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ARTIGO de revisão / Review article / discusión crítica

Estimulação Multissensorial em Pacientes Comatosos:


uma revisão da literatura
Multisensorial Stimulation in Comatose Patients: a literature survey
Estímulo Multi-sensorial en Pacientes Comatosos: encuesta sobre la literatura
Fernanda Alves Cabral* Sandra Maria Alvarenga Anti Pompeu***
Adílson Apolinário** José Eduardo Pompeu****

Resumo: O estado de coma é uma situação que se caracteriza pelo extremo rebaixamento do nível de consciência, em que o indivíduo permanece com os olhos
fechados, sem percepção alguma do meio externo, incapaz de se comunicar, responder a comandos e emitir comportamentos elaborados. O nível de consciência,
ou seja, o estado de alerta comportamental que nos mantém despertos, depende do Sistema Ativador Reticular Ascendente (SARA), que é localizado na região
pontomesencefálica do tronco encefálico. O coma pode ser gerado por diversas etiologias, causando prejuízos na ação de ativação cortical desempenhada pelo
Sistema Ativador Reticular Ascendente. Com intuito de facilitar a recuperação do estado de coma, foram criados programas de estimulação multissensorial, visando
a estimular o Sistema Ativador Reticular Ascendente e, assim, auxiliar na recuperação do nível de consciência de pacientes comatosos. Desta forma, o objetivo deste
trabalho foi analisar o que a literatura mostra sobre a influência da estimulação multissensorial sobre o nível de consciência de pacientes em estado de coma. Foi
realizada uma revisão de literatura nas bases de dados eletrônicos Medline, Cochrane, Scielo e Lilacs, nos sites de pesquisas Pubmed e Highwire. Foram selecionados
artigos científicos de 1983 a 2007. Os descritores utilizados foram: coma, estimulação sensorial, percepção e reabilitação. Foram incluídos ensaios clínicos enfocando
a estimulação multissensorial em pacientes comatosos, e foram excluídos artigos que estudaram outras formas de tratamento realizadas em pacientes em coma
que não objetivaram o aumento do nível de consciência. Foram analisados vinte artigos científicos que apresentaram resultados controversos em relação ao tipo de
estimulação, tempo de duração da terapia e resultados alcançados após a aplicação do programa de estimulação multissensorial em comatosos. Apesar de indícios
clínicos apontarem melhora no nível de consciência com a utilização da estimulação multissensorial, não há comprovação científica de sua eficácia. Conclui-se que
não foi localizado nenhum ensaio clínico randomizado que comprovasse de maneira efetiva a melhora do nível de consciência em pacientes comatosos submetidos
a um programa de estimulação multissensorial, fazendo-se necessário a realização de estudos com maior rigor metodológico, assim como o acompanhamento de
um número maior de pacientes.
Palavras-chave: Coma-reabilitação. Coma-terapia. Transtornos da consciência-reabilitação. 
Abstract: A coma is a situation of extreme degradation of the level of consciousness where the individual remains with closed eyes, with no perception of the
external world, incapable of communicating, answering to commands and having elaborated behaviors. The level of consciousness, that is, the alert state that keeps
us awaken, depends on Ascendant Reticular Activating System, which is located at the core of the brainstem between the myelencephalon and the mesencephalon.
Coma may be generated by several etiologies, causing damages in ARAS’s cortical activation. With the intention of facilitating the recovery from coma, programs
of multisensorial stimulation (MS) were created aiming to stimulate ARAS and thus to assist in the recovery of the level of conscience of comatose patients. In view
of this, the objective of this work was to analyze what the literature shows about the influence of multisensorial stimulation on the level of consciousness of coma
patients. We did a literature survey in the electronic databases Medline, Cochrane, Scielo and Lilacs and in Pubmed and Highwire search sites. Articles selected cover
the period 1983- 2007. Keywords used were: coma, sensorial stimulation, perception and rehabilitation. We included clinical assays focusing in MS for comatose
patients, and excluded articles that had studied other forms of treatment in comatose patients that did not aimed at increasing the level of consciousness. Twenty
scientific articles were analyzed that presented controversial results regarding the type of stimulation, time of duration of the therapy and results reached after the
application of the multisensorial stimulation program in comatose patients. Although clinical indications pointed to improvements in the level of consciousness
with the use of multisensorial stimulation, there is no scientific evidence of its effectiveness. No randomized clinical assay was located that really established the
improvement of the level of consciousness in comatose patients submitted to a multisensorial stimulation program. It is thus necessary to design studies with a
better methodological adequacy, as well as the follow-up of a broader number of patients.
Keywords: Coma-rehabilitation. Coma-therapy. Disturbances of consciousness-rehabilitation.
Resumen: El coma es una situación de la degradación extrema del nivel de conciencia (NC) donde el individuo permanece con los ojos cerrados, sin ninguna per-
cepción del mundo externo, incapaz de comunicarse, contestar a los comandos ni de tener comportamientos elaborados. El nivel de conciencia, es decir, el estado
de alerta que nos mantiene despiertos, depende del Sistema Activador Reticular Ascendente (SARA), que está situado en la base del tronco cerebral entre la parte
trasera del cerebro y el mesencéfalo. El coma se puede generar por varias etiologías, causando daños en la activación cortical de ARAS. Con la intención de facilitar la
recuperación del coma, se crearan programas de estímulo multi-sensorial (EM) para estimular el Sistema Activador Reticular Ascendente y asistir así a la recuperación
del nivel de conciencia de pacientes comatosos. En vista de esto, el objetivo de este trabajo fue analizar qué la literatura muestra acerca de la influencia del EM en
el nivel de conciencia de pacientes comatosos. Hicimos una encuesta sobre la literatura en las bases de datos electrónicas Medline, Cochrane, Scielo y Lilacs y en los
sitios de búsqueda de Pubmed y de Highwire. Los artículos seleccionados cubren el período 1983- 2007. Las palabras claves usadas fueran: coma, estímulo sensorio,
percepción y rehabilitación. Incluimos los análisis clínicos que se enfocaban en el estímulo multi-sensorial para pacientes comatosos, y excluimos los artículos que
estudiaran otras formas de tratamiento en los pacientes comatosos que no tienen como objetivo aumentar el nivel de conciencia. Veinte artículos científicos fueran
analizados porque presentaron resultados polémicos respecto al tipo de estímulo, la época de duración de la terapia y los resultados alcanzados después del uso del
programa del estímulo multi-sensorial en pacientes comatosos. Aunque las indicaciones clínicas señalaron mejoras en el nivel de conciencia con el uso del estímulo
multi-sensorial, no hay evidencia científica de su eficacia. No se localizaran ningún análisis clínico aleatorio que realmente estableciera mejora del nivel de conciencia
en los pacientes comatosos sometidos a un programa de estímulo multi-sensorial. Es así necesaria la realización de estudios con un mejor diseño metodológico, así
como la consideración de un número más amplio de pacientes.
Palabras llave: Coma-rehabilitación. Coma-terapia. Disturbios de la conciencia-rehabilitación.

* Fisioterapeuta graduada pelo Centro Universitário São Camilo.


** Fisioterapeuta especialista em Neurologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).
Coordenador adjunto, Professor e Supervisor de Estágio do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário São Camilo.
*** Fisioterapeuta especialista em Neurologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). Professora e Supervisora de Estágio do Curso de
Fisioterapia do Centro Universitário São Camilo e Universidade Paulista (UNIP). E-mail: sandraanti@terra.com.br
**** Fisioterapeuta mestre em Neurociências e Comportamento pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário
São Camilo e Universidade Paulista.

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Introdução zenados em nosso córtex que nos ruptor e o córtex como a lâmpada.
torna capaz de compreender fatos Desta forma, uma lesão no tronco
O coma é definido como um es- e responder de forma condizente às encefálico ou disfunção extensa do
tado de inconsciência profunda, em diversas situações (Edwards, 2001). córtex conduzem a quadros de re-
que o indivíduo permanece com os O nível de conscência depende da baixamento do nível de consciência
olhos fechados, é incapaz de se co- integridade do Sistema Ativador (NC).
municar verbalmente, responder Reticular Ascendente (SARA), lo- O coma pode ser avaliado por
a comandos externos ou realizar calizado na região pontomesence- diversas formas e escalas, mas a
movimentos intencionados. Não fálica do tronco encefálico. Nesta ferramenta mais utilizada mun-
interage com o ambiente externo, condição, o conteúdo de consciên- dialmente é a Escala de Coma de
e apresenta importantes alterações cia relaciona-se com o córtex cere- Glasgow (ECG), que caracteriza-se
cognitivas e no ciclo vigília/sono. O bral intacto, capaz de interpretar por ser um método de avaliação
estado de coma ocorre geralmente entrada de informações sensoriais do nível de consciência utilizando
após uma lesão encefálica traumá- e gerar respostas apropriadas (Dou- como parâmetro as respostas moto-
tica, mas também pode decorrer gherty, 2000). ras, verbais e oculares. Com a esca-
de disfunções metabólicas ou le- Desta forma, o conteúdo de la, pode-se identificar prontamente
sões estruturas encefálicas (Gerber, consciência é dependente da fun- se as condições neurológicas do pa-
2005). ção cortical e lesões no córtex que ciente estão piorando, melhorando
Segundo a definição da enti- levam a distúrbios, como afasias, ou estão sendo mantidas (Edwards,
dade internacional Coma Recovery apraxias, agnosias, ou seja, funções 2001; Iankova, 2006). Na escala de
Association, o coma é um estado de superiores que dependem de pro- Glasgow, a pontuação pode variar
não responsividade do qual o in- cessamento cortical. Já lesões do de no mínimo 3 a no máximo 15
divíduo ainda não foi despertado; SARA causam alterações no nível pontos; pontuação entre 3-7 sig-
durante este período se perdem ati- de consciência e, em casos extre- nifica um coma grave, 8-12, coma
vidades cerebrais superiores, con- mos, ao coma (Nitrini, 2005). moderado e 13-15, um estado de
servando-se o controle do sistema O SARA possui conexões am- consciência normal (Bushnik et al,
cárdio-respiratório. Esta definição plas e variadas, de modo que os 2003).
mostra a perspectiva de que o in- neurônios desta região recebem É importante ressaltar que se
divíduo pode despertar, portanto, conexões colaterais tanto de vias um indivíduo em coma sobrevive
podem ser feitos esforços para esta ascendentes como descendentes, aos primeiros dez dias após o dano
finalidade (Pereira, 2000). integrando, assim, uma grande encefálico, sua sobrevivência é es-
O estado de coma nos remete quantidade de informações neu- perada, porém a qualidade de sua
diretamente ao conceito do que é rais (Stavale, 1996). As conexões sobrevivência é bastante questio-
consciência. Existem várias defini- do SARA com o córtex são exten- nada (Le Winn, Dimancescu apud
ções, porém, em um sentido mais sas, sendo fornecidas tanto por Haase et al, 1999). Muitos pacien-
amplo, a consciência poderia ser via talâmica como extra-talâmica, tes que sobrevivem ao coma têm
descrita como a situação em que formando um extenso sistema de seu prognóstico funcional reserva-
o indivíduo tem total consciência fibras ascendentes corticais com do por redução no nível de estimu-
de si próprio e do meio externo, é importante ação ativadora (Ma- lação no período de hospitalização,
conhecedor das relações de tempo, chado, 2002). imobilização e restrição ao contato
espaço, fatos e pessoas ao seu redor Vários estímulos sensoriais que social, levando à diminuição na
(Iankova, 2006). chegam ao sistema nervoso passam percepção e conseqüente prejuízo
Existem dois componentes da pela formação reticular e daí vão em motor (Oh et al, 2003).
consciência distintos em relação direção ao SARA. O fluxo de infor- Com intuito de facilitar a recu-
às áreas de localização e comple- mações sensoriais percorre princi- peração e evitar a privação sensorial
xidade funcional: o nível de cons- palmente as vias espino-reticulares, à que os indivíduos comatosos são
ciência é definido como o estado de que ascendem e ganham todo o submetidos, foram criados progra-
alerta comportamental, condição córtex. Portanto, a partir do SARA, mas de estimulação multissensorial
em que o indivíduo está desperto e os impulsos aferentes perdem es- (EM) como recurso terapêutico,
em contato com o ambiente exter- pecificidade e se tornam apenas ati- em que por meio de estímulos ol-
no (Stavale, 1996). O conteúdo de vadores corticais (Machado, 2002). fatórios, auditivos, visuais, táteis,
consciência envolve a cognição, o Podemos utilizar a analogia em que gustatórios e vestibulares, tenta-
acesso que temos aos dados arma- considera-se o SARA como inter- se aumentar a capacidade do pa-

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ciente captar estímulos sensoriais Davis, White (1995) utilizaram recuperação do nível de consciên-
e aumentar o nível de consciência a nomenclatura “estimulação no cia. Estes pesquisadores relataram
(Haase et al, 1999; Oh et al, 2003). coma”, definido como a aplicação que em pacientes comatosos, tendo
A EM em pacientes comatosos da estimulação multissensorial em em vista que o problema é princi-
envolve toda a equipe multipro- que a freqüência e intensidade do palmente encefálico, há uma con-
fissional, além da participação da tratamento são baseadas no limiar dição de privação de contato com o
família que é fundamental, com individual de cada paciente, com meio ambiente, que pode conduzir
intuito de orientar os profissionais objetivos de aumentar o estado a uma maior deterioração dos pro-
sobre as características pessoais do de despertar e de consciência, eli- cessos intelectuais e de percepção,
paciente pré-lesão e atuando na te- ciando respostas comportamentais acompanhados por diminuição da
rapia como fonte de estímulo (Sos- apropriadas. atividade elétrica (Lombardi et al,
nowski et al, 1994). O objetivo deste trabalho foi 2003).
Segundo Davis et al (1995), analisar o que a literatura apresen- Para analisar o tempo, veloci-
Helwick (1994) e Sosnowski et al ta sobre a influência da EM sobre dade e grau de recuperação, além
(1999), o tratamento com EM pode o NC de pacientes em estado de de avaliar a eficácia de estratégias
ser iniciado após 72 horas a uma coma. de tratamento, pode-se observar al-
semana pós-lesão. No entanto, al- guns sinais clínicos como reativida-
guns critérios de inclusão devem de pupilar, reflexos que envolvem
Método
ser considerados como: pontuação a integridade do tronco encefálico,
na ECG menor que 10, pressão in- O presente estudo trata-se de além de movimentos oculares re-
tracraniana menor que 15 mmHg uma revisão da literatura, reali- flexos e espontâneos, sem esque-
por 24 horas, estabilidade hemo- zada nas bases de dados eletrônicas cer-se dos dados dos exames de
dinâmica. Pacientes submetidos à Medline, Cochrane, Scielo e Lilacs imagem (Umphred, 2004).
ventilação mecânica podem par- e os sites de pesquisas Pubmed e Estudos foram realizados para
ticipar sem restrições. Qualquer Highwire. Foram selecionados ar- determinar a efetividade das dife-
mudança nos parâmetros citados tigos científicos do ano de 1983 a rentes formas de estimulação do
é indício que o programa deve ser 2007. Os descritores utilizados fo- nível de consciência e suas ações
interrompido. ram: coma, estimulação sensorial, no paciente neurológico, contudo,
A EM é implementada para percepção e reabilitação. o tempo e a forma da interven-
aumentar o nível de consciência ção, tempo de lesão dos pacientes,
por meio da estimulação do SA- etiologia das lesões que levaram
RA. Quando o SARA encontra-se
Resultados e Discussão ao coma e parâmetros de melhora
lesado, a estimulação sensorial é Pela gravidade do impacto fun- são controversos (Lombardi et al,
realizada com intuito de que estas cional na vida dos pacientes e de 2003). Estes fatores colocam em
informações trafeguem por canais seus familiares, é de extrema im- questionamento a conclusão dos
e/ou vias alternativas, aumen- portância o conhecimento de es- trabalhos de muitos autores.
tando, assim, a atividade cortical. tratégias de atendimento inicial, Nithianantharajah e Hannan
Como o SARA é responsável pelo visando a promover recuperação (2006) realizaram uma revisão so-
estado de alerta cortical, concentra- do coma. Na área da saúde, muitos bre a ação do enriquecimento am-
ção, percepção e regulação da in- profissionais não acreditam que ha- biental em ratos adultos normais e
formação sensorial, a estimulação ja formas de auxiliar no “despertar” com doenças neurológicas, tentan-
realizada de forma controlada po- de um comatoso, porém estudos do identificar e desenvolver novas
de facilitar a função dos neurônios têm demonstrado efeitos benéficos estratégias terapêuticas. O enri-
reticulares lesados (Gerber, 2005). da EM nestes pacientes (Franckevi- quecimento ambiental refere-se
Sosnowski et al (1994) propõem ciute, e Krisciunas, 2005). às condições que promovam uma
que a estimulação sensorial na si- Em 1950, a EM foi inicialmen- maior possibilidade de exploração
tuação de coma pode promover a te descrita, quando pesquisadores do meio via estratégias que forne-
recuperação “acordando” o SARA, propuseram a idéia que a EM com çam estímulos somatossensoriais e
isto é, neurônios do tronco encefá- freqüência, intensidade e duração visuais, situações que envolvam a
lico não lesados podem apresentar superiores às existentes no am- resolução de problemas e motrici-
brotamento colateral, assistindo a biente hospitalar habitual poderiam dade, visando a melhora da sensibi-
reorganização cerebral. melhorar o grau e a velocidade de lidade, cognição e movimentação.

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Ratos com lesões traumáticas Sosnowski et al (1994), Toller et al A atenção reflexa ou exógena refe-
que permaneceram em ambientes (2003) e Gerber (2005) acreditam re-se ao fenômeno sensorial onde
enriquecidos obtiveram melhoras que o tempo de duração de 45 mi- um estímulo externo capta a nossa
na funcionalidade e atenuação nutos é o ideal, pois terapias com atenção automaticamente, sem um
dos déficits motores e cognitivos. menos tempo podem causar efeitos controle voluntário. Uma caracte-
Quando esta estratégia de trata- desfavoráveis, como instabilidade rística desta forma de orientação
mento foi associada à EM, houve de sinais vitais e aumento da irri- é que facilmente pode ser inibida,
reversão total do déficit motor. tabilidade. isto é, as respostas ficam deprimi-
Estes efeitos benéficos foram rela- Outro parâmetro que deve ser das num processo denominado de
cionados à diminuição do tamanho analisado é a forma de apresenta- habituação (Gazzaniga et al, 2002).
da lesão, brotamento dendrítico e ção dos diversos estímulos: de for- A disfunção cerebral pode causar
aumento da expressão de molé- ma uni ou multimodal. Wilson et uma dificuldade do cérebro decidir
culas envolvidas na sinalização al (1996) discutiram que a forma a qual estímulo responder ou qual
neuronal. Estes achados apontam de estimulação unimodal não pro- inibir dentre várias possibilidades
um maior embasamento científico duziu efeitos significativos no NC, de resposta.
e novas aplicações terapêuticas da porém a segurança do paciente em A habituação é um efeito in-
estimulação sensorial. coma deve ser levada em conside- desejado durante o processo de
Oh e Seo (2003) examinaram ração, pois uma estimulação inten- estimulação; há a diminuição na
possíveis alterações no NC em sa poderia desorganizar as respostas emissão de uma resposta frente a
comatosos submetidos à EM, ob- e o estado geral. A estimulação uni- estímulos externos após a apre-
servando, também, se os efeitos modal pode ser utilizada até que o sentação repetida deste estímulo.
alcançados foram temporários ou paciente fique estável e depois po- A habituação pode interferir, inclu-
sive inibindo o “despertar” cortical.
permanentes. O estudo foi dividido de-se optar pela multimodal.
Wood (1991) preconizou que os
em três fases: período 1 - um mês Um ponto de extrema impor-
procedimentos fossem realizados
de EM duas vezes ao dia; período tância na prática da EM é que a
em um meio silencioso para facili-
2 - um mês de recesso, apenas o nomenclatura “estimulação mul-
tar a captação dos estímulos exter-
tratamento médico e cuidados da tissensorial” pode causar uma
nos. Já Oh e Seo (2003) relataram
enfermagem foram mantidos; pe- falsa impressão de que todas as
que um meio pobre em estímulos
ríodo 3 - novamente um mês de modalidades sensitivas devem ser
pode causar uma maior depressão
intervenção. Os resultados mostra- realizadas ao mesmo tempo, “bom-
sensorial. Estes dados apontaram
ram significantes alterações do NC bardeando” o paciente de informa- que o ideal seria uma situação de
no período 1, porém estes efeitos ções desorganizadas. Wood (1991) equilíbrio, com uma quantidade de
foram temporários, decrescendo e Gerber (2005) introduziram o estimulação moderada.
significativamente no período 2, termo “regulação multissensorial”, A estimulação auditiva pode ser
de recesso. O maior efeito foi veri- pois os procedimentos aplicados no a inicial, pois é uma forma de orien-
ficado no período 3, com aumento coma devem apresentar um con- tar o paciente sobre os procedimen-
e manutenção do NC observados trole sobre a intensidade, freqü- tos que vêm a seguir. Avaliando os
mesmo após o término do trata- ência e forma de apresentação dos efeitos da estimulação auditiva na
mento. Estes autores sugerem que estímulos, facilitando o processa- pressão intracraniana (PIC) e pres-
a EM deve ser realizada por um mento e controle do SARA. são de perfusão cerebral em indiví-
tempo superior a dois meses, sendo Não há uma ordem correta de duos com lesões traumáticas e não
que são necessárias duas semanas apresentação dos estímulos, no en- traumáticas, Schinner et al (1995)
para que os efeitos benéficos co- tanto todos devem ser realizados de não obtiveram diferenças estatísti-
mecem a ser observados. Este foi o maneira organizada, lenta, conce- cas na monitoração da PIC, porém
único trabalho que discutiu os efei- dendo o tempo necessário para o o período de avaliação foi muito
tos da EM ao longo do tempo, po- paciente emitir respostas adequa- curto (15 minutos), além de que a
rém o número de pacientes é baixo das (Davis, 1995). sedação pode ter influenciado no
(n=5), dificultando a generalização A atenção é um mecanismo quadro interferindo na percepção
dos resultados obtidos. cognitivo que possibilita o processa- sensorial. Há a hipótese que a di-
O tempo de aplicação da técnica mento de informações, pensamen- minuição de sons do meio externo
é controverso. Haase et al (1999) tos ou ações relevantes enquanto poderia acarretar na diminuição
apontam para sessões de 10 a 15 ignora outros estímulos potencial- do fluxo cerebral regional e, con-
minutos, enquanto Wood (1991), mente distratores ou irrelevantes. seqüentemente, a PIC.

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Segundo Müller et al (2002), res, além de propiciar o início dos ciparam de algum programa de
a estimulação proprioceptiva faci- ajustes e reações posturais. Os au- EM foi menor quando compara-
lita o processamento cognitivo de tores citaram ainda que muitos pa- dos com grupos controle. Apesar
informações que encontra-se pre- cientes abriram seus olhos durante destes resultados, Lombardi et al
judicadas em pacientes comatosos, este tipo de terapia. (2003), em sua revisão sistemática,
pois manuseios, como a vibração Chen (1998) relatou que dife- observou que dos 25 estudos en-
muscular e co-contração articular rentes odores poderiam induzir o contrados sobre a EM, apenas três
seriam fortes estímulos que pode- resgate de recordações da memó- apresentavam metodologia consis-
riam até mesmo superar a inibição ria, percepção de outras pessoas, tente, questionando a existência de
talâmica, ativando, assim, a via melhora no comportamento com evidências científicas tanto para a
tálamo-cortical o que causa bene- a utilização de odores sintéticos e realização como para a exclusão
fícios na percepção cinética, além irritantes. Os odores são proces- deste tipo de procedimento.
de induzir a plasticidade cortical. sados por diferentes circuitos, um
A estimulação vestibular é rea- mais discriminativo e dependente
lizada por movimentos oscilatórios, da consciência, e outra forma que Conclusões
lineares e rotacionais lentos envol- é mais “intuitiva”, não relacionada
vendo movimentos da cabeça em diretamente ao odor, mas sim à ex- A EM tem sido proposta como
relação ao corpo e vice-versa. Devi- periência sensorial. uma maneira de favorecer o pro-
do às conexões difusas com muitas Seria interessante a estimulação cessamento da informação senso-
estruturas do sistema nervoso cen- da visão nos estágios iniciais, veri- rial através do SARA, que funciona
tral, incluindo formação reticular, o ficando se as pupilas são fotorrea- como o “despertador biológico” do
sistema vestibular pode influenciar gentes e com isso poder-se avaliar a córtex cerebral.
funções disseminadas. Quando os reatividade de respostas integradas Apesar dos indícios provenien-
estímulos são feitos de forma lenta e do tronco encefálico. Lehmkuhl e tes da observação clínica que apon-
repetitiva, há um efeito calmante e Krawczk (1993) relataram que, se tam para os efeitos benéficos da EM,
inibição generalizada do tônus pos- a estimulação for feita em supino até hoje não foi localizado nenhum
tural por meio da interação com a ocorreria uma desorientação, oca- ensaio clínico randomizado que
formação reticular e sistema nervo- sionando um rebaixamento do NC. comprovasse de maneira efetiva se
so autonômico (Sullivan, 2003). Para promover a orientação visual a EM pode influenciar a melhora do
Franckeviciute et al (2005) dis- normal, seria interessante a rea- NC em pacientes comatosos.
cutiram que a verticalização é uma lização da técnica em sedestação, Vários trabalhos discutiram a
forma de treinamento importante utilizando estímulos familiares ao metodologia da aplicação da EM,
em comatosos, já que com a utili- paciente. no entanto fazem-se necessárias in-
zação da prancha ortostática seriam Os trabalhos encontrados e vestigações e publicações científicas
estimuladas várias modalidades analisados foram unânimes em mais específicas com um maior nú-
sensoriais como a propriocepção, descrever que o tempo de duração mero de pacientes e maior controle
pressão, tato, aferências vestibula- do coma nos pacientes que parti- metodológico.

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Recebido em 12 de setembro de 2007


Versão atualizada em 17 de outubro de 2007
Aprovado em 10 de novembro de 2007

O Mundo da Saúde São Paulo: 2008: jan/mar 32(1):64-69 69

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