimos 30 anos, com
o estabelecimento de um mercado de ações e outras instituições financeiras”. Assim, “os
dados do FMI mostram que, embora os ativos do setor público na China ainda tenham
quase o dobro do tamanho dos ativos do setor capitalista, a diferença está diminuindo”.
China: razão do estoque de investimentos dos setores público e privado em relação ao PIB.
Público (colunas verdes) e privado (colunas vermelhas).
Notem que a informação do gráfico acima vai apenas até 2011. O que terá acontecido
de lá para cá, nesses últimos 8 anos? Evidentemente, a continuação da trajetória de
fortalecimento do setor capitalista, nas palavras de Michael Roberts, e o
enfraquecimento relativo do setor estatal.
A evidência mais recente para essa tendência está no gráfico abaixo, da revista britânica
The Economist, que mostra a participação das empresas estatais nos ativos, lucros e
emprego na China. Não apenas a tendência desde os anos 2000 é de queda, como a
participação das estatais em qualquer das três medidas já está abaixo de 50%.
Parcela das empresas estatais (%). Ativos (assets), lucros (profits) e emprego (employment)
Até aqui, apresentamos a política do PCCh de fortalecer o mercado privado e a
propriedade privada – portanto a burguesia e o capitalismo – e dois indicadores
quantitativos do sucesso dessa política. Mas, e quanto às empresas estatais, sempre
ressaltadas pelo André e por outros companheiros como símbolos do socialismo?
Por que razão as empresas estatais não deveriam ter sua gestão definida pelo governo?
Zemin responde: “Todas as empresas, estatais, coletivas e outras, entrarão no
mercado” (p. 160), para isso foi preciso “modificar os mecanismos de funcionamento
das empresas estatais, especialmente as grandes e médias, impeli-las para o mercado”
(p. 161), buscando a “harmonização das relações entre o direito de propriedade e o de
gestão, a separação entre as funções governamentais e as empresariais e a
concretização dos direitos de autonomia das empresas” (p. 161) para fazer com que
elas sejam “protagonistas da competição no mercado, operem de forma independente,
responsabilizem-se por seus lucros e perdas, desenvolvam-se com seus recursos
próprios e se controlem por si mesmas” (p. 161).
E com isso, foi aberta a avenida para a “burguesia vermelha”, composta pelos dirigentes
do PCCh e seus indicados, que passaram a dirigir as empresas estatais como suas
empresas, objetivando o cumprimento das metas, mas, principalmente, a expropriação
de lucros crescentes dos trabalhadores – “aproveitando ... as experiências de gestão
empresarial do estrangeiro” (p. 151). Ou seja, o papel das empresas estatais e dos seus
“capitalistas” está vinculado à obtenção de resultados nas próprias empresas – fonte do
“sucesso” de seus dirigentes e condição para sua carreira na burocracia partidária. Como
disse Mao, na frase com que fechamos o nosso texto anterior (frase também citada por
FMR): “representantes da burguesia que se infiltraram no Partido Comunista”.
Ponto 2
“Quanto poder ou influência política ganhou o capital estrangeiro na China, desde a
sua abertura? Nenhum”
Caro André Alvarenga, achamos que, nesse aspecto, sua análise se prende ao fato do
PCCh ser o partido governante na China. Ou seja, sua avaliação fica restrita, por um lado,
ao que Marx chamaria de “aparência” e, precisamente por causa disso, por outro lado,
não avalia os impactos concretos do capital estrangeiro na definição da linha política do
PCCh, na concepção das políticas econômicas do país, na redefinição da estrutura
industrial, na formação da ideologia dominante, etc.
Você realmente acha, André, que os US$1,6 trilhão investidos pelo capital estrangeiro
na China (apenas na forma de investimentos diretos e sem contar outros US$2 trilhões
investidos em Hong Kong) não representam nenhuma influência política naquele país?
Os fatos são contrários à sua tese. O capital estrangeiro – assim como o capital privado
em geral – tem uma influência crescente na China, tanto na definição do seu rumo
econômico, quanto na definição de suas políticas.
O capital estrangeiro (como qualquer capital) tem todo o interesse de não se indispor
com aqueles que os beneficiam, ampliando sua atuação e seus lucros. Por falar em
lucros, de acordo com as estatísticas oficiais da State Administration of Foreign Exchange
(SAFE), no ano de 2018 esses lucros foram de US$276 bilhões, mesmo tendo diminuído
5% em relação ao ano anterior. Dividindo pelo total do investimento, temos uma
lucratividade anual de aproximadamente 18,5%.
Isso não é alterado pelo fato da China estar com o crescimento, nesta década, cada vez
mais voltado ao mercado interno, com redução do seu superávit em transações
correntes de 9,9% do PIB, em 2007, para 0,4%, em 2018, de acordo com dados do FMI.
Mais da metade da produção do capital estrangeiro investido no país se destina ao
mercado interno.
Mas pelo menos em um aspecto achamos que você concorda conosco: Apple (capital
estrangeiro em geral) é Apple em qualquer lugar, ou seja, explora seus trabalhadores na
produção fabril esteja na China ou no Brasil, certo?
Ponto 3
Capital externo “é regrado por leis e contratos socialistas que o obriga a se tornar
estatal após 20 anos, ficando a China inclusive com direito de uso intelectual das
invenções”
Vamos dar um exemplo bem simples do caso contrário: o da Coca-Cola. Ela estabeleceu
a primeira fábrica na China em 1984, cinco anos após (re)começar a ser vendida por lá.
Em 2014, portanto, celebrou 35 anos na China. Não deveria, pela sua lógica, ter sido
nacionalizada? E os chineses não deviam agora ser os donos do seu segredo industrial?
Achamos que você caiu no conto do vigário...
Ponto 4
“E não se trata de qualquer capital... É um capital produtivo, que gera emprego, renda,
sem especulação”
Logo antes de fazer os elogios ao capital estrangeiro que se investe na China (acima, em
negrito), mas também ligado à sua admiração pelo capital, o André afirma que “o que
existe na China é uma economia socialista com concessões ao capital externo”. Sem que
precisemos dedicar muito esforço a esse hibridismo teórico, basta-nos afirmar que esse
paradoxo é, na verdade, uma contradição entre sistemas opostos (por mais que os
modernos revisionistas chineses digam que não), entre classes opostas, ou seja, uma
contradição antagônica, inconciliável, que se resolve pela vitória de um dos seus polos.
E isso já aconteceu na China, com o predomínio das relações de produção e de
exploração capitalistas.
Tratando agora da sua frase específica, aos comunistas parece estarrecedor que você
não apenas defenda o capitalismo na China, talvez de boa-fé iludido pelas aparências
do poder do PCCh, mas, e principalmente, defenda o próprio capital que explora os
trabalhadores chineses. As categorias que você usa na sua frase – o capital produtivo
como gerador, doador, de emprego (diante disso os trabalhadores deveriam fazer o que,
agradecer ao capitalista?) – são próprias da economia burguesa, dos que Marx chamou
de “espadachins mercenários a serviço do capital”.
Para continuar com o Marx, caso você não tenha percebido, é exatamente desse “capital
produtivo”, ou “capital em função”, de que Marx fala no Volume 1 de O Capital; em
Trabalho Assalariado e Capital; em Salário, Preço e Lucro. Foi contra esse capital que
Marx escreveu sua obra. Foi exatamente contra esse capital que explora os
trabalhadores que surgiram o movimento socialista e comunista mundiais. Que, agora,
alguns “socialistas” o defendam diz mais sobre eles mesmos que sobre os capitalistas.
Enquanto você louva o capital que gera emprego, Marx vê uma “luta incessante entre
o capital e o trabalho; o capitalista, tentando constantemente reduzir os salários ao seu
mínimo físico e a prolongar a jornada de trabalho ao seu máximo físico, enquanto o
operário exerce constantemente uma pressão no sentido contrário. A questão se reduz
ao problema da relação de forças dos combatentes”. Essas citações marxistas sobre o
conflito capital/trabalho poderiam se multiplicar infinitamente, mas acho que você já
entendeu a posição dos comunistas e a diferença em relação à sua.
Comecemos com Jiang Zemin, em seu discurso de 1992. O que diz ele sobre esses
capitais? “é preciso acelerar o fomento do sistema de mercado. Devemos ... fomentar
ativamente o mercado financeiro, que abrange bônus de dívida, ações e outros títulos
de valor” (p. 162).
Todos esses são exatamente os instrumentos que Marx qualifica como capitais fictícios,
muito especialmente a dívida pública e as ações nas bolsas de valores. Vamos a eles,
começando pela dívida pública. A dívida pública chinesa era muito baixa na virada do
século, pouco mais de 20% do PIB. Nesses 20 anos, no entanto, ela mais que dobrou em
relação ao PIB, atingindo 50,5% do PIB em 2018, com crescimento mais elevado
principalmente nos últimos cinco anos. Observem o que isso quer dizer: nos 20 anos de
1999 a 2018, o PIB chinês teve crescimento real médio anual de 9%. Se a dívida pública
cresceu mais do que o dobro do PIB no mesmo período, seu crescimento médio real
anual esteve próximo de 20% por ano!
50
Em 20 anos, a dívida pública chinesa mais que dobrou
45 (+133%).
Só depois da crise passou de 27% do PIB (2008) para
% do PIB
40
50,5% do PIB (2018).
35
30
25
20
1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017
Qual seria a razão de tão estupendo crescimento da dívida pública? É simples: depois da
crise global de 2008 e até agora, a China tem promovido uma sucessão de programas
governamentais que juntos configuram o maior programa de estímulo fiscal do mundo
(como proporção do PIB).
E por que isso tem se mostrado necessário para o governo chinês? Para buscar contra-
restar a tendência de desaceleração do crescimento econômico, que tem se mostrado
inexorável. Essa desaceleração é fruto das contradições que a acumulação de capital
tem gerado na China, cujos principais aspectos estão relacionados à tendência de
queda da taxa de lucro, ao sobre-investimento em setores econômicos-chave, às crises
latentes nos setores imobiliário e bancário (em especial o chamado shadow banking).
Ainda sobre a especulação que “não há” na China, sobre o “inexistente” capital fictício
chinês, apresentemos a um incrédulo André a bolsa de valores de Xangai, que resume
o comportamento de suas congêneres chinesas. De acordo com o gráfico abaixo, essa
bolsa é uma das mais voláteis (especulativas) do mundo, sendo capaz de subir 223% em
um ano (até outubro de 2007) e cair 66% no ano seguinte, ou subir 134% em um ano
(até junho de 2015) e cair 39% no ano seguinte.
Mesmo com esses números astronômicos, a geração de capital fictício na China ainda
está muito defasada em relação ao tamanho da economia chinesa, se comparada com
os demais países imperialistas. No entanto, os modernos revisionistas chineses e seus
capitalistas, chineses e estrangeiros, estão fazendo todos os esforços para recuperar
esse atraso.
Ponto 5
“Desde a abertura da economia chinesa, o Mundo capitalista viveu 12 crises e 2
depressões econômicas. A China cresceu ao longo de todo esse período de maneira
ininterrupta, sem nunca registrar um único período de recessão”
Comecemos pelo final da frase do André: desde a década de 1980, a China não
enfrentou uma recessão. Como o André utiliza as categorias burguesas para a análise da
China, de sua economia, de sua conjuntura e do seu sistema político, ele tem razão.
Afinal, uma recessão é definida pelo senso comum burguês como dois trimestres
seguidos de variação negativa do PIB.
Essa seria sua prova “científica” de que a China é socialista. Mas qual a razão teórica ou
empírica que impede, como uma “lei” da natureza ou da sociedade, que existam crises
econômicas em um país socialista? Essa é mais uma visão idealizada e ideológica
(ideologia reformista e nacionalista) da realidade, que não convém a quem se pretende
capaz de realizar uma análise científica.
Ser científico na análise da evolução de uma formação econômico social significa partir
da teoria marxista-leninista e analisar a realidade daquele país a partir das
informações disponíveis. Para começo de conversa, em termos teóricos, não existe
processo sem contradições, nem crescimento sem interrupções. Pense, por exemplo, na
agricultura que, por muito tempo nesses mais de 40 anos foi a base da economia
chinesa. Por que razão um país socialista não teria crises agrícolas baseadas em secas
ou enchentes ou quebras de safra?
Nos 40 anos desde o início das reformas capitalistas na China houve uma série de crises
setoriais, regionais, globais com impacto no país, que, no entanto, não foram
suficientes para tornar negativa a taxa nacional em um dado ano. Vejamos como essas
crises se refletem nas taxas de crescimento da China, a partir do gráfico abaixo – que
está longe de expressar uma tendência linear.
Na crise dos finais dos anos 1980 (fim da URSS, protestos na Praça da Paz Celestial), a
taxa de crescimento passou de 11,3%, em 1988, para 4,2%, em 1989, e 3,9%, em 1990.
A redução em dois terços do crescimento em dois anos é uma crise por qualquer
métrica, que não seja o critério rudimentar de dois trimestres “negativos”.
13,5
11,5
%
9,5
7,5
5,5 6,6
3,5
1992
2008
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2010
2012
2014
2016
2018
Ponto 6
“o caminho socialista de desenvolvimento da China alcançou resultados superiores a
qualquer alternativa capitalista”, “fez a economia da China crescer 90 vezes até se
tornar, no início do século XXI, a segunda maior economia do Mundo”
Tudo isso até aqui, André Alvarenga, parece ser só uma “introdução” ao seu
pensamento. O seu ponto central é o “fetiche” do crescimento econômico. Tendo
crescimento, e acelerado, tudo está resolvido. Louvando o crescimento, esqueça-se seu
caráter de classe, o sistema e as relações de produção que o geraram, as condições
concretas de trabalho da classe despossuída dos meios de produção, sua exploração
pelo capital, etc.
O que nos parece estar por trás de seu argumento é um suposto caráter neutro do
crescimento econômico e do desenvolvimento das forças produtivas. Ou seja, que
ambos são guiados por especificações eminentemente técnicas e universalmente
válidas, de tal forma que não há considerações a fazer a respeito das relações de
produção dominantes, do papel das classes, de sua luta, e da produção enquanto local
por excelência da luta de classes, em que se confrontam proprietários e despossuídos.
Não por coincidência, essa é a posição dos modernos revisionistas chineses: economia
de mercado e planejamento não são socialistas nem capitalistas, não passam de
mecanismos econômicos (Zemin, p. 159). Do ponto de vista do crescimento, portanto,
capitalismo e socialismo seriam iguais, meras palavras sob as quais se desenvolviam as
forças produtivas “técnicas”.
Para finalizar, uma questão empírica. Você diz que não há nada igual à taxa de
crescimento da China, acumulada nos últimos 40 anos. As estatísticas econômicas
mostram um cenário diferente. Alguns países, poucos é verdade, tiveram desempenho
econômico similar no seu período de industrialização pesada e migração campo-cidade.
O caso mais próximo nos parece ser o do Japão, do começo dos anos 1950 às vésperas
da crise de 1992. Veja o gráfico abaixo – elaborado a partir dos dados do Maddison
Project Database – e tire suas próprias conclusões.
Evoluçao do PIB Real Per Capita
1000
Japão: 100 = 1950; China: 100 = 1980
900
800
700
600
500
400
300
200
100
1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 41
Ponto 7
Indicadores “sociais”
O último ponto dos seus comentários nos parece ser os “indicadores sociais”. Nesse
ponto vamos tratar dos seus comentários sobre o aumento da expectativa de vida e
sobre a proteção do trabalho na China. Começando pela longevidade, você diz que em
1949 a expectativa de vida na China era de 55 anos e agora é das maiores do mundo.
Sua tese: “Ao estudar o desenvolvimento da expectativa de vida durante os 70 anos da
República Popular da China, na verdade, o que está sendo estudado é o
desenvolvimento do padrão de vida do povo chinês em relação às tendências de outros
países”.
Passemos agora à proteção trabalhista na China. Você afirma que a “China possui a
maior proteção trabalhista do mundo”, a partir de base de dados da OCDE. Vamos então
analisar a fundo os dados que você mesmo cita.
Uma primeira crítica – reconhecemos que ainda temos que estudá-los mais a fundo –
é que esses indicadores são baseados apenas na legislação, e, portanto, não
necessariamente refletem a realidade concreta do mercado de trabalho em cada país
(sabemos que é difícil ter um indicador quantitativo para isso). Veja sua definição: “Os
indicadores da OCDE de legislação de proteção ao emprego medem os procedimentos e
os custos envolvidos na demissão de trabalhadores individuais ou grupos de
trabalhadores e os procedimentos envolvidos na contratação de trabalhadores em
contratos de prazo fixo ou de trabalho temporário”
Mas mesmo assim – mesmo esse indicador sendo imperfeito em relação à análise das
condições do mercado de trabalho – acho que você não olhou seus componentes com
o cuidado devido. O primeiro componente desse indicador é o grau de proteção a
trabalhadores permanentes contra demissões individuais ou coletivas. O país com maior
proteção legal é a Venezuela. A China está em segundo. Isolando o indicador apenas
para demissão individual, o primeiro lugar passa à Indonésia, com a China em quarto.
Ponto 8
“Estado permaneceu sob o poder da classe trabalhadora chinesa e seu Partido
Comunista”
Nesse ponto, companheiro André Alvarenga, achamos que sua análise é apenas um
silogismo da lógica formal. Esse silogismo seria assim:
Ou seja, o que tem que ser analisado, em termos marxistas, é qual(is) classe(s) está(ão)
no poder na China ou, especificamente para a tese do André, por quais mecanismos se
poderia considerar que as classes trabalhadores estariam no poder na China.
Talvez você ache isso um detalhe, André. Você está olhando para o poder político, para
os postos do Estado. Quanto a isso, queremos chamar a atenção, novamente, para a
citação de Mao ao final do artigo: “Os representantes da burguesia que se infiltraram no
partido, no governo, no exército e nos sectores culturais são um bando de revisionistas
contra-revolucionários. Se lhes dermos ocasião, transformarão a ditadura do
proletariado em ditadura da burguesia”.
Conclusão
Com essa longa exposição, ponto a ponto, teórica e empírica, do confronto de ideias
entre nós do Coletivo Comunista Cem Flores e o companheiro André Alvarenga,
esperamos contribuir para a discussão de todos os camaradas e leitores sobre esse
importante tema da China, por ocasião dos 70 anos da Revolução Chinesa e dos 41 anos
do início do seu processo de restauração comunista. Esse tema nos parece
imprescindível para a análise marxista atual do sistema mundial do imperialismo, sua
dinâmica e sua crise, do estado da luta de classes no mundo, da retomada do
socialismo e do comunismo, e para a correta compreensão da conjuntura brasileira
em sua inserção subordinada na economia mundial, no imperialismo.
Também achamos necessário esse debate para demarcar melhor os campos entre o
reformismo burguês e o marxismo revolucionário. Nesse debate sobre a restauração
capitalista na China estão envolvidos diversos princípios marxistas-leninistas
fundamentais, tais como o primado da luta de classes, o primado das relações de
produção, a necessidade da ditadura do proletariado durante a construção do
socialismo, a necessidade de combater sem tréguas o reformismo e o revisionismo,
quaisquer que sejam suas formas de manifestação, etc.
Nesse nosso estudo coletivo da questão chinesa – que ainda consideramos longe de
estar terminado – buscamos basear-nos na análise concreta da realidade concreta,
procurando ao máximo evidências empíricas para fundamentar nossa análise teórica,
que segue adotando o ponto de vista da classe operária e da luta de classes, na sua
tarefa inarredável de combater e derrotar o capitalismo e construir o socialismo.