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AULA 2

ERGONOMIA

Profª Silvana Bastos Stumm


CONVERSA INICIAL

Vamos dar início a nossa aula, em que falaremos sobre a importância de


se observar a Norma Regulamentadora n. 17/1978 (NR 17), que é específica para
ergonomia (Brasil, 1978a). Iremos discutir a diferença entre o trabalho prescrito e
o real, enfatizando tarefas e atividades e de que forma esse processo é regulado.
Além disso, estudaremos as estratégias e os modos operatórios, sempre
pensando na ergonomia como uma disciplina abrangente e diversificada. Por fim,
vamos tratar das representações e competências. Nosso objetivo é que, a cada
aula, você some os conteúdos aprendidos e possa crescer profissionalmente.

TEMA 1 – A NR 17

Para trabalharmos de forma segura e protegida, devemos respeitar as


normas regulamentadoras (NR) estabelecidas pela Portaria n. 3.214/1978 (Brasil,
1978b) do extinto Ministério do Trabalho, hoje Secretaria de Trabalho, vinculada
ao Ministério da Economia. A ergonomia tem como subsídio a NR 17. Específica
para dar ao trabalhador condições de conforto, segurança e desempenho, ela tem
como objetivo “[...] estabelecer parâmetros que permitam a adaptação das
condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores”.
Incluem-se nessas condições as atividades voltadas ao “[...] levantamento,
transporte e descarga de materiais, ao mobiliário, aos equipamentos e às
condições ambientais do posto de trabalho e à própria organização do trabalho”
(Brasil, 1978a).
Fazendo referência a posto de trabalho e a organização de trabalho (OT),
teremos temas próprios a serem tratados mais a frente, nisso se incluindo,
também, a análise ergonômica. Contudo, faremos uma pequena abordagem da
OT, para facilitar o entendimento das temáticas desta aula.
Em contribuição ao entendimento da NR 17 foi desenvolvido o Manual de
aplicação da Norma Regulamentadora n. 17 (Brasil, 2002), com o intuito de
embasar as fiscalizações realizadas por auditores, além de auxiliar a própria
interpretação da NR 17. Esse manual beneficia a todos os profissionais que atuam
em áreas voltadas ao bem-estar físico, mental, à saúde e à segurança do trabalho.
Como mencionamos anteriormente, este nosso primeiro assunto tece uma
breve introdução aos assuntos que iremos tratar nesta aula, esclarecendo
algumas denominações. Portanto, já pensando na OT, de acordo com a NR 17

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(Brasil, 1978a) e com o referido manual (Brasil, 2002), temos os seguintes tópicos:

• Normas de produção: normas que o trabalhador deve seguir para realizar


suas tarefas.
• Modo operatório: designa as atividades a serem executadas para se atingir
um dado resultado e divide-se em prescrito, modo estabelecido pelo
empregador; e real, modo definido pelo próprio trabalhador.
• Exigência de tempo (pressão de tempo): estabelece, de forma impositiva,
quanto deve ser produzido em determinado tempo.
• Determinação do conteúdo do tempo: determina o tempo para execução
de trabalhos que envolvem diversas tarefas.
• Ritmo de trabalho: aspecto subjetivo, que pode ser imposto pela máquina,
ou livre, ajustado pelo trabalhador.
• Conteúdo das tarefas: modo como o trabalhador percebe as condições de
seu trabalho.

Fazendo a leitura da NR 17, você verá apenas os seus itens, discriminados


(Brasil, 1978a). A explicação de cada um, na íntegra, você encontrará acessando
o manual, que, sem dúvida, auxilia na interpretação da NR 17 (Brasil, 1978a,
2002).
Além do que comentamos até aqui e considerando a NR 17, a ergonomia
engloba diversos aspectos do ambiente de trabalho, como iluminação, ventilação,
ruído, vibração, temperatura, entre outros (Brasil, 1978a). Esses aspectos estão
implicados nas condições ambientais do local onde desempenhamos nossas
atividades. As condições ambientais influenciam, tanto de forma positiva quanto
negativa, o bem-estar do trabalhador. Abordaremos essa temática com mais
ênfase nas próximas aulas. No entanto, podemos afirmar que o ambiente ideal
respeita as condições estabelecidas em norma, tornando a jornada diária mais
producente e segura.

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Figura 1 – Condições ambientais

Crédito: Pretty Vectors/Shutterstock.

Devemos, todavia, saber que relacionamos as condições às características


psicofisiológicas dos trabalhadores e à tarefa a ser executada. Tais características
referem-se a saber o funcionamento do ser humano, entendendo que a ergonomia
preconiza a adaptação do indivíduo ao trabalho, diferentemente do que a
administração científica preconizava. Anteriormente, falamos sobre isso.
Para fazermos a relação entre trabalhador e trabalho, levamos em
consideração o indivíduo e suas particularidades. Entretanto, conforme o próprio
Manual de aplicação da Norma Regulamentadora n. 17 (Brasil, 2002) descreve,
não se tem o conhecimento da totalidade do ser humano, mas de algumas de
suas propriedades psicofisiológicas, como:

• preferência a escolher a sua postura de trabalho em função da tarefa;


• preferência a alternar toda a musculatura e não apenas parte dela;
• dificuldade com tarefas segmentadas em tempo curto, especialmente se
esse tempo for imposto de alguma forma (por gerência, condições de
operação de equipamento etc.);
• preferência a decidir seu próprio modo de trabalho;
• aceleração dos movimentos desconsiderando seus limites
musculoesqueléticos;
• bem-estar ao ser solicitado a solucionar problemas pertinentes às tarefas;
• capacidades sensitivas e motoras dispostas a respeitar limites;
• capacidade aumentada de percepção e resolução de problemas em função
de alterações sensoriais e motoras decorrentes da idade;

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• cooperação coletiva na execução de tarefas, em preferência à
competitividade, promovendo bem-estar e saúde.

Mas é válido dizer que todo ambiente laboral, se não projetado em


conformidade com as normas, causará problemas à saúde. Por esse motivo, é
fundamental ter profissionais capacitados ou habilitados que observem as
recomendações com seriedade. Fadiga, estresse, ansiedade são apenas algumas
das consequências, para a saúde, de condições ambientais desconformes.

TEMA 2 – TRABALHO PRESCRITO E TRABALHO REAL

Ferreira Filho e Gontijo (2013) afirmam que, para a ergonomia, há uma


lacuna entre o prescrito a ser executado e o que de fato é executado. Segundo
Ferreira (2013, p. 345), a “[...] discrepância irredutível entre a dimensão formal
(trabalho prescrito) e a informal (real do trabalho) é uma das principais referências
da psicodinâmica do trabalho”. Brito (2009) afirma que o conceito de trabalho
prescrito, ou seja, o que se deve de fato fazer, está fundamentado em pesquisas
que tratam situações reais. A empresa estabelece regras e define objetivos a
serem alcançados.
O trabalho é composto por regras, normas, técnicas e conhecimentos; de
acordo com Ferreira (2013), contudo, dependendo de como ele se apresente,
pode levar o trabalhador à redução da capacidade criativa. O trabalho prescrito,
segundo Dias et al. (2018), corresponde ao que antecede a própria realização da
tarefa, entendido como um registro de orientação, um manual que deve ser
seguido. O seu não atendimento pode gerar punição.
Com essa contextualização, começamos a perceber a diferença entre o
que devemos realizar, prescrito, e o que verdadeiramente executamos, real. E
passamos a entender o significado de tarefa, que é prescrita, e de atividade, que
é executada. Note que, anteriormente em nossos estudos, ainda não havíamos
feito essa diferenciação.
Em relação ao trabalho real, Brito (2009) o entende como resposta às
imposições externamente estabelecidas. As atividades se desenvolvem conforme
objetivos determinados pelo próprio trabalhador, com base nos objetivos definidos
pela organização. Dias et al. (2018, p. 16-17) apresentam o seguinte conceito:

[...] o trabalho real é o momento de execução, tudo aquilo que não será
prescrito, porque não é o prescrito que realiza o trabalho, porém, a ação
real do trabalhador. A realidade do trabalho é muito complexa. Nenhuma

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regra, ou manual, pode dar conta de todas as situações. A distância
entre o planejado e o executado é grande, a prescrição não consegue
prever todas as dificuldades que aparecem no cotidiano de trabalho. Por
meio da descrição consegue-se um atestado de qualidade, porém,
nesse contexto acredita-se que a falha humana nunca é daquele que
planeja, mas sim daquele que executa.

A dinamicidade existente nas reais situações de trabalho, bem como a


instabilidade e os imprevistos, conforme Brito (2009), denotam uma distância
marcante entre o prescrito e o real. Da mesma forma, Goya e Mansano (2012)
comentam sobre a lacuna entre os dois perfis. Enquanto o indivíduo é contratado
para determinada função (trabalho prescrito), no real ele cria formas de executar
as tarefas solicitadas (atividade de fato).

Figura 2 – A pergunta que fica: “faço a tarefa ou a atividade?”

Crédito: Fotogestoeber/Shutterstock.

Oro et al. (2019) realizaram uma pesquisa para identificar tanto


semelhanças quanto diferenças entre o trabalho prescrito e o trabalho real,
adotando a visão de profissionais de enfermagem. Esse estudo foi feito em
unidades de internação de hospitais universitários federais. Os autores utilizaram,
entre outros referenciais, a abordagem ergológica. Vamos, então, definir a
ergologia, que, segundo Cantanhede (1965, p. 12), “[...] é a ciência do trabalho,
ou a ciência dos fenômenos da atividade humana aplicada à produção”.
Façamos por ora uma pequena pausa para falar um pouco mais sobre a
ergologia para, em seguida, retomarmos a pesquisa feita por Oro et al. (2019). A
ergologia trata do conjunto de conhecimentos referentes ao trabalho humano,
segundo Cantanhede (1965), agrupados em fatores humanos, fatores técnicos e
fatores sociais. Faria (1984, p. 90) define ergologia como “[...] a síntese do estudo
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científico do fator humano no trabalho”. É resultado dos estudos voltados à
aptidão, à capacidade e à adaptação do fator humano com o objetivo de embasar
a administração e a organização do trabalho, destacando o aspecto do bem-estar
psicofisiológico do indivíduo (Faria, 1984). Tanto a ergonomia quanto a ergologia
tratam das condições de trabalho, por isso fizemos essa breve abordagem.
Retornando à pesquisa de Oro et al. (2019), os seus resultados mostraram
semelhanças entre o prescrito e o real, em função da divisão do trabalho
estabelecida pelas categorias profissionais. As diferenças constatadas referem-
se à gestão dos hospitais analisados e ao ritmo decorrente do trabalho. Contudo,
sugerem repensar o trabalho em razão de as práticas poderem ser alteradas pelos
profissionais da área, ao adquirirem novos conhecimentos que respaldem a
reorganização do trabalho. Existem muitas discussões e complexidades quando
abordamos esse tema. E, quanto mais nos aprofundamos na leitura e na
compreensão do assunto, novas formas de entendimento e visão surgem.

TEMA 3 – REGULAÇÃO DA ATIVIDADE

Segundo Pinho, Abrahão e Ferreira (2003), a regulação constitui um dos


pilares teóricos da ergonomia, entendido como um paradigma usado em
disciplinas variadas. Os autores afirmam ainda que a eficiência, a eficácia e o
bem-estar do ser humano, no que tangem ao trabalho, relacionam-se diretamente
à sua capacidade de regulação (Pinho; Abrahão; Ferreira, 2003). O objetivo disso
é gerenciar as variações das condições externas e internas que dizem respeito à
atividade e controlar seus efeitos.
Regulação é o ato de agir seguindo regras estabelecidas, normalmente em
formato de lei. Esse termo, usado na esfera da saúde, refere-se à função
desenvolvida pelos sistemas de saúde de maneira geral, tendo um sentido mais
abrangente se comparado ao da regulamentação mercadológica nessa mesma
área (Magalhães Junior, 2006). Podemos, então, entender a regulação como estar
sujeito(a) a regras e a leis. Leplat (1986, 2006, citado por Trierweiller et al., 2008)
entende que a definição de regulação vincula-se à existência da “[...] interação
entre elementos instáveis e que a resultante do funcionamento do sistema não
depende somente da ação do trabalhador, mas também das condições das quais
ele não utiliza controle direto”.
Guérin, Kerguelen e Laville (2001, citados por Trierweiller et al., 2008)
afirmam que o trabalhador desenvolve um modo próprio de agir no desempenho

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de suas atividades. Considerando sua condição de saúde e seu conhecimento, o
indivíduo faz uso dos recursos disponíveis para trabalhar. Dessa forma, segundo
Trierweiller et al. (2008):

a estratégia de regulação é um processo multideterminado por fatores


de natureza distinta, a saber: interação do trabalhador com a tarefa
prescrita (que veicula uma carga de trabalho específica com suas
exigências físicas, cognitivas e afetivas); condições pessoais do
trabalhador (estado de saúde, objetivos pessoais e experiência
profissional); meios disponibilizados (materiais, instrumentais e
tecnológicos); condições ambientais (espaço, luminosidade,
temperatura, ruído) e mecanismos de retroalimentação de dois vetores
da atividade: performance (eficiência e eficácia quanto aos objetivos
estabelecidos) e bem-estar (condição de saúde enquanto estado em
construção que abarca o sentir-se bem física, psicológica e
socialmente).

Observam Pinho, Abrahão e Ferreira (2003), que “o mecanismo de


regulação que o sujeito adota, tem, por objetivo, não só obter o resultado a que
se visa, mas também compensar ou prevenir os disfuncionamentos”. Portanto,
afirmam, compreender o significado de regulação na área da ergonomia passa a
ser uma inter-relação entre o que a tarefa exige e as condições para executá-la,
e seu estado pessoal (indivíduo) (Pinho; Abrahão; Ferreira, 2003). De forma mais
objetiva, chama-se regulação o processo em que um mecanismo ou um
organismo permanece em equilíbrio ou altera seu comportamento com o objetivo
de se adequar às circunstâncias (Kruger, 2007).
Na ergonomia, particularmente na participativa, que definimos
anteriormente, a regulação divide-se em externa e interna (Iida, 2014):

• Regulação externa: é o estado inicial da regulação da ergonomia


participativa, em que não há, praticamente, participação interna e os
conhecimentos de ergonomia são apenas do consultor externo.
• Regulação interna: os conhecimentos fundamentais de ergonomia já estão
incorporados por todos da empresa, que já têm capacidade de assumir o
seu controle, dispensando o consultor externo.

Na saúde, o entendimento é similar. A regulação tem como funções


principais definir normas, monitorar, fiscalizar, controlar e avaliar os serviços de
saúde, afirmam Vilarins, Shimizu e Gutierrez (2012). Os responsáveis por exercer
tais funções são os órgãos reguladores da esfera nacional ou estadual.

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TEMA 4 – ESTRATÉGIAS OPERATÓRIAS E MODO(S) OPERATÓRIO(S)

Para facilitar a compreensão e tornar o assunto mais dinâmico, vamos


dividir nosso tema, abordando separadamente estratégias e modos. Ao final, você
verá que todas as temáticas se interligam.

4.1 Estratégias operatórias

Antes de nos aprofundarmos neste tópico, vamos iniciá-lo definindo


estratégias operatórias, que, de acordo com Pinho, Abrahão e Ferreira (2003), são
estratégias específicas para a regulação da atividade, em trabalhos que precisam
de instrumentos para serem realizados. Relacionadas à competência do
trabalhador, Silvino e Abrahão (2003) as definem como um processo de
categorização, de resolução de problemas e de tomada de decisão que tem como
resultado uma sequência de ações e operações denominada modo operatório. As
estratégias operatórias regulam o trabalho, com base na identificação do trabalho
prescrito e do real.
Também entendidas como um conjunto de regras que resultam em ação,
as estratégias operatórias devem ser seguidas ordenadamente, envolvendo para
isso o raciocínio e a resolução de problemas (Montmollin, 1995, citado por
Abrahão; Silvino, Sarmet, 2005). Executar determinada atividade exige maior ou
menor mecanismo cognitivo como forma de categorização, resolução de
problemas e tomada de decisão. Seguindo o mesmo raciocínio, temos como
resultados as possíveis formas de interpretação das informações, a necessidade
de ter conhecimento e os registros de memória do trabalhador (Silvino; Abrahão,
2003).
Produto da regulação entre objetivos, meios disponibilizados, resultados
gerados e estado interno do operador, as estratégias operatórias designam as
ações que implicam um processamento controlado, de acordo com Silvino e
Abrahão (2003). Em outras palavras, exigem um processo de contínua atenção,
aumentando a carga cognitiva envolvida na atividade.

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Figura 3 – Processamento mental de informações

Crédito: ProStockStudio/Shutterstock.

Os procedimentos que se desenvolvem como resultantes das estratégias


operatórias são denominados modos operatórios (Guérin, 2001, citado por
Gonçalves; Camarotto, 2008), que veremos a seguir.

4.2 Modos operatórios

O modo operatório é consequência da regulação entre os objetivos, os


meios disponíveis, os resultados e o estado interno do trabalhador, como
apresentado por Guérin (2001, citado por Silvino; Abrahão, 2003). O trabalhador
participa diretamente de todo o processo. Percebemos, então, a relação entre a
estratégia operatória e o modo operatório, tornando-se nítido esse vínculo.
Conforme Silvino e Abrahão (2003), essa relação surge pela necessidade de se
gerar novos modos diante dos limites da própria atividade. Consequentemente,
reinterpreta-se a situação atual e elaboram-se as estratégias com o objetivo de
resolver os problemas e prever possíveis incidentes. As estratégias estabelecem
as ações; as ações necessitam de constante atenção; a constante atenção
aumenta a carga cognitiva envolvida no desempenho da tarefa (Silvino; Abrahão,
2003).
Os modos operatórios são variáveis, em função das alterações que a
matéria-prima sofre, do estado do equipamento ou máquina e das condições
psicofisiológicas do indivíduo. Designam as atividades ou operações a serem
realizadas com o intuito de alcançar o objetivo da tarefa, que é o resultado
pretendido. Nesse contexto, também dizemos que o modo operatório pode ser
prescrito ou real, dependendo da forma com que o trabalho é organizado. Um
trabalhador com mais liberdade adota o modo operatório de acordo com a

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situação. Um exemplo simples é ele executa determinada tarefa alternando a sua
postura ao fazer isso (Brasil, 2002).

Figura 4 – Alternância de posturas durante a execução de tarefas

Crédito: Lilanakani/Shutterstock.

Deve-se observar que, para alternar a postura durante a execução de uma


atividade, é de suma importância que qualquer postura adotada mantenha a
pessoa segura e confortável. Faça uma breve consulta ao que dissemos
anteriormente sobre as posturas corretas para o desempenho do trabalho.

TEMA 5 – COMPETÊNCIAS E REPRESENTAÇÕES

Seguindo o mesmo formato do tema anterior, iremos abordar competências


e representações separadamente. Você deve ter percebido que, por diversas
vezes, parece haver uma sobreposição de assuntos. Na realidade, como os temas
se entrelaçam, em alguns momentos pode haver essa sensação. Entretanto, não
é possível abordar um tema em detrimento de outro, devido à complexidade, à
dinamicidade e à inter-relação da ergonomia com as mais diversas áreas.

5.1 Competências

Neste item, abordamos enfaticamente o conhecimento sob diversos


aspectos, mas sempre relacionado à cognição. Novos conhecimentos são
adquiridos durante as práticas de trabalho e, nesse processo, as competências
também são desenvolvidas. Se fizermos uma pesquisa na Norma ERG BR 1001:
competências essenciais para os ergonomistas certificados (Abergo, 2003, p. 2),

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encontramos a seguinte definição: “uma competência é definida como uma
combinação de atributos que sublinham algum aspecto de desempenho
profissional de sucesso”. Entendemos, dessa forma, que a competência é o que
o trabalhador consegue na prática realizar e está relacionada à sua formação e
experiência, à sua capacidade e desenvolvimento.

Figura 5 – Competência

Fonte: Elaborado com base em Abrahão; Silvino; Sarmet, 2005.

Silvino e Abrahão (2003) conceituam a competência como uma matriz


compreendida por conhecimentos, representações e estratégias operatórias com
o objetivo de regular o que é exigido, em função das condições disponibilizadas
ao operador. Por permitir a ação, torna possível recomendar mudanças quando
necessárias em situações de trabalho, afirmam Gonçalves e Camarotto (2008). A
competência é a articulação de conhecimentos, habilidades e experiências
construídas e modificadas enquanto a atividade é realizada.
As competências determinam o conhecimento para realizar uma ação e
para ser hábil ao agir. Segundo Montmollin (1995, citado por Gonçalves;
Camarotto, 2008, p. 3), é preciso considerar o “aspecto cotidiano da competência”,
pois o trabalhador, além de ser ativo do presente, também o é do passado e do
futuro. A mobilização das competências adquiridas, como citam Gonçalves e
Camarotto (2008), é o marco para que os modos operatórios sejam elaborados,
podendo ser considerados estratégias. Torna-se cada vez mais fácil, desde que a
empresa concorde, adaptar as estratégias em função do seu custo físico, dos
esforços necessários e do tempo para realizar as tarefas. Poderíamos talvez
resumir a competência compreendendo que ela se desenvolve ou se adquire com

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base no conhecimento, nas habilidades e nas qualidades pessoais e está
diretamente ligada à tarefa que deve ser cumprida.

5.2 Representações

A representação, assim como a competência, também está ligada ao


processo mental, à cognição e ao conhecimento. Podemos entendê-la como a
forma de o trabalhador organizar seu conhecimento, elaborando um modelo
mental. Essa observação nos leva à ergonomia cognitiva, que é tema de nossas
próximas aulas. Note que, quanto mais evoluímos em nosso processo de
aprendizado, mais facilmente percebemos a ligação entre todos os assuntos da
disciplina.
Weill-Fassina, Rabardel e Dubois (1993, citados por Pinho; Abrahão;
Ferreira, 2003) afirmam que “as representações para e na ação são definidas
como: processos mentais ativos de tomada de consciência e de apropriação das
situações nas quais os indivíduos estão envolvidos e, ao mesmo tempo, são
produtos, resultados de suas atividades”. De acordo com Wisner (2004), deve-se
entender que representações são utilizadas pelo indivíduo para assimilar a
situação de trabalho e de quais estratégias faz uso. À medida que esse indivíduo
armazena as informações, elabora as suas representações e cria as suas
competências, pois o próprio sujeito formula o problema que precisará resolver.
As representações, segundo Abrahão, Silvino e Sarmet (2005),
armazenam informações sobre o mundo em forma de modelos mentais,
esquemas, mapas, entre outros elementos. No entanto, a forma de armazenar
depende da especificidade da informação a ser memorizada, afirmam os mesmos
autores (Abrahão; Silvino; Sarmet, 2005). Os trabalhadores criam as
representações no contexto da ação, pois é a ação que as define e as altera em
função das variações das atividades (Weill-Fassina, Rabardel; Dubois, 1993,
citados por Abrahão; Silvino; Sarmet, 2005).
Os indivíduos, por meio das representações selecionam as informações
entendidas como essenciais, bem como os procedimentos mais apropriados para
a realização da tarefa. E o papel do ergonomista, nesse contexto, traduz-se em
compreender como o trabalhador utiliza as representações em situações reais.
Não é suficiente buscar as representações para a ação (Abrahão; Silvino; Sarmet,
2005). Pensando de um modo claro e objetivo, vamos entender a representação

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como a organização do conhecimento por meio de processos mentais que
permitam facilmente interpretar a situação do trabalho.

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REFERÊNCIAS

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