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Enfermagem de Saúde Infantil e Pediatria

Aula Teórica - 4º semestre CLE

As crianças em contexto de doença e hospitalização


Reações e processos adaptativos

Professor@s: Ananda Fernandes; Lurdes Lomba; Márcia Pestana-Santos; Marília Flora


Jorge Apóstolo

2022-2023
Sumário

1. Hospitalização da criança em meados do Século XX


2. Marcos históricos que revolucionaram os cuidados à criança hospitalizada
3. Manifestações da criança à hospitalização
4. Fatores de stresse e reações da criança à hospitalização
5. Fatores de stresse e reações da família da criança hospitalizada
6. Cuidados de enfermagem à criança hospitalizada
7. Cuidados de enfermagem à família da criança hospitalizada
Objetivos

1. Identificar os marcos históricos que revolucionaram os cuidados à criança


hospitalizada desde meados do século XX até à atualidade
2. Identificar as manifestações da criança à hospitalização
3. Identificar os fatores de stresse e reações da criança à hospitalização
4. Identificar fatores de stresse e reações da família da criança hospitalizada
5. Descrever os cuidados de enfermagem à criança hospitalizada
6. Descrever os cuidados de enfermagem à família da criança hospitalizada
Hospitalização da criança em meados do século XX

• Internamento da criança – separada da mãe e de qualquer elemento


da família
• Curtos períodos de visita (incluindo dos pais)
• Internamentos prolongados e em serviços de adultos
• Crianças acamadas, inativas e em isolamento
• Os procedimentos dolorosos eram realizados sem qualquer anestesia
ou analgesia
Hospitalização da criança em meados do século XX
• Atitudes depressivas, negativismo, pânico, apatia
• Regressão, ansiedade, agressividade, alteração do
comportamento do sono e padrão alimentar
• Alterações de comportamento, dificuldades de
concentração, delinquência, psicopatologia
Hospitalização da criança em meados do século XX
• Relatório de Platt (1959)
• Teoria da Vinculação - “The nature of the child’s tie to his mother”(1958),
”Separation anxiety”(1959) e “Grief and Mourning in infancy and early
childhood”(1960)
• Carta da Criança Hospitalizada (1988)
• Convenção sobre os direitos da criança ONU (20 Nov 1989) ratificada por
Portugal (1990)
• Lei n. 21/81 de 19 de Agosto - Acompanhamento familiar de criança
hospitalizada
• Lei n.º 106/2009, de 14 de setembro – Acompanhamento familiar em
Internamento Hospitalar (crianças até aos 18 anos)
• Despacho n.º 6668/2017, de 2 de agosto - direito de acompanhamento de
criança ou jovem, com idade inferior a 18 anos, em situação de intervenção
cirúrgica
Relatório de Platt - 1959

1. Preparação para a admissão


2. Procedimento de admissão
3. Cuidados hospitalares
4. Alta hospitalar
Relatório de Platt - 1959

- As crianças doentes não devem ser internadas no hospital se isso


puder ser evitado
- Os pais devem ser autorizados a visitar os seus filhos sempre que
puderem, e a ajudar o mais possível com os cuidados da criança
- Deve ser considerada a admissão de mães com os seus filhos,
especialmente se a criança tiver menos de cinco anos de idade.
- As crianças e adolescentes não devem ser acolhidas em enfermarias
de adultos
- A enfermeira responsável pela enfermaria deve ser uma “Registered
Sick Children's Nurse” (Enfermeira especialista em Pediatria)
- As necessidades emocionais das crianças devem ser enfatizadas nos
cursos de reciclagem das enfermeiras
Carta da criança hospitalizada - 1988

- Elaborada em Leiden por associações europeias de 12 países

- Resume e reafirma os direitos das crianças hospitalizadas

- Os direitos aplicam-se a todas as crianças doentes,


independentemente da sua doença, idade ou deficiência, da sua
origem, do seu meio social ou cultural, ou de qualquer outro
motivo de tratamento, independentemente da sua modalidade
ou local, quer em doentes internados quer em ambulatório

- A Carta está de acordo com os direitos vinculativos,


estipulados na Convenção dos Direitos da Criança das Nações
Unidas, e diz respeito a crianças com idade entre 0 e 18 anos
Lei n.º 106/2009, de 14 de setembro
Acompanhamento familiar em Internamento
Despacho n.º 6668/2017, de 2 de agosto
Acompanhamento de criança (<18A) intervenção cirúrgica
Teoria da Vinculação

Spitz, 1946
Bowlby, 1960

Privação da figura materna leva a comportamentos de regressão desenvolvimento


psicomotor, afetivo e comportamento

“Para a saúde mental do lactente e da criança pequena é essencial que eles


possam manter uma relação calorosa, íntima e contínua com a mãe”
Bowlby, 1951
Hospitalização da criança
Cuidados atraumáticos

Respeito pela individualidade da criança

Cuidados Centrados na Família

Redução do tempo de internamento

Ambiente físico adaptado à criança

Cuidados em regime de ambulatório

Atividades lúdicas e recreativas


Hospitalização da criança
Doença e hospitalização ☞ é, muitas vezes, a primeira crise que as crianças têm de
enfrentar

- O stress representa uma mudança do estado normal de saúde e da rotina ambiental

- Podem provocar resultados negativos a curto e a longo prazo no desenvolvimento


da criança

- Os resultados adversos podem estar relacionados com:

v O número de internamentos

v Duração dos internamentos

v Número e características dos procedimentos invasivos

v Ansiedade dos pais


Hospitalização da criança – Fatores de stresse
v Perda de controlo
v Lesões corporais
v Separação
v Dor

- Idade
- Desenvolvimento
- Experiência anterior de doença, separação ou hospitalização
- Competências inatas
- Competências adquiridas
São influenciados - Severidade do diagnóstico
por - Sistema de apoio social e familiar disponível
- Receio causado pelo ambiente desconhecido
- Falta de informação
- Não compreensão da informação disponibilizada
- Relação entre a criança e os profissionais
- Simbolismo atribuído ao ambiente físico e social
Hospitalização da criança
Fatores de risco para ↑ da vulnerabilidade

v Temperamento “Difícil”

v Défice de entendimento entre a criança e os pais

v Idade (especialmente se entre 6 meses e 5 anos de idade)

v Sexo masculino

v Inteligência abaixo da média

v História prévia de eventos stressantes múltiplos e contínuos (p.e.,


hospitalizações frequentes)
Manifestações da criança à hospitalização

- As crianças têm um número limitado de mecanismos para responder aos fatores de


stresse

v Regressão no desenvolvimento
v Ansiedade de separação
Mais evidentes em crianças
v Apatia com menos de 7 anos
v Medos
v Perturbações de sono
Manifestações de Ansiedade de separação
Criança toddler e pré-escolar - Fase de protesto
Os comportamentos observados incluem:
v Choro
v Gritos
v Procura dos pais com o olhar
v Agarra-se aos pais
v Evita e rejeita o contacto com estranhos

Também podem ser observados comportamentos, como:


v Ataca verbalmente estranhos (p.e. "Vai-te embora")
v Ataca fisicamente estranhos (p.e. pontapear, morder, bater, beliscar)
v Tenta escapar para encontrar os pais
v Tenta forçar fisicamente os pais a permanecer, agarrando-os

- Os comportamentos podem durar de horas a dias


- Os comportamentos, como o choro, podem ser contínuos, cessando apenas por exaustão física
Manifestações de Ansiedade de separação
Criança toddler e pré-escolar - Fase de Desespero

Os comportamentos observados incluem:


v Fica inativo
v Isola-se dos outros
v Fica deprimido, triste
v Apresenta falta de interesse pelo ambiente
v É pouco comunicativo
v Regressão para comportamentos anteriores (p.ex., chupar o dedo, enurese noturna,
uso de chupeta, uso de biberon)

- Os comportamentos podem durar por um período de tempo variável


- O estado físico da criança pode deteriorar-se por recusa de comer, beber, ou mover-se
Manifestações de Ansiedade de separação
Criança toddler e pré-escolar - Fase de Desapego

Os comportamentos observados incluem:


v Mostrar interesse crescente pelo ambiente
v Interagir com estranhos ou cuidadores conhecidos
v Estabelecer relações novas, porém superficiais
v Aparentar felicidade

- O desapego ocorre, geralmente, após um período prolongado de separação dos


pais; raramente é observado em crianças hospitalizadas
- Os comportamentos representam um adaptação superficial à perda
Comportamentos pós-hospitalização
Criança toddler e pré-escolar

- Demonstram uma postura inicial de distanciamento em relação aos pais, que


pode durar desde alguns minutos (o mais comum) até alguns dias

- São, frequentemente, seguidos por comportamentos de dependência, como:

v Tendência para se agarrarem aos pais

v Exigem a atenção dos pais

v Oposição vigorosa a qualquer tipo de separação (p.e., ficar na pré-escola ou com


a ama)
Comportamentos pós-hospitalização
Criança toddler e pré-escolar

Outros comportamentos negativos incluem


v Novos medos (p.e., pesadelos)
v Resistência em ir para a cama, despertares noturnos
v Isolamento e timidez
v Hiperatividade
v Birras temperamentais // Acessos de raiva
v Peculiaridades alimentares
v Vinculação a “naninha” ou a um brinquedo
v Regressão em competências recém aprendidas (e.g. auto-higienização)
Comportamentos pós-hospitalização
Idade escolar e adolescentes

Os comportamentos negativos incluem:

v Distanciamento emocional seguido de uma dependência extrema e exigente para


com os pais

v Raiva e agressividade para com os pais

v Ciúmes para com outras pessoas (p.e., irmãos)

v Rejeitam os irmãos

v Problemas subsequentes na escola


Hospitalização da criança
Reação dos pais
Fatores influenciadores
v Gravidade da ameaça à criança
v Experiência anterior com doença ou hospitalização
v Procedimentos médicos necessários para o diagnóstico e no tratamento
v Sistemas de apoio disponível
v Características de personalidade (ex: ego forte)
v Estratégias anteriores de Coping
v Stresses adicionais sobre o sistema familiar
v Crenças religiosas e culturais
v Padrões de comunicação entre os membros da família
v Educação e informação disponibilizada à família durante a hospitalização
v Estatuto socioeconómico // Limitações sociais e económicas
Hospitalização da criança
Reação dos irmãos
Os irmãos experimentam
v Solidão, medo e preocupação
v Também, raiva, ressentimento, ciúme e culpa
v A hospitalização da criança pode também resultar na perda de estatuto dos
irmãos, quer no seio da sua família, quer do seu grupo social
Hospitalização da criança
Reação dos irmãos
Fatores que aumentam o efeito sobre os irmãos
v Ser mais novo e experimentar muitas mudanças
v Ser cuidado fora de casa por prestadores de cuidados que não são parentes
v Receber pouca informação sobre o seu irmão ou irmã doente
v Perceber que os pais os tratam de forma diferente em comparação com o antes
da hospitalização do seu irmão doente
Hospitalização da criança
Reação dos irmãos
Os pais desconhecem, muitas vezes:
v A quantidade de efeitos que os irmãos vivenciam durante a hospitalização da
criança doente
v O benefício de intervenções simples para minimizá-los
Hospitalização da criança
Reação dos irmãos
Estratégias para minimizar os efeitos do impacto da
doença do irmão:
v Explicações explícitas sobre a doença do irmão
v Assegurar que os irmãos não doentes podem
permanecer em casa
v A visita dos irmãos é geralmente benéfica para a criança
doente, irmãos e pais, mas deve ser avaliada numa base
individual
v Os irmãos devem ser preparados para a visita com
informação ajustada ao desenvolvimento e deve ser
dada a oportunidade de fazerem perguntas
Criança Hospitalizada
Cuidados de Enfermagem
Criança Hospitalizada
Intervenções de Enfermagem - Criança
1. Colheita de dados aquando da admissão
1. Orientação para a identificação de DE
2. Avaliar os hábitos de vida da criança

2. Admissão da criança
1. Apresentação da Enfermeira principal à criança e família
2. Apresentar as instalações, em particular as da unidade e do quarto; enfatizando
as áreas positivas da unidade
Intervenções de Enfermagem - Criança
3. Prevenir ou minimizar a separação
1. Em particular, nas crianças com menos de 5 anos
2. Encorajar o envolvimento da família nos cuidados à criança e a sua presença
durante a realização dos procedimentos – Numa ótica de Cuidados Centrados
na Família
3. As enfermeiras devem ter conhecimento sobre os comportamentos da criança
aquando da separação (fases de protesto, desespero e desapego)
4. Estar fisicamente presente com a criança, apoiando-a, mantendo tom de voz
suave, contacto ocular e toque de forma a que possa ser estabelecida uma
relação de empatia
5. A utilização de videochamada e telefonema pode promover o contacto entre a
criança hospitalizada, restantes membros da família e amigos
Intervenções de Enfermagem - Criança
4. Ausência dos pais durante a hospitalização da criança
1. Solicitar que os pais deixem ficar os objetos favoritos da criança com ela
(cobertor, brinquedo, biberão, peça de vestuário, “naninha”)
2. As crianças pequenas associam tais objetos inanimados a pessoas significativas
e sentem conforto e segurança no contacto com estes objetos
3. Identificar o brinquedo - diminui as hipóteses de ser perdido
4. Muitas crianças em idade escolar têm um objeto de ligação ao qual se
apegaram na sua primeira infância (a presença deste deve ser permitida e
incentivada)
5. Em hospitalizações longas, incentivar à decoração do quarto para que fique
mais familiar (“casa”)
6. Incentivar à participação e manutenção das atividades escolares
Intervenções de Enfermagem - Criança
5. Minimizar a perda de controlo
1. Promover a liberdade de movimento
2. Manter as rotinas da criança
3. Encorajar a independência
4. Promover a compreensão

6. Prevenir ou minimizar o medo de lesão corporal


1. Depois da primeira infância, todas as crianças temem as lesões corporais
2. A preparação da criança para procedimentos dolorosos (diminui os seus medos e
aumenta a cooperação)

3. Reduzir o tempo de realização do procedimento (principalmente em crianças pequenas)


4. Disponibilizar um relato diferente e menos negativo da doença
5. Ajustar a explicação à fase seguinte do desenvolvimento cognitivo
Intervenções de Enfermagem - Criança
7. Disponibilizar atividades promotoras do desenvolvimento
1. Em especial para crianças com internamentos prolongados os repetidos
2. Minimizar a separação
3. As crianças devem ter a oportunidade de manter as atividades escolares
4. Oportunidade de manter as atividades de arte e música
5. Aos adolescentes:
✫ Proporcionar privacidade, socialização e atividades adequadas à sua idade
✫ Proporcionar atividades flexíveis, tais como usar as suas roupas, permitir
acesso aos dispositivos de tecnologia (telemóvel, computador, consola, ...)
✫ Providenciar mais que as três refeições tradicionais por dia (possibilitar o
acesso a lanche ou snacks)
Intervenções de Enfermagem - Criança
8. Providenciar atividades de brincar e expressar emoções
1. Atividades recreativas
2. Brinquedos
3. Expressão criativa
4. Atividades de expressão plástica
5. Brincadeira dramática
9. Maximizar os potenciais benefícios da hospitalização
1. Fomentar a relação entre pais e filhos
2. Proporcionar oportunidades educativas/de formação
3. Promoção do autocontrolo
4. Promover socialização
Intervenções de Enfermagem - Família
As intervenções devem atender
v Gravidade da doença da criança
v Experiência anterior com doença ou hospitalização
v Procedimentos médicos necessários para o diagnóstico e tratamento

1. Apoiar os membros da família


1. Utilizar uma comunicação funcional (verbal e não verbal)
2. Respeitar a cultura, hábitos e crenças religiosas da família
3. Apoiar os pais na expressão de sentimentos
4. Apoiar os pais na preparação dos irmãos para a visita ao hospital,
disponibilizando e sugerindo ações ajustadas
Intervenções de Enfermagem - Família

2. Disponibilizar informação (1)


1. Fornecer informações sobre:
✫ A doença, o seu tratamento, prognóstico e cuidados domiciliários
✫ As reações emocionais e físicas da criança à doença e à
hospitalização
✫ As prováveis reações emocionais dos membros da família à crise
✫ A família necessita de explicações claras sobre o que esperar e
sobre o que esperam dela
Intervenções de Enfermagem - Família

2. Disponibilizar informação (2)


2. Os enfermeiros devem preparar os pais para as reações dos irmãos -
especialmente raiva, ciúmes e ressentimento. Os irmãos mais velhos podem
negar tais reações porque provocam sentimentos de culpa

3. Alertar os pais para o facto de uma das áreas de comunicação mais


negligenciadas envolve dar informação aos irmãos da criança doente

4. As crianças de todas as faixas etárias merecem alguma explicação sobre a


doença e hospitalização do irmão.

5. Minimizar o medo manifestado pelos irmãos de também ficarem doente ou


de terem causado a doença
Intervenções de Enfermagem - Família
3. Estimular a participação dos pais
1. Prevenir ou minimizar a separação

2. Encorajar os pais a participarem nos cuidados, sempre que possível

3. Compreender as características dos diferentes “tipos” de pais, p.ex: pais


excessivamente envolvidos emocionalmente; Pais inseguros, principalmente
após procedimento cirúrgico; pais que necessitam controlar todos os cuidados,
como são os pais de primeiro filho, pais jovens, minorias étnicas, ...

4. Os pais tendem a negligenciar as suas necessidade, como dormir, alimentar-se


ou relaxar. Devemos encorajar os pais a fazer pausas, substituir-se por outro
elemento da família, ..

5. Estabelecer vínculo de confiança entre a equipa e os pais


Bibliografia de referência

1. Relatório de Platt

2. Carta da Criança Hospitalizada (1988)

3. Despacho n.º 6668/2017, de 2 de agosto - Acompanhamento de criança


(<18A) intervenção cirúrgica

4. Lei n.º 106/2009, de 14 de setembro - Acompanhamento familiar em


Internamento

5. Hockenberry M., Wilson D., Rodgers, C. Wong ́s Fundamentos Enfermagem


Pediátrica. 10 ed. Rio de Janeiro: Elsevier editora Ltda; 2018.
[Capítulos 17; Capítulos 18; Capítulos 19]

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