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Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra

4º ano da Licenciatura em Fisioterapia


2022/2023

Atraso de desenvolvimento com


restrição de crescimento intrauterino

Unidade Curricular: Fisioterapia em condições especificas - Pediatria


Discentes: Inês Mateus, Sílvia Vicente e Soraia Linhares
Docente: Ana Moreira

Coimbra, 28 de setembro de 2022


Atraso de desenvolvimento com restrição do crescimento intrauterino

Índice
Enquadramento Teórico ............................................................................ 3
Caso Clínico ................................................................................................ 4
Avaliação – serviço de fisioterapia ............................................................ 6
Principais problemas ................................................................................. 8
Objetivos e prognóstico............................................................................. 9
Tratamento .............................................................................................. 10
Ensino à Família ....................................................................................... 12
Referências .............................................................................................. 13

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Atraso de desenvolvimento com restrição do crescimento intrauterino

Enquadramento Teórico
A restrição do crescimento fetal ou intrauterino (RCIU) é o termo utilizado
para descrever o défice de crescimento de um bebé durante a gravidez, ou
seja, todo o feto que não atingiu o seu potencial de crescimento para uma
determinada idade gestacional (peso ao nascimento < p 10).
Esta alteração do crescimento, que resulta em um baixo peso e
comprimento, tem uma taxa de incidência de 5-10% em todas as gestações
e pode ter várias causas, tais como: fetais, placentárias e maternas.

Fetais Placentárias Maternas


Anormalidade Pré-eclâmpsia Ganho insuficiente
cromóssica Doença vascular do colagénio de peso e
Malformações Sindrome antifosfolipidica desnutrição
congénitas Trombofilia hereditária Consumo de álcool,
Infeções Doença vascular diabética tabaco, cocaína e
congénitas (Ex: Anormalidades placentárias e anticonvulsivantes)
varicela, rubéola, do cordão umbilical Doença crónica que
Citomegalovirus) Gravidez múltipla causa hipóxia severa
Podem ser identificados dois tipos de RCIU: simétrico e assimétrico. O tipo
mais comum, e também o menos preocupante, é o assimétrico, em que
ocorre restrição de peso e comprimento, sem alterações ou alterações
mínimas do crescimento típico da cabeça e cérebro.
Podem gerar-se complicações fetais (hipóxia pré parto, sofrimento fetal
devido a hipóxia durante o trabalho de parto) e neonatais (a curto prazo e
longo prazo).

Curto Prazo Longo prazo


Asfixia perinatal; Síndrome de aspiração de Baixo crescimento e
mecónio; Hipertensão Pulmonar persistente; neurodesenvolvimento
Hipotermia; Hipoglicémia; Hiperglicémia; Síndrome do
Hipocalcémia; Policitemia; Ectericia; Dificuldades na metabólico e diabetes
alimentação; Intolerância alimentar; Enterocolite no início da idade
necrosante; Sepsis tardia e Hemorragia pulmonar. adulta

Quanto ao diagnóstico é complexo e multifatorial com avaliações


abrangentes da biometria fetal, do volume do líquido amniótico, dos
padrões de frequência cardíaca, da ecografia Doppler e do perfil biofísico.

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Atraso de desenvolvimento com restrição do crescimento intrauterino

Caso Clínico
A criança M.L. é do género feminino, nasceu a 17 de novembro de 2021,
atualmente tem 11 meses e apresenta a condição acima descrita (RCIU).
A gravidez deu-se então por cesariana emergente com asfixia perinatal,
vigiada e acompanhada no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra -
Maternidade Dr. Bissaya Barreto, onde foi detetada no 3º trimestre (29
semanas) uma restrição do crescimento.
Nasceu às 33 semanas (pré-termo limiar) nesse mesmo hospital tendo
ficado na incubadora até à sua situação clínica e os parâmetros
regularizarem. Tinha um peso de 1750g, 45 cm de comprimento, perímetro
cefálico típico de 43 cm, pulso de 155 bpm, pressão arterial 61/38 mmHg e
um APGAR de 7/10 (ligeira dificuldade). O índice ponderal é igual a p 1,92
(p <2 é considerado desnutrição grave).

Segundo o boletim de saúde infantil e informação cedida pelos pais, o seu


desenvolvimento sensório-motor foi o seguinte:

• Ao 1º mês de vida adotou uma postura de flexão com ligeira


assimetria entre o lado esquerdo e direito. Não realiza alguns
movimentos bruscos, apresenta um défice na rotação e sustentação
da cabeça.
• Ao 3º mês mostra preferência pela posição de decúbito dorsal,
realiza, agora, boa rotação da cabeça em direção às pessoas, vozes,
objetos e sons como também já realiza movimentos bruscos e
reativos com ambos os membros. Na posição de decúbito ventral,
não se consegue apoiar bem de bruços e levanta ligeiramente a
cabeça, não mostra qualquer movimento do tronco nem dos ombros.
• Ao 6º mês, consegue reconhecer os pais e cuidadores, sendo que fica
ainda confusa com alguns familiares. Nesta fase, já assume algumas
posições, consegue passar de decúbito dorsal para ventral e vice-
versa de forma brusca e sem controlo do movimento. Assume
posição de sentada, com hiperextensão acentuada e com grande
apoio dos membros embora consiga agarrar alguns objetos mais
pequenos e de fácil manuseio.

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Atraso de desenvolvimento com restrição do crescimento intrauterino

• Ao 9º mês há uma melhoria na força e consegue assumir a posição


de sentada com facilidade, sem qualquer apoio, brincando com os
seus brinquedos. Na passagem entre as posições, embora mais
ligeiro, ainda realiza de forma brusca e sem controlo sobre o mesmo.
Com o decorrer do desenvolvimento não consegue ter muita força
de membros inferiores, não conseguindo gatinhar de forma eficaz e
controlada nem se colocar de pé com apoio.
No que diz respeito ao contexto familiar, a M.L. vive com os pais e as duas
irmãs gêmeas de 10 anos, que frequentam atualmente o 5º ano de
escolaridade e não tiveram quaisquer problemas de saúde. A mãe de 34
anos, tem licenciatura no curso superior de arquitetura e encontra-se a
trabalhar há 11 anos. O pai de 36 anos, tem o 12º ano de escolaridade e faz
parte da força aérea portuguesa há cerca de 15 anos. Durante o dia a M.L.
fica ao cuidado da avó onde passa muito a brincar no chão e a ver desenhos
animados no tablet.
Foi recomendada uma consulta de desenvolvimento na Bissaya Barreto em
setembro de 2022 devido a um atraso no seu desenvolvimento, pois aos 10
meses ainda não gatinhava de forma eficaz fazendo apenas movimentos de
arrasto e não se conseguindo pôr em pé com apoio. Em termos de
alimentação, esta é saudável, comendo de tudo e ficando muito entretida
com a comida no prato. Criança muito quieta e atenta às coisas ao seu
redor, não fala ou reage muito.
Após a consulta de desenvolvimento, a M.L. foi reencaminhada para o
serviço de fisioterapia pediátrica.

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Atraso de desenvolvimento com restrição do crescimento intrauterino

Avaliação – serviço de fisioterapia


Considera-se a idade corrigida. Como nasceu 7 semanas antes do tempo
tem, para efeitos de avaliação, 9 meses de idade.

Cabeça (análise no boletim de saúde):


• Perímetro cefálico
• Palpação de fontanelas e suturas cranianas
• Exame de olhos
• Observação da face geral

Sons (choro e função cardiorrespiratória)


Choro fraco, profere algumas sílabas sem aparente intenção definida,
não imita os sons do adulto, reage de forma lenta a sons perto e
longe.

Visão, audição, comunicação, interação social e jogo


Visão e audição típicas, muito presa ao seu mundo, entretém-se mais
com os seus brinquedos do que com pessoas, distingue os familiares
de estranhos.

Movimentos e posições (DD, DV, DL, rolar, sentar, gatas, PO):


• Atividade espontânea e postura:
› Qualidade/ quantidade
› Variabilidade
› Simetria
› Coordenação
› Movimento voluntário / involuntário
› Ajustes posturais antecipatórios / sinergias antecipatórias

Preferência em rodar sobre o lado direito. Assume posição de


sentada sem apoio, não gatinha de forma eficaz nem consegue
colocar-se de pé com apoio. Na interação com brinquedos mostra
pouca qualidade de movimento e coordenação com défice ligeiro.
Ocasionalmente tem algumas fracas reações de equilíbrio e ajustes
posturais antecipatórios.

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Atraso de desenvolvimento com restrição do crescimento intrauterino

Reações primitivas
Reação de grasp dos dedos dos pés mantida. As restantes reações
primitivas mostram as respostas esperadas para a idade.

Motricidade fina e grosseira


Leva os brinquedos à boca de forma pouco coordenada e em várias
tentativas, faz pinça, atira objetos ao chão e aponta com o dedo.

Desenvolvimento cognitivo
Não se afasta do esperado tendo em conta a prematuridade.

Tónus, amplitudes, comprimento e força muscular:


• Observação
• Palpação
• Mobilização ativa e passiva

Tónus do MS:
Resistência e amplitudes são as esperadas, não tem extensão total do
cotovelo, o que também é habitual. Ao realizar a flexão mantida dos
membros superiores durante alguns segundos seguida de extensão rápida
observamos o efeito mola que ocorre de forma simétrica. Sinal de Écharpe
ocorre de forma igual nos dois MS e na amplitude esperada. Sem sinais de
hipotonia nem hipertonia. Apoia-se muito sobre o braço direito na posição
de sentado, braço esquerdo mais livre para atividades como brincar.

Tónus do MI:
Amplitudes passivas de movimento são superiores ao esperado, baixa
resistência em todos os movimentos. Ao realizar a tração da perna faz
extensão total do joelho com pouca resistência. Ao realizar a flexão mantida
dos membros inferiores durante alguns segundos seguida de extensão
rápida observamos o efeito mola muito ligeiro. Verifica-se que o ângulo
poplíteo é 110º (entre 90º e 120º considera-se hipotonia), consegue levar
o pé à orelha. Podemos concluir que M.L. apresenta hipotonia ligeira dos

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Atraso de desenvolvimento com restrição do crescimento intrauterino

membros inferiores. Maior facilidade em suportar/ responder a carga no


MI esquerdo.

Tónus do pescoço:
Resistência e amplitudes são as esperadas em todos os movimentos
cervicais. O queixo roda até ao ombro e não além deste, ao puxar para
sentar mostra um bom controlo de todo o tronco olhando nos olhos do
terapeuta, quando sentada não mostra qualquer tendência de queda da
cabeça em nenhuma direção. Controlo da cabeça completamente
adquirido. Ao induzir desequilíbrios na posição de sentado para a frente e
para trás apresenta reações de equilíbrio e ajustes antecipatórios fracos.

Tronco e postura:
Lado direito do tronco encurtado em relação ao esquerdo. Tendência a
manter a flexão do tronco.

Principais problemas

• Não gatinha de forma eficaz, realizando um movimento de arrasto


com grande dificuldade de manuseamento dos membros inferiores.
• Não consegue assumir a posição de pé, mesmo com apoio.
• Manutenção do decúbito lateral difícil, devido à própria passagem de
decúbito dorsal para ventral ser brusco e descontrolado.
• Não realiza dissociação de cinturas, onde os membros inferiores
parecem desconectados do próprio corpo.
• Hiperextensão bastante presente na posição de sentado ou decúbito
ventral.
• Lentidão no início da resposta postural.
• Pouca conexão entre tronco superior e inferior.

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Atraso de desenvolvimento com restrição do crescimento intrauterino

Objetivos e prognóstico

Objetivos curto prazo 1º mês de intervenção


Criar um boa relação paciente-terapeuta
Integração social e familiar, educar os pais face às necessidades da
criança e decidir conjuntamente acerca dos objetivos a alcançar.
Promover mais atividade e interatividade
Fortalecer os membros inferiores
Aumentar o controlo de movimento dos membros inferiores.
Melhorar o mapa mental corporal da criança e a conexão do tronco
superior ao inferior.
Promover um aumento da integração de informação sensorial
(proprioceção) e consciência espacial
Eliminar a hipotonia ligeira dos membros inferiores
Melhorar o libertar dos membros superiores
Promover a báscula
Fortalecimento da musculatura do tronco
Conseguir uma orientação e estabilidade postural típica na posição
de gatas
Adquirir o gatinhar independente e com um padrão típico de
movimento
Adquirir o pôr de pé e manter-se de pé com apoio do fisioterapeuta

Objetivos médio/ longo prazo 2º e 3º mês


Adquirir o pôr de pé agarrando-se a superfícies e objetos, sem o
apoio do fisioterapeuta
Adquirir respostas posturais antecipatórias (estratégias posturais do
tornozelo, anca, mista e passo)
Realizar a passagem da posição de pé para de gatas de forma
controlada
Adquirir marcha com muito apoio

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Atraso de desenvolvimento com restrição do crescimento intrauterino

Tratamento
Utilizar estratégias de reforço positivo e sorrisos durante as sessões

Primeiro mês (4x/semana, total 16 sessões de 1h)

• Exercício 1: DD fazer movimento de


“bicicleta”. Estimular o “kicking”. Insistir no
MI direito. Para ativar a musculatura dos MIs
e tronco inferior.

• Exercício 2: Estimular o rolar sobre o


lado esquerdo com um brinquedo/ som
/ voz da mãe, fracionando o
movimento. Estímulo principalmente
no tronco inferior e rolar de volta.
Manter nas posições intermédias
(isometria), conseguir um decúbito
lateral estável.

• Exercício 3: Facilitar a passagem de


decúbito ventral para sentado. Captar a
atenção da criança com brinquedo. Será
mais difícil rodar e sentar sobre o lado
esquerdo, temos de trabalhar mais essa
posição e a aceitação da carga.

• Exercício 4: Facilitar a báscula da bacia, e movimentos do tronco


(flexão, extensão, inclinações laterais e rotações) sob estímulo de
um brinquedo, sobre a bola de Bobath. Transferir carga para a
direita de modo a exigir a extensão deste lado. Fazer isto para
fortalecer a musculatura do tronco inferior e superior. Incentivar o
tocar nos membros inferiores com a ajuda de brilhos/ cores /
autocolantes para melhorar o conhecimento corporal. Utilizar a
posição de sentado e decúbito ventral na bola.

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Atraso de desenvolvimento com restrição do crescimento intrauterino

• Exercício 5: Na posição de sentado estimular reações


de equilíbrio e ajustes antecipatórios provocando
desequilíbrios e colocando brinquedos nos limites do
equilíbrio da criança. Deixá-la “ganhar” agarrando o
brinquedo de vez em quando.

• Exercício 6: Facilitação da posição de gatas a


partir da posição de sentado e vice-
versa. Sentada vamos libertar os membros
inferiores, estimular a flexão do tronco com
os membros superiores apoiados do lado
esquerdo (mais difícil que o direito), elevar o
lado direito da cintura escapular, estimular o início da rotação
(apoio da cintura pélvica na subida) e depois deprimir o lado
contrário da cintura escapular para estabilizar a posição.

• Exercício 7: Na posição de gatas facilitar a libertação de um braço


através do estímulo com um brinquedo.

• Exercício 8: Facilitar o gatinhar em plano horizontal e


posteriormente em plano inclinado (descer o plano em escorrega,
weeee!). Treinar sobre um tapete com várias texturas e cores para
dar mais estímulo sensorial.

Segundo e terceiro mês (2x/semana, total 16 sessões de 1h)


• Exercício 1: Com a posição de gatas adquirida iremos facilitar a
posição de pé com apoio. Pode recorrer-se ao uso de espelho para
aumentar o interesse. Facilitar o voltar à posição de gatas
controladamente.

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• Exercício 2: Facilitar a báscula e transferências de peso na posição


de pé

• Exercício 3: Manutenção da posição de pé


sem apoio do fisioterapeuta. Depois libertar
as mãos alternadamente para agarrar o
brinquedo.

• Exercício 4: Facilitamos as estratégias posturais (tornozelo, anca e


passo) ao provocar desequilíbrios na posição de pé.

• Exercício 5: Após garantida a posição de pé, iremos


iniciar a facilitação da marcha. Com estímulos como o
chamamento da mãe, música, brinquedos.

Ensino à Família
1. O chão é o nosso aliado nesta fase, evite colocar de todo o bebé em
cadeira ou no berço, pois isto fará com que o bebé se adapte ao
piso e acabe por desenvolver maior força muscular a nível dos
ombros, braços, costas e tronco.
2. Dispensar algum tempo no dia e acompanhar o bebé nos
movimentos e brincadeiras pois a maioria dos comportamentos dos
mesmos são adquiridos por observar e tentar imitar.
3. A utilização de um espelho também pode ser eficaz como forma de
cativar o bebé com a sua própria imagem e fazendo-o gatinhar até
mais perto.
4. Promover o apoio do membro superior e rotação do tronco para a
esquerda ao brincar, durante a alimentação e durante o sono.

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Atraso de desenvolvimento com restrição do crescimento intrauterino

Referências

https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1651-
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https://books.google.pt/books?hl=pt-
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QWNLXQ&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false
https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0883073807302605
https://dspace.unila.edu.br/bitstream/handle/123456789/6703/Internat
o%20em%20Aten%c3%a7%c3%a3o%20Primaria%20em%20Sa%c3%bade
%3a%20Relato%20de%20Caso%20-
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28RCIU%29?sequence=1&isAllowed=y
https://repositorio.chporto.pt/bitstream/10400.16/1400/1/v21n3a11.pdf
https://www.rpmgf.pt/ojs/index.php/rpmgf/article/download/10694/104
30/10610
https://www.spneonatologia.pt/wp-content/uploads/2018/05/Consenso-
RCF.pdf?fbclid=IwAR3lJijhlaKN8UItny2NE-
9Fu79yMw6mv_Yrb8lgFPM9IEJvBMr4JfIvMrc
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