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Em 1569 o Dr. John Story, que teve o privilégio de ser o primeiro professor de
direito civil em Oxford, foi sequestrado por agentes britânicos em Antuérpia,
então sob a soberania espanhola, e conduzido à Inglaterra para se ver
processar por alta traição. A despeito dos protestos do acusado e do
embaixador espanhol em Londres, Story resultou condenado e executado.
Holdsworth descreveria mais tarde sua captura como “uma grosseira afronta
aos direitos do rei da Espanha”.
Antigo coronel dos quadros SS, encarregado da “liquidação definitiva da
questão judia”, Adolf Eichmann habitava um subúrbio de Buenos Aires quando,
em maio de 1960, se viu conduzido a Israel sem o conhecimento do governo
argentino. Pronunciamentos notórios do primeiro-ministro Ben Gurion
exaltaram o feito dos serviços secretos israelenses, embora a reação argentina
tenha motivado, logo depois, a versão de que o sequestro fora executado por
particulares, agindo por iniciativa própria. Provocado pela Argentina, o
Conselho de Segurança das Nações Unidas adotou uma resolução que dizia
que atos de tal natureza, afrontando a soberania territorial de um Estado-
membro, podiam ameaçar a paz e a segurança internacionais. A resolução
pedia ainda ao governo israelense que oferecesse à Argentina uma “reparação
adequada”. Esta, no entender dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, já se
materializara nas desculpas apresentadas por Israel. O governo de Buenos
Aires, porém, insistia em que a única reparação adequada seria a promoção do
retorno de Eichmann ao país de asilo, sem prejuízo da ulterior tramitação de
um pedido extradicional regular. Essa posição foi repentinamente alterada,
algumas semanas depois, durante a visita a Buenos Aires do jurista israelense
Shabtai Rosenne, havendo os dois países posto termo ao conflito com a
expedição de um comunicado conjunto.
Fugitivo de uma penitenciária inglesa onde cumpria pena por participação num
assalto notório, Biggs viveu por pouco tempo na Austrália e ingressou em
seguida no território brasileiro sob o falso nome de Michael Haynes. Não se
pôde jamais formalizar o aventado pedido de extradição, em face da
inexistência de tratado bilateral específico, combinada com a inabilitação
constitucional do governo britânico para oferecer reciprocidade em
semelhantes hipóteses. Preso por determinação do ministro da Justiça, em
1974, Biggs requereu ao Tribunal Federal de Recursos uma ordem de habeas
corpus em que, dando como incontroversa a impossibilidade da expulsão, em
face da iminência de tornar-se pai de uma criança brasileira, limitava-se a
apontar ilegalidade também na deportação que se lhe preparava em razão do
ingresso ilegal no território. A deportação, sustentavam seus defensores, só o
poderia conduzir ao seu Estado patrial, o único obrigado pelo direito das gentes
a recebê-lo. Assim, teria ela a natureza de uma autêntica extradição, incidindo
de modo exato enquanto proíbe a lei de migração. O Tribunal, reconhecendo
embora que se tratava de um caso de “extradição inadmitida pela lei brasileira”,
não negou a legitimidade da custódia determinada pelo ministro da Justiça com
vistas à deportação, e por isso indeferiu a ordem de habeas corpus. Mas, no
mesmo passo, estatuiu que o paciente não poderia ser deportado para a Grã-
Bretanha, nem para qualquer outro país do qual aquele pudesse obter sua
extradição. Era natural, nessas circunstâncias, que a deportação acabasse por
mostrar-se inexequível, e que o paciente viesse pouco depois a ser colocado
em liberdade.
O acórdão do Tribunal Federal de Recursos no habeas corpus de Ronald Biggs
desdobra seu alcance doutrinário em três planos diversos. Ficou claro, de
início, que o conceito de “extradição inadmitida pela lei brasileira” é
consideravelmente amplo. Nele cabem não só as hipóteses de extradição
barrada por óbice substantivo, como a prescrição ou a natureza política do
crime, mas também aquelas em que a impossibilidade da medida resulta de
fator adjetivo, como ocorreria no caso de indeferimento por falha documental
não sanada em tempo hábil, ou ainda, extrema extensão, no caso em que tudo
quanto frustra desde logo a extradição é a prosaica circunstância de não poder
o Estado interessado formalizar o próprio pedido, em face dos limites que lhe
impõe sua lei interna. O segundo aspecto modelar do acórdão confunde-se, em
parte, com o primeiro: não é, em absoluto, necessário que o Supremo tenha já
indeferido a extradição para que ela seja classificável como inadmitida pela lei
brasileira. A propósito, a linguagem do legislador é unívoca quando omite toda
referência a uma prévia decisão da única instância judiciária competente para a
matéria extradicional. O juízo do habeas corpus, remetido que se encontra, em
circunstância inusual, à lei de extradição, tem plena autoridade para interpretá-
la quando sobre o caso não tenha decidido o Supremo.
ASILO POLÍTICO
Conceito e espécies
Asilo político é o acolhimento, pelo Estado, de estrangeiro perseguido,
geralmente, mas não necessariamente, em seu próprio país patrial, por causa
de dissidência política, de delitos de opinião, ou por crimes que, relacionados
com a segurança do Estado, não configuram quebra do direito penal comum.
Sabemos que no domínio da criminalidade os Estados se ajudam mutuamente,
e a extradição é um dos instrumentos desse esforço cooperativo. Porém, essa
regra não vale no caso da criminalidade política, onde o objeto da afronta não é
um bem jurídico universalmente reconhecido, mas uma forma de autoridade
assentada sobre ideologia ou metodologia capaz de suscitar confronto além
dos limites da oposição regular num Estado democrático.
O asilo político, na sua forma perfeita e acabada, é territorial: concede o Estado
àquele estrangeiro que, havendo cruzado a fronteira, colocou-se no âmbito
espacial de sua soberania, e aí requereu o benefício. Em toda parte se
reconhece a legitimidade do asilo político territorial, e a Declaração Universal
dos Direitos do Homem — ONU, 1948 — faz-lhe referência.
É claro que, por força das circunstâncias, o candidato ao asilo territorial não
estará sempre provido de documentação própria para um ingresso regular.
Sem visto, ou mesmo sem passaporte, ele aparece, formalmente, como um
deportando em potencial quando faz o pedido de asilo. Com o Estado territorial
decidindo conceder-lhe esse estatuto, cuidará de documentá-lo. A legislação
brasileira prevê até mesmo a expedição de um passaporte especial para
estrangeiros, e o asilado político — assim como o apátrida — é um dos
possíveis beneficiários desse documento, que permite a circulação fora de
nossas fronteiras.