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OITAVA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO


ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Apelação Cível nº 0049651-95.2020.8.19.0001

Apelante: Bradesco Saúde S/A


Apelante: Alkaparra Produções Artísticas Ltda

Relatora: Des. Mônica Maria Costa

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. PLANO DE


SAÚDE COLETIVO. INADIMPLEMENTO ANTES DO
PERÍODO DE VIGÊNCIA CONTRATUAL 12 MESES.
RESCISÃO UNILATERAL PELA OPERADORA DO
PLANO DE SAÚDE. COBRANÇA DAS
MENSALIDADES ATRASADAS E MULTA
CONTRATUAL. SENTENÇA DE PARCIAL
PROCEDÊNCIA CONDENANDO A EMPRESA RÉ
SOMENTE NO PAGAMENTO DAS MENSALIDADES
ATRASADAS. INCONFORMISMO DA OPERADORA
DE PLANO DE SAÚDE. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR. MULTA CONTRATUAL
QUE SE AFIGURA INDEVIDA. A CLÁUSULA DE
FIDELIDADE VIOLA O DIREITO E LIBERDADE DE
ESCOLHA DO CONSUMIDOR. QUESTÃO
APRECIADA POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DA
ACP Nº 0136265-83.2013.4.02.5101, QUE
CONSIDEROU ABUSIVA A MULTA OBJETO DA
PRETENSÃO MONITÓRIA. AUSÊNCIA DE
NOTIFICAÇÃO PRÉVIA DO ESTIPULANTE ACERCA
DO INADIMPLEMENTO. DECISUM QUE SE
MANTÉM.
1. Trata-se de ação monitória ajuizada por Bradesco
Saúde S/A em face da apelada, pessoa jurídica,
objetivando o pagamento das cobranças do plano
de saúde relativos aos meses de março e abril de
2019, bem como multa por rescisão contratual
decorrente de inadimplemento e antes do
transcurso do prazo de vigência de 12 meses
previsto no art. 17, parágrafo único, da Resolução
195/2009, da ANS.
2. A sentença julgou parcialmente procedente os
embargos monitórios para constituir título
executivo em favor da parte embargada e declarar o
excesso de cobrança, excluindo a multa pela
rescisão antecipada.

Assinado em 19/01/2022 18:55:36


MONICA MARIA COSTA DI PIERO:29835 Local: GAB. DES(A). MONICA MARIA COSTA DI PIERO
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3. Cinge-se a controvérsia a se apurar se incidem


as normas protetivas do consumidor e se é devida
a cobrança de multa pela rescisão do contrato de
plano de saúde após inadimplência da apelada
antes do prazo de 12 (doze) meses de vigência
contratual.. .
4. Destaque-se, inicialmente, que a relação jurídica
existente entre as partes possui natureza
consumerista, conforme os artigos 2º e 3º do
Código de Defesa do Consumidor, ratificada, ainda,
pela súmula nº 608 do Superior Tribunal de Justiça:
“Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos
contratos de plano de saúde, salvo os
administrados por entidades de autogestão.”
5. Na hipótese dos autos, o contrato de plano de
saúde, ainda que coletivo, possui somente 3 (três)
beneficiários, despontando, nesse sentido, a
vulnerabilidade do pequeno grupo hábil a atrair a
incidência das normas protetivas do consumidor.
Precedentes.
6. Apelada, nos embargos monitórios
apresentados, não nega o inadimplemento,
alegando que este ocorreu em razão de ter passado
por dificuldades financeiras, mas que não pretendia
cancelar o plano de saúde e que foi surpreendida
com a rescisão unilateral promovida pela apelante,
sem que tenha sido previamente notificada a
respeito.
7. Conforme disposto na cláusula 12.2.1, alínea "c",
do contrato de plano de saúde, em havendo atraso
no pagamento de qualquer valor contratado por
período superior a 15 (quinze) dias, caberia à
seguradora, ora apelante, comunicar o estipulante
previamente o estipulante acerca do
inadimplemento e consequentemente
cancelamento da apólice.
8. Acresça-se que a necessidade de prévia
notificação do estipulante acerca rescisão
unilateral por não pagamento de mensalidade por
período superior a 60 (sessenta) dias, também veio
expressa no artigo 13, inciso II, da Lei 9656/1998.
9. Possibilidade de rescisão contratual em caso de
inadimplemento do usuário por mais de 60 dias,
consecutivos ou não, desde que haja prévia
notificação pela operadora até o quinquagésimo dia
de atraso do pagamento.
10. Na espécie, ainda que confesso o
inadimplemento da estipulante, ora apelada, a
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apelante não comprovou que enviou notificação


àquela acerca do cancelamento de seu plano de
saúde, com antecedência mínima de 60 dias, ônus
que lhe incumbia.
11. Nesse trilhar, a rescisão contratual levada a
efeito pela seguradora de saúde revela-se abusiva e
contrária ao princípio da boa-fé contratual.
12. No que concerne à pretensão de cobrança de
multa contratual por rescisão do contrato antes do
período de 12 (doze) meses de vigência do
contrato, com base na cláusula 12.2.2, alínea “b”,
tem-se que a sentença conferiu solução acertada
ao considerá-la abusiva e reconhecer a sua
nulidade.
13. O artigo 17, parágrafo único, da Resolução
195/2009, que autorizava aos planos de saúde
estabelecerem nos seus contratos uma cláusula de
fidelidade com a cobrança de multa penitencial
quando o plano de saúde fosse cancelado antes da
vigência do período de 12 (doze) meses, foi anulado
pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região no
julgamento da ação civil pública nº 0136265-
83.2013.8.19.5101, ajuizada pelo Procon/RJ contra a
ANS, ante o entendimento de que enseja prática
abusiva ao permitir à percepção de vantagem
pecuniária injusta e desproporcional, bem como
por violar do direito e a liberdade de escolha do
consumidor de buscar um plano ofertado no
mercado mais vantajoso
14. Apelada que deve arcar com o pagamento do
plano de saúde referente aos meses de março e
abril de 2019, haja vista que esta beneficiou-se da
efetiva prestação do serviço sem a devida
contraprestação, sob pena de enriquecimento
indevido.
15. Manutenção da sentença.
16. Desprovimento do recurso.

DECISÃO

BRADESCO SAÚDE S/A ajuizou ação monitória em face de


ALKAPARRA PRODUÇÕES ARTÍSTICAS LTDA. Narra, em síntese, que,
em 07/08/2018, as partes firmaram contrato de seguro de saúde para
cobertura médica aos funcionários da ré, representado pela apólice n.º
472183. Todavia, a autora afirma que, a partir de abril de 2019, a
embargante deixou de efetuar o pagamento das mensalidades, razão pela
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qual, após o inadimplemento contratual de 60 dias, cancelou o Plano de


Saúde. Alega que, em decorrência do fato de o negócio jurídico ter
vigorado por 10 meses, aduz o autor que o segurado não respeitou o
período mínimo de vigência dos contratos de saúde de 12 meses, previsto
na resolução 195, em seu Art. 17, § único. Afirma que, de acordo com o
contrato celebrado entre as partes, a apólice de seguro cancelada em
período inferior ao supracitado gera multa contratual equivalente a três
vezes o valor da última fatura emitida. Requer a condenação da ré ao
pagamento de R$ 16.350,53 (dezesseis mil, trezentos e cinquenta reais e
cinquenta e três centavos), dívida referente ao valor de duas
mensalidades não pagas, além da multa ante a rescisão antecipada do
contrato de saúde empresarial. Petição inicial instruída com os
documentos de fls. 11/94.

Embargos monitórios ofertados pelos réus às fls. 112/124,


sustentando os seguintes argumentos: (i) que o cancelamento da apólice
se deu de forma ilegal e arbitrária, em decorrência de a Embargada não
ter enviado à Embargante qualquer aviso prévio comunicando a rescisão;
(ii) que, em razão do cancelamento ter sido uma rescisão unilateral
praticada pela Autora, a multa cobrada deve ser excluída; (iii) a aplicação
do Código de Defesa do Consumidor nas relações planos de saúde.
Requer a improcedência da ação monitória e, caso assim não se entenda,
que seja excluída a multa contratual.

Deferimento da gratuidade de justiça à ré às fls. 149.

Réplica apresentada às fls. 155/171.

Sentença prolatada às fls. 236/238, julgando procedente em


parte os embargos monitórios para (i) constituir título executivo em favor
da parte embargada no valor correspondente aos meses de março e abril
de 2019; (ii) declaro o excesso de cobrança, e excluo a multa pela
rescisão antecipada, prevista na cláusula 12.2.2. Correção monetária se
dará pelo índice adotado pela Corregedoria Geral da Justiça. Juros de 1%
a.m. incidirão a partir da citação. Despesas processuais pro rata,
observada a JG; sem honorários advocatícios face à sucumbência
proporcional, ex vi artigo 86 do CPC.

Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação às fls.


221/235, sustentando a não incidência do Código de Defesa do
Consumidor; as condições de rescisão do plano de saúde coletivo estão
previstas nas cláusulas 12.2.2 e 12.2.3 das condições gerais do contrato
de seguro, e que a Estipulante Apelada foi quem deixou de efetuar o
pagamento das mensalidades, ensejando, consequentemente, a rescisão
contratual, sem apresentar qualquer justificativa nem tampouco comunicar
a seguradora Apelante; a Apelada não notificou a Embargada quanto ao
seu desejo de finalização do contrato firmado no período de 60 dias
anteriores à finalização do pacto, cabendo à embargante o ônus da prova
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do cancelamento; a inadimplência da Apelada não cancela


automaticamente o contrato de seguro, pois este deverá permanecer ativo
por mais 60 (sessenta) dias após a comunicação da parte contrária, por
força das cláusulas 12.2.2 e 12.2.3; durante o período de inadimplência, o
contrato de seguro saúde permaneceu vigente e o serviço continuou a ser
prestado em benefícios dos beneficiários indicados pela estipulante
Apelado. Requer o provimento do recurso, para que seja constituindo em
favor da Autora Apelante o título executivo judicial no valor da multa
contratual, qual seja, a quantia de R$ 8.335,50 (oito mil trezentos e trinta
e cinco reais e cinquenta centavos), acrescido de juros e correção
monetária desde a data de vencimento, além da condenação da Apelada
ao pagamento de custas e honorários advocatícios.

Contrarrazões apresentadas às fls. 244/251.

É o relatório. Decido.

O recurso é tempestivo, estando presentes os demais


requisitos de admissibilidade.

Trata-se de ação monitória ajuizada por Bradesco Saúde


S/A em face da apelada, pessoa jurídica, objetivando o pagamento das
cobranças do plano de saúde relativos aos meses de março e abril de
2019, bem como multa por rescisão contratual decorrente de
inadimplemento e antes do transcurso do prazo de vigência de 12 meses
previsto no art. 17, parágrafo único, da Resolução 195/2009, da ANS.

A sentença julgou parcialmente procedente os embargos


monitórios para: (i) constituir título executivo em favor da parte embargada
no valor correspondente aos meses de março e abril de 2019; (ii) declarar
o excesso de cobrança, e excluir a multa pela rescisão antecipada.

Cinge-se a controvérsia a se apurar se é devida a cobrança


de multa pela rescisão do contrato de plano de saúde após inadimplência
da apelada antes do prazo de 12 (doze) meses de vigência contratual.

Destaque-se, inicialmente, que a relação jurídica existente


entre as partes possui natureza consumerista, conforme os artigos 2º e 3º
do Código de Defesa do Consumidor, ratificada, ainda, pela súmula nº
608 do Superior Tribunal de Justiça: “Aplica-se o Código de Defesa do
Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por
entidades de autogestão.”

Vale destacar que na hipótese dos autos, em que o contrato


de plano de saúde, ainda que coletivo, possui somente 3 (três)
beneficiários (fls. 20), despontando, nesse sentido, a vulnerabilidade do
pequeno grupo hábil a atrair a incidência das normas protetivas do
consumidor.
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A propósito, a orientação do Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO


ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE C/C
OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONTRATO COLETIVO DE
PLANO DE SAÚDE COM MENOS DE TRINTA
USUÁRIOS. RESILIÇÃO. NECESSIDADE DE MOTIVO
IDÔNEO. AGRUPAMENTO DE CONTRATOS. LEI
9.656/98. RESOLUÇÃO ANS 195/2009 E RESOLUÇÃO
ANS 309/2012. CONTRATO COLETIVO DE PLANO DE
SAÚDE. RESILIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
NECESSIDADE DE CONTINUIDADE DE
TRATAMENTO. SÚMULA 568 DO STJ.
1. Ação declaratória de nulidade de cláusula contratual
c/c obrigação de fazer. Plano de saúde coletivo
empresarial.
2. O artigo 13, parágrafo único, II, da Lei n° 9.656/98, que
veda a resilição unilateral dos contratos de plano de
saúde, não se aplica às modalidades coletivas, tendo
incidência apenas nas espécies individuais ou familiares.
Precedentes das Turmas da Segunda Seção do STJ.
3. A regulamentação dos planos coletivos empresariais
(Lei n° 9.656/98, art. 16, VII) distingue aqueles com
menos de trinta usuários, cujas bases atuariais se
assemelham às dos planos individuais e familiares,
impondo sejam agrupados com a finalidade de diluição
do risco de operação e apuração do cálculo do percentual
de reajuste a ser aplicado em cada um deles (Resoluções
195/2009 e 309/2012 da ANS).
4. Nesses tipos de contrato, em vista da vulnerabilidade
da empresa estipulante, dotada de escasso poder de
barganha, não se admite a simples rescisão unilateral
pela operadora de plano de saúde, havendo necessidade
de motivação idônea. Precedentes.
5. É abusiva a rescisão contratual de plano de saúde,
individual ou coletivo, por parte da operadora, durante o
período em que a parte segurada esteja submetida a
tratamento de emergência ou de urgência, garantidor da
sua sobrevivência e/ou incolumidade física. Precedentes.
6. Agravo interno no recurso especial não provido. (AgInt
no REsp 1862008/SP. Rel. MINISTRA NANCY
ANDRIGHI. TERCEIRA TURMA. Julgado em
22.06.2020).

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO


ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE COLETIVO
EMPRESARIAL. CATEGORIA. MENOS DE 30
(TRINTA) BENEFICIÁRIOS. RESCISÃO
UNILATERAL. PLANO INDIVIDUAL E COLETIVO.
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CARACTERÍSTICAS HÍBRIDAS. APLICAÇÃO DO


CDC. VULNERABILIDADE CONFIGURADA.
MOTIVAÇÃO IDÔNEA. NECESSIDADE.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS.
1. As avenças coletivas com número pequeno de
usuários possuem natureza híbrida, pois ostentam
valores similares aos planos individuais, já que há
reduzida diluição do risco, além de possuírem a
exigência do cumprimento de carências e, em
contrapartida, estão sujeitos à rescisão unilateral
pela operadora e possuem reajustes livremente
pactuados, o que lhes possibilita a comercialização
no mercado por preços mais baixos e atraentes.
2. Inquestionável a vulnerabilidade dos planos
coletivos com quantidade inferior a 30 (trinta)
beneficiários, cujos estipulantes possuem pouco
poder de negociação diante da operadora, sendo
maior o ônus de mudança para outra empresa caso
as condições oferecidas não sejam satisfatórias.
3. Não se pode transmudar o contrato coletivo
empresarial com poucos beneficiários para plano
familiar a fim de se aplicar a vedação do art. 13,
parágrafo único, II, da Lei n. 9.656/1998, porém, a
rescisão deve ser devidamente motivada, incidindo a
legislação consumerista.
4. Embargos de divergência providos.
(EREsp 1692594/SP, Rel. Ministro MARCO
AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado
em 12/2/2020, DJe 19/2/2020)

In casu, observa-se que a apelada, nos embargos monitórios


apresentados, não nega o inadimplemento, alegando que este ocorreu
em razão de ter passado por dificuldades financeiras, mas que não
pretendia cancelar o plano de saúde e que foi surpreendida com a
rescisão unilateral promovida pela apelante, sem que tenha sido
previamente notificada a respeito.

Destaque-se que conforme disposto na cláusula contratual


12.2.1., alínea "c" (fls. 60)1, em havendo atraso no pagamento de
1
12.2. RESCISÃO

12.2.1. Constituem causas de rescisão motivada do contrato:

c) o atraso no pagamento de qualquer valor contratado por período superior a 15 (quinze) dias,
desde que o Estipulante tenha sido notificado previamente, sem prejuízo do direito da
Seguradora requerer judicialmente a quitação dos valores devidos, com suas consequências
moratórias.
265

qualquer valor contratado por período superior a 15 (quinze) dias, caberia


à seguradora, ora apelante, comunicar o estipulante previamente o
estipulante acerca do inadimplemento e consequentemente cancelamento
da apólice.

Acresça-se que a necessidade de prévia notificação do


estipulante acerca rescisão unilateral por não pagamento de mensalidade
por período superior a 60 (sessenta) dias, também veio expressa no
artigo 13, inciso II, da Lei 9656/1998, in verbis:

Art. 13. Os contratos de produtos de que tratam o


inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei têm renovação
automática a partir do vencimento do prazo inicial
de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou
qualquer outro valor no ato da renovação.
Parágrafo único. Os produtos de que trata o caput,
contratados individualmente, terão vigência mínima
de um ano, sendo vedadas:
(...)
II - a suspensão ou a rescisão unilateral do
contrato, salvo por fraude ou não-pagamento da
mensalidade por período superior a sessenta
dias, consecutivos ou não, nos últimos doze
meses de vigência do contrato, desde que o
consumidor seja comprovadamente notificado
até o qüinquagésimo dia de inadimplência.

Com efeito, não se olvida a possibilidade de rescisão


contratual em caso de inadimplemento do usuário por mais de 60 dias,
consecutivos ou não, desde que haja prévia notificação pela operadora
até o quinquagésimo dia de atraso do pagamento.

Na espécie, ainda que confesso o inadimplemento do


estipulante, a apelante não comprovou que a apelada, foi notificada,
acerca do cancelamento de seu plano de saúde, com antecedência
mínima de 60 dias, ônus que lhe incumbia.

Nesse trilhar, a rescisão contratual levada a efeito pela


seguradora de saúde revela-se abusiva e contrária ao princípio da boa-fé
contratual.

A esse respeito, traz-se à colação os seguintes excertos de


arestos:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. AÇÃO DE


OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO.
266

SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. PLANO DE SAÚDE


COLETIVO. CANCELAMENTO POR MORA.
LEGITIMIDADE PASSIVA DA OPERADORA DE SAÚDE.
TEORIA DA ASSERÇÃO. O CANCELAMENTO DO
PLANO DE SAÚDE É INCONTROVERSO. A PRÓPRIA
AUTORA ASSUME QUE QUITOU AS MENSALIDADES
COM ATRASO. LEGITIMIDADE. EM QUE PESE A
INADIMPLÊNCIA DA AUTORA, IMPUNHA-SE À
EMPRESA RÉ, A PRÉVIA NOTIFICAÇÃO COM
ANTECEDÊNCIA DE 60 DIAS, O QUE NÃO FOI
COMPROVADO. DANO MORAL CONFIGURADO,
QUANTUM INDENIZATÓRIO NO PATAMAR DE R$
5.000,00 (CINCO MIL) ADEQUADO AOS PRINCÍPIOS
DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE.
AUSÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA PRATICADA PELA
APELANTE. PROVIMENTO DO RECURSO PARA
AFASTAR A CONDENAÇÃO, DO SEGUNDO RÉU, AO
PAGAMENTO DE DANOS MORAIS. 1. Art. 17 Resolução
195/2009 - As condições de rescisão do contrato ou de
suspensão de cobertura, nos planos privados de
assistência à saúde coletivos por adesão ou empresarial,
devem também constar do contrato celebrado entre as
partes. Parágrafo único. Os contratos de planos privados
de assistência à saúde coletivos por adesão ou
empresarial somente poderão ser rescindidos
imotivadamente após a vigência do período de doze
meses e mediante prévia notificação da outra parte com
antecedência mínima de sessenta dias (grifou-se); 2. A
Autora alega rescisão unilateral do contrato de plano de
saúde por mora, afirmando que não houve a notificação
com prazo de 60 dias, e ainda, que o período de
inadimplência não ultrapassou os 60 dias corridos ou
intercalados; 3. Rescisão do contrato pela operadora; 4.
No caso em tela, apesar de demonstrado o
inadimplemento superior a 60 dias, no período de um
ano, a parte ré não comprovou que a autora, foi
pessoalmente notificada acerca do cancelamento de seu
plano de saúde, com antecedência mínima de 60 dias.
5. Neste cenário, a ré, não comprovou que cumpriu, o
disposto no regramento dos artigos 17, parágrafo único,
da Resolução nº 195/2009, ônus que lhe cabia, conforme
disposto no artigo 373, II, do CPC; 6. Danos morais
configurados e mantidos em R$ 5.000,00; 7. O
entendimento desta Relatora, é no sentido de que a
Qualivida, seria a única responsável pela administração
dos pagamentos realizados pelos contratantes, razão
pela qual, ante a ausência de recusa de atendimento
médico, não há prova de conduta ilícita praticada pelo
segundo réu, Unimed, a ensejar a sua responsabilidade
pelos fatos ocorridos; 8. Reforma da sentença para julgar
improcedentes os pedidos em face do segundo réu,
afastando a condenação solidária ao pagamento da
267

indenização por danos morais; 9. Precedentes: 0029119-


62.2018.8.19.0004 - APELAÇÃO Des(a). EDUARDO
GUSMAO ALVES DE BRITO NETO - Julgamento:
21/07/2020 - DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL e
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0061383-62.2011.8.19.0042 -
Des(a). WERSON FRANCO PEREIRA RÊGO -
Julgamento: 30/10/2019 - VIGÉSIMA QUINTA CÂMARA
CÍVEL. 10. Recurso conhecido e provido. (0057028-
20.2020.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). JDS ISABELA
PESSANHA CHAGAS - Julgamento: 27/04/2021 -
DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL)

Apelação Cível. Direito do Consumidor. Cancelamento de


plano de saúde por inadimplemento. Pedidos de
restabelecimento do plano de saúde nos mesmos
moldes, de indenização por danos morais e
subsidiariamente de devolução dos valores pagos após o
cancelamento. Autora que atrasou o pagamento das
parcelas de março a junho, especialmente a de abril,
paga somente em julho. Ré que afirma ter cancelado o
contrato em 19 de junho de 2018, mediante prévia
notificação. Sentença de parcial procedência.
Acolhimento apenas do pedido subsidiário de restituição
do valor pago após o cancelamento do plano. Apelo
autoral. 1- Ao admitir a rescisão unilateral por
inadimplência superior a 60 dias, o art. 13, parágrafo
único, II, da Lei 9.656/98 exige a prévia notificação do
consumidor até o quinquagésimo dia de inadimplência. 2-
Autor que não foi previamente notificado. 3- Consumidor
que se viu privado do plano de saúde contratado por
longo período. Dano moral caracterizado. 4- Parcial
provimento do recurso para condenar a ré a restabelecer
o plano de saúde do autor, nos mesmos moldes do
contrato originalmente firmado em 2007, mediante o
pagamento das respectivas mensalidades, afastando, por
conseguinte, a condenação referente ao pedido
subsidiário de devolução dos valores pagos após o
cancelamento, e a pagar R$ 5.000,00 a título de
indenização por danos morais. (0029119-
62.2018.8.19.0004 – APELAÇÃO Des(a). EDUARDO
GUSMAO ALVES DE BRITO NETO - Julgamento:
21/07/2020 - DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL)

No que concerne à pretensão de cobrança de multa


contratual por rescisão do contrato antes do período de 12 (doze) meses
de vigência do contrato, com base na cláusula 12.2.2, alínea “b”2 (fls. 61),

2
12.2.2. Antes do término dos primeiros 12 (doze) meses de vigência deste contrato, é
facultado a qualquer das partes solicitar a sua rescisão, mediante comunicação escrita
dirigida à outra parte, com antecedência mínima de 60 (sessenta) dias, observadas as
condições descritas adiante:
a) na hipótese prevista na alínea “b” do subitem anterior, sem ônus; ou
268

tem-se que a sentença conferiu solução acertada ao considerá-la abusiva


e reconhecer a sua nulidade.

A uma porque foi a própria seguradora quem rescindiu de


forma unilateral o contrato, não podendo, por tal razão, imputar ao
estipulante o pagamento de multa pecuniária.

A duas porque o artigo 17, parágrafo único, da Resolução


195/2009, que autorizava aos planos de saúde estabelecerem nos seus
contratos uma cláusula de fidelidade com a cobrança de multa penitencial
quando o plano de saúde fosse cancelado antes da vigência do período
de 12 (doze) meses, foi anulado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª
Região no julgamento da ação civil pública nº 0136265-
83.2013.8.19.5101, ajuizada pelo Procon/RJ contra a ANS, ante o
entendimento de que enseja prática abusiva ao permitir à percepção de
vantagem pecuniária injusta e desproporcional, bem como por violar do
direito e a liberdade de escolha do consumidor de buscar um plano
ofertado no mercado mais vantajoso, senão vejamos:

ADMINISTRATIVO. PLANO DE SAÚDE COLETIVO.


ART. 17 DA RESOLUÇÃO 195 DA ANS. APLICAÇÃO
DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
CLÁUSULA DE FIDELIDADE. ABUSIVIDADE. -Rejeitada
a alegação de intempestividade recursal aduzida pela
parte apelada, na medida em que, não obstante o recurso
de apelação tenha sido interposto antes do julgamento
dos embargos declaratórios, a parte ré, após o
julgamento dos referidos embargos, ratificou o apelo,
conforme se depreende da petição de fl. 105. -A
controvérsia sobre a validade e o conteúdo das cláusulas
do contrato de plano de saúde coletivo atrai a aplicação
das normas do Código de Defesa do Consumidor, haja
vista os beneficiários do plano de saúde se enquadram
no conceito de consumidor, pois utilizam os serviços na
condição de destinatários finais, previsto no art. 2º da Lei
8078/90, e as empresas de plano de saúde se
enquadram no conceito de fornecedor de serviços, uma
vez que prestam serviços de assistência à saúde,
mediante remuneração, nos termos do que dispõe o art.
3º, caput e §2º, do mesmo Diploma Legal. - O verbete nº
469 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça formou
diretriz de que: “Aplica-se o Código de Defesa do
Consumidor aos contratos de plano de saúde". -A relação
firmada em contrato de plano de saúde coletivo é
consumerista, ainda que decorrente da relação triangular
entre o beneficiário, o estipulante e a seguradora/plano

b) imotivadamente, ou se motivada pelo Estipulante por qualquer das nas hipóteses


previstas nas alíneas “a”, “c”, “d” e “e” do subitem 12.2.1, condicionando o
mesmo ao pagamento de multa pecuniária equivalente a 3 (três) vezes o valor da
última fatura emitida.
269

de saúde, pois, embora se assemelhe ao puro contrato


de estipulação em favor de terceiro, dele difere na
medida em que o beneficiário não apenas é titular dos
direitos contratuais assegurados em caso de sinistro, mas
também assume uma parcela ou a totalidade das
obrigações, qual seja, o pagamento da mensalidade ou
prêmio. -A autorização, concedida pelo artigo 17 da
RN/ANS 195/2009, para que os planos de saúde
coletivos estabeleçam, em seus contratos, cláusulas
de fidelidade de doze meses, com cobrança de multa
penitencial, caso haja rescisão antecipada dentro
desse período, viola o direito e liberdade de escolha
do consumidor de buscar um plano ofertado no
mercado mais vantajoso, bem como enseja à prática
abusiva ao permitir à percepção de vantagem
pecuniária injusta e desproporcional por parte das
operadoras de planos de saúde, ao arrepio dos inciso
II e IV, do art. 6º, do CDC. -Remessa necessária e
recurso desprovidos (Apelação cível 0136265-
83.2013.4.02.5101, Turma Especializada III –
Administrativo e Cível, Rel. Des. VERA LUCIA LIMA,
julgado em 06/5/2015).

Na mesma linha de intelecção, os julgados deste Sodalício:

APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE COLETIVO.


AÇÃO MONITÓRIA OBJETIVANDO A COBRANÇA DOS
PRÊMIOS NÃO PAGOS E MULTA CONTRATUAL POR
RESCISÃO SEM OBSERVÂNCIA DO PRAZO MÍNIMO
DE 12 MESES DE VIGÊNCIA CONTRATUAL.
SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA,
RECONHECENDO SER DEVIDO TÃO SOMENTE O
DÉBITO APONTADO QUANTO AOS VALORES NÃO
PAGOS NA VIGÊNCIA DO CONTRATO, AFASTANDO A
INCIDÊNCIA DA MULTA. PRETENSÃO RECURSAL
ARTICULADA PELA OPERADORA DO PLANO DE
SAÚDE AO ARGUMENTO DE NÃO INCIDÊNCIA DO
CDC E LEGALIDADE DA MULTA COBRADA.
INCONFORMISMO QUE NÃO MERECE PROSPERAR.
APLICAÇÃO DAS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR. VERBETE Nº 469, DA SÚMULA DO
STJ E PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.
RESCISÃO POR INADIMPLÊNCIA DO CONTRATANTE
DENTRO DO PERÍODO DE VIGÊNCIA (12 MESES).
MULTA PENITENCIAL. DESCABIMENTO. A CLÁUSULA
DE FIDELIDADE VIOLA O DIREITO E LIBERDADE DE
ESCOLHA DO CONSUMIDOR. QUESTÃO APRECIADA
POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DA ACP Nº 0136265-
83.2013.4.02.5101, QUE CONSIDEROU ABUSIVA A
MULTA OBJETO DA PRETENSÃO MONITÓRIA.
PERCEPÇÃO DE VANTAGEM PECUNIÁRIA INJUSTA E
DESPROPORCIONAL POR PARTE DAS
270

OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE, AO ARREPIO


DOS INCISOS II E IV, DO ART. 6º, DO CDC.
SENTENÇA ESCORREITA. DESPROVIMENTO DO
RECURSO.
(0020852-80.2018.8.19.0205 - APELAÇÃO. Des(a).
ALVARO HENRIQUE TEIXEIRA DE ALMEIDA -
Julgamento: 09/09/2021 - DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA
CÍVEL)

Apelação Cível. Relação de consumo. Ação de cobrança.


Contrato de seguro de saúde coletivo empresarial.
Sentença de procedência. Recurso da ré. Em
cumprimento da decisão proferida pela Oitava Turma
Especializada do Tribunal Regional da Segunda Região,
na ação civil pública ajuizada pelo PROCON em face da
ANS, a regra do parágrafo único, do artigo 17, da
Resolução Normativa nº 195, que autorizava a cláusula
de fidelidade pelo período de doze meses, foi anulada,
por permitir à percepção de vantagem pecuniária injusta
e desproporcional das operadoras de planos de saúde,
ao arrepio dos incisos II e IV, do artigo 6º, do Código de
Defesa do Consumidor. Sentença que incluiu na
condenação a obrigação principal, relativa ao não
pagamento dos prêmios vencidos, mais a multa
penitencial compensatória decorrente da rescisão
antecipada, o que não pode ser admitido ante à ausência
de amparo legal. Provimento do recurso, para reformar
parcialmente a sentença recorrida e excluir da
condenação o valor correspondente à multa.
(0006653-78.2017.8.19.0208 - APELAÇÃO. Des(a).
LUCIANO SABOIA RINALDI DE CARVALHO -
Julgamento: 27/07/2021 - SÉTIMA CÂMARA CÍVEL)

Tecidas tais considerações, ressalte-se, por outro lado, que


a apelada deve arcar com o pagamento do plano de saúde referente aos
meses de março e abril de 2019, haja vista que esta beneficiou-se da
efetiva prestação do serviço sem a devida contraprestação, sob pena de
enriquecimento indevido.

Dessume-se que não merece qualquer retoque o decisum


objurgado que acolheu em parte os embargos monitórios para constituir
título executivo em favor da parte embargada no valor correspondente
aos meses de março e abril de 2019 e declarar o excesso de cobrança,
determinando-se a exclusão da multa pela rescisão antecipada, prevista
na cláusula 12.2.2.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso. Honorários


recursais majorados em 2% sobre o quantum fixado na sentença (fls.
274), nos termos do artigo 85, §11 do Código de Processo Civil.
271

Rio de Janeiro, ___ de _________ de 2022.

Mônica Maria Costa


Desembargadora Relatora

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