Você está na página 1de 28

Fisiopatologia

Insuficiência Renal Aguda

Departamento de Ciências Fisiológicas


Elsa Lobo
Fisiopatologia
Insuficiência Renal Aguda

Objectivos
1. Conhecer o conceito de Insuficiência Renal Aguda (IRA)
2. Conhecer os critérios de diagnóstico da IRA tendo em conta as funções básicas dos rins
3. Explicar os mecanismos e respostas adaptativas envolvidos nos diferentes tipos de IRA:
- IRA pré-renal
- IRA póst-renal ou obstrutiva
- IRA intrinsica
4. Conhecer as teorias que explicam a oligúria na insuficiência renal intrinsica
5. Explicar o diagnóstico diferencial entre IRA prérenal e IRA intrinsica
6. Explicar a génese das principais anormalidades metabólicas que ocorrem na IRA
7. Conhecer as principais manifestações clinicas da IRA
8. Explicar os principios orientadores do tratamento da IRA tendo em conta a fisiopatologia
Funções dos Rins

Funções  Eliminação das substâncias indesejadas ingeridas ou produzidas pelo corpo


Gerais  Controlo do Volume e Composição dos Liquidos Corporais
Excreção
 Água e electrólitos;
 Tóxicos endógenos (Ureia, Creatinina, Ácido úrico, Bilirrubina…)
 Tóxicos exógenos (Drogas, Pesticidas, Aditivos alimentares…)

 Balança do Na+ (Actividade simpática, Peptideo atrial natriurético, Pressão oncótica


capilar peritubular, Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona)
Regulação

 Balança de Água (Mecanismos de concentração e diluição da urina - ADH)

Funções  Balança do Potássio (K+)


 Balança do Fosfato (PO43--); Cálcio (Ca2+) e Magnésio (Mg2+)
Especificas
 Balança ácido-base (controlo da a excreção de H+ e HCO3- e da concentração de H+/pH
do sangue)

 Sintese de Calcitriol (1,25-di-hidroxivitamina D3)


 Sintese de Glicose a partir de Aminoácidos (Gliconeogenese)
Sintese

 Sintese de Prostaglandinas
 Sintese de Renina
 Sintese de Eritropoietina
Fisiopatologia
Insuficiência Renal Aguda

1- Conceito

Insuficiência Renal (IR) Insuficiência Renal Aguda (IRA)

• Alteração da função renal que surge como • Declíneo rápido (horas/dias) das funções renais, ,
complicação de várias condições renais ou suficiente para aumentar os niveis plasmáticos de
sistémicas produtos nitrogenados e prejudicar a balança de
fluidos/electrólitos
• Caracterizada por incapacidade do rim em:
• Muitas vezes assintomática e de diagnóstico ocasional
 Remover os produtos metabólicos finais do
sangue resultando em acúmulo • Altas taxas de mortalidade (40-90% nos dtes em UCIs)
• Potencialmente reverssível se reconhecida precocemente
 Regular a balança de fluidos, electrólitos
e tratada de forma apropriada (tratamento da causa +
 Regular a balança ácido-base manuseamento hidroelectrolitico + eventual diálise)
Fisiopatologia
Insuficiência Renal Aguda

2. Critérios de diagnóstico

 Retenção de água e escórias nitrogenadas (Ureia; Creatinina, Ácido úrico)


• Aumento absoluto da creatinina sérica em 0,3 mg/dl ou mais, dentro de 48 horas ou
• Aumento relativo da creatinina em pelo menos 1,5 vezes em relação ao valor de base (conhecido ou
presumido) nos últimos 7 dias.

 Oligúria (diurese < 400-500 ml/dia)*

 Incapacidade de regulação da homeostase (equilibrio hidroelectrolítico e ácido-base)

• O diagnóstico de IRA é independente do volume urinário/24h*

• A velocidade de  da creatinina sérica e de  do débito urinário


são importantes para definir o estadio e o prognóstico da IRA
Fisiopatologia
Insuficiência Renal Aguda

3. Classificação Fisiopatológica da IRA

% variável dependendo da
população estudada

1- Pré-renal (Funcional) 40-80%


2- Renal/Intrinseca/Parenquimatosa
(Funcional e Estrutural)
• Isquémica 50%
• Nefrotóxica

3- Pós-renal (Obstrutiva) 5-10%


3.1- IRA Pré-renal
Fisiopatologia
Insuficiência Renal Aguda

3.1- IRA Pré-renal


3.1.1- Principais causas ou factores desencadeantes

a) Hipovolémia
• Hemorragias
• Desidratação (perdas GI, urinárias, queimaduras..)
• Perdas para o intersticio (3º espaço)
Redução do volume
b) Falência circulatória (  do preenchimento vascular)
circulante efectivo
• Insuficiência cardiaca,
• Choque cardiogénico,
 da perfusão renal • Tamponamento cardíaco
(principal causa da IRA pré-renal)
c) Vasodilatação (  do preenchimento vascular)
• Choque anafilático,
• Choque séptico,
• Choque neurogénico
Fisiopatologia
Insuficiência Renal Aguda

3.1. IRA Pré-Renal


3.1.2- Condições pré-disponentes ( IRA mesmo com graus ligeiros de hipoperfusão)

Rim único • Menor número de nefrónios

• Menor número de nefrónios; Maior predisposição à hipovolémia


Idade avançada
Alterações vasculares preexistentes
• Diabetes  nefrosclerose
Doença renal pré-existente • Sindrome hepato-renal (vasoconstrição intrarenal causada por factor
circulante elaborado pelo figado em falência)

Interferência nas respostas • Agentes de diagnóstico (p.ex., contrastes radiológicos)


adaptativas da • Inibidores da sintese de prostaglandinas e da cicloxigenase (AINEs)
microcirculação renal
(  da perfusão renal) • Inibidores da enzima de conversão da angiotensina I (iECAs)

• Inibidores dos receptores da angiotensina II (ARAs)

Importante:
Angiot II; Óxido Nítrico e Prostaglandinas são protetores do fluxo sanguineo renal
e da taxa de filtração glomerular em situações de  do volume circulante efectivo
Fisiopatologia
Insuficiência Renal Aguda

3.1- IRA Pré-renal


3.1.3- Mecanismos de doença

 Na IRA pré-renal os mecanismos que levam ao aparecimento de


sinais e sintomas resultam da resposta fisiológica à diminuição do
volume circulante efectivo (derivada da hipovolémia; falência
circulatória ou vasodilatação)

 Se a hipoperfusão for rápidamente revertida em geral não causa


dano parenquimatoso
Fisiopatologia
Insuficiência Renal Aguda

3.1. IRA Pré-Renal


3.1.3- Mecanismos de doença. Respostas sistémicas adaptativas à redução do VCE (1)

(1)  Na IRA pré-renal os sinais e sintomas


 pressão sistémica
 ligeira doVCE resultam da resposta fisiológica à diminuição
do volume circulante efectivo

 do estiramento dos barorreceptores  Se a hipoperfusão for rápidamente revertida


aórticos e carotideos em geral não causa dano parenquimatoso

Respostas compensatórias neuro-hormonais


(SNSimpático, ADH, PGs, RAA) - (ver tabela seguinte)

Restauração do
Volume e da TA

1- Preservação da circulação 2- Preservação da pressão de


(++ cardiaca e cerebral) filtração glomerular (PF) e do
fluxo sanguineo renal (FSR)
Fisiopatologia
Insuficiência Renal Aguda

3.1. IRA Pré-Renal


3.1.3- Mecanismos de doença. Respostas sistémicas adaptativas à  do volume circulante efectivo (1)

Resposta

Activação sistema nervoso simpático   FC e RAP


Libertação de hormona antidiurética  Vasoconstrição ( da RAP)
(ADH)   reabsorção tubular de água

Libertação local de Prostaglandinas  Preservação do FSR (sem alterar a IFG)


vasodilatadoras (PGI1, PGE1, PGE2); Impedem a vasoconstrição intensa e potencialmente lesiva causada pelo
Prostaciclina e Óxido Nítrico (NO) simpático e Ang II, que poderia levar à isquemia renal.

Activação do sistema renina  Constrição preferencial da Arteríola Eferente pela


angiotensina aldosterona (RAA) Angiotensina II 
(resposta à  de Na+ na mácula densa)  Aumento da Aldosterona ( reabsorção de Na+)

Importante:
Angiot II; Óxido Nítrico e Prostaglandinas são protetores do fluxo sanguineo renal
e da taxa de filtração glomerular em situações de  do volume circulante efectivo
Fisiopatologia
Insuficiência Renal Aguda
3.1. IRA Pré-Renal
3.1.3- Mecanismos de doença. Respostas sistémicas adaptativas à  do volume circulante efectivo (1)

 TA

Feedback Tubuloglomerular  pressão na artéria renal


Resposta à  Na+ na Mácula Densa
 pressão hidrostática glomerular
- -

 TFG

 reabsorção
proximal  NaCl na mácula densa
de NaCl
2
1
 Renina

 Angiotensina II

 resistência na AE (+++)  resistência na AA


(vasoconstrição) (vasodilatação)

2.  fluxo peritubular 1.  pressão intraglomerular


  da reabsorção de Na+  evita  acentuada do FSR e da
estimulada pela Aldosterona TFG
  TA
Feedback tubuloglomerular

Mediado pelo sistema RAA,


Responsável pelo controlo dos electrólitos no plasma, volume sanguineo e pressãao arterial
Responde principalmente à diminuição de Na+ na mácula densa; à diminuição do volume extracelular e à diminuição da TA
Fisiopatologia
Insuficiência Renal Aguda
3.1. IRA Pré-Renal
3.1.3- Mecanismos de doença. Respostas sistémicas adaptativas à  do volume circulante efectivo (2)

(2)
Maior redução do VCE

Maior redução da
perfusão renal

1. Mais tempo para reabsorção de  desproporcional da ureia sérica


particulas pequenas p.ex. ureia relativamente à creatinina
Maior redução
da TFG
 da excreção de Na+ urinário (FENa)
2. Maior reabsorção tubular de Na+
 do débito urinário (oligúria)
Fisiopatologia
Insuficiência Renal Aguda

3.1. IRA Pré-Renal


3.1.4- Aspectos clínicos

Manifestações • Da doença de base


clinicas • Derivadas das respostas fisiológicas à  do VCE

Bases para o • Restauração do fluxo sanguineo renal e da pressão


tratamento de filtração glomerular

• Reversível com tratamento da causa


Prognóstico • Lesão parenquimatosa isquémica se agravamento
ou persistência da hipoperfusão
3.2- IRA Pós-renal
Fisiopatologia
Insuficiência Renal Aguda

3.2- IRA Pós-renal

Obstrução intratubular bilateral (ou unilateral se rim único) - (precipitação)


• Cristais de ácido úrico (hiperuricémia, após quimioterapia)
• Aciclovir, Metotrexato, Sulfonamidas

Obstrução ureteral bilateral (ou unilateral se rim único)


• Intraluminal - litiase, infiltração da parede ureteral
Causas
• Compressão extrinseca (p.ex. massas tumorais)
• Fibrose retroperitoneal
• Iatrogénica

Obstrução da uretra/bexiga (colo vesical)


• Hipertrofia prostática;
• Bexiga neurogénica (p.ex. na diabetes mellitus);
• Tumores

 Oligúria/Anúria
Clínica/
 Retenção de água e produtos metabólicos finais
evolução
 Recuperação da função renal se remoção rápida da obstrução
3.3- IRA Renal Intrinseca ou Parenquimatosa
Fisiopatologia
Insuficiência Renal Aguda

3.3- IRA Intrinsica ou Parenquimatosa


3.3.1- Aspectos gerais

 Complicação de lesão isquémica ou nefrotóxica (mais frequente)

 Complicação de várias doenças que afectam directamente o parênquima renal


(glomérulos, túbulos, intersticio)

 Em geral destroi sobretudo as celulas epiteliais dos tubulos proximais

 Quando severa atinge também a membrana basal glomérular e pode atingir


também os tubulos distais)

 Com remoção da causa deve-se esperar recuperação em algumas semanas


Fisiopatologia
Insuficiência Renal Aguda

3.3- IRA Intrinsica ou Parenquimatosa


3.3.1- Principais Causas e Mecanismos de Lesão Renal Parenquimatosa

Causa/ Mecanismos Caracteristicas da lesão


Isquémica
• Focos de necrose* (++ no túbulo proximal)
• Persistência de causas pré-renais e da
• Afeção eventual do túbulo distal
redução da perfusção renal
• Necrose cortical bilateral  IRA irreversível
Lesão Tubular (na forma extrema)
 Necrose Tubular Aguda
• Nefrotoxinas Endógenas (produtos de
hemólise; rabdomiólise, cálcio, fosfato) Nefrotóxica
• Nefrotoxinas Exógenas (AINEs, • Necrose tubular mais uniforme* (++ no
penicilinas, aminoglicósidos, túbulo proximal)
citostáticos, contraste radiológico…)

• Doenças por anticorpos anti-MBG


Lesão Glomerular • Glomerulonefrite Aguda
• Doenças por imunocomplexos

• Drogas/Toxinas, Doenças
imunológicas, Neoplasias, Infecções
Lesão Tubulo-intersticial • Nefrite Tubulo-Intersticiais Aguda
urinárias altas, Distúrbios
metabólicos, heredit

• Hipertensão maligna,
Lesão Vascular • Doença Vascular Intrarenal
• Esclerodermia
Fisiopatologia
Insuficiência Renal Aguda

3.3- IRA Intrinsica ou parenquimatosa


3.3.3- Fases de desenvolvimento

Necrose Tubular Aguda

Inicio/Instalação Manutenção Recuperação


(horas/dias) (1- 2 semanas) (semanas- meses)
Fisiopatologia
Insuficiência Renal Aguda

3.3- IRA Intrinsica ou parenquimatosa


3.3.3- Fases de desenvolvimento da Necrose Tubular Aguda

Caracteristicas

Instalação • Exposição ao evento desencadeante (isquémico/nefrotóxico)


(horas/dias) • Dependente do tipo e magnitude da causa

• Lesão parenquimatosa
- vasoconstrição (++ arteriola eferente);  permeabilidade capilar glomerular;
Manutenção obstrução tubular + refluxo tubulo- interstício)
(1- 2 semanas)
•  TFG  Oligúria, retenção de Ureia, Creatinina, H2O, Na+, K+, H+ …

• Edema, congestão pulmonar, HTA, manifestações neurológicas…

• Regeneração das celulas tubulares


Recuperação • Retorno gradual da TFG e do débito urinário  Poliúria (diurese osmótica)
(causada pelos solutos antes retidos - ureia, creatinina ….)
• Normalização lenta das concentrações de U, Cr, K+, HPO4-...)
Fisiopatologia
Insuficiência Renal Aguda

3.3- IRA Intrinsica ou parenquimatosa


3.3.4- Teorias explicativas da oligúria na Necrose Tubular Aguda

Mecanismos da oliguria
Vasoconstrição
intrarenal Desregulação de mediadores vasoactivos ( PG ??,  NO ??,  endotelina ??...)
(baixo fluxo plasmático
renal e baixa TFG (até 5-
 constrição da AA  maior comprometimento da perfusão e da filtração
10ml/min), mesmo após glomerular  ciclo vicioso .... (mecanismo….???)
correcção hemodinâmica

Necrose + descamação das celulas epiteliais tubulares


Obstrução tubular  formação de cilindros  obstrução tubular   da pressão intraluminal 
 da pressão na cápsula de Bowman   TFG

Rotura da membrana basal dos tubulos renais


Difusão retrógrada
 perda de liquido para interstício + reabsorção pelos capilares peritubulares

Maior grau de isquémia no córtex renal, onde se localizam 60-80% dos nefrónios
Documentado pelo aumento da renina plasmática associada à maior redução do
Isquémia preferencial fluxo cortical nos casos de necrose tubular aguda.
(Hollemberg) • Valor de renina normal: 13 ng/l/min
• Na necrose tubular aguda (NTA): 63 ng/l/min
• Na fase de recuperação da NTA: 23 ng/l/min
Fisiopatologia
Insuficiência Renal Aguda

4- Diagnóstico diferencial da IRA Prérenal e IRA Intrinsica (NTA)

IRA pré-renal IRA renal (NTA)


Resposta funcional à depleção de volume Resposta à lesão do epitélio renal
• Maior retenção de Na+, H2O, Ureia • Incapacidade de absorção (Na+, H2O, Ureia)
• Urina concentrada • Incapacidade de concentrar urina

Relação ureia/creatinina plasmáticas > 20:1 10-15:1

Sódio urinário (UNa), mEq/l < 20 > 40

Osmolaridade urinária, mOsm/l H2O > 500  350

Fração de excreção do sódio FENa (%)


(N: 0,5 a 1%)
<1 >2
Na+ (urina) x Creatinina (plasma) x 100
Na+ (plasma) x Creatinina (urina)

“Benigno”
- Urina transparente, acelular ou Celulas epiteliais tubulares livres
Sedimento urinário
- Com cilindros hialinos- mucoproteína Cilindros granulares escuros
de Tamm-Horsfall)
Fisiopatologia
Insuficiência Renal Aguda

5- Fisopatologia das anormalidades na IRA

•  Ureia,  Creatinina,  Ácido. Úrico


•  H+ (acidose metabólica - cidos não voláteis)
•  K+
Laboratorio
•  Na+ (dilucional)
•  Ca++
•  Fosfato

• Da doença de base
• Gastrintestinais
• Musculares e Neuropsiquicas
Sinais e sintomas
• Cardiovasculares
• Pulmonres
• Hematológicas
Fisiopatologia
Insuficiência Renal Aguda
7. Principios do tratamento

1. Identifiçação e correcção da causa


2. Manuseamento dos fluidos e electrólitos
3. Dieta: adequado aporte calórico evitando degradação proteica
(alimentação parenteral SOS)
4. Prevenção e tratamento das infecções
5. Eventual diálise

Importante☺

1. Prevenção (Desidratação, Nefrotoxinas - uso indevido de medicamentos ....)


2. Atenção aos factores de risco
• Idade
• Afecções prévias (Doença Arterial, Doença Renal, DM, …)
• Estado de hidratação
3. Monitorização criteriosa da função renal em doentes criticos

Você também pode gostar