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"" Wcrbntr. 197 5; J,ickson. 1977; L.1,1 e ChavunJuka, l ')86; James, 1988; Lleviscl1, 19') 1; l'tck.
199 1 a; P,ukin l 991.
207
revelação , q ue se cria
e é simul taneament
e c riado pelo s enti
Neste quadro , a ad1. vm
.
hação constitui-se como um r
do da descoberr
a. rosamente de finidas, o mundo social e o natural estão unidos num ini1níverso
e se m fórmula fixa ,
itual exploratório,
var i
J· · •
se ndo re fe ito e re á v el
•
,osmol6g1co mais vasto-· .
'll
criado em cad a sessã o panicu
Uma �bordagem ho lís tica d lar22s •,:i · Ass i·m a chuva deve cair na sua época normal, as culturas deverr cn:i:re scer,
os siste mas de adivin
fortes mterre laçõ es entre o ind hação revela a existênci d� t.
ivíduo e o grupo social229, en tre a ,·is· pessoas �ão devem ficar doentes e as crianças não devem morre n S�e este
� o sob re nat ural, e ntre aco ntecimen o mu nd n atura) · <l c;i• a d a
tadO d e h a rmo nia falha, a d e s ar m o nia é vi s ta co m o c ons e qu.na
o
tos passados e actuai s . Tod
mter relações são analisadas e as estas �
,n1terve nça· o maligna dos valo11i J (mágicos e fei t ice ir• os) ou co mo UITu s� s�nç ão
. . expo stas no curso
do processo de a d ivinhaç
espmt ua. l Assim . , a adivinhação investiga
o e stado da s relaç
ao ,·.,11 u os espm , ·cos dos antepass ad por compo rtam ento mco rrec to (Renm,
os · u ] J 973 ) .
vi_"da do� •�
. d'1víduos, procurando enco õ es oci ais na ," 5e houver equilíbrio e har monia nas re l�ções e_ntre os seres hu ma1,º llo5 � os
s
ntrar as causas sociais para as .··•�W��
e mfon unios que
os afli e m.
d oenças ... ados , en tre as pess o as e o me10 ambi ente , o resultado sea. ��. �a ude .
g
. Ao contrário da adivinhaçã .,1.11odavia, · se de algum modo esse equilíbrio e ha rmoma forem queha•t aJos, o
o, o proc esso de , .
paruc u lar mente o corpo fís ic tratamento e c u ra visa .
o e a e liminação
dos sinto mas somáticos i bem-estar dos se res human os ficará am eaçado . Ha, assim: um ºfrrnJUn to
doença. Co� tudo, a _dicotomi da ' complexo de normas e de prá ticas que regulam a manutençao do b:rntm-estar
a Cartesiana que separa de for
� a m,e� te nao se ap�1ca neste co ma r ígida O c po
ntexto particular. Aqui, o conc
or
e -da harmonia na socied ade .
e ho l_m1co e pr econ eito de doença
iza a interdependência entre
o corpo e a m ente
o e feito dos aspec tos , ou seja,
sociais e emocion ais sobre os
aspectos físicos2.l11•
d e a_nalisar os p roc es sos de Antes Doenfas simples e complexas
adivinhação e de c ur a, im
conside r aç ão o conceito de d p or ta tomar e m
oença subj acente
às funçõ es do nyamusoro.
A etiologia da doença nas sociedad es africanas tem sido cl:;�ii.i�cada
por vários au to re s em duas categorias principai s : as doenças «n atud1��ie1_cas »,
Noções Locais d e Doe nça consideradas naturais ou nor mais por serem caus adas por fo rças e c::>�d1çoes _
e de Cu ra
naturai s ; e as doenças s obre natu rais ou anorm ais, que são caus.d�� pela
A saúde é tida com o um esta intervenção activa e propositada de agentes humanos e sobre-hun ... � no s -
do natural de todos os seres hu
iss o , estar co m falta de saú manos . Por espíritos do s antepassados , mágicos e feit ic ei ro� 2·n. West_er_l�nd (1 1 8•;��) le�a
d e indica um estad o de an
desequilíbrio: não só físico ma o r ma lida de de esta classificação m ais longe es tabelecendo m ais u ma �1v1sao na :a1,11t_egona
s também social. A saúde é, .
abord ada mais em termos por consegu inte,
das doenças «per sonalís ticas». Ele separ a as doenças religio sas - P í>Vv�oca s
de u m processo de ��
term_os de um processo corp vi da do que simplesm
ente em
oral e, logo , ad quire
por entidades sob re -humanas como Deus e os espíritos � as doenias . f-õOc1a1s
um a dimensão maí s a mpla � _
relauva� e nte aos - causadas po r seres humanos através da magia e da fe mçana.
conceitos biomédicos. Saúde
h armomosas entre os seres de fin e-se, assim, pel as relações
humanos e o m eio am bi ente, Con tud o, a minha inv estigação revela que, no caso de Mo9frtti_,1q ue,
ant e pa s s ados e e n t r e · es t e entre eles e os s eus _
esta divisão d a cat egoria sobre natural em religioso e soci al é algo protietr:r1átlca,
s e o m e10 am bie nt e . Mais
do q ue es fera s
pois coloca os espíritos dos mortos fo ra do mundo social. _Ne ste col t ��,tª º' os
espíritos perte nce m ao soci a l e constituem uma parte a tiva do q• 0 �iiod1an
.
� �
Em bora no pensa m ento ocidental a noção de ca paci d ad e de ;;r::ç :�, o sep
m Werbner, 1989: 19.
m Ver Ponicr, 1 ?85.
'-'" L1sr, 1986:3.
m Ver ramb.'m Nordstrom, 1990, sobre os conceitos de doença na Zambé';:ia - narre de fo , a mbiquc.
!.I! Fostcr, 1976; Ngubanc, 1977: Chavunduka, i;.,,
1986; Nordstrom, 1990.
209
simples, mas de uma doença
a utón oma, porque o s human os estão separados da div indade, n este caso procurar a «tradição", pois não se trata de uma doença
r com a ajud.1 dos sviku.1emb u (espíritos dos
seres humanos e espíritos co mam-se uma entidade única: os espíritos possuem grave que só os tin)'1mga podem resolve
pessoas, vivem e crescem em pessoas, falam através de pessoas211 • Os seres antepassadnsr34•
h umanos e os espíritos podem, porta nto, ser considera dos ontologicamente
ram
como parte integrante uns dos outros. C ontudo, alguns informantes nas zonas urbanas e semi- urbanas disse
, vão primeiro ao
Desce m od o , prefi ro ut ilizar a dist i nçã o e ntre doe n ças simples e que quando têm dores de cabeça ou malária, por exemplo
roblema vão
complexas para evitar termos como normal/anormal, natural/sobrenatural hospital. Se aí não conseguem encontrar solução para o u p se '.
ou mesmo os termos nacuralíscica/person alística de Foscer. A dicotomia entre , aos p atican es de medic ina «c adici onak Outros afirm ara� �ue e
en t ã o r t r
_ _
s as m�utu1çoes.
doenças simples e complexas parece reflectir melhor a maneira como estes muito freque nte procurarem aj uda simultaneamente em amba_ _
10med1cma, �m
fenómenos são concebidos na re gião sul de Moçambique. Este procedimento só funcí ona para quem tem acesso à b_
o de a ma10r
D oenças como a t osse, constipação , dores de cabeça, febre ligeira e particular nas zonas urbanas e semi-ur banas. N�s zonas r�ra1s, �
uda durante
dores de estômago, geralmente consideradas simples por serem provocadas Parte dos poucos centros médicos modernos existentes fo, descn · · ,is
catI�elf�·- , a
por condições naturais (micróbios, bactérias, má alimentação, ecc.), ocorrem a recente guerra civil e o seu pessoal morto ou mant1.do e �
nstanc1as, os
de vez em quando na vida das pessoas e são transitórias. Aliás, se um indivíduo população tem acesso apenas à cura tradicional e, nessa� C1r cu
oença.
cem uma destas doenças mas tudo o mais na sua vida está bem e em e q uilíbrio, praticantes de medicí na tradicional tratam de todos os t1pos de �
co m o
a doença não é considerada co mplexa nem uma ameaça, sendo relativamente As doença s co mplexas alteram a vida das pesso as e são vistas
iais q ue definem um mundo s oc ial
fácil de curar. Tratamento médico à base de remédios de ervas e conselhos uma violação das normas e val ores s oc
maligna em
sobre o est ilo de vida, a alimentação e actividades a realizar ou a evitar são, sa udável. Reflectem ausê n cia de harmo nia social e inte nção
c o mp e t içã o
em geral, su ficientes para conseguir a cura. O tratamento t ambém pode ser vi r t u de d e s e rem, muit a s vezes, fru to de co nfli to e de
. Este tipo
ministrado pelo hospital ou por qualquer instituição moderna de assistência interpessoais ou uma sanção por comportame nto social incorrecco _
médica. c m um ac ntecim en que ai c a cur s o no rmal da vida
de doença é visc o o o o to er o
no atr avés
Pelo contrário, se a do ença persiste por muito tempo e afecca a vida do de um in divíduo. Tais doenç as podem manifestar-se no corpo huma
xas, não só
i ndivíduo , considera-se que é grave e constitui uma ameaça, não só à vida da de uma sintomato logia específica. Trata-se de doenças comple
do doe nte.
p essoa como à da família e parentes. Deste modo , a distinção simples/ destrutivas como perigosas, pois en volvem vár ios aspectos da vida
er ate nção
co mplexa base ia-se na graduação com que a doença afecta o u interfere na O processo de cura é, por conseguinte , mais intrincado por requer
s têm, em
vida da pessoa e na dos seus mais próximos. Alguns informa ntes explicaram a questões q ue vão para além do desconforto físico. Estas doença
ulaç�o
qu e decidem onde procurar aj uda hospital ou pratica nte de medicina geral, uma tr ipla etiologia : primeiro, as contraí�as a�ravés da manip
o , as que sao
<<tradicional» - consoante as circunst âncias que rodeiam a sua doença. não intencional d as condições ecológicas ou amb1enta1s; segund
cadas por
provocadas pel o poder d os ante passado s; e terce iro, as prov o
... quando não me sírito bem, dóí-me o corpo todo e tenho febre(... ) vou ao intenções malignas. . . .
ex1snr
hospital. Mas quando afebre persiste e, por exemplo, se os meusfilhos estão ou tiverem As con dições ecológicas podem causar doenças, em virtude de
estadn doentes, se tenho problemas com a minha mulher, se o meu trabalho não vai bem, uma re lação espe cial e ntre os i ndivíduo
s e o meio ambiente. Em r egiões
ou se ultimamente adoeço muitas vezes, ou até se não ando com sorte, então tenho que
'-'·1 Enrrevisca co m Race Cossa, realizada em Mapuco cm Junho de 1993.
2.1.1 Ver e ítulos I e 6. ?-'' Ver capículo 8 sobre o ímpacco da guerra e o processo de reco nstrução socíal.
211
210
diferences existem condições ambientais também diferentes, por isso as faz muito sentido uma vez que o meio ambiente deixa de ser considerado
pessoas adaptam-se ao meio que as rodeia. As pessoas são protegidas pelos natural devido à interferência da acção dos seres humanos, como se viu nos
seus antepassados contra os perigos do meio ambiente e reforçam essa exemplos acima apresentados.
procecção com rituais especiais que se estendem igualmente às casas e aos O segundo tipo de causas liga-se aos poderes dos espíritos ancestrais,
campos. Crê-se que os seres humanos podem tornar o meio ambiente perigoso por existir uma relação de dependência entre os i ndivíduos e os seus
ao depositarem substâncias nocivas que podem trazer doenças ou desgraça antepassados falecidos. Esta interacção entre os dois mundos é percepcível
aos que por lá passam. Também pode ser poluído por elementos de doenças nas crenças cosmológicas sobre os espíritos ancestrais, considerados como
que, segundo se crê, terão sido libertados pelos corpos dos doentes e lançados entidades reais cuja acção interfere na vida do indivíduo e da comunidade.
no meio ambiente. Neste contexto, os espíritos dos antepassados protegem os seus descendentes
Armando Muianga, um nyamusoro de Banhine, que amavelmente e a comunidade contra a doença, o infortúnio, a feitiçaria e a magia e também
partilhou comigo as suas experiências, contou a seguinte história: contra os perigos ecológicos. No entanto, eles também podem retirar a sua
procecção e até provocar doenças a quem não se comportar em conformidade
Em Banhine, durante a guerra, um comandante da Renamo matou um nyanga com os valores e normas sociais. As doenças são, portanto, uma maneira de
que não queriajuntar-se nem trabalhar para eles236 e em vez de o enterrarem deixaram os espíritos mostrarem o seu descontentamento e a sua ira para com os seus
o corpo ao ar livrejuntamente com os seus símbolos e instrumentos. Isto é muitoperigoso descendentes ou a comum'dade em gera·· l''K
para as pessoas da zona, porque a mente do nyanga está ao relento e zangada epodepôr Neste caso, a doença é descrita como um castigo ou advertência por
doente quem, inocentemente, passar por esse local... •r37 algum lapso de comportamento, como a violação de normas sociais ou a não
realização dos rituais timhamba de veneração dos espíritos a ncestrais. Neste
Muitos dos meus informantes consideraram que as pessoas monas e sentido, o tratamento à base de ervas não constitui, por si só, condição
enterradas nas estradas durante a guerra podem ser perigosas para as suficiente, pois a cura cem que implicar o reconhecimento da transgressão,
comunidades por não terem sido devidamente sepulcadas e as suas mentes arrependimento e a promessa de um comportamento melhor. Os casos que
andarem agitadas, provocando acidentes de automóvel, doenças e outras irei abordar mais adiante neste capítulo ilustram a maneira como, e em que
desgraças aos transeuntes. Eles afirmaram que devem ser realizados rituais circunstâncias, os espíritos ancestrais castigam, através das doenças, os
nesses sítios para apaziguar os espíritos dos mortos e colocá-los nas suas membros da sua linhagem. Examinarei ainda as prescrições sociais que o
devidas posições no mundo espiritual. Esta questão é abordada no próximo doente deve seguir para recuperar a saúde e o bem-estar.
capítulo, aquando da análise da cura e da reintegração social pós-guerra. O terceiro tipo de causas tem a ver com intenções malignas e implicam
Estes são exemplos de como os seres humanos (mesmo sem más intenções, 0 ataque ao bem- estar de uma pessoa por ou era, imbuída de poderes
sem serem mágicos ou feiticeiros) podem tornar o meio ambiente perigoso sobrenaturais. Acredita-se que os valoyi (mágicos ou feiticeiros) manipulam
para eles próprios. De um modo geral, analisam-se as doenças provocadas intencionalmente forças espirituais e medicamentos ervanários para fazer
por condições ambientais ·e ecológicas como fa zendo parte da categoria das mal a outrém. São considerados anti-sociais, porque as suas acções são
que resultam de causas naturais. Contudo, neste caso, essa classificação não geralmente motivadas por razões negativas, como a inveja, o desprezo, o
ciúme, a ganância, a vingança e as intenções maldosas. A sociedade reage
l.lt, O ca ítulo 4 aborda o
contra a magia e a feitiçaria através dos tinyanga, em especial o nyangarume,
p papel dos tinyanga durante a guerra e a maneira como alguns foram
recrutados compulsivamenre para a Renamo, ia) como Muianga refere acima.
2·11 Entrevi.,ra com Armando Muian a no bairro Zona Verde, em Abril de 1993. 2- 1 " Ver na inrrodução o caso de Govuro.
g
L...111 213
anti-vafoyí. P a ra além destas instituições, os movimentos
re conhecidame nte
A função de adivinhação: diagnóstico do social
1972) e o mchape (Potti e r, 1988, Range r,
anti-feitiçaria como o mun'mi (Rennie ,
217
A adivinhação através do transe
Algumas teorias sobre a adivinh�ção em África
A adivinhação através do transe con stitui outro método comm u menre
Os estudos sobre adivinh ação em Afríca devem assu mir uma pos1ç ao
usado pelos vanyamusoro para diagn osticar os probiemas que afligem os seus
centr al nas tentativas de entender os povos a fricanos de hoj e (Peek, 1991),
pacientes. Por in fluência de cercos medicamen rns ervan ários e do som de
po is e l a co nstitui a essê n cia d e to do o sistema: um a fo n te vita l de
batuques, tambores e cânticos, o nyamusoro consegue entrar em transe . Est
e conhecimento e u m meio fundamental de tomar decis ões. Con tudo , os escudos
começa por agita r o corpo continuam ente, segurando o chovo (instrumen to
so bre adivi n hação tê m sido suj eitos a várias estratégias m eto dol ógicas,
feiro com cauda de búfalo) n a mão direita . Depois de um breve pe ríodo
de algu m as d elas desapro priadas para revela r a comp lexidad e e e ficácia d a
agitação e con vu lsões constantes, o nyamusoro acal
ma-se , baixa a cabeça e
fica em sil êncio durante alguns m inutos. Alguns uanyamusoro permanec adivin hação .
em Ao passar em revista as abordagens teóricas da adi':' inhaç ão africana ,
sentad os com as pernas cruzadas. Outros levantam -se e and am às
vo ltas, Devisch (1985) analisa três tendências prin cipais: primeiro , as abordagens
saltitando de um lado para o outro. A maneira como se comportam tem
a ver estruturais-fu n cio n alistas; segundo , as abo rdagens cognitivas; e terceiro , as
com a pe rsonalidade dos espíritos que os possuem. Depois do silênci
o, o abordagens semióticas e semânticas.
adivinho c omeç a a fala r. Diz-se qu e a vo z . . , .
dos vanyamusoro se alter a pois A prim eira tendê n cia in clui ta nto as an álises ps1c�log1cas c�mo as
acredita-se que quem fala é o espírito possesso r, usand o o adivinho c
omo o socio lógicas aos fe n ó m enos de adivinhação . As psicol ógicas en fatizam as
o ráculo através do qual comunica com a s o
ciedade . Por vezes os vanyamusoro funções terapêuticas da adivin hação , como , por exemplo, o seu papel na
usam uma lín gua que n ão conhecem , como por exemplo o xizufu, que
seria a redução da ansiedade , enquanto que as a nál ises sociológicas se debruçam
língua d os espíritos possesso res vanguni, ou o xindau para os
espíritos e ss e ncial men te s o bre os aspecto s ligad os ao p ape l da adivin haç ão no
possessores vandau.
Na sua com u n icação, o espírito reve la a sua identidade e faz revelaçõ restabelecim ento da ordem social .
es As abordagens cognitivas tocam as funções expressivas e explanatóri as
con cernentes à condição e circunstâncias do doente , podendo tam
bém fazer da adivinhação, que é analisada como um sistema conceptual, um sistem a de
perguntas a que o doente poderá responder. Terminado o transe, o
nyamusoro pensamento, u ma forma de conhecimento esotéric? 241 • Devisch �onside ra
cai de nov o em si, mas não se lembra de nada do que aconteceu _
entretanto. qu e a s ab o rd age n s c o g n itivas c o nstiru e m v a na?õ:s d a o n e n taç ao
Por isso, o ny,twuthi (o assistente do nyamusoro) tem de ficar aten to para _
depois fun cion alista, po is as su as i n terpr etações e supo s1ç oe s pressup oem a
relatar ao mestre o que se passou. AJguns n_yawuthi experientes
são até capazes univ e rs a lidade d a ciê n cia o cide n t al. P a ra Devisch, elas o fer e ce m o
de traduzir o discurso espiritual que é feito em xizufu ou xinda
u. O nyawuthi com plemento epistemológico para a in te rpretação estrutural-fu nci onalista
tem u m papel muito importante neste contexto , funcionando c
omo memória da adivinhação , po r analisarem outros sistemas de conhecimento à luz dos
do nyamusoro. Geralmente, os nyawuthi são j ovens do sexo
masculino , qu e princípios positivistas ocidentais. Esta tendênci� faz com ��e sistemas de
tam bé m poderão vir a ser praticantes de medicin a tradicion _ _
al , especialmente conheci men to como a adivi nhação sejam conside rados «1log1cos», « nao
e r va n ári os, devido à experiê n cia
na m an ipulaç ão d e m edicamen tos que
adquirem com os seus mestres.
-racion ais» ou uma maneira pré-científica de conhecimento.
O doente e o adivinho analisam o discurso espirit�al, tirand A te rceira tendê ncia é a abordagem qu e se centra n as cara cterísticas
o dele as semiótic as e sem â n ticas i n ter n as ao processo de adivinhaç ão - os se us
principais recomendações. O adivi n ho poderá entrar
de novo em transe, se m étodos e modelos simbólicos. Estas abo rdagens praxiológica s també m
necessário, de modo a identificar
mais claramen te a recomendação do s espírito
s comam em consideração eventos específicos de adivin hação - os tipos de
em relação ao caso.
1·" Devisch. l 985:62.
218
219
adivi n h ação , a e stru t ura d o dis cur s o adivinha t ó r i o , o s s eu s símbol os
A função terapêutica: tratamento dos sintomasfisícos
m etáforas e elipses, os prob lem as dos clientes e a dinâmica das sessões - qu; Enqua nto a função adivi nható ria trata de desvendar as causas, a função
l evam à acç ão prática num contexto cultural mais amplo. Para Devisch esta .
d e c r at a me nt o acc u a s ob r e os sint om a s so máti cos d a d oe nça Os
é a abordagem mais promissora, em vi r tude de permitir que os métodos da edicamentos à base de ervas que se receitam destinam-s e a elimi na r estes
adivinhação e os seus modelos simbóli cos valham por si mesmos e não só :ntomas. O processo de tratamento e, consequentemente, de cu ra e stá suj eito
como representações de estr uturas sociais.
ao conhecimento elabo rado de u
ma far macopeia ervanária, bem como às
O estudo da adivinhação na África Austral tem sido negligenciado, dada dim ensõ e s r it uais e simból i c as qu e g uiam a recolha, p rep a r �ç ão e
a pouca atenção que lhe é prestada enquanto r itual. Se gund o We rbner (1989: ravés da possessão pe los esp írnos ou
administração dos medicame ntos . At
23), a adivi nhaç ão foi b analizada e marginalizada nos estudos da Áfri ca e a
de revelações espiritua is, os tinyanga estão constantemente a ap render
as
Austral , principalmente por ser encarada como ,<uma fase transitória pa ra a accualizar os seus conhecimentos sobre medicamentos er vanários e utr
o
tom a da de de c isõ e s no quad ro de um p roce sso d e con t rolo social ou estra tégias terapêuticas.
a p roveitam en to polític o )). Os aca démicos mos t rar am ma is i n teresse nos
result ados da a divinhação do que nos seus proc edimentos internos.
Tu rner (1975) considera que a adivinhaç ão Ndembu é analítica , p orque A farmacopeia do nyamusoro
os s e us símb olos «são ut il izados p ara disting ui r coisas qu e se tor na r am
confusas e obscuras>/42 • Werbner (1989) considera que nem roda a adivinhação A farmacopeia do nyamusoro compõe-se essencialmente de ele��ntos
pode ser equacionada com o modo anal ítico, dado que a adivinhação também vegetais: raízes , caules e seiva de plan tas. N alguns casos também u td1zam
tem m omentos de revelação. Ele considera que , entre os Ts wapong, a sabed ori a elementos do mundo animal como sangue, pele, ossos, dentes e unhas de
a través da adivinhação é simultaneamente «microdramática » e «poética». É cercos animais. /�forhi é a palavra changana p ara medicamento
e sig nifica planta.
«microdramática,, porque apresenta u ma série de agentes opostos: oposições Os praticantes de medicina tradicional também são conhecidos por ba-murhi.
biná r ias, disc r iminações dicotómicas e cla ssificaçõ es ta xi on ómica s. É Os murhi (medicamentos) apresentam-se em várias formas e são preparados
«poética», porque env olve a i nte r pretação do uso d e linguagem c r íptica, sob a for ma de gr â nulos, pós e líquidos a partir de pedaços de raíze s, caules
condensada e m uito ambígua . N o decurso d e uma sessão adivinhatór ia, e e folhas. Podem ser inalados, esfregados, bebidos, usados no banho, etc.
segundo \Ve rbner, os aspectos microdramáticos (o visual) e poéticos (o verb al) Em g e r al, o s m e di c am e n t o s r e su ltam da as s � c iaç� o d e dua s
da adivinhação i nterl igam-se2-L1 • Por isso, no estudo da adivi nh ação, o d esafio os
c omp onen t e s: a co mp one n t e far mac ológi c a, que rn c lu1 e l e men�
r eside em a nali sar os diver sos momentos, as mudanças que s e fazem du rante fototerapêucicos; e a componente simbólica que compreend � _ e s p recau ç oes
a consulta, as diferenças entre os aspectos analíticos e sintéticos, e tc. ritu ais a que os medi camento s são su bme tido s para adqu m r em va.
lor
O processo de adivinhação realizado pelo nyamusoro parece encerrar ta nto terapêutico, assim como as precauções rituais que o doente tem que resp eitar
o modo anal ít i co como o da revelação . Como veremos nos estudos de caso, durante o tratamen to (Fainza ng, 1986). S eg undo se crê, a compone nte
o e ncontro adivinho/do.ente constit ui um processo complexo de interac ção farmacológica nã o é totalmente efi caz quando separada da co mp onente
em que ocorrem mudanças de uns modos para outros. simbólica. Isto significa que o consumo de medicamentos à base de ervas
adqu i r e mai or eficácia te rapêuti ca q uan do as sociado ao s e u conte xt
o
simbólico e r itual.
m Turner, 1975:232, citado em Werbncr, 1989. Como iremos ver mais adiante , os ossículos de adivinhação usados pelos
m 1989: 25, 26. nyamusoro adquirem o seu valor simbóli co específico e com am-se diferentes
220 221
dos ossos normais através da ritualização. O mesmo parece aplicar-se aos
medicamentos, que passam por um tomplexo processo simbólico para
adquirirem o seu valor terapêutico. Os vanyamusoro vão, por exemplo, ao mato
para arranjar medicamentos num dado período do dia ou da noite e têm que
escavá-los ou colhê-los segundo as instruções ancestrais. Além do mais, a
preparação dos medicamentos também segue cercas normas; por exemplo,
uma nyamusoro não pode pegar em medicamentos no seu período menstrual.
Embora se possa pensar na separação entre adivinhação e cura em termos
da distinção entre os procedimentos simbólicos e não simbólicos envolvidos
em cada instância, a realidade parece ser diference. Tal como o processo de
adivinhação, o de cura também cem uma force dimensão simbólica, que está
ligada à composição, recolha e preparação de medicamentos, assim como às
precauções rituais que o doente deve respeitar durante o tratamento. De
igual modo, como Last (1986: 3) refere,
a medicina tradicional opera através de um efeito de pl.acebo mais elevado ... não
podendo, portanto, dir,orciar-se rapidamente do seu contexto cultural sem perder a
sua eficácia.
A consulta
Assim, a consulca organiza-se em duas sessões: a sessão de adivinhação
e a sessão de tratamento. Por vezes, parece não existir uma distinção formal
entre as duas, mas o que importa reter é o facto de que tanto a dimensão
cultural da doença como a biológica são levadas em conta durante a consulta
com o nyamusoro. A consulca realiza-se na ndhumbha (a casa dos espíritos)
onde o adivinho trabalha e guarda os instrumentos do seu ofício. A ndhumbha
é, em geral, uma palhota redonda, sem mobília para além uma ou duas peles
de cabra onde se sentam os doentes. A sua parafernália e medicamentos
também são aqui guardados.
Geralmente, a sessão de adivinhação precede a de cura. Os pagamentos
cobrem tanto a cura como a adivinhação. No encanto, os doentes são livres de
solicitar apenas a consulta de adivinhação, caso não precisem de se tratar de
perturbações biológicas ou pretendam ir a um outro praticante de medicina
tradicional para cura física. Normalmente, no entanto, as pessoas pedem as
Ilustração 5. Aspectos da farmacopeia e parafernalia do myamusoro duas. Os preços das consultas têm aumentado sistematicamente nos úlcimos
anos, devido à inflação e à crescente recessã
o económica do país. O tratam e
nro l evaram a consultar a nyamusoro. D ep o is d os c umprimentos, K.R. inicio u a
q ue custava à volta de 1.000 MT em 1986
passo u para cerca de 25.000 MT
em 199Y 44 • Não se trata de consulta, util izand o o s tinhlolo ( ossíc ul os d e adivinhação) pa ra p rocurar
preços padronizad os, pois cada nyam
consoante a s ua rep utação, tipo de cli
usoro cobra encont rar as razõ es da visita das s uas cli ente s. De pois de ati rar os tinhlolo
ente ou em funçã o do m
eio em que o pera
- rural o u urbano. Nas zonas urbanas várias vezes para cima da esteira que a se parava das clientes, K. R. come çou
e semi- urban as as c ons
ul tas d o nyamusoro
constituem uma importante fonte a interp retar as config uraçõ es ap resentadas pelos tinhlolo. Levou al g um �empo
de rendimento. Geralmente , o nyam
reputação reconhecida
usoro de a ana l isa r c u ida d o sam e nt e a men s a g em d o s ossíc u l o s. As c l i e nt e s
tem uma sit uação financeira bastant
e d esafogada.
Hoj e em dia, no encanto, os vanyamus permanecer am e m sil êncio d urante este exercício.
oro têm dific uldade em atrair cli entes,
p o is es te s acham gue os p reço s
são e levados. Além diss o, enfr
e ntam a
con co r rência de al gum as ig rej O diagnóstico
as inde p e nd e nte s, com o a Zi o . ,
nist a, que A nyamusoro disse que os tinhlolo escavam a mostrar-lh e «c01sas mas»:
oferec e m c o ns u lras e t ratam e
nt o s g ratui tos a q uem a e las
ad e re245. A escava a v er ntima (a cor preca)
246, sang ue e problemas com outra l inhagem
biomedicina ocidental também
p oderá ser vista com o c oncorrent
e , na medida
em que constirui um
sistema alternativo de c uidados ( os al iados). Enquanto falava, a nyamusoro ia re�ecind o a operação , lançan� o
médicos e sanitário s
para cerc os tipos de doenças. os a sua mensagem, verificand o as suas �onscacaçoes
ossos e reinter pretando
.
A situação agravou-se após a ind com as duas mulheres, fazendo-lhe s pergunras e aj u stand o e corngmdo o seu
ep endência, quand o a
F rel imo ad opro u à ntima as mulhere s conco r da ram q ue ,
p ol íticas socialistas e o sistema disc ur so. No q ue diz respeito
de saúde passou a ser total ment
e subsidiad o
pelo Estado, ao mesmo tempo q re centemente , a tragédia se tinha abatido sob re a família, declarando também
ue rep rimia e bania as instiruiçõ
e s tradici onais
p or as c o nsid e rar obscurantista que havia alguns problemas, mas nunca dize ndo clara e di reccamence o que
s e sup erstici o sas. Todavia, a
dest ruição acont ecera ou que ripo de problemas escavam a enfrentar. Isco algo q ue era
massiva de infraestruturas sanitá .
r ias e de e ducação nas
zonas rurais d urante
a recente gue rra min ou os esfo 1 ;; cabia a K. R. descobr ir at ravés d os ossíc ulos de adivinhação e c om a ªJuda
r ços do Governo no
sentido de providenciar
cuidados de saúde m odernos no da sua intuição.
campo. Assim, nas zonas mais r . .
emocas ou Com a informação fo rnecida p elas mulhe res consegui u relacionar a ela
nas gue fo ram gravemente afectad
as pela guerra, a cur
a t radicional constitui
muitas vezes a única fo rma de
assistência médica disponível.
ntimd com uma morte recente na famíl ia, o sangue com uma jovem pert urbada
e com um homem. A nyamusoro também identificou
g eral d e
_ .
u m e stado
Uma mulher de nome Me vasse, normas sociais. O marid o de Mevasse mo rrera fazia pouco mais d e um ano e
acompanhada pela mãe , foi pro _
se rviços da nya musoro K.R.. As cura r os esta não observara o período de luco condignamente : po ucos mese s d epois
cl ientes não explicaram as razõ
e s que as
dos rituais fún eb re s, e sangue d o mar ido ainda se enco ntrava
enquanto o
225
bel cer a sua sa úde , a � su�s r�l aç ões
conseq uência , algum tempo depois Mevasse começo u a so frer de uma doenç a A nyamusoro sublinhou que para resta �
s : um
que lhe fazia perder peso e expec torar sangue , que segundo a nyamusoro se sociais e o equilíbri o
da sua vida , Mevas se nnha que fazer dois mua 1
ific çã d s in ava•se
tratava de tuberculose. ritual mhamba e um r
itual de purificação. O ritua l de pur a o e t
ue e l a se tornara i mp�ra a pa �t ir
uição , pois ac reditava •se q
Segundo K.R. es ta d oença está relacion ada co m a prática do a bo r to a expurgá-la da po l
borto . Após o aborto ela deve na ter sido
sem que os procedimentos rituais próprios de tais situações tenha m sido do momento em que fizera u m a entidade
itiria.' assim, a restauraçã� da su� anteri id
or
o bser va dos. Co mo ela fe z o a b orto em segredo , as mulheres mais ve lhas l impa . Este rimai perm
mhamba e um n tual para ve�erar os
(masungukatz) da família não puderam ajudá.la . O a mante dela ficara também e a sua reintegração na sociedade . O
para pedir perdão e protecção _contra os _
p e ngos da
doente por ter tido relações com uma mulher a inda poluída pela morte do es p ír i tos ance stra i s e
e c a n i smo s d e
o nst i t u e m au tên t ic o s m
m arido . D este mo do , este ho mem serviu como purific ad o r, visto que ela vida . N a verd a de, e ste s r ituais c
epa ssados e m vírtud� d e
re os vivos e os seus ant
tra nsferira a su a poluição para ele . Em xironga, a expr essão usada nestes reso lução d e c onflitos ent
ili ar e m que os descende ntes vivos
ca� os é: «ku hlàntswa ntima", que pode ser tr aduzida c omo lavar ou limpar o serem um mo m ento de unidade fam .
tarei a estes rituais no próximo cap ítulo
SUJO, comunicam co m os seus mortos. Vol
A nyamusoro também constatou que as relações de Me vasse com a família
do marido se tinha m deteriorad o depois da morte dele , pois ela deixou de
cumprir , co mo se es perava , as suas o brigações de nora . Esta situação criou O caso de Madala
igualmente algumas te nsõ es entre as duas famíli as. trabalho
o que, após al gun s anos de
A nyamu soro declarou que a sua doente tinh a quebrado uma n orm a so cial Madala e r a um a gricultor bem suc edid
c o mprar gado e desenvolv er a sua
ao não respei tar a a bstinência sexual a que as viúvas são obr igadas no período nas minas da Áfric a do Sul, conseg ui ra
Foi c onsultar um nyamusoro pois, como
a pós a m o r te d o s m ar id o s; e o pi or é q ue o pta r a p elo ab o r t o . O pequena machamba (campo cultivado).
ra nde c o nfusão ».
comportamen to de Mevasse não agradou aos antepassados e a doença era o disse , « •.• a minha vida está numa g
seu sinal d e desc ontentame n to. A tuberc ulose era , por conse guinte , um a
sanção dos espíritos ancestrais pel a sua má c onduta. Os familiares do marido O diagnóstico nse .
tam bém m a nifes taram a s ua d es a prov a ção , d e i xa ndo de teriorar as suas Neste caso , ao invés do uso dos tinhlolo,
o nyamu soro op tou pe l o tra
D p
.
rito do bisavô de Madala.
e ois
e, fic p ss íd p spí
Ao entrar em tran o u o elo e
rela çõ e s c o m M e v a sse . O s se us pr ópr i o s pare n te s nã o a p ro v a v a m o s ou
análises entre Madala e o nyamusoro
comportamento dela , po is iria necessariamente afectar o seu rel acionamento de duas sessões de transe e de intensas a mu ito
era a se guinte : Madal a t inh
so ci al . conclui u-se que a m ensag em espiritual
, m as o dinhe iro esta va a des a_recer
ap
dinheiro, gado e uma machamba grande r e n ao se
a nim ai s e stav a m a m orre
A pr escr ição social sem u ma c orrecta utiliz a ção , alg u ns disse que
Acord ado o di agnóstico , a nyamusoro prescreveu uma receita que tinh a a reprodu ziam b e m e a pro
dução a gr íc ol a corria m al . O esp írito
todo aquele dinheiro e sucesso na
ver essenci alm e nte c om a repar ação do ambie n te social e s e destinav a a Madala era uma pessoa de sorte por ter
d a s «c oisas»: de scur ava os se � s
r e s tabel e cer as relaçõ es sociais de Me vasse . Os aspec tos d as su as relaçõe s vida , m as q ue não c u idava devidam ente
prote gid?. e dado tanta sorte ) na
o
sociais q ue c are ciam d e re s ta b ele ci me nt o era m: as sua s rela ções c o m os próprio s a ntepassados (q ue o tinh am am d a su a
os famil i ares nec essita v
espíritos dos antepassados; o seu desrespeito pelo luto pelo seu falecido marido realizando timhamba regulares ; q uando
ro bebendo , andand
o
a ajudá-l os ; ga s e ava dinhei
e , conse q uentemente , a s su as relaçõ es c om ele (co m o seu espírito); o aborto , a juda, el e nã o se dispunh a uecera-
ou tro lado , Madala esq
as sua relações co m os paren tes e, em especi al, c o m a família do marido. co m mulheres e outras coi sas do géne ro . Por
-se de a presentar o seu filho mais novo aos antepassados a través do ritual Análise dos Casos
ap ropriado, r azão pela qual o rap az escava sempre doente e fr aco. Escava ,
p or isso, à beira de p erder tudo, pois não se comportava correccamente e os O diálogo nyamusoro-doente
antepassados não estavam satisfeitos.
ó t co , a
O compo rcamenco incorr ecto de Madala criara tensões nas suas relações: O c aso d e M evasse de m o ns tr a que, pa r a che gar a diag� � '.
o
a esposa sentia-se infeliz p el a maneir a como ele gaseava o d inh ei ro (em bebida ç a hi na. O s
nyamusoro cem que ser guiada pelo doente na expl
ora � o da su sto
_
e mulheres); a família e os vizinh os andavam p reocupados, po rque quando a j u dar o nyamu soro a 1 dent1fica� va ga m ente
ossículos de ad ivinh ação podiam
odia confirmar
se embr i agava berrava com a mulher e os filh os e b acia-lhes sem motivo ; e as áreas de instabil i dade , mas só a concordância ,do doen�e p
alg uns familiares , esp ecialmente aqueles a quem M ada la nã o aj udara quando s tmhl� lo e d : ou�r� s
que ela se encontrava na di recção certa. Para alem do
m a i s p re ci s a v a m, e s cava m z ang ado s c om e le. Po r o u t r o la do, o medida da mcmçao
métodos de ad iv inhação , este p rocesso depende em lar ga
descont entamento d os espí r ito s ancest rais d ev ido ao comport amento de .
do nyamu soro e d a colaboraç ão do doente
M adala dera origem a uma crise geral na sua vida. A nyamuso ro afirmou qu e
e palavra s
os espír itos dos antepassados podem ser simultaneamente g enerosos e maus.
Infelizmente não renho uma descriç ão rigorosa das expressões
so de M a�ala
Tanto p odem dar sorte como rerir á-la e era isso que escava a acont ecer com trocadas entre eles por fo rma a explo rar o seu significado. �o ca
terceuos :
Madala . é mais difícil anal isar esta questão, porque o diálogo foi med iado por
Mada la teve apenas uma sessão d e adi vinhação , não necessitand o de o nyawuthí.
tratame nto físico pois a s ua aflição não se tinha traduzido numa manifestação
somática . No entanto, Madala sofria de constantes d ores de cabeça, que não O intercâmbio entre O a divinho e o doente dá origem a uma encenaç
ão
à vi cial
conside rava como doença e at r ibuía às preocupações e ao facto de estar plena de metáfo ras e de out ros dis positivos simb ólicos relativos
da s o
_,
d1 l go
s empre a pensar nos p roblemas da su a vida .
do doente e ao estado das s uas rela ções passadas e presentes. Este a �
repr esenta um proc esso recíp roc o de a prendizagem
no qual , com o ? is� e
A p rescrição social renc1a
Jackson (197 8), ocorre um p rocesso de trans fer ência e, contr_a-trans fe
O nyamusoro afirmou que Madala tinha que corrigir o seu comportamento em assma la q ue :
de informaçã o , que os une . Parkin (1191:183-4) tamb
para com a esposa e os filhos, gasear o dinheiro correcramente , aj udar
os
familiares sempre que pudesse . O nyamusoro recomendou também a realizaç
ão . . . embora possamos pensa r qu e o adivinho está a co nduzir o do ente_ à cu�a� 0
de uma grande mh amba dir igida a todos os seus ante passados (paternos
e doente também gu ia o adivinho na sua tentatiua de chega r a u m �zagnosttc�
ma t ern o s), na q ual deveri a pe di r perdão . E ap resentar o se u filh
satisjttório. co nvertendo um número infinito de interp retações num numero
ma15
o ao s
ante passad os. Isc o iria permitir me lhorar a
saúde do filho, as suas relações limit1uio.
com a família , parentes e vizinhos e dar-lhe-ia a possibilidade de re
conquistar
a p rotecção dos ante passados .
De facto, e ra v i s ível que , a certa altura , Mevasse havia negociado O seu
diagnóstico com o nyamuso ro ou, pe l o m enos, tive ra algo a dizer
nesse processo.
ro_ ou
Ela e a mãe tinh am que co ncordar com as a firmações do nyam u:o
disc ordar de las para que a s ess ão prosseg ui sse. Em cas <�
de d,scordanct a 0
s na busca das
adiv inho mudar ia de d irecção , p rocurando novos camm h o
· enw ue
razões por dce r a' s oJ o sofrtm ..- o não me
J I as . A mt· n l1a ,· nf-or 111 acã
permttc
228
--- 229
v er até que ponto a participação do doente na consulta determinou o seu por falta de prote cção dos antepassa dos. Os p arentes e vizinhos d e Madala
êxito. Prova , no encanto , a existência d e um espa ço de negociação para 0 escavam igualmente desgostosos co m o seu co mportamento.
doente no proc esso de formulação do diagn óstico.
Por conseguinte , aquilo que pode ser considerado um proble ma individual
transforma -se , através da adivinhação, num assunto de família e t amhém da
A relação entre o indivíduo e o grupo social comunida de, que participa na sua resolução. A adivinha ção gera , assim, um
a p oio con sen sual de modo a q ue os indivíduos doente s s ej a m c ap a z es de
Estes dois casos demonstram que a adivinha çã o reve la não só os padrões co rrigir a sua conduta com o a p oio do grupo social. O facto d e o diagnóstico
hásic os da vida dos i ndivídu os co mo as s uas rel açõ es na s o ciedad e . O do adivinh o ser re conhe cido e aceite na comunidade (a p res ença da mãe de
n_yamusoro mencionou aspectos da histó ria da vid a do doente , assim como M e v a ss e na c ons u lt a , a re pro va çã o d a s ua c ond ut a p el o s p arences , a
das s uas r e la ções com outros me mbros do seu grup o e co m os espíritos re provação do comp orta mento de Madal a p e la família e amigos e o castigo
ance str a is. N este contexto , Mevasse e Ma dala não e r am vistos como entidades pe los antepassados) desemp enhou um pa pel importante no r estahele cimento
singu� ares, m as si como membros de uma comunidade , em que o perava m da sa úde em ambos os indivíduos.
n:1
atr aves de um conj unto de r elações est ahe l e cidas em seu r edor rel a ções de
A adivinhação tamhém legitima e cria consensos, não só em mom entos
sangue: M evasse foi à consulta com a mãe e Ma dala cometeu as ofensas de críticos (crise social e mora l) como em muitas o utras situações. A comunid ade
não j uda r a família e de nã o ofere cer o filho a os ante passados. As relações
dese mpenh a um p ap el activo nos rituais de trata mento, que repres entam um
� me ca nism o dr r es o l ução de co nflitos (e ntre os vivos e os mort os) e de
�e ah a��a ta n:1bém e ram significativas. Mevasse fora casada, perdera o ma rido ,
hc ara vmva , t1nha relações difíceis com a família do marido, enquanto Madala restabel ecimento da ordem na comunidade. Tanto Mevasse co mo Mada la
. tiver am que fazer timhamba aos seus antep assados p ara serem p erdoados e
hat'.a na e�posa, to m ando-a in feliz, o que preocupava aqueles que lhe eram
, re cup erare m a pr ot e cção an cestra l. S egundo as minhas fo nt es, at ravés destes
mais prox1mos.
rituais, o indivíduo é apoiado pe la comunidade (familiares, amigos e vizinhos),
A n_yamusoro tamhém se referiu a outros tipos de relaçõ es: as relações de
que participa nos rituais e testemunha o s eu processo de recuperação.
Mevass e c om outro �o rn em e o facto de M adala ser um mulheren go ; 0
descontentamento ou 1ra dos espíritos ancestrais que retirara m a sua protecção
e provocara m doen ças tanto a Mevasse como a Madala. Peek (l 99 I h) afirma
A integração da mente e do corpo
que o processo de adivinhação inclui o relato da vida do cliente , a sua interacção
c�m oucros seres hu i:nanos e com o mundo dos antepassados, assim como a N o context o o cident a l, a m ent e e o c orp o c onstit ue m en tida d e s
, _
hmon� do a conteciment o e m causa . Estes são m eios imp ort antes par a sep aradas. Este é um lega do da dicot omia C artesiana, que vê estas duas
determm ar as causas do mal que aflige o doente. Por outro lado , no caso de e sfe ras c omo in de p endentes u ma da outra . P ara D escartes,
247
o corp o e a
Mevasse , a sua doença tornou-se uma p reocupação não só para ela como para ment e sã o dois tip os diferent es de substân cias: a ment e é a s ubstân cia
tod�s os q ue a rodeavam: a família, os parentes e os seus próprios descendentes.
':5 .
implicaçõ e s do s eu comporta m ento ameaçavam as rela ções entre a sua
p ensante , o consciente , não sendo alargado ; enquanto o corp o é a substância
alargada, o materia l, o sólido , o corpuscular. D escartes desta cou que nenhuma
l�nhag:m e � do marido. N o caso de Madala , o seu mau comportamento também substância p odia s e r simu ltanea mente pensante e a larga da e q ue t odas as
_
n nha 1n:iphcaçoes par a a família, que viria a ser a fectada p elo seu fracasso mentes são simples e indivisíveis, enquanto os corp os são todos compostos
,
econom1co e , em particular, para o filho, que estava frequentemente d oente
w Sobr� a dicotomia Cartesiana ver também Rabi!, 1970; e l'arkin, 19856.
230 231
e divi s íve is. Tamb ém fez notar que só m uito raram ente a mente po e
d A interdependência entre o terreno e o transcendente
influenciar o corpo 248 •
,,
li
232
A adivinhação é, pois , um siste ma que, co ntrariamente à biomedicina cura examinou cuidadosamente o corpo de Mevasse para confirmar a doença
ocidental, nem se mpr e articu la as três e tapas biomédicas básicas: o e dete rminar o s eu es tágio, as s im como a melho r maneira de a atacar.
diagnóstico , o pro gnóstico e a cura. Salta do diagnóstico para a cura e, muitas A t uberculose é u ma doença no rmalment e as so ciada à q u ebra de
vezes, não inclui se quer a terapia somática q uando o diagnóstico e a prescrição costume s sexuais ou à cons purcação ou impureza de natureza sexual. Como
social s ão sim u ltaneamente cura. Esta aspecto foi ilu strado pelo caso de mais adiante mostrare i, quando o trabalhador emigrante regressa tem que ser
Madala que não necessitou de se submeter a tratamento médico . O mesmo muito bem informado ace rca do comportamento da esposa na sua ausência,
se aplica às perturhações traumáticas nas quais a revelação da fonte do pois poderá correr o risco de contrair tuberc ulose se a mulher fez um abo rto
trauma249 constitui por si só a cura. ou foi co�taminada sexualmente de qualquer outra forma
251 • A tuberculose
235
Além disso, a emigração de mão-de-obra para as minas sul-africanas entre o adivinho e o doente, que Peek considera uma forma normal de
criou uma situação prolongada de separação dos casais, o que dava origem a conhecimento; e a «intuitivo-sintética», que se refere à comunicação entre
relações adúlteras. Será que, nestas circunstâncias, se poderá considerar a adivinho e espíritos, uma forma de conhecimento não normal. Peek defende
associação da tuberculose masculina com a impureza feminina como um que ambas as formas de conhecimento se encontram sintetizadas no diálogo
mecanismo de controlo das relações extra-maritais? Esta é uma questão que adivinho-doente, pois o adivinho está constantemente a passar de uma para
merece maior investigação. outra forma de conhecimento até chegar ao diagnóstico. Utilizando as duas
formas cognitivas, o adivinho transforma o discurso dos espíritos dos
antepassados numa mensagem mais inteligível para os vivos, o que permitirá
A Racionalidade dos Processos da Adivinhação acção prática. Esta visão é igualmente expressa por Werbner (1989) ao
declarar que o estudo da adivinhação deve ter em conta as passagens entre
Na Antropologia, o debate sobre a racionalidade teve início há muito, analítico e sintético no decurso de uma consulta.
quando os exploradores e os missionários e, posteriormente, os antropólogos, Na verdade, para procurar conhecimento e descobrir as causas dos males
levaram de volta para o ocidente relatos de outras culturas, segundo os quais do doente, o nyamusoro estabelece comunicação com os espíritos dos
se partia do princípio de que as pessoas pensavam irracionalmente. Esta antepassados através dos tinhlolo e do transe, um tipo de comunicação não
posição racionalista baseia-se nas suposições implícitas da supremacia do acessível ao comum dos mortais, aquilo que Peek denomina de forma de
modo de pensar ocidental. Reagindo a esta posição, os relativistas argumentam conhecimento «não normal)). No entanto, a comunicação entre o adivinho e
que todas as culturas possuem os seus próprios sistemas de pensamento e de os doentes constitui a forma «normal» de conhecimento, em virtude de não
moralidade, que são lógicos e racionais nos seus próprios contextos e haver seres «sobrenaturais» envolvidos.
interrelações funcionais. Eles sublinham a irrelevância de fazer juízos críticos, Embora o modelo de Peek (1991b) nos permita identificar e compreender
comparativos, de melhor ou pior, pois todas as culturas são aceitáveis por os processos cognitivos da adivinhação, ele faz-nos regressar ao debate sobre
direito próprio (Tambiah, 1990). a racionalidade do processo de adivinhação. A sua distinção entre formas
Observando em particular a racionalidade dos procedimentos envolvidos normais e não normais de conhecimento gera uma cerca inquietação pelas
na possessão pelos espíritos e na adivinhação, creio que para a determinação suas semelhanças com a distinção entre as formas racionais e irracionais de
da sua racionalidade é necessário, em primeiro lugar, ver se as pressuposições pensamento. A questão é saber porque é que precisamos de distinguir entre
ontológicas subjacentes à interpretação antropológica servem para entender formas normais/não normais de pensamento no processo de adivinhação?
a verdadeira racionalidade destes fenómenos. As abordagens estrutural Qual o critério para medir estes estados?
-funcionalistas e cognitivas da adivinhação africana pouco ajudam, pois as Penso que sublinhar o significado destes sistemas em termos de normal
pressuposições a que estão associadas assentam numa teoria positivista, que e não normal significa continuar a julgá-los à luz da racionalidade ocidental.
não permite mostrar a racionalidade característica da adivinhação. Como Subscrevo os pontos de vista de Tambiah (1990) e de Lloyd (1990), segundo
referido anteriormente, as abordagens semânticas e semióticas à adivinhação os quai·s indivíduos, grupos ou culturas diferentes apresentam formas
são mais úteis para este efeito (Devisch, 1985). diferentes (e significativas) de raciocíni o para expressar crenças ou
Peek (1991 b) sugere que os sistemas africanos de adivinhação constituem pensamentos.
sistemas de pensamento racionais e lógicos, tal como o ocidental. Ele declara '·
que os sistemas africanos de adivinhação combinam duas formas distintas
de conheciment o: a «lógico-analítica» que trata, basicamente, da comunicação
2.% 237
A Biomedicina Ocidental e a Cura Tradicional de remédios à base de ervas. No entanto, o Ministério da Saúde reconhece 0
valor terapêutico de cerras plantas, tendo criado em 1978 um gabinete de
É interessante notar que a nyamusoro sugeriu que Mevasse fo sse investigação sobre plantas utilizadas na medicina «tradicional». Os aspectos
simultaneamente ao hospital receber injecções e outros Lratamentos, dado o culturais e simbólicos da medicina «tradicional» não foram então tomados
estado avançado da sua t uberculose. Esta acreditava não existir em consideração devido à atitude das autoridades quanto à cura tradicional.
incompatibilidade entre a medicina indígena e a ocidental, pelo que se podiam Tendo a Frelimo mudado de posição face à «tradição», hoje em dia, quando
complementar perfeitamente. Ao abordar o assunto, numa outra ocasião, ela se trata de cura confere-se maior validade às dimensões cuhurais e simbólicas
disse: dos remédios.
Os praticantes de medicina tradicional também censuram os hospitais
a nossa medicüuz e a do hospitalfancionam muiw bern em conjunw. Os medicamenws por manterem os doentes cujas doenças os médicos não podem curar em
e os tratamentos do hospital são bons epodem curar muitas doenças. A única diferença virtude de serem provocadas pelos antepassados ou por meio de magia ou
reside no fiicto de nós, os africanos, termos as nossas próprias doenças que eles não feitiçaria. Afirmam igualmente que, apesar da eficácia farmacológica das
conseguem curar, pois elas têm a ver com a nossaprópn·a «tradição». Só nós, os tínyanga, plantas que utilizam, a biomedicina ainda os olha com desprezo e suspeita
podemos tratar estas doenças causadas pelos espíritos ou por magia oufei tiçaria2 52 . da sua capacidade de assistência médica. Esta questão é abordada por Last
(1986), para quem constitui uma suposiçâo incorrecta considerar que a
Para além de ser compatível com a biomedicina, a atitude de K. R. de medicina tradicional apenas resolve problemas do foro psiquiátrico e afins, e
também mandar os seus doentes ao hospital para tratamento simultâneo pode é ineficaz em doenças graves.
ser analisada numa outra perspectiva. O facto de os praticantes de medicina Apesar destas tensões, no contexto moçambicano, a medicina
tradicional serem marginalizados tanto pelo governo colonial como pela «tradicional» e a biomedicina ocidental não podem ser encaradas como duas
frelimo, no período pós-independência, negou-lhes reconhecimento oficial formas contraditórias e incompatíveis de assistência médica. De facto, elas
como agentes de assistência médica, especialmente nos centros urbanos. De constituem meios alternativos de assistência médica, juntamente com outras
modo que se um doente morresse nas suas mãos teriam sérios problemas formas de medicina (cura profética e religiosa, cura islâmica, medicina
com as autoridades. Diz-se que alguns curandeiros «tradicionais» foram chinesa, etc.). Hoje em dia, as pessoas podem escolher: ir aos tinyanga, ao
julgados e presos por esse motivo. Por conseguinte, levar o doente a tratar-se curandeiro islâmico, ao hospital ou a uma congregação religiosa. Todas estas
ao mesmo tempo no hospital é uma medida de protecção em caso de morte instituições podem oferecer soluções para os problemas de saúde e as pessoas
ou de danos graves. Por outro lado, em casos difíceis o hospital também variam de sistema médico até encontrarem uma cura. Aliás, nem a medicina
pode ser utilizado como «bode expiatório>). «tradicional» nem a ocidental constituem sistemas monolíticos {Wescerlund,
Existem algumas tensões entre a biomedicina e a medicina «tradicional». 1989a). Escudos realizados nas duas últimas décadas sobre os sistemas de
Os médicos dos hospitais e dos centros de saúde rurais culpam os curandeiros conhecimento e as suas transformações ao longo do tempo enfraqueceram a
«tradicionais» por ficarém com doentes que não podem curar e por só os solidez da «verdade» científica, dando origem a uma certa convergência do
mandarem ao hospital quando a doença já se encontra em estado avançado, científico e do tradicional (Last, 1986). Na mesma linha de pensamento,
por vezes irreversível. Também acusam alguns praticantes de medicina Feierman (1985:76) sublinha que:
tradicional de darem plantas nocivas aos doentes ou doses demasiado fortes Nem a medicina europeia é um sistema completamente aberto nem a
africana um sistema completamente fechado. A medicina científica tornou
m Ver capítulo 6. -se monopolista na Europa e nos Estados Unidos onde as alternativas
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terapeuticas nao-cientificas sao sistematicamente excluidas ... Em Africa, Basicamente, o tratamento e a cura dizem respeito a erradicac;:ao dos
pelo contrario, os que de facto dirigem o processo de terapia passam de forma sintomas somaticos do corpo doente, tanto atraves da biomedicina ocidental
pragmatica de um tipo de cura para outro .. . e os praticantes de medicina como da medicina «tradicional», que consticui um meio alternativo de
tradicional atravessam corn frequencia os limites locais em termos de lingua assistencia medica, juntamente corn a cura por meio de outros sistemas.
e cultura. O processo por meio do qua! a adivinhac;:ao procura e diagnostica
Por conse-guinte, em vez de constituirem formas incompativeis de doenc;:as levanta alguma controversia. Alguns argumentam que os seus
medicina, estes diferentes sistemas interligam-se como uma correme em que procediment os da adivinhac;:ao podem ser considerados irracionais
cada elemento tern a ver corn o outro. Creio que, neste contexto, se pode (comunicac;:ao corn os espfritos). Defendo que tais suposic;:6es ja nao tern
falar de medicina em Africa como um sistema plural, que inclui tanto a sustentac;:ao, pois os sistemas de adivinhac;:ao consticuem modos parciculares
medicina tradicional como a medicina moderna. Ambas constituem meios de raciocfnio e argumentac;:ao em que assentam as acc;:6es sociais. Concordo
disponfveis, alternativos e, por vezes, complementares de lidar corn a doern;:a corn Tambiah (1990) e Lloyd (1990) para quern individuos, grupos ou culcuras
e o ma! estar social (Last, 1986; Vaughan, 1994). diferentes apresentam diferentes tipos de raciocfnio quando expressam
crenc;:as e pensamentos. Creio que todos estes sistemas sao significativos e
aceicaveis no seu proprio contexto e que nao existe uma racionalidade
Conclusao universal.
Como no concexto do sul de Moc;:ambique, descrito neste livro, a terapia
Os vanyamusoro do sul de M01;:ambique conseguem lidar corn a doern;:a de adivinhac;:ao nao pode ser isolada daquilo que os analistas externos
atraves de duas estrategias terapeuticas interligadas: as furn;:oes de apelidariam de crenc;:as e praticas religiosas indigenas, acontece que o ti po de
adivinhac;:ao e de cura. Esta dupla func;:ao assenta num conceito especffico . _
conhecimento e de poder invocado e, ele mesmo, de nacureza rel1g10sa e
de doenc;:a, definido em termos do desequilibrio das relac;:6es entre os seres cosmol6gica. No entanto, o pr6prio poder religioso e um conceito
humanos, os espiritos dos antepassados e a natureza. Por outras palavras, a eurocentrico, seguindo o pressuposto de que pode ser separado de outros
doenc;:a existe nas relac;:oes entre o meio ambiente social (seres humanos e tipos de poder, por exemplo do politico. Mas, como vimos em capitulos
espiritos) e o meio ambiente natural ou flsico (terra, chuva, fauna, flora, anteriores, mesmo tratando o poder politico e o poder religioso como
etc.). Portanto, a doenc;:a e considerada em primeiro lugar como um fenomeno fenomenos separaveis eles sao, em ultima analise, invocac;:6es de suposic;:6es
social que introduz uma alterac;:ao no curso normal da vida e que pode ou cosmol6gicas comuns: a Frelimo e a Renamo poderao distanciar-se dos
nao reflectir-se- no corpo fisico. lsto significa que as causas da doenc;:a sao Zionistas mas nao podem evitar servir-se de suposic;:6es comuns no
essencialmente sociais. Centrando-se nas causas sociais da doenc;:a, a concernente a possessao pelos espiritos e as crenc;:as cosmol6gicas corn ela
adivinhac;:ao preocupa-se em desvendar as origens ocultas dos problemas. relacionadas.
Werbner (1989:4) apresenta um resumo apropriado dos procedimentos da
adivinhac;:ao quando diz que:
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