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ARTIGO | CITOLOGIA URINÁRIA

CITOLOGIA URINÁRIA: CONSIDERAÇÕES


PRÁTICAS PARA O DIA-A-DIA DO UROLOGISTA

Paulo Guilherme de Oliveira Salles Endereço para correspondência


Médico Patologista, Doutor em Medicina pela UFMG. Paulo Guilherme de Oliveira Salles
Patologista do Instituto Mário Penna, do Biocor Instituto Rua Quintiliano Silva, 232.
e do Laboratório Dairton Miranda. Diretor do Núcleo Belo Horizonte – MG
de Ensino e Pesquisa do Instituto Mário Penna (Belo CEP.: 30350-040
Horizonte – MG). E-MAIL: pgosalles@gmail.com

INTRODUÇÃO TRATO URINÁRIO – CITOLOGIA

A citologia urinária é um teste importante na investi- O trato urinário é composto pelos rins, ureteres, bexiga
gação de pacientes que estão em risco e em vigilância urinária e uretra. A porção basal da bexiga urinária con-
de pacientes com carcinoma urotelial, um câncer rela- tém o trígono, uma área triangular com o vértice diri-
tivamente comum em adultos e com mortalidade sig- gido para a frente. A pelve renal, os ureteres, a bexiga
nificativa. Vantagens da citologia urinária incluem o e a uretra são revestidas por um epitélio altamente es-
fato de ser pouco invasiva, a facilidade de realização, a pecializado e único, o “urotélio”, também conhecido
alta sensibilidade e especificidade para lesões uroteliais como epitélio transicional. O urotélio é composto por
de alto grau (que podem ser ocultas à cistoscopia), a uma camada basal de células cubóides descansando
possibilidade de pesquisa de todo o trato urotelial e o sobre a membrana basal, camadas intermediárias, e
baixo custo. Há, no entanto, limitações, incluindo a uma camada superficial de células referidas como cé-
baixa sensibilidade e o baixo valor preditivo negativo lulas guarda-chuva que são razoavelmente grandes e
em pacientes com tumores uroteliais de baixo grau, podem ter vários núcleos. O urotélio tem a caracterís-
problemas na forma de colheita e preservação da tica única de formar uma barreira entre a urina tóxica,
amostra, uma taxa significativa de resultados equívo- prevenindo escapes, e tem a capacidade de se contrair
cos ou atípicos, e a falta de padronização da nomencla- e se expandir acompanhando a função fisiológica nor-
tura dos laudos citopatológicos, que podem levar a mal da bexiga. O trígono, em 50% das mulheres adultas
dilemas de conduta para o urologista. e em alguma proporção da bexiga masculina, pode ser

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revestido por epitélio escamoso; áreas de epitélio pro- mudanças da classificação histopatológica das lesões
dutor de muco também podem ser observadas. de bexiga, com a melhor compreensão da citologia uri-
nária per se, da patologia do carcinoma urotelial e,
COLHEITA DA CITOLOGIA URINÁRIA ainda, em função das expectativas dos médicos que en-
viam a urina para estudo. A criação de um esquema cli-
Uma das maiores causas de limitação e desaponta- nicamente útil para relatar citologia urinária tem sido
mento em relação aos resultados da citologia urinária um desafio, e alguns dos pontos fracos dos sistemas de
é a colheita inadequada. A maior parte dos laboratórios classificação anteriores incluem a falta de definição ri-
não fornece orientações adequadas, e a maior parte gorosa de critérios para categorias específicas, a falta
dos urologistas desconhece os fundamentos necessá- de consenso para a categorização “atípica”, e a falta de
rios. Tal fato é crítico, pois uma revisão sistemática da ampla aceitação e utilização de um esquema padrão
literatura demonstra claramente que a colheita de ci- pelos patologistas. A inadequação dos sistemas de clas-
tologia oncótica urinária requer alguns cuidados espe- sificação indubitavelmente põe em risco a confiança
ciais. Nunca deve ser usada a primeira urina matinal. O dos urologistas e o uso continuado do teste.
espécime deve ser colhido entre o café e o almoço, Os trabalhos clássicos de Papanicolaou, Koss, Murphy
cerca de três horas após a primeira micção do dia e e Ooms-Veldhuizen, entre outros, serviram de norte
após a ingestão de 3-4 copos de água. Um volume de para que, em 2003, a Papanicolaou Society of Cytopat-
50-70 ml é suficiente, e idealmente devem ser colhidas hology Task Force publicasse uma recomendação de
três amostras em dias consecutivos. Após a colheita, o classificação, já considerando a classificação histológica
material deve ser imediatamente colocado em refrige- proposta em 1998 em conjunto pela OMS e pela Inter-
ração, sem adição de nenhuma substância, e enviado national Society of Urological Pathology. Essa classifi-
ao laboratório, aonde deve chegar no máximo após cação faz referência à (I) adequabilidade do material,
seis horas da hora da colheita – espécimes recebidos (II) categorização geral (negativo ou alterado) e (III)
após esse período correm um grande risco de autólise, diagnóstico descritivo. O ponto crítico dessa proposta
tornando a análise inadequada. No laboratório, o tra- é o terceiro grupo, em que as alterações são descritas:
tamento deve também ser diferenciado: o processa- fazem-se referências a alterações de etiologia infec-
mento da amostra deve ocorrer o mais rapidamente ciosa, a alterações reativo-inflamatórias morfologica-
possível, para evitar sua perda. mente inespecíficas, a alterações secundárias à
quimioterapia ou radioterapia, e à anormalidade de cé-
NOMENCLATURA lulas epiteliais, com os diagnósticos fundamentais (mas
não exclusivos) de células uroteliais atípicas (que deve
Ao longo dos anos, vários investigadores têm publi- obrigatoriamente ser justificado), carcinoma urotelial
cado esquemas de classificação para citologia urinária. de baixo grau, carcinoma urotelial de alto grau e ade-
As classificações evoluíram em consonância com as nocarcinoma.

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NO DIA-A-DIA DO UROLOGISTA 5 Koss LG. Cytologic manifestation of benign disor-
ders affecting cells of the lower urinary tract. In Diag-
A citologia urinária tem papel relevante para o estabe- nostic cytology of the urinary tract: with
lecimento de conduta, principalmente se feita adequa-
histopathologic and clinical correlation. First edition.
damente. Pode ser de grande utilidade em locais onde
Philadelphia, New York. Lippincott-Raven, 1996, pp 52-
há carência de métodos diagnósticos mais sofisticados
e, em associação com a cistoscopia, oferece resultado 55.
confiável, através de metodologia não-invasiva e ba- 6 Layfield LJ, Elsheikh TM, Fili A, Nayar R, Shidam V
rata, principalmente em relação às lesões de alto grau
(for the Papanicolaou Society of Cytopathology). Re-
– para essas lesões deve-se ter em mente que a citolo-
view of the state of the art and recommendations of
gia urinária permanece como um método muito útil de
monitoramento, oferecendo, para os pacientes com the Papanicolaou Society of Cytopathology for urinary
carcinomas uroteliais superficiais de alto grau, uma cytology procedures and reporting: the Papanicolaou
sensibilidade e especificidade diagnóstica que alcança Society of Cytopathology Practice Guidelines Task
cerca de 90%. Force. Diagn Cytopathol. 2004;30:24-30.

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