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folhafeminista Boletim da SOF na luta feminista outubro 2002 nº39 ISSN 1516-8042

editorial Egas Francisco, Pietá da 13 de Maio, 2002

O acúmulo construído nos mais de


vinte anos do PT e o rechaço ao pro-
grama neoliberal de FHC se trans-
formaram, em 27 de outubro, na maior
vitória eleitoral do partido e, ao mesmo
tempo, em grande esperança para mi-
lhões de cidadãs e cidadãos que querem
construir outro país. Apurados os votos,
o Brasil comemorou a eleição de Lula
presidente!
Como já se viu em outras cam-
panhas, a presença e mobilização das
mulheres foi expressivamente forte e
fundamental para essa vitória.
Vimos renascer da esperança da
população que espera e atuará junto com
os movimentos sociais para garantir esse
governo de mudanças.
No âmbito continental, continua em
pauta o combate à Área de Livre Co-
mércio das Américas (Alca). E as forças
que lutam pela soberania dos países
americanos e caribenhos se ampliam e se
espalham pelo Continente. Demons-
tração que foi dada em Quito (Equa-
Flexibilização dos direitos das
dor), durante as Jornadas contra a Alca. trabalhadoras no governo FHC
Além de muitos debates, atos, manifes- Por Vera Soares
tações, as mulheres organizaram uma
invasão ao McDonald’s local.
Durante a década de 90, em par- contribuem no combate ao desemprego,
No Brasil, no dia 31 de outubro,
ticular no período de governo FHC, eliminam normas atrasadas e ampliam a
várias organizações realizaram atividades
inúmeras foram as propostas do Exe- liberdade de negociação. Segundo o
nas ruas do país para dizer não à Alca.
cutivo que modificaram as relações do governo, as medidas são necessárias pois
A busca por alternativas para o mun-
trabalho, como: tempo parcial, trabalho o mercado de trabalho no Brasil é muito
do, soluções diferentes para os proble-
por prazo determinado; demissão tem- rígido, o custo do trabalho, especial-
mas e mazelas criados pelo neoliberalis-
porária; Comissões de Conciliação mente de admissão, é muito elevado e
mo também são tarefas atuais. Entre
Prévia, demissão voluntária, denúncia em razão disso colocam-se como obs-
elas, a mercantilização dos corpos das
da convenção 158, redução do FGTS, táculos para gerar empregos e reduzir a
mulheres, a prostituição e o tráfico de
flexibilização no tempo de trabalho e na informalidade. Em nenhum país onde
mulheres (que atualmente já é o terceiro
remuneração com o Banco de Horas; ocorreu este tipo de desregulamentação
maior comércio do mundo, só perdendo
liberação do trabalho aos domingos e na dos direitos houve uma diminuição do
para as drogas e armas).
remuneração e medidas que restringem desemprego.
São muitas as razões para mudar o
a fiscalização. Embora uma das justificativas para a
mundo.
As justificativas para essas medidas desregulamentação seja o fortalecimento
são baseadas no falso argumento que das negociações coletivas, não tem
As Semprevivas
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folhafeminista 1
Direitos

continuação da capa Egas Francisco, Marlene, o olhar, 1996

havido regulamentação que aumentasse acidente de trabalho. O empregador


a liberdade de organização sindical e poderá registrar o acidente ou doença do
nem o fortalecimento das negociações trabalho, não como tal, mas apenas
coletivas. como doença comum. Para o emprega-
dor é vantagem, pois no caso de acidente
Conquistas na mira de trabalho deveria onerar outras obriga-
As alterações vão no sentido da ções, como a garantia no emprego do
desregulamentação dos direitos, acres- acidentado por 12 meses após o seu
cida da iniciativa, em discussão no retorno. Outro efeito é o aumento da
Senado, que modifica a CLT. Pela pro- não notificação de acidentes de trabalho
posta, o que for acordado entre empre- e a limitação de políticas públicas de
sários e trabalhadores, mediante acordo controle dos mesmos.
coletivo ou convenção, prevalecerá sobre Para as mulheres tem implicação,
o disposto em lei, preservadas as normas tanto pela diminuição do valor pago,
de segurança e saúde. como do esvaziamento de políticas de
Ficam ameaçadas conquistas histó- prevenção. Além disto, é entre as mulhe-
ricas de proteção contra a demissão res que tem aumentado o número de
arbitrária ou sem justa causa, o FGTS, ção em face da automação; descanso acidentes de trabalho, em decorrência
piso salarial, 13o salário; a proteção do semanal remunerado. do tipo de função que desempenham.
salário; o salário família, participação nos Além disso, podem ser revogados No Brasil dos anos 1990, as traba-
lucros; remuneração da hora-extra; direitos e princípios básicos, como a lhadoras são atingidas de forma mais
abono de férias; licença-gestante e pater- proibição de alteração unilateral no violenta, seja porque são as maiores
nidade; proteção do mercado de traba- contrato de trabalho, o contrato de vítimas de acidentes de trabalho, seja em
lho da mulher; o aviso prévio propor- trabalho por tempo indeterminado, as face do comprometimento de cláusulas
cional; adicionais de remuneração para licenças justificadas do trabalhador ao conquistadas em negociações coletivas,
atividades penosas ou perigosas e prote- serviço, a assinatura na carteira de tra- seja porque continuam trabalhando em
balho, dentre outros. setores e realizando tarefas para as quais
Prejuízos para as trabalhadoras Estas medidas fazem parte das polí- pouco foram introduzidas mudanças
ticas neoliberais do governo FHC inspi- que qualifiquem esses trabalhos.
- Perda da estabilidade: gestante, radas no liberalismo econômico con- São leis que, acompanhadas de novas
membro de CIPA, dirigente temporâneo, que rejeita a intervenção formas de gerenciamento, de altas taxas
sindical, acidentado. do Estado na economia e defende a de desemprego, de um numeroso mer-
- Ausência de direitos nos superioridade do mercado, a concor- cado informal do trabalho, de precari-
contratos temporários, como rência e a liberdade de iniciativa como zação da mão-de-obra, por um cresci-
o aviso-prévio e a multa de
meio de assegurar o desenvolvimento. mento absurdo de acidentes de trabalho,
Teve como conseqüência a abertura pela competição por maior produtivida-
40% sobre o FGTS em ocasião
comercial e a internacionalização da de, além de outros fatores, representam
de dispensa.
economia, aprofundou o processo de um modelo econômico que aflige direta-
- Jornada flexível permitirá ao introdução de inovações tecnológicas e
empregador utilização e mente a “classe-que-vive-do-trabalho”.
de novos métodos de gestão da força de A regulação do mercado de trabalho
controle integrais do tempo da trabalho. passa a ser mais particularizada, privada
trabalhadora, o que anula qualquer As mudanças nas leis trabalhistas têm e mais adequada às empresas indivi-
licença horária, diária ou semanal, como conseqüência as altas taxas de dualmente, sem mecanismos de regula-
ou ainda intervalos durante os desemprego, a crescente precarização e ção onde os sindicatos participem. Há
turnos. Com a jornada informalização do trabalho, e o enfra- autores como Burawoy que falam de um
determinada pela vontade e quecimento dos sindicatos. despotismo hegemônico: a tirania “ra-
necessidades patronais perdem as cional” da mobilidade do capital sobre o
mulheres que gozam de períodos
“Flexibilização” dos direitos trabalhador coletivo.
especiais para a amamentação e a
A lei nº 9.032/95, que trata de bene-
fícios previdenciários, reduziu a abran- Vera Soares é feminista, integrante da ELAS
maternidade.
gência da Previdência no que se refere a (Elizabeth Lobo Assessoria).

folhafeminista 2
Basta de violência
Violência no Brasil
A pesquisa da Fundação Perseu
Somos mulheres, não mercadorias!!! Abramo, realizada em 2001,
ilumina um território bastante
conhecido, e para o qual ainda
mulheres, adolescentes e crianças como não foram realizadas ações para
alvo de exploração sexual, como meio sua resolução: pela projeção da
de lucro. Estas jovens e adolescentes não pesquisa, a cada 15 segundos uma
têm voz e, em muitos casos, tornam-se mulher é espancada no Brasil.
O índice de mulheres que
escravas. já sofreram alguma forma de
Segundo a Unicef, 100 mil crianças violência por parte de um homem
e mulheres são exploradas sexualmente chega a 43%. Um terço das
(comercialmente) no Brasil. São levadas mulheres (33%) admite já ter
via Manaus para a Venezuela, via Suri- sido vítima, em algum momento
name para a Holanda, ou via Argentina de sua vida, de alguma forma
de violência física (24% de
para a Espanha. Ou ficam no Brasil, ameaças com armas ao
transportadas de uma boate a outra, de cerceamento do direito de ir e
Miguel Paiva, do livro Violência Doméstica, 1984

um Estado a outro para não serem vir, 22% de agressões físicas


localizadas. propriamente ditas e 13% de
estupro conjugal ou abuso);
Rotas e padrões 27% sofreram violências psíquicas
e 11% afirmam já ter sofrido
As mulheres traficadas são, na maio-
assédio sexual.
ria, mulheres negras e morenas, de 15 a Dentre as formas de violência
27 anos e são enviadas principalmente mais comuns destacam-se a
para a Espanha (com 32 rotas). A maio- agressão física mais branda, sob
ria das rotas internas fica no Norte (76) a forma de tapas e empurrões,
e no Nordeste (69). Os aliciadores são sofrida por 20% das mulheres;
a violência psíquica, com
homens (59%) e brasileiros (67,8%) e os
xingamentos, ofensas à conduta
maiores envolvidos neste ‘negócio’ são moral da mulher, vivida por 18%,
advogados, empresários, policiais, polí- e a ameaça através de coisas
ticos e funcionários do Poder Judiciário. quebradas, roupas rasgadas,
O Brasil assinou protocolos e con- objetos atirados e formas
venções de combate ao tráfico de pes- indiretas de agressão, por 15%.
soas, e, em especial, de mulheres e 12% declaram ter sofrido a
ameaça de espancamento a si
crianças. Mas, mesmo assim, a mulher próprias e aos filhos e também
é cada vez mais oferecida como merca- 12% já vivenciaram a violência
doria, sem direito sobre seu corpo e sua psíquica do desrespeito e
sexualidade, um produto, um objeto. desqualificação constantes ao seu
O tráfico de mulheres, adolescentes Na atual conjuntura, o neolibera- trabalho, dentro ou fora de casa.
e de crianças é o terceiro maior comér- lismo tem grande poder de incremento As mulheres ainda são vítimas
de violência, como o turismo
cio do mundo, faturando sete bilhões da prostituição. Seja pelos altos índices sexual, a indução de crianças e
de dólares por ano. Lucros maiores que de desemprego feminino, ausência de jovens à prostituição, fatos que
os do tráfico de armas e drogas. As rotas perspectivas econômicas e financeiras, demandam uma ação enérgica
de tráfico de armas e drogas são tro- seja pela diária “mercantilização” do do poder público para coibi-los.
cados pelo de mulheres por serem corpo das mulheres oferecida como É preciso uma revisão da lei,
menos perigosas e com menor controle. natural pelos meios de comunicação. mudanças na punição e a criação
de um juizado especial com
Meninas e mulheres são seqües- Neste cenário, o debate acerca da capacitação para julgar e dar
tradas, traficadas e exploradas na prosti- prostituição/tráfico de mulheres deverá encaminhamento nos casos de
tuição. Documentos falsos são conse- a cada dia estar mais em pauta. Até por- violência doméstica. As mulheres
guidos rapidamente, meninas e mulhe- que, no caso brasileiro, com pouca ou sofrem com a ausência de apoio
res ultrapassam a fronteira sem que nenhuma discussão, há quem já de- jurídico gratuito para acompanhá-
ninguém as veja. fenda a legalização da prostituição las nos processos de violência
São grandes redes de brasileiros e sexual, doméstica e mesmo nos
como profissão, sem considerar as
casos de separação, partilha dos
estrangeiros, ‘funcionários públicos’ e conseqüências desta proposta para a bens e pensão para os filhos.
traficantes de drogas e armas que usam vida das mulheres.
folhafeminista 3
o que rola
folhafeminista
Não à síndrome de Estocolmo ! nº 39 outubro de 2002 ISSN 1516-8042
Libertem a sociedade civil das CONSELHO EDITORIAL
cúpulas da ONU! Andréa Butto, Francisca Rocicleide da
Escher Silva (Roci), Helena Bonumá, Ivete Garcia,
O grupo canadense ETC (Action Márcia Camargo, Maria Amélia de
Group on Erosion, Technology and Almeida Teles (Amelinha), Maria Ednalva
Concentration), participante do pro-
Bezerra de Lima, Maria Emília Lisboa
cesso do Fórum Social Mundial e dedi-
cado à defesa dos direitos humanos, da Pacheco, Maria de Fátima da Costa, Maria
diversidade cultural e ecológica através Otília Bocchini, Martha de la Fuente,
de pesquisas sobre tendências e alter- Mary Garcia Castro, Matilde Ribeiro,
nativas sócio-econômicas e tecnológicas, Raimunda Celestino Macena e
lançou recentemente uma campanha Tatau Godinho.
pela libertação da sociedade civil do ciclo
das conferências da ONU. A Folha Feminista, ISSN 1516-8042,
“Não à síndrome de Estocolmo!” é o é um boletim da SOF na luta feminista.
lema irônico da campanha, que faz Este número tem apoio financeiro
referência ao distúrbio psicológico que da EED.
afetas as vítimas de seqüestros que
permanecem afetivamente apegadas a EQUIPE EDITORIAL
seus seqüestradores. O primeiro registro avaliação dos resultados das conferên- Diretora Responsável: Nalu Faria
do fenômeno ocorreu em Estocolmo, na cias. Se nenhum progresso mensurável Editora: Fernanda Estima (Mtb 25.075)
Suécia, pouco depois de ter se realizado for alcançado, por que deveríamos Projeto Gráfico: Alexandre Bessa
na mesma cidade, em 1972, o primeiro continuar comparecendo às festas inter- Diagramação: Márcia Helena Ramos
encontro sobre meio ambiente que abriu governamentais das Nações Unidas? O Fotolito: Input
espaço à participação do “terceiro setor”. que seria de Russel Crowe, em O Gladia- Impressão: RWC Artes Gráficas
Um episódio de assalto a banco e to- dor, sem a sociedade civil se acotove- Tiragem: 1.500 exemplares
mada de reféns ocupou as manchetes do lando na geral do Coliseu? – pergunta o
Número avulso: R$1,50
mundo todo: não pela violência do artigo da ETC.
seqüestro mas porque quando foram Em uma oficina organizada pelo
libertadas, as vítimas se recusaram a ETC durante o encontro de Johannes-
abandonar seus seqüestradores. A sín- burgo sobre o problema da “síndrome
drome seria também um fenômeno de Estocolmo”, os participantes formu-
político, uma das formas cruéis e contra- laram propostas, recomendações e ações
ditórias da relação entre opressores e coletivas que devem ser apresentadas no Assinatura anual (10 números): R$15,00
oprimidos, caracterizada a partir de Fórum Social Mundial de 2003. O
fatores de duração e dependência. Fórum de Porto Alegre poderia ser um Rua Ministro Costa e Silva, 36, Pinheiros
“É hora de nos libertarmos de nossos momento importante para reverter esse 05417-080 - São Paulo / SP
capturadores e tomarmos a rota do amor processo de submissão voluntária e
Tel/fax: 3819-3876
brutal (tough love)”. O ETC não pro- lançar uma política de maior alcance.
Correio Eletrônico: sof@sof.org.br
põe que a sociedade civil simplesmente O grupo também defende e estimula
abandone as cúpulas da ONU, mas a continuidade dos protestos populares, Página na internet:
sugere que as organizações assumam seminários educativos paralelos aos http://www.sof.org.br
com seriedade e autonomia crítica o encontros em que a sociedade civil
balanço de expectativas e resultados de claramente não é bem-vinda - como as
suas experiências nesses eventos, para reuniões do G8, da OMC, do FMI e próximos números
que no futuro se possa trabalhar de outras feitas a portas fechadas.
forma diferente. A tarefa mais impor- • A SAÚDE DA MULHER NA ERA FHC
tante da sociedade civil para 2002 seria www.etcgroup.org • DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E
construir agendas e metas para o ano Artigo: GERAÇÃO DE RENDA PARA MULHERES
seguinte, instrumentos precisos para a http://www.rafi.org/ article.asp?newsid=307
folhafeminista 4

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