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O Impacto dos Princípios do Equador na Gestão de Risco de

Bancos no Brasil.

Andreia Marques Postal

Introdução e Revisão Bibliográfica

A gestão de risco é um tema central na condução de qualquer instituição


financeira. Muito já se escreveu, analisou e teorizou sobre o assunto. Mas, foi
somente na década de 90 que começaram a ser incorporado novo tema
relacionado aos riscos decorrentes das questões socioambientais nas análises
de instituições financeiras (IFs).

Por um lado, as pressões sociais, os escândalos corporativos, as catástrofes


climáticas e a disseminação cada vez mais rápida das informações tornam as
IFs alvos preferenciais dos movimentos da sociedade civil organizada que
vêem neste segmento a oportunidade de maior impacto e disseminação de
suas demandas pela posição estratégica que os bancos ocupam na cadeia de
valor de vários segmentos da economia.

Impactos das Instituições Financeiras


Os impactos diretos e indiretos das IFs sobre a sociedade e o
meio ambiente.
Impactos indiretos Impactos diretos Impactos indiretos

Meio ambiente

Sociedade

Economia

Fornecedor A Bens Instituição Serviço Cliente A


& s
financeira
serviç
os
Mercado Fornecedor Mercado Cliente ...
o

Por outro lado, as crises econômicas recentes desdobraram-se em crises


bancárias sérias ou até delas mesmo derivaram. Os escândalos corporativos
como WorldCom, Barings e Enron expuseram a faceta mais negra do mundo
das grandes corporações e a fraqueza dos mecanismos vigentes de controles
internos, regulamentar e de mercado1. Também as legislações ambientais cada
vez mais restritivas tornam instituições financeiras co-responsáveis pelos
impactos negativos que causam ao meio ambiente e à sociedade. E isso tem
impacto no portfófio de ativos dessas IFs. Ou seja, também os motivadores
internos de busca pela valorização dos ativos e preservação das fontes de
lucro estão na origem da incorporação dos critérios de risco socioambientais
nas avaliações de risco dos bancos.

Tudo isso culminou na criação, em 2002 dos Princípios do Equador (PE) –


iniciativa do International Finance Corporation (IFC), braço do Banco
Mundial para fomento de instituições privadas, junto com 10 dos maiores
bancos do mundo - ABN Amro, Barclays, Citigroup, Crédit Lyonnais, Crédit
Suisse, HypoVereinsbank (HVB), Rabobank, Royal Bank of Scotland, WestLB e
Westpac.

Os “Princípios do Equador”, assim chamados em referência à linha imaginária


que divide o globo terrestre em duas partes economicamente desiguais, foram
inspirados nas práticas da IFC e Banco Mundial e compreendem o conjunto de
critérios mínimos ambientais e de responsabilidade social que devem ser
atendidos para a concessão de crédito a projetos de financiamento acima de
US$ 10 milhões (segundo a última revisão dos bancos que assinaram o
protocolo.)

Os critérios abordam o impacto ambiental do projeto sobre flora e fauna, a


exigência de compensações em dinheiro para populações afetadas por um
projeto, a proteção a comunidades indígenas e proibição de financiamento ao
uso de trabalho infantil ou escravo.

Até novembro de 2006 41 instituições financeiras no mundo já aderiram aos


Princípios do Equador, sendo quatro de grupos brasileiros: Unibanco, Itaú ,

1
Daí também a criação do tratado de BASILÉIA II
Banco do Brasil e Bradesco. Segundo o IFC aderir a esses princípios deixou de
ser um custo para se tornar uma vantagem comparativa.

Uma forma resumida de se pensar as influências das questões socioambientais


sobre os tipos de riscos bancário comumente avaliados está a seguir:

A Perspectiva do Gestor de Risco Financeiro 2


Categorias de risco financeiro

Risco de Risco de mercado provém de movimentos no nível ou na volatilidade dos


mercado preços de mercado

Risco de RL de Ativos: A transação não pode ser realizada a preços correntes de


liquidez mercado devido ao tamanho da posição. RL de Funding: Incapacidade de
cumprir obrigações de pagamento
Risco Risco de crédito: Contrapartes envolvidas podem não querer ou ser
de crédito incapazes de cumprir suas obrigações contratuais

Risco legal Risco operacional: Risco de perda resultante de processos ou sistemas


e operacional internos falhos ou inadequados devido a erro humano ou a eventos externos

Risco de Risco de reputação pode ser definido como risco de prejuízo à reputação da
reputação empresa

Riscos: Podem ocorrer prejuízos se ...


... impactos ambientais e sócio-econômicos ...3

2
IFC – International Finance Corporation, Competitive Business Advantage.
Workshop realizado pela FGV em novembro de 2005
3
IFC – International Finance Corporation, Competitive Business Advantage.
Workshop realizado pela FGV em novembro de 2005
Risco ... influenciarem o nível ou a volatilidade dos preços.
de mercado

Risco de ... causarem a obrigação de pagamentos que não possam ser cobertas
liquidez pela instituição financeira.

Risco de ... influenciarem a capacidade da contraparte de cumprir suas obrigações


crédito contratuais
... elevarem as perdas da instituição financeira no caso de default

Risco legal e ... causarem prejuízo aos ativos da instituição financeira, por exemplo, um
operacional desastre natural

Risco de ... forem mal geridos e, portanto, causarem prejuízo à reputação da instituição
reputação financeira

Enfim, seja por pressões externas, seja porque as IFs realmente perceberam o
impacto econômico do tema, o fato é que este assunto vem tomando cada vez
mais importância. Assim, inúmeras iniciativas vêm sendo tomadas por
organismos multilaterais como o IFC, Unep IF (United Nations Environment
Programme) em sua “força tarefa” para o mercado financeiro (LATF – Latin
American Task Force). Essas organizações vêm realizando pesquisas,
treinamentos e capacitações para que instituições financeiras entendam e
incorporem a avaliação de riscos socioambientais em seus processos de
gestão rotineiros.

Mais do que ações de marketing que embalam a onda do “politicamente


correto”, estas iniciativas tem a finalidade de proteger o investimento de
banqueiros e acionistas através da análise da sustentabilidade de longo prazo
da própria instituição e das empresas clientes. E aí, o que está em jogo é o
retorno do capital. Felizmente esta nova visão traz benefícios também para a
sociedade que passa a ter mais um indutor da conduta socialmente responsável
dos empresários.

Além dos PE e Basiléia II, outros fatos têm contribuído para a adoção de
práticas que incorporem a visão socioambiental no setor financeiro. Um
exemplo é o próprio IFC que já vinha sendo um forte indutor deste
comportamento visto que há mais de 5 anos já impõe cláusulas de
compromissos com meio ambiente e responsabilidade social à empresas
beneficiárias de seus créditos.

O Banco Mundial e mesmo o FMI também já adotam um discurso, se não ainda


totalmente engajados, que pelo menos mostra alguma preocupação com o
impacto de suas análises no desenvolvimento sustentável dos países.

Em todo o mundo surgem cada vez mais fundos, mecanismos, produtos


bancários que valorizam a incorporação dos temas socioambientais.

A consideração de critérios ambientais e sócio-econômicos no design de


produtos e serviços financeiros e em transações individuais pode ser
considerada primordialmente como gestão de risco. Porém: há efeitos
positivos para o desenvolvimento sustentável: clientes e projetos são
influenciados pela avaliação, classificação e aconselhamento e recursos são
alocados de maneira mais sustentável

É importante também analisar de que forma esta tendência está sendo


percebida pelo empresariado local e se, e como, conseguem transformar as
relações de distribuição de riqueza (econômica e ambiental) e de justiça social.

A revisão bibliográfica deverá passar obrigatoriamente pela definição mais


precisa de vários aspectos dos Princípios do Equador, do Acordo da Basiléia II
e outros temas que só agora vêm se tornando conhecidos do grande público.
Conceitos como Governança Corporativa, Sustentabilidade, Licença para
Operar e mesmo responsabilidade social empresarial – esta última tantas
vezes confundida com ação social simplesmente4.

4
Segundo o Instituto Ethos "Responsabilidade social empresarial é a forma de gestão que se define pela
relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo
estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade,
preservando recursos ambientais e culturais para gerações futuras, respeitando a diversidade e
promovendo a redução das desigualdades sociais.“
Ação Social : é o recurso direcionado pelas organizações privadas para desenvolver ou apoiar projetos
públicos de caráter social que contam com maior ou menor envolvimento do doador. Há uma
preocupação em estabelecer parcerias com organizações do terceiro setor (ONGs), poder público e
comunidade.
A bibliografia específica da relação entre gestão de risco e sustentabilidade é
escassa e por isso constitui um dos maiores desafios a ser ultrapassado na
pesquisa do tema. Mais comum é a abordagem do respeito ao meio ambiente e
a responsabilidade social, porém dificilmente são estudados do ponto de vista
de benefícios ao negócio. São antes vistas como bandeiras restritivas à
atividade empresarial. Mesmo assim, pretende-se utilizar estudos de casos e
publicações internacionais que tratam a questão de forma mais abrangente . É
o caso por exemplo do estudo “Criando Valor” produzida pelo IFC junto com a
SutainAbility (consultoria em desenvolvimento sustentável britânica) e o
Instituto Ethos onde procuraram mapear as relações diretas de investimentos
em projetos sustentáveis e seus impactos nas variáveis tradicionais de sucesso
do negócio.
Ademais, nos propomos a realizar pesquisas diretas junto a organismos oficiais
do Banco Mundial, IFC, organizações como SustainAbility e BSR (Business for
Social Responsability) e dos bancos acima citados que trarão elementos
importantes para a identificação das motivações deste novo tipo de análise.

Objetivos e Justificativa

1. Estudar os indutores existentes nos bancos brasileiros para a adoção


dos Princípios do Equador.
o Para isso será realizada uma analise dos indutores internos à
organização (gestão de risco em suas várias facetas, pressão de
funcionários, marketing, atração de capital) e externos (pressões de
ONGs, comunidade, ação reguladora do Estado, códigos de conduta
setoriais, normas de certificação, imposições para acesso a
mercados, etc). Além disso, vamos analisar que tipos de influências
são nacionais e como estamos reagindo às influências externas.

2. Identificar as estratégias dos bancos na adoção das novas sistemáticas


relativas aos princípios do equador
o Ações de marketing, alterações em processos de análise de
crédito, composição de carteira de ações, design de novos
produtos e serviços financeiros. Vamos aqui identificar as
diferentes estratégias dos bancos na incorporação destas novas
variáveis socioambientais em seu negócio.
o Aqui também se pretende esclarecer se os fatores econômicos,
muito mais que os morais ou de marketing, são os verdadeiros
indutores de todo este processo.

3. Avaliar o impacto da adoção dos Princípios do Equador para as


instituições financeiras e também para a sociedade.
o Quais estratégias têm sido mais vitoriosas, quais são mais
dispendiosas. Que obstáculos têm sido enfrentados na
implantação destas estratégias. De que forma a questão do risco
socioambiental está entrando no rol de variáveis competitivas que
o executivo financeiro busca equilibrar? Qual tem sido o impacto
destas estratégias nos seus negócios (volume maior ou menor de
financiamentos)?

o Qual a efetividade – em termos de maturidade do processo- das


várias organizações na inserção desta estratégia em seus
negócios. Estão conseguindo influenciar outros agentes de sua
cadeia de valor?.

Metodologia

O trabalho combinará a pesquisa teórica dos conceitos bordados acima


(com o levantamento histórico das origens desta tendência) com pesquisas de
campo envolvendo as instituições financeiras brasileiras signatárias dos
Princípios do Equador.

Na parte da pesquisa teórica, além da bibliografia preliminar citada


abaixo estaremos percorrendo também os sites das principais instituições
citadas no trabalho (bancos, agências de fomento, órgãos governamentais,
empresas, etc...)

A pesquisa de campo deverá subsidiar as informações sobre os


principais indutores do processo do ponto de vista empresarial. Esta pesquisa
constará de entrevistas com executivos, questionários, visita às departamentos
de análise de risco, reuniões com outras partes impactadas pelos novos
procedimentos (clientes, organizações não governamentais, órgãos de
governo), análise de balanço, etc....

O objetivo desta parte da metodologia é validar alguns pressupostos


teóricos e levantar informações para uma análise comparativa entre as
instituições. As questões serão relativas aos indutores que levaram as IFs a
aderir ao PE, quais têm sido as principais alterações nos sistemas de avaliação
de risco (em termos processuais), qual o montante investido nestas
modificações, qual o volume de projetos avaliados por esta abordagem e
outras questões que surgirem como decorrência da pesquisa teórica.

Cronograma de Execução

1) A pesquisa se inicia com um levantamento bibliográfico mais extenso e a


revisão dos conceitos e tendências pertinentes à questão proposta. O estudo
dos principais requisitos dos Princípios do Equador frente às modificações
propostas por Basiléia II será importante para contextualizar e qualificar a ação
dos principais agentes.

2) Em seguida, promoveremos um questionário para as instituições


previamente selecionadas acerca das mudanças ocorridas em sua gestão
decorrentes da adoção dos Princípios do Equador. Tal questionário fornecerá
elementos importantes para a terceira parte da pesquisa.

3) Na terceira parte serão avaliadas as diferenças de abordagem com que os


principais bancos atuam ou aplicam os princípios propostos. Isso se fará
através de análises comparativas sobre os mecanismos de fomento (produtos),
critérios de concessão de crédito, critérios de seleção de carteiras de bancos,
atuação em bolsas de valores e outros mecanismos.

Uma visão global do projeto de pesquisa pode ser visto como a seguir:
Pressões da Sociedade Impactos Econômicos, Novas
Civil, Ambientalistas, Regulações, Basileia II,
Pesquisa Governos Valorização de ativos
conceitual
/teórica e
análise Impactos indiretos Impactos diretos Impactos indiretos

histórica. Meio ambiente

Sociedade
Economia

Fornec Be Instit Se Client


edor A ns uição rvi eA
& finan ço
Mercado Fornese ceira s
Mercado Client
cedorrvi e ...
... ço
s

PRINCÍPIOS DO EQUADOR

Impactos

Operações internas Na economia (através dos serviços


financeiros - clientes)
Condições Condições Condições Condições
ambientais sócio-econômicas ambientais sócio-econômicas
Pesquisa de
Impactos diretos Impactos diretos - Impactos diretos
campo: (ecoeficiência) (mão de obra) (microcrédito)
questionários Impactos indiretos Impactos indiretos Impactos indiretos Impactos indiretos
e (sobre fornec. de bens)
(sobre forn. Linhas socioambientais
compromissos
entrevistas. Serviços) sociais

Análises
comparativas CONCLUSÕES
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