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PROSTITUIÇÃO FEMININA: A PROFISSÃO MAIS ANTIGA DO MUNDO

OU RESULTADO DE UMA SOCIEDADE PATRIARCAL?

Diana Maria da Silva Sousa1


Centro de Referência em Assistência Social – CRAS - Bom jardim – PE – dianasousapsi25@gmail.com

RESUMO: O objetivo deste estudo foi resgatar uma visão crítica, afirmando que não há liberdade e
igualdade para as mulheres enquanto se estiver presas a polaridade imposta, assim como, evidenciar uma
sociedade pautada no patriarcado como estruturante das relações de poder, e consequentemente da
prostituição feminina. Para isso utilizou-se de uma pesquisa bibliográfica a partir de uma análise do que já
foi produzido sobre este tema em livros e artigos. Foi verificado que a sexualidade assim como a prostituição
são construções históricas modificadas e adaptadas a cada época e que combinam aspectos da família,
relações econômicas e de poder. Assim sendo, pôde-se constatar que o controle sobre o corpo das mulheres é
estruturado a partir da sexualidade e inteiramente vinculado a necessidade constante de adequação ao modelo
de família centrada no poder masculino, assim como, o tipo de trabalho que pode ser desempenhado por
mulheres. Onde a prostituição, num contexto histórico, já desempenhou diversas funções, como por
exemplo, manter a virgindade das moças de família, ao satisfazer os desejos dos homens. Ficando nítido três
elementos cruciais para a naturalização da prostituição como “a profissão mais antiga do mundo”: aceitação
da banalização da sexualidade pelo capitalismo patriarcal; tratar a prostituição como resultado de um
comportamento individual; a hipocrisia frente ao caráter androcêntrico da sexualidade. Sugere-se estudos e
projetos que forneçam uma melhor garantia de autonomia e políticas públicas para as mulheres,
principalmente as que se encontram na prostituição, para que seus corpos não sejam legalizados como
mercadorias à venda.

Palavras-chave: Prostituição; Sexualidade; Capitalismo; Patriarcal; Regulamentação.

A questão da prostituição não pode se presas a polaridade imposta culturalmente –


resumir ao grupo de mulheres envolvidas na santa/puta, assim como, evidenciar uma
indústria do sexo, mas é relevante para o sociedade pautada no patriarcado como
conjunto das mulheres, por se tratar de um estruturante das relações de poder, e
fenômeno que legitima e reproduz um modelo consequentemente da prostituição feminina,
de sexualidade que é patriarcal. Modelo de como resultado do controle do corpo
sexualidade masculina que transforma feminino, de sua autonomia e sexualidade.
homens em demandantes de sexo, e a Para isso utilizou-se de uma pesquisa
prostituição aparece como uma forma de bibliográfica a partir de uma análise do que já
garantir seu acesso aos corpos das mulheres. foi produzido sobre este tema em livros e
O objetivo deste estudo foi resgatar artigos. Permitindo-nos verificar que a
uma visão crítica, que nos permitiu afirmar sexualidade assim como a prostituição são
que não há liberdade e igualdade para as construções históricas modificadas e
mulheres enquanto as mesmas estiverem adaptadas a cada época e que combinam

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aspectos da família, relações econômicas e de omitidas, e que a prostituição seja considerada
poder. Assim sendo, pôde-se constatar que o uma boa opção para muitas mulheres em
controle sobre o corpo das mulheres é diferentes épocas.
estruturado a partir da sexualidade e Nesse contexto a concepção moralista,
inteiramente vinculado a necessidade nos leva a compreender a prostituição como
constante de adequação ao modelo de família algo individual ligada a estereótipos que são
centrada no poder masculino, assim como, o reproduzidos por grande parcela da
tipo de trabalho que pode ser desempenhado população, onde são as prostitutas as culpadas
por mulheres. Onde a prostituição, num pela existência da prostituição. Porém, a
contexto histórico, já desempenhou diversas prostituição é uma construção histórica,
funções, como por exemplo, manter a modificada e adaptada a cada época, mas que
virgindade das “moças de família”, ao desde o início combina aspectos da
satisfazer os desejos dos homens. Ficando sexualidade, da família, das relações
nítido três elementos cruciais para a econômicas e de poder em cada contexto.
naturalização da prostituição como “a Onde é muito forte a presença da misoginia,
profissão mais antiga do mundo”: aceitação funcionando para que a própria família
da banalização da sexualidade pelo participe na venda de suas filhas, onde os pais
capitalismo patriarcal; tratar a prostituição expulsam as filhas de casa por terem perdido
como resultado de um comportamento a virgindade ou arrumam relações pautadas no
individual; e a hipocrisia frente ao caráter interesse econômico.
androcêntrico da sexualidade. Ao citar o contexto, não podemos
deixar de lado o papel do cristianismo e sua
“A Prostituição é uma construção influência na constituição das relações sociais
histórica” e dos valores que as orientam, assim como as
mudanças trazidas pelo capitalismo para o
Quem nunca escutou a seguinte modelo de constituição familiar, no que se
afirmação: “a prostituição é a profissão mais refere a construção de patrimônio e herança,
antiga do mundo!?”. Esta afirmação acaba mercantilização, urbanização, concentração
sendo usada para naturalizar a prostituição, ou da propriedade privada, resultando em
seja, como algo que sempre existiu e desta acumulação de uma lado e pobreza do outro.
forma também, nunca deixará de existir. Isso O capitalismo, passa a incorporar o
faz com que a exploração e opressão sejam patriarcado como estruturante das relações

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sociais, dividindo o trabalho entre público e controle que a prostituição é inserida havendo
privado, onde o público refere-se a produção e uma ideologia que legitima esta prática.
o privado a reprodução. Esta visão acaba Ao analisarmos a história brasileira,
reduzindo o conceito de trabalho a atividade compreendemos que além da estruturação
que tem valor monetário, ocultando o trabalho familiar com base no patriarcado, é
doméstico e de cuidados. fortemente perceptível nas relações sociais,
Essa diferenciação acaba por não as raízes do colonialismo, marcadas por forte
evidenciar a dependência masculina, assim racismo, escravidão e extermínio dos negros e
como da sociedade capitalista, do trabalho indígenas, onde estas mulheres foram
invisível exercido pelas mulheres. Onde o brutalmente violadas pelo estupro. Estes
masculino é representado pela virilidade, elementos marcam a imagem da mulher
força e independência, e o feminino brasileira, representadas na mídia como
representado como frágil, dependente e símbolos de sensualidade e erotismo, tanto no
vinculado a maternidade. Esta definição de Brasil, como fora dele.
masculino e feminino foi definida e O controle sobre o corpo das mulheres
constituída por homens, levando-nos a é estruturado a partir da sexualidade e
entender como uma forma de autolimitação inteiramente vinculado a necessidade
das mulheres. E assim, as mulheres precisão constante de adequação ao modelo de família
se adequar aos interesses e ideais masculinos, centrada no poder masculino, assim como, o
tornando-se objetos e presas. Esses ideais são tipo de trabalho que pode ser desempenhado
naturalizados e as relações de desigualdade pelas mulheres. Esta sexualidade é construída
entre homens e mulheres são encaradas como a partir de uma dupla moral, onde as mulheres
diferenças que se complementam. deveriam permanecer virgens até o
Na consolidação do capitalismo casamento, onde deveriam ser fieis aos seus
patriarcal a família transforma-se e a maridos, e por outro lado os homens eram
heterossexualidade para a ser imposta como incentivados a múltiplas experiências sexuais.
norma obrigatória. Sendo assim, o patriarcado E é nesta perspectiva que a prostituição entra
seria o modelo ideal de família, baseada no em cena como aquilo que funcionaria para
homem como provedor e controlador, tanto preservar a virgindade das jovens de família e
no âmbito individual como no coletivo, sobre: ao mesmo tempo garantir a satisfação
o trabalho, o corpo e a sexualidade das masculina.
mulheres. E é exatamente nesses três tipos de

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Ao longo da história, podemos Atualmente, a sexualidade é
evidenciar várias “funções” cumpridas pela apresentada como objeto ou mercadoria,
prostituição, desde a manutenção do modelo evidenciando um modelo de como a mesma
de sexualidade, família até aos papéis deve ser vivenciada, onde as mulheres são
ideológicos. Esta serve também para julgar e vistas como disponíveis, e assim pertencentes
controlar as mulheres a partir da manifestação aos homens, tendo que alterarem seu
de sua sexualidade como “santas ou putas - comportamento a partir das exigências
não somente as que são prostitutas, mas masculinas. Com isso, a entrada na
também as que não seguem as normas prostituição é marcada pelas relações de poder
estabelecidas pela sociedade patriarcal”, ou patriarcais, muitas vezes feita na
seja, honradas ou não, e a partir disso, dividir adolescência, através de alguém que atua
as mulheres e estabelecer estigmas e como agente.
punições. Sendo assim, a sexualidade é uma A regulamentação da prostituição
construção social, que é estimulada como profissão, acaba por simplificar as
diferentemente para meninos e meninas, questões que estão envolvidas, principalmente
assim como, sua relação com o corpo. a violência e a vulnerabilidade social,
Resultando em mulheres que realizem encarando esta atividade como a venda de
práticas sexuais que não desejam, afim de não mais um serviço, levando-nos a pseudo ideia
serem rotuladas de inadequadas e até mesmo de que a prostituição é realizada por livre
para manterem o casamento. Com isso vivem escolha com o consentimento das mulheres
na constante de agradar aos homens e onde prostituídas. Assim como, que esta
sua satisfação não aparece. regulamentação as protegeria, livrando-as da
Nesse contexto os perigos enfrentados marginalização e estigma. Tais afirmações
pelas mulheres ocorrem tanto internos tornam-se contraditórias pois, os projetos de
(interiorização que as mulheres fazem da lei focam na legalização do mercado e seus
feminilidade tradicional) quanto externos agentes e não nas condições físicas, sociais e
(violência sexista - agressões, estupros, psicológicas das mulheres envolvidas. Sendo
assédio sexual), resultando assim, num medo ainda levada em consideração apenas quem se
de viver os próprios desejos e limites. Onde “prostitui”, ou seja, a prostituição como um
há uma imposição de uma subjetividade comportamento individual. Deixando de lado
ausente de autonomia e desejos, atrelados ao tantos outros atores envolvidos neste sistema:
ideal de estar para o outro e não para si. clientes, empresários, cafetões, cafetinas e até

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Estados. Neste sistema recai sobre as como profissão. O primeiro é a aceitação da
mulheres o peso da estigmatização, desprezo banalização da sexualidade pelo capitalismo
e confinamento, enquanto que o papel dos patriarcal com o objetivo de estender e
homens permanece em sigilo. ampliar o comercio e o controle dos corpos e
Na busca de retirar o caráter patriarcal da sexualidade das mulheres. O segundo é
da prostituição, utiliza-se o @ (arroba) afim tratar a prostituição como resultado de
de omitir o gênero e a demanda masculina por comportamentos individuais, e não como
prostituição. A crítica a prostituição não parte parte de uma instituição organizada. O
de uma visão moralista. Queremos questionar terceiro é a hipocrisia frente ao caráter
o discurso liberal sobre a prostituição, que androcêntrico da sexualidade, quando se fala
justifica a banalização da sexualidade e a em uma suposta liberdade sexual das
imposição de novos modelos para a mesma mulheres, mas onde as mulheres não têm
subordinação das mulheres. decisão nem caminho próprio, mas são
Os Projetos de Lei que visão a pautadas pelas normas masculinas.
regulamentação da prostituição como Estando os corpos das mulheres
profissão, nos permite compreender que o ofertados como mercadorias, numa lógica
intuito dos mesmos não é a melhora de vida capitalista, evidenciamos a força do
das mulheres em situação de prostituição, na patriarcado, na medida em que os homens são
medida que não prevê nenhuma política reconhecidos como os senhores sexuais das
pública especifica para essa população. Ao mulheres. Já, dentro de uma lógica
invés de promover segurança e cuidado desenvolvimentista, vemos o corpo das
dessas mulheres, garantindo-lhes direitos mulheres como amortecedor dos impactos do
básicos, estes projetos visão suprir a desenvolvimento, da super-exploração do
necessidade da indústria sexual. Sendo assim, trabalho e da destruição do território. Onde
essa regulamentação se sustenta, quando vemos investimentos bilionários e obras
deixa encoberto a realidade e a essência da gigantescas, porém pouco se investe no
prostituição, na maioria das vezes, de combate à exploração sexual, assim como, na
mulheres pobres, expulsas de suas casas, ou garantia de melhores condições de vida para
seja, vítimas e vitimizadas no contexto em as populações que estão em meio a este
que vivem. desenvolvimento.
Ficam nítidos assim, três elementos Por isso, uma reivindicação central no
cruciais para a naturalização da prostituição que se refere as mulheres em situação de

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prostituição, é a garantia de políticas públicas PROSTITUIÇÃO: Uma abordagem
Feminista. Sempre Viva Organização
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graduada em Psicologia Organizacional e do Trabalho,
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Acesso em 19 de abr. de 2016.

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