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2 de 22 a 28 de agosto de 2013

editorial

É preciso barrar o projeto da terceirização


O TRABALHADOR, enquanto pres-
tador de serviços, é um homem li-
pregos assalariados com registro
formal em segmentos organizados
É fundamental assistência médica, Petros (fundo
de pensão), relações sindicais, em-
ção no Brasil, proíbe a contratação
para atividades-fim das empresas,
vre cuja inserção na atividade pro-
dutiva funciona como um contrato
e a redução da participação relati-
va das ocupações sem registro, sem
arquivar o PL 4.330 prego, remuneração, entre outros.
Saúde, segurança e terceirização
mas não define o que pode ser con-
siderado fim ou meio.
de adesão. A lei agrega um conjun-
to de condições que se tornam as
remuneração e por conta própria,
e ainda do desemprego, possibili-
e impedir este estão entre os itens prioritários,
uma vez que mais de 80% dos aci-
Ele representa praticamente o
fim das categorias formais regula-
regras mínimas do relacionamen- taram a incorporação crescente de ataque patronal aos dentes com vítimas fatais ocorrem das por acordos e convenções cole-
to entre empregado e empregador, parcelas da população economica- entre os terceirizados. tivas negociadas pelos sindicatos,
postas como vontade do Estado. mente ativa ao estatuto do trabalho direitos da classe Segundo o Coordenador da Fe- jogando por terra toda a história de
Revestidas deste interesse de or- brasileiro. deração Única dos Petroleiros luta dos trabalhadores. É um ata-
dem pública, tais cláusulas são or- O cenário se altera com a mudan- trabalhadora (FUP), João Antônio de Moraes, que à própria Constituição Federal,
dens do Estado e não podem ser re- ça da correlação de forças na déca- a cada dez mortes, oito são de ter- que assegura o valor social do tra-
nunciadas pelos trabalhadores. da de 1990. Inicia-se o período da ceiros. “A Petrobras tem muita re- balho como base estruturante da
O contrato de trabalho foi uma chamada “ofensiva neoliberal” e a sistência em discutir esse assun- sociedade brasileira.
das mais importantes conquistas luta da classe trabalhadora enfren- to e tenta transferir a responsabi- O PL 4330 reduz direitos dos tra-
da classe trabalhadora. Um proces- ta um quadro cada vez mais adver- lidade para a empresa contratada, balhadores, porque vai ampliar a
so de lutas travadas em condições so. Em 1989, o total de assalaria- mas nós vamos continuar insistin- terceirização de forma ainda mais
desiguais marcada por contradi- dos representava 64% da Popula- põe salários mais baixos (em mé- do em discutir o que chamamos de precária e, com isso, reduzir o nú-
ções foi assegurando cada direito, ção Economicamente Ativa (PEA) e dia 27% menor); aumenta o núme- irresponsabilidade social da em- mero de filiações aos sindicatos,
como a jornada de trabalho, o re- em 1995 havia passado para 58,2%. ro de acidentes e mortes; jornada presa”, afirma. pulverizá-las, dificultando a orga-
pouso semanal remunerado, férias, A maior devastação é produzida maior de trabalho; aumenta a rota- Estamos diante de uma nova nização e a luta da classe traba-
indenizações pela dispensa, 13º sa- pela desconstrução do átomo bási- tividade; impede a criação de em- ofensiva patronal. O Projeto de Lei lhadora por seus direitos, melho-
lário. Nada foi obtido sem luta. co do Direito do Trabalho, que é a pregos, além da falta de represen- 4330/2004 prevê a contratação de res condições de trabalho e salário.
Entre as décadas de 1940 e 1970, relação de emprego protegida ju- tação sindical. serviços terceirizados para qual- E essa luta é feita pelos sindicatos
o mercado de trabalho apresentou ridicamente, entre o prestador e o Apenas como exemplo, o sistema quer atividade de determinada em- e centrais, que são os legítimos re-
fortes sinais de estruturação em tomador dos serviços: o Contrato Petrobras possui cerca de 83 mil presa, sem estabelecer limites ao ti- presentantes dos trabalhadores.
torno do emprego assalariado re- de Trabalho. Tal processo iniciou- trabalhadores e mais de 350 mil po de serviço que pode ser alvo de É fundamental arquivar o PL
gular e dos segmentos organiza- se com a chamada terceirização. terceirizados. As negociações com a terceirização. Atualmente, a Súmu- 4330 e impedir este ataque pa-
dos da ocupação. A presença de ta- A terceirização impede a gera- empresa e as subsidiárias são divi- la 331 do Tribunal Superior do Tra- tronal aos direitos da classe
xas elevadas de expansão dos em- ção de mais vagas de trabalho; im- didas por temas, como benefícios, balho (TST), que rege a terceiriza- trabalhadora.

opinião Marcelo Barros crônica Elaine Tavares


Reprodução

“América windtoons.com
Eu pulo a catraca, sim
Latina, é NUM ÁTIMO ELE PERCEBEU que já estava velho demais. Tudo
o que tivera para fazer, estava feito. Agora, os dias iam escoan-
do entre dores físicas e espirituais. Nada mais importava. Já não
tinha no corpo aquele vigor que o fazia varar as noites no traba-
tua hora” lho, garantindo o pão para os irmãos pequenos, acossados pe-
la fome na periferia de Florianópolis. É, porque a ilha da magia
sempre teve periferia, espaço dos pobres, dos desvalidos. E ele
fora um. Ainda era, 75 anos depois...
A CADA ANO, a Organização Por isso, iria fazê-lo. Nada mais o prendia nessa vida de dor. A
das Nações Unidas (ONU) con- mulher que amara há muito se fora, vencida pela tuberculose. E
sagra o 23 de agosto como o dia ele lembra bem das romarias aos hospitais, a cada ataque, a ca-
da lembrança do tráfico de es- da crise. O sangue jorrando pela boca. “Tem que ter boa alimen-
cravos e de sua abolição. Infeliz- tação”, dizia o médico. “Mas, como???” Era o que se perguntava,
mente esse tema não serve ape- na imensidão da impotência. O trabalho como carpinteiro mal
nas para lembrar o passado, mas dava para pagar os remédios. Nunca tivera tempo para os estu-
nos mostra que o tráfico de pes- dos, na luta pela vida desde criancinha. Vendeu balas na porta
soas persiste ainda hoje, de al- do velho cinema, engraxou sapatos, vendeu jornais. Encantava-
gum modo, em todos os conti- se com as letras e o que elas podiam trazer de belezas, mas qua-
nentes. se nunca pudera juntá-las em palavras inteligíveis. Mal sabia as-
Existe o tráfico na forma de sinar o nome, assim, bem desenhado.
sequestro de crianças em aldeias A doença levara Lucinda e não sobrara nada. Não houve es-
longínquas de alguns países afri- paço para filhos. Mas o tempo passado juntos foi bom demais.
canos para serem vendidas nas “A gente ia dançar no Clube 25 e Lucinda era como uma rainha.
fronteiras, como escravos do- Todos tinham inveja de mim”. E talvez tenha sido o olho gor-
mésticos ou soldados infantis, do mesmo, o que fizera com que a mulher definhasse, até suspi-
destinados a missões suicidas. rar como um passarinho e abandonar o corpo. Nunca mais se ca-
Além disso, há o tráfico de sara. Não seria possível. Tivera uma mulher aqui e ali, passeava
mulheres em redes de prosti- com algumas lá da Conselheiro, mas, no barraco, a presença de
tuição, atuantes até em países América invertida (1943), de Joaquín Torres García Lucinda ainda existia nos vestidos floridos pendurados no velho
da Europa. E no mundo inteiro, guarda-roupa, na foto tirada pelo lambe-lambe da praça XV. Ela
continua legalizado e sem pro- ainda era rainha.
blemas o tráfico econômico que
obriga pessoas a sobreviver ven- A ONU reconhece que mais conseguiu reduzir as
dendo sua força de trabalho em desigualdades sociais, venceu o Ele enveredou para a massa, cruzando
condições desumanas, na maio- que os países que analfabetismo (taxa zero) e tem
ria das vezes, como migrantes. o maior programa de vivendas os rostos paralisados de estupor, e pulou
Em 2000, a ONU propôs as oi- mais cresceram populares acessíveis a todos.
to metas do milênio para reduzir O governo brasileiro vive a a catraca. Foi o que bastou. E aquele foi
a pobreza e superar a miséria. em justiça social, contradição de se apresentar co-
Atualmente, quase 15 anos de- mo, ao menos, historicamente um dia histórico em Florianópolis
pois, de acordo com um recente na vitória contra ligado aos movimentos popula-
relatório da ONU, só na América res e, entretanto, cada vez mais,
Latina, os países fizeram alguma o analfabetismo e desenvolver uma política que
coisa nesse sentido. beneficia a elite de sempre. De- Agora, ali na rua, diante daquele momento abissal, essas lem-
De todos os continentes, só a fome foram os fende o direito dos índios à ter- branças vinham com a força de um raio. Ele sempre fora um ho-
a América Latina avançou na ra, mas, ao mesmo tempo, as in- mem valente. Lutara pela vida, lutara por Lucinda, lutara com a
questão do direito de todos os que têm governos vade para projetos megalomaní- morte. Nunca se percebeu desistindo de qualquer batalha. Enca-
seres vivos à água potável, na acos e antiecológicos como a hi- rava com a cabeça erguida, cabeça de homem trabalhador, que
ampliação dos serviços sanitá- populares e droelétrica do Belo Monte, além sabia o valor das coisas, que sempre respeitara a lei, que nunca
rios, no acesso universal à edu- de apoiar todos os projetos de caíra no fácil e vantajoso mundo do crime. Convites, sim, tivera.
cação e em programas de segu- fizeram novas agronegócio para a exportação. Como quando Jovelino lhe ofereceu a boca de fumo como parce-
rança alimentar para todos. O modelo excludente e supér- ria. O dinheiro jorraria. Não quis. Não era dinheiro o que lhe en-
Nos anos de 1990, nos paí- constituições, no fluo da sociedade de consumo cantava. Melhor aquela sensação gostosa de homem de bem, es-
ses latino-americanos, a pobre- descartável não domina somen- tirado no sofá, sentindo perfume de Lucinda, ouvindo a televi-
za chegava a 48, 4%. Agora, em caso, Venezuela, te a elite, mas mesmo os pobres são.
nossos países, os pobres chegam que melhoram de vida e se tor- Agora ali estava ele, no meio daqueles que a mesma televisão
a 30%. De todo modo, o atraso Equador e Bolívia nam ávidos consumidores. repetia serem os “vândalos”. E, por algum tempo, ele acreditara.
era tanto que, mesmo com esses Povos indígenas propõem o Até que uma passeata o pegou distraído no meio da Felipe. Se-
avanços, o caminho à frente ain- paradigma do bem viver e do guiu no roldão e foi se encantando com a gritaria. Olhou cada ca-
da é longo e principalmente es- conviver dignamente, em uma rinha e não via desordeiros. Via valentia, desejos de coisas bo-
pinhoso. vida de qualidade, sustentável e as. “A gente quer a catraca livre, tio. Pra ninguém mais ter de pa-
Os desafios são imensos. A justa. É a proposta do evangelho gar passagem”. “Ninguém, ninguém?” “É, nenhuma pessoa, de
ONU reconhece que os países de Jesus que disse: “A vida vale qualquer idade”. Ele remoeu aquilo. Não pagava mais, podia an-
que mais cresceram em justiça mais do que o alimento e a pes- dar por toda a cidade, mas sabia que a passagem era cara. Aque-
social, na vitória contra o anal- soa de vocês mais do que a rou- la gurizada era bem maluca. Mas, seria bom para os pobres.
fabetismo e a fome foram os que pa que vestem. Por que se pre- Por isso que naquele dia, quando a muvuca se formou em
têm governos populares e fize- ocupar com essas coisas? O Pai frente ao terminal, ele foi até lá. Largou as ferramentas, botou o
ram novas constituições, no ca- do céu sabe de tudo o que vocês melhor terno, guardado para festas e velórios, ajeitou o chapéu
so, Venezuela, Equador e Bolí- precisam. Procurem acima de e rumou para o Ticen. A gurizada tinha invadido o Setuf, espa-
via. as comunas, espalhados por to- tudo o reino dos céus (a realiza- ço da administração do transporte coletivo, e exigia o passe livre
No mês passado, a FAO, orga- dos os estados do território ve- ção do projeto divino no mundo) para todos. As pessoas, estupefatas, paravam nas catracas, sem
nismo da ONU para a agricultu- nezuelano, são conquistas que e tudo o mais lhes será dado por saber o que fazer. Ele não. Sabia que já era tempo. Nada havia a
ra e alimentação, deu um prê- fazem inveja a todo país sedento acréscimo” (Mt 6, 25- 30). perder, a não ser o medo. Ele enveredou para a massa, cruzan-
mio ao governo venezuelano por de justiça e igualdade. do os rostos paralisados de estupor, e pulou a catraca. Foi o que
ter erradicado a fome e a misé- A ONU foi obrigada a declarar Marcelo Barros é monge bastou. E aquele foi um dia histórico em Florianópolis.
ria em todo o território do seu que, em toda a América Latina, beneditino, teólogo e escritor.
país. Os refeitórios populares e a Venezuela bolivariana é o país Tem 44 livros publicados. Elaine Tavares é jornalista.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Aldo Gama, Eduardo Sales de Lima, Marcelo Netto • Repórteres: Marcio Zonta, Michelle Amaral, Patricia Benvenuti • Correspondentes
nacionais: Daniel Israel (Rio de Janeiro – RJ), Maíra Gomes (Belo Horizonte – MG), Pedro Carrano (Curitiba – PR), Pedro Rafael Ferreira (Brasília – DF), Vivian Virissimo (Rio de
Janeiro – RJ) • Correspondentes internacionais: Achille Lollo (Roma – Itália), Baby Siqueira Abrão (Oriente Médio), Claudia Jardim (Caracas – Venezuela) • Fotógrafos: Carlos Ruggi (Curitiba – PR), Douglas Mansur
(São Paulo – SP), Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper (Rio de Janeiro – RJ), João Zinclar (in memoriam), Joka Madruga (Curitiba – PR), Leonardo Melgarejo (Porto Alegre – RS), Maurício Scerni (Rio
de Janeiro – RJ) • Ilustradores: Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Marina Tavares Ferreira• Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466
• Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/
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de 22 a 28 de agosto de 2013 3

instantâneo Thiago Wender (Pará)

Mais recursos
para a educação
APROVADO NO DIA 14 de agosto, o substitutivo do PL
323/2007 do deputado federal André Figueiredo (PDT/
CE), que vincula as receitas da exploração do petróleo à
saúde e educação, representa uma vitória para o povo bra-
sileiro, que em junho mostrou sua força nas ruas.
Essas manifestações de massas, ocorridas em junho, pro-
duziram um cenário mais favorável para as lutas e conquis-
tas sociais, ainda que não tenham alterado profundamente
a correlação de forças.

O substitutivo aprovado garante


75% dos royalties para a educação
e 25% para a saúde, e 50% dos
recursos do Fundo Social do Pré-Sal

Esse cenário favorável a lutas e conquistas sociais fica evi-


dente quando, por pressão popular, governos são obrigados
a revogar e reduzir tarifas dos transportes públicos, e quan-
do vemos ser sancionado, pela presidenta Dilma, o Estatu-
to da Juventude. Ao mesmo tempo, com a correlação de for-
ças ainda desfavorável, tais revogações e reduções não re-
presentam derrotas para o empresariado dos transportes, e
o Estatuto com a restrição à meia-entrada estudantil a 40%
dos ingressos.
O substitutivo aprovado garante 75% dos royalties para a
educação e 25% para a saúde, e 50% dos recursos do Fundo
Social do Pré-Sal para as mesmas áreas, e não apenas, como
previsto antes, dos rendimentos. Isso representa uma mu-
dança no patamar dos investimentos.
Estima-se que o relatório aprovado represente inves-
timentos dez vezes maior que a proposta inicial que des-
tinaria cerca de 25 bilhões para a educação. A proposta
Altamiro Borges é que os rendimentos estejam vinculados à educação até
que a meta do PNE de 10% seja atingida, depois espera-se
que apenas os rendimentos supram as necessidades.

Operação 7 de setembro da direita Isso representa também um cenário favorável para


pressionarmos por mais investimentos em assistência es-
tudantil, ampliação do acesso, condições de permanên-
cia e conclusão, bem como a luta por melhores estrutu-
EM SUA COLUNA de domingo (18), em O Globo, o res da sociedade. Para os mentores dos protestos, a re- ras e melhores salários para os trabalhadores/as em edu-
“imortal” Merval Pereira deu a pista. Após expressar os forma tributária deve “desonerar a folha de pagamen- cação pública.
seus temores com o julgamento do “mensalão do PT”, to das empresas, acabar com a contribuição do salário- Importante ressaltar o papel que cumpriram as organi-
ele apostou suas fichas nas “grandes manifestações que educação e parte da contribuição patronal para a Pre- zações sindicais e estudantis. A União Nacional dos Estu-
estão sendo convocadas em todo o país para comemorar vidência Social”. dantes (UNE), juntamente com vários sindicatos, garanti-
o Dia da Independência na visão da cidadania”. Em dezenas de páginas no Facebook, a postura fas- ram pressão social para conseguirmos alcançar essa vitó-
Um rápido monitoramento na internet revelou de cistoide dos organizadores da “operação” fica ainda ria. Impondo, assim, uma derrota para os setores conser-
qual “cidadania” o jornalista gosta. Uma tal “Operação mais explícita. Vários deles pedem “ditadura militar, vadores da sociedade, que através da grande mídia corpo-
7 de setembro” está sendo organizada com forte influ- já”; “fora os petralhas corruptos”; “fechamento do Con- rativa, decretam a falência dessas organizações.
ência de setores da direita nativa. Até o momento, se- gresso Nacional”. Este é o momento para nos prepararmos para as próxi-
gundo os organizadores, há 162 protestos agendados, Há, também, mensagens progressistas por mais edu- mas disputas, construir unidade das organizações e mobili-
incluindo todas as capitais. cação, saúde e justiça social, mas elas são minoritárias. zarmos as bases para pressionar o Governo, garantindo os
A mobilização não tem nada de “espontânea”. A pági- No caso da convocação do ato para Brasília, alguns in- interesses do povo.
na do grupo é bem profissional – com um vídeo incen- sinuam com provocações durante a parada militar do 7 Como, por exemplo, a aprovação do Plano Nacional de
diário, áudios e outros recursos multimídias. As ban- de setembro. Educação (PNE), que estabelece diretrizes e metas para a
deiras da “Operação 7 de setembro” explicam a alegria Com a chamada jornada de junho, a direita nativa educação pelos próximos dez anos.
do colunista global: “prisão dos mensaleiros”; “fim do ganhou coragem para ir às ruas – como atestaram vá-
voto obrigatório” e “reforma tributária”, entre outras rias cenas fascistoides contra as forças de esquerda. É
propostas que agradam tanto os setores conservado- bom ficar esperto! O momento exige de nós, lutadores
e lutadoras, mais esforço na
Vito Giannotti
construção de um Projeto Popular

CPI dos ônibus ou da marmelada? para a educação e para o Brasil

No senado, o PNE sofreu diversas alterações que podem


AS MOBILIZAÇÕES QUE TOMARAM o país em junho Vamos aos motivos da ocupação da Câmara. O primei- significar um retrocesso para a educação. Diante desse qua-
continuam alimentando protestos populares em todo o ro tem a ver com o presidente e o relator escolhidos. Am- dro, é urgente aprovar um PNE que deixe nítido a destina-
Brasil. No Rio de Janeiro, a Câmara dos Vereadores en- bos são do PMDB, partido a ser investigado pelos contra- ção dos 10% do PIB para a Educação Pública, e não para ini-
contra-se ocupada há mais de uma semana por mani- tos entre a Prefeitura e concessionárias do transporte pú- ciativa privada.
festantes que questionam a maneira como foi instala- blico. Eles não assinaram sequer o requerimento para a Outra disputa em que devemos incidir é na criação do IN-
da a CPI dos Ônibus: uma verdadeira marmelada. São criação da CPI. Os manifestantes querem, dentre outras SAES (Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação do En-
pessoas que não estão mais satisfeitas com como as de- medidas, a anulação dessas indicações. Também exigem sino Superior), no sentido de que seja uma ferramenta para
cisões políticas se dão nessa cidade, e exigem participa- que, como de costume, o presidente da CPI seja o verea- regulamentar o ensino privado e para garantir mais demo-
ção popular nos temas de interesse público. O proble- dor que solicitou a mesma. Neste caso é Eliomar Coelho, cracia nas instituições privadas e controle das taxas abusi-
ma é o mesmo de todas as grandes cidades. do PSOL. Mas, é claro que a turma dos amigos dos Barata vas. Seja para coibir a fusão de empresas e o avanço do ca-
Quem mora na Baixada, e precisa chegar ao centro não vão falar mal do dono dos transportes da capital. pital estrangeiro na educação brasileira, que assim como os
do Rio para trabalhar, passa horas em pé dentro de um Ainda não sabemos como essa história irá acabar, leilões do petróleo, atentam contra a soberania nacional.
veículo lotado. Além da péssima qualidade do serviço, mas um saldo muito positivo já podemos tirar disso tu- É certo que os protestos de massas, ocorridos em junho,
há mil motivos para investigar os transportes na cida- do. Se a CPI não for anulada, como querem os manifes- deste ano, não serão, apenas, uma página a mais nos livros
de. O Tribunal de Contas do Município já fez graves de- tantes, ficou escancarada a forma como a política tem de história. O momento exige de nós, lutadores e lutadoras,
núncias sobre o assunto. Irregularidades mil que evi- sido feita no Rio. Quem diariamente passa pelo centro mais esforço na construção de um Projeto Popular para a
denciam uma “falsa licitação” para escolher as empre- da cidade vê nos cartazes ali pendurados, e ouve nas educação e para o Brasil.
sas vencedoras. palavras de ordem, que a Câmara dos Vereadores pre-
É essa história que deve ser passada a limpo. Mas cisa de um banho de democracia. E é a mobilização po- Thiago Wender Silva Ferreira (Pará) é diretor de políticas edu-
quem vai passar a limpo? Esta CPI? pular que irá garanti-la. Chega de marmelada! cacionais da União Nacional dos Estudantes (UNE).

fatos em foco
da Redação
Hambúrgueres do McDonald’s não Na América Latina, 40% das agri- Na Califórnia, médicos acusados
são aptos para o consumo humano cultoras não são remuneradas de coagir detentas à esterilização
A carne que a rede de fast-food Um número expressivo de mu- Na Califórnia, médicos contratados pelo
McDonald’s inclui em seus hambúr- lheres que trabalham na agricultura Departamento estadual de Correções e Re-
gueres não é apta para o consumo familiar não possui nenhum tipo de abilitação esterilizaram sem a aprovação
humano, pois é “lavada” com subs- rendimento próprio. É o que assina- do Estado necessária cerca de 150 internas
tâncias tóxicas, assim demonstrou um la a segunda Nota de Política sobre femininas entre 2006 e 2010. Ao menos 148
chef ativista britânico. Jamie Oliver, as Mulheres Rurais da Organização mulheres foram submetidas a cirurgias de
em seu programa de televisão na das Nações Unidas para Alimenta- ligação das trompas durante cinco anos, o
BBC, demonstrou como o McDonald’s ção e Agricultura (FAO). Segundo que viola as regras carcerárias. Estima-se
‘lava’ as peças de carnes que não o documento, na América Latina e que haja mais 100 vítimas desde o fim dos
são aptas para o consumo com um Caribe cerca de 40% das mulheres anos de 1990, de acordo com entrevistas
agente antimicrobiano, o hidróxido rurais maiores de 15 anos não são e documentos do Center for Investigative
de amônio, para poder usá-las como remuneradas. Em alguns países, a Reporting. Entre 1997 e 2010, o governo do
matéria-prima na preparação dos porcentagem pode chegar a até 70%. estado da Califórnia pagou 147.460 de dó-
hambúrgueres. “Estamos falando Neste sentido, a entidade alerta para lares pelo procedimento médico, de acordo
de carnes que teriam sido vendidas o desamparo e invisibilidade dessas com dados oficiais. As cirurgias foram agen-
como alimento para cachorros e que mulheres, sendo urgente a criação dadas enquanto elas ainda estavam grávi-
após este processo são servidas para de “políticas específicas para as tra- das, na Instituição para Mulheres Corona,
seres humanos. Além da qualidade da balhadoras agrícolas familiares não ou na Prisão Estadual para Mulheres Valley
carne, o hidróxido de amônio é preju- remuneradas a favor de uma maior State Prison, em Chowchilla – que hoje é
dicial à saúde”, disse Oliver. equidade na zona rural”. uma prisão para homens.
4 de 22 a 28 de agosto de 2013 brasil

Brasil sedia encontro pela primeira vez


ORGANIZAÇÃO Encontro Internacional da Marcha Mundial das Mulheres quer fortalecer a agenda feminista
Elaine Campos
to dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Patrícia Benvenuti (MST), a Central Única dos Trabalha-
da Redação dores e diversas outras organizações.
Além de pensar em estratégias comuns
O BRASIL SEDIARÁ, pela primeira vez, de mobilização, as articulações possibi-
o Encontro Internacional da Marcha litam incentivar o feminismo dentro de
Mundial das Mulheres (MMM). Com o cada movimento.
mote “Feminismo em marcha para mu- “Não é só apresentar uma agenda geral
dar o mundo”, a nona edição do evento e depois lembrar das mulheres”, esclare-
ocorrerá entre 25 e 31 de agosto em São ce Tica. “O conjunto dos movimentos so-
Paulo, no Memorial da América Latina. ciais que estão em luta para transformar
Cerca de 1,6 mil ativistas de 40 países a sociedade precisam incorporar a igual-
e 18 estados brasileiros participarão do dade entre homens e mulheres como um
encontro, que terá como pautas o com- princípio”, completa.
bate ao machismo, a autonomia sobre o
corpo, a auto-organização das mulheres Violência
e a questão dos territórios, dentre ou- Dentre os avanços do movimento fe-
tros temas. minista no mundo, para Conceição Dan-
Além de debates, oficinas e atividades tas, está a auto-organização permanente
culturais, as mulheres promoverão uma das mulheres e a conquista de melhorias
mobilização pelas ruas da capital pau- em alguns setores, como no trabalho e na
lista em 31 de agosto, que deverá contar educação. Entretanto, ela lembra que os
com 10 mil feministas. avanços não se estenderam a todas, fi-
cando de fora justamente as mulheres
mais pobres.
O evento também será o pontapé “Tem muitas mulheres que ainda so-
frem violência e que ainda não conse-
inicial da quarta grande ação guem ter uma relação de igualdade. Uma
internacional do movimento, que pequena parte das mulheres conseguiu
ter avanços”, diz.
será realizada em 2015 A violência é um dos aspectos que
mais preocupa. De acordo com um
relatório da Organização Mundial da
Saúde (OMS), mais de um terço de to-
Fortalecer das as mulheres do mundo é vítima de
O 9º Encontro Internacional da MMM violência física ou sexual. Os índices,
terá diferentes momentos e objetivos. para a entidade, representam um pro-
Um deles é a escolha do novo secretaria- blema de saúde global com proporções
do da Marcha, que está no Brasil desde epidêmicas.
2006 e passará para outro país. O even- No caso do Brasil, a aprovação da Lei
to também será um espaço de intercâm- Maria da Penha, há sete anos, é conside-
bio entre as experiências da luta feminis- rada uma conquista importante do mo-
ta em vários países. vimento feminista na luta contra a vio-
A ideia central, segundo a integran- lência doméstica. Entretanto, segundo
te da coordenação nacional da Marcha, Tica Moreno, as agressões sexuais co-
Conceição Dantas, é consolidar o movi- metidas em locais públicos são outra
mento feminista, dando continuidade à realidade a ser enfrentada. Segundo da-
agenda das mulheres que está em curso Mulheres em marcha em 2010 dos da Secretaria Especial de Políticas
no Brasil e em outros países. para as Mulheres, estima-se que, a cada
De acordo com um relatório da
Reprodução

“Vamos fortalecer, com esse encontro, 12 segundos, uma mulher é estuprada no


Organização Mundial da Saúde (OMS),
a lógica de que só mudaremos a vida das mais de
Brasil. Outra estatística, esta do Ministé-
mulheres se a gente transformar o mun- rio da Saúde, indica que de 2009 a 2012,

um terço
do e só mudaremos o mundo se transfor- os estupros notificados cresceram 157%.
marmos a vida das mulheres”, diz. Os estupros coletivos também são uma
O evento também será o pontapé ini- preocupação. No Piauí, só em 2013 fo-
cial da quarta grande ação internacio- ram registrados quatro casos de estupros
nal do movimento, que será realizada de todas as mulheres do mundo é vítima coletivos – uma das vítimas é portadora
em 2015. de violência física ou sexual. de deficiência física e mental.
Segundo dados da Secretaria Especial de Também este ano, no Rio de Janeiro,
Origem Políticas para as Mulheres, estima-se que,

2
uma turista estadunidense foi violenta-
a cada

1
A inspiração para a criação da Mar- da sexualmente oito vezes durante o as-
cha Mundial das Mulheres partiu de salto a uma van. Os mesmos homens
uma manifestação realizada em 1995, foram acusados por dois outros casos
em Quebec, Canadá, quando 850 mulhe- semelhantes.
res marcharam 200 quilômetros, pedin- Outro episódio que ganhou repercus-
do, simbolicamente, Pão e Rosas. A ação são ocorreu em 2012, com o estupro de

segundos,
marcou a retomada das mobilizações das cinco mulheres durante uma festa de
mulheres nas ruas e significou também aniversário em Queimadas, no agreste
uma crítica ao sistema capitalista. paraibano. Os estupros, que resultaram
Cinco anos depois, surgia a Marcha em duas mortes, seriam um “presente”
Mundial das Mulheres, que realizou em uma mulher é estuprada no Brasil para o aniversariante.
2000 sua primeira grande ação interna- Além do fim da violência contra as mu-
cional, reunindo mulheres de 159 países lheres, Conceição elenca como desafios a
em uma campanha contra a pobreza e a entendimento é de que as desigualda- serem superados o fim da mercantiliza-
violência. As ações foram iniciadas em 8 des de gênero só serão efetivamente su- ção do corpo e da imposição da beleza
de março, Dia Internacional da Mulher, peradas com a adoção de outro modelo para as mulheres, problemas que afetam
e terminaram em 17 de outubro, organi- de desenvolvimento. Por isso, explica a diretamente as brasileiras. Outra luta
zadas a partir do chamado “2000 razões integrante da Marcha Mundial das Mu- que ter capacidade para alterar a cor- importante, de acordo com ela, é a des-
para marchar contra a pobreza e a vio- lheres Tica Moreno, é preciso conduzir relação de forças e transformar as re- criminalização e legalização do aborto,
lência sexista”. a militância feminina para além da rei- lações sociais de opressão entre os ho- caminho que guarda muitos obstáculos.
vindicação de políticas públicas em ní- mens e as mulheres e as relações anti- “Temos uma sociedade conservado-
vel institucional. capitalistas”, garante. ra, que utiliza o argumento religioso
No Piauí, só em 2013 foram registrados “Para conseguir igualdade, autono- Neste sentido, pontua Tica, está a im- para fortalecer os seus argumentos tra-
mia e liberdade para todas as mulheres portância da aliança com movimen- dicionais, conservadores e de direita”,
quatro casos de estupros coletivos não basta conquistar algumas leis. Tem tos sociais mistos, como o Movimen- ressalta.
– uma das vítimas é portadora de
deficiência física e mental

Um dos méritos da MMM, para Con-


ceição Dantas, foi recuperar a ideia de
Mobilização e solidariedade
mobilização no movimento feminista.
Durante a década de 1990, lembra ela, Programação do Encontro “Somos Todas Apodi” tem capacidade de armazenar 600 mi-
os debates sobre as questões das mulhe- O espaço também abrigará rodas de lhões de metros cúbicos, a cinco gran-
res ocorriam a portas fechadas, ficando resgata ações da MMM conversa com militantes de vários paí- des empresas da fruticultura irrigada.
restritas às reuniões da Organização das ses. A tenda recebeu o nome “Somos Se for levado adiante, o projeto acarre-
Nações Unidas e a conferências interna- Todas Apodi”, em referência a uma tará a expulsão de 6 mil camponeses de
cionais. Para as militantes da Marcha, no ação da MMM realizada em dezembro suas terras.
entanto, é essencial ir além e levar a dis- da Redação do ano passado.
cussão para as ruas. Exposição
“Queremos, cada vez mais, fortale- Diversas atividades farão parte do 9º A trajetória da Marcha Mundial das
cer uma agenda em que o feminismo se- Encontro Internacional da Marcha Mun- O 9º Encontro da MMM Mulheres será o destaque da exposição
ja um movimento verdadeiramente de dial das Mulheres (MMM), que será re- “Feminismo em marcha”, que ficará na
massas, que consiga mobilizar multidões alizado entre 25 e 31 de agosto em São se encerrará com uma Galeria Olido, no centro da capital pau-
para transformar o mundo e a vida das Paulo. Debates, rodas de conversa, con- lista, entre 25 de agosto e 29 de setem-
mulheres”, afirma. ferências, oficinas e atividades culturais
mobilização em bro. O local receberá projeções, foto-
A realização dos Fóruns Sociais Mun- estão previstas para ocorrer no Memo- 31 de agosto nas ruas de grafias e materiais históricos, que apre-
diais contribuiu para a internacionaliza- rial da América Latina, que concentrará sentam as principais ações e temáticas
ção do movimento, que hoje está presen- a maior parte da programação. São Paulo, que espera abordadas pelo movimento em mais de
te em quase 70 países de todos os conti- Um dos destaques será a Mostra de 60 países.
nentes. Além da ação em 2000, duas ou- Economia Solidária e Feminista, que reunir dez mil mulheres O 9º Encontro da MMM se encerrará
tras grandes ações ocorreram em 2005 e pretende não apenas dar visibilidade às com uma mobilização em 31 de agosto
2010. Esta última, no Brasil, foi marca- mulheres como atrizes da economia, mas nas ruas de São Paulo, que espera reu-
da por uma caminhada entre as cidades também contribuir com a criação de al- nir 10 mil mulheres.
de Campinas e São Paulo entre 8 e 18 de ternativas concretas frente ao atual mo- As comunidades da Chapada do Apo- A concentração será no Museu de
março, com presença de cerca de 3 mil delo econômico. di, no Rio Grande do Norte, estão mobi- Arte de São Paulo (Masp), na Aveni-
participantes. Outra atração será a Tenda da Soli- lizadas contra o projeto Perímetro Irri- da Paulista e, de lá, as mulheres segui-
dariedade, que manterá uma exposição gado de Apodi, impulsionado pelo De- rão até a Praça da República, no cen-
Outro modelo permanente com as atividades de solida- partamento Nacional de Obras Contra tro, onde haverá um ato-show cultu-
Dentre os princípios da Marcha, es- riedade realizadas pela Marcha e deman- as Secas (Dnocs). ral com vários artistas. A cobertura do
tão a organização das mulheres urbanas das de solidariedade diante de emergên- O empreendimento prevê a entre- evento poderá ser acompanhada no blog
e rurais a partir da base para a supera- cias socioclimáticas, conflitos armados e ga das terras da chapada do Apodi e as da Marcha, http://marchamulheres.wo
ção do sistema capitalista patriarcal. O criminalização de lutas sociais. águas da barragem de Santa Cruz, que rdpress.com. (PB)
brasil de 22 a 28 de agosto de 2013 5

O perigo dentro de casa Elza Fiúza/ABr

ENTREVISTA
A socióloga Fátima
Pacheco Jordão fala
sobre estudo inédito que
revela percepção de que
mulheres sofrem mais
violência no lar do que em
espaços públicos

Patrícia Benvenuti
da Redação

PARA MUITAS mulheres, o lar não re-


presenta segurança nem conforto. Sig-
nifica, em vez disso, medo e a possibi-
lidade de violências. Uma das questões
mais graves para as mulheres, a violên-
cia doméstica foi tema de uma pesquisa
inédita realizada este ano.
De acordo com o estudo “Percepção
da Sociedade sobre Violência e Assassi-
natos de Mulheres”, feito pelo Data Po-
pular e pelo Instituto Patrícia Galvão,
sete em cada dez entrevistados conside-
ram que as brasileiras sofrem mais vio-
lência dentro de casa do que em espa-
ços públicos.
A pesquisa, que ouviu 1,5 mil homens
e mulheres em cem municípios, revelou
que 54% dos entrevistados conhecem
uma mulher que foi agredida pelo com-
panheiro e 56% conhecem um homem
que já agrediu a parceira.
Já 57% acreditam que, apesar de atu-
almente haver mais punição para os
agressores e assassinos, a forma como a
Justiça pune não reduz a violência con- A socióloga Fátima Pacheco Jordão informa que pesquisa mostra que oito em cada dez brasileiros defendem mais mulheres na política
tra a mulher.

500
No Brasil há apenas
Um dos aspectos mais preocupantes nunca ouviram falar da Lei esse assunto fosse colocado debaixo do
da pesquisa, de acordo com a sociólo- Maria da Penha. Entretanto, para tapete. Uma violência que era vista no
ga Fátima Pacheco Jordão, conselheira 32% a lei é conhecida, mas sem passado como uma violência doméstica,
do Instituto Patrícia Galvão, é o medo qualquer tipo de detalhamento. uma coisa entre marido e mulher. Mais
de represálias em caso de denúncia. Pa- Esse desconhecimento, ainda, se dizia ‘nesse cenário não se po-
ra 85% dos entrevistados, as mulheres na sua avaliação, prejudica de meter a colher porque é uma coisa
que denunciam seus maridos correm a aplicação da lei? privada’. Agora a sociedade tem noção
mais risco de serem assassinadas. “Não Delegacias Especializadas da Ela é muito conhecida como nome de que essa é uma questão grave, ou se-
é apenas uma ameaça do mais forte em Mulher de lei, porém as especificações dela são ja, no conjunto da percepção de todas as
relação ao mais fraco, é uma ameaça ex- pouco conhecidas porque a própria lei violências da sociedade, a violência con-
trema”, afirma. tem sido aperfeiçoada e nós achamos tra a mulher é um aspecto predominan-
A pesquisa foi lançada em agosto, mês são bem equipadas. A Lei Maria da Pe- que essa também é uma falha do Es- te para homens e mulheres.
em que se completaram sete anos da Lei nha prevê serviços de apoio, psicológico tado. É responsabilidade do Estado,
Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), que e jurídico, que acolham de uma manei- dos governos federal, estaduais e mu-
prevê medidas de proteção à mulher ví- ra mais detalhada as necessidades das nicipais darem transparência a essa lei. “A mídia divulga os casos,
tima de violência. Sobre a lei, o estudo mulheres. Portanto, você percebe que as Não adianta ter lei se ela não é exercita-
revelou que 98% conhecem a Lei Maria mulheres estão bastante desamparadas. da. A conquista da denúncia não basta. particulariza e não dá
da Penha. Entretanto, 32% afirmam te- Apesar de, nos últimos anos, [terem si- A denúncia tem que ser qualificada. A o passo a frente que é
rem apenas ouvido falar da lei, sem co- do criados] equipamentos como telefo- mulher tem que saber que envolve um
nhecer detalhes da legislação. nes de assistência governamental e de as processo e que nem sempre ela pode re- explicar o porquê”
Para Fátima, o índice é preocupante e legislações terem melhorado muito, isso cuar. Tem vários aspectos que é neces-
evidencia uma falha do Estado. “É res- não chegou para sustar o fenômeno. sário que ela conheça, e o conhecimen-
ponsabilidade do Estado, dos governos to maior da Lei Maria da Penha é um
federal, estaduais e municipais darem O que mais chamou a atenção dos dos fatores que, para nós, pode inibir Como vocês avaliam a cobertura
transparência a essa lei. Não adianta ter pesquisadores? essa barbárie. da imprensa em casos de crime
lei se ela não é exercitada”, ressalta. O mais surpreendente é a questão dos contra as mulheres? Há alguns
Em entrevista ao Brasil de Fato, homicídios, o medo da mulher de ser anos os noticiários abordaram
a socióloga repercute os resultados da assassinada, ou seja, existe uma lógi- “Elas têm vergonha de, fortemente o caso de Eliza
pesquisa e os desafios para pôr fim à ca de apreensão no sentido de que elas Samúdio, ex-companheira do
violência doméstica no país. se sentem aterrorizadas. Não é ape- socialmente, perceberem goleiro bruno Fernandes, e com
nas uma ameaça do mais forte em rela- que estão sendo agredidas frequência episódios do tipo são
ção ao mais fraco, é uma ameaça extre- divulgados.
“A questão do homicídio e da morte ma. Naturalizou-se essa ideia de que ela e humilhadas” Sim, e dos mais macabros possíveis.
[mulher] pode ser assassinada. A pes- Na semana passada, teve um marido
é vista como uma consequência quisa pode ser sintetizada em que as que assassinou e emparedou a mulher
quase provável dentre as mulheres mulheres têm medo de morrer e vergo- no muro da casa [caso ocorrido em São
nha de declarar, o que põe a violência Quais motivos levam a mulher a Paulo no início de agosto]. Essa ques-
que passam a denunciar” contra a mulher em um patamar mais não denunciar? tão é muito importante porque a mí-
complexo, mais complicado, mais sério Elas têm basicamente medo de serem dia tem dado cada vez mais informações
e que perdura mais. Não é mais perce- assassinadas e de serem ainda mais sobre isso, as mortes das mulheres são
bido como incidente de passagem, uma brutalizadas. Elas têm vergonha de, so- apontadas nessa direção – marido, na-
coisa que ocorre no processo domésti- cialmente, perceberem que estão sendo morado –, há casos famosos como esse
Brasil de Fato – Quais as co, do casamento ou da relação entre agredidas e humilhadas. Além de ou- do Bruno. No entanto, a mídia tende a
principais conclusões desse as pessoas. É uma coisa que se exercita tras questões ligadas ao cuidado com os definir esses casos como desvios de rota
estudo, na sua opinião? sob o domínio do medo. filhos, dependência econômica em re- de homens ou malucos ou ciumentos ou
Fátima Pacheco Jordão – Já fo- lação ao marido. Esse é um fator forte paranoicos, e na verdade é um fenôme-
ram feitas muitas pesquisas mostrando que inibe as mulheres, os filhos. Sabe- no social, que tem a ver com o machis-
a preocupação da população com a vio- “A pesquisa pode ser mos, por meio de outras pesquisas, que mo, com uma sociedade patriarcal e de-
lência. Esse estudo retoma esse pano- quando há atritos ou problemas nas fa- sigual em relação a gênero. A mídia di-
rama com uma diferença: mostra uma sintetizada em que as mílias e elas se rompem, são as mulhe- vulga os casos, particulariza e não dá o
contundência do fenômeno de agres- mulheres têm medo de morrer res que ficam com as crianças. Essa re- passo a frente que é explicar o porquê.
são contra as mulheres. Para se ter uma lação mais forte e essa responsabilidade E muitas vezes, se fossem aprofundadas
ideia, a questão do homicídio e da mor- e vergonha de declarar” têm a ver com as mulheres. Além, disso as razões, poderia ficar mais claro para a
te é vista como uma consequência qua- há o fator psicológico da reincidência, sociedade que essa mulher foi desampa-
se provável dentre as mulheres que pas- em que depois da agressão a maioria rada, não teve apoio de família, de vizi-
sam a denunciar. dos homens pede desculpas, atribui a nhos, da segurança pública.
Essa pesquisa escancara um qua- Como você avalia o grau de um fator externo, sobretudo bebida. As
dro muito preocupante: mais da meta- consciência da sociedade hoje em mulheres vão reiterando isso e se forma A partir do resultado da pesquisa
de das pessoas, homens e mulheres, co- relação à violência de gênero? um círculo vicioso do qual elas não con- o que o Instituto recomenda
nhecem mulheres agredidas e homens Houve um avanço nos últimos anos, seguem sair. como ações prioritárias não só
agressores, portanto a incidência do fe- obviamente, e a questão dessa violên- para os governos mas para a
nômeno é muito alta. Além disso, a pes- cia mais doméstica tem a ver justamen- sociedade em geral?
quisa mostra que essa violência, perce- te com esses avanços. A mulher saiu de “A cultura machista fazia Estamos lutando por melhores e mais
bida pelos entrevistados, atinge a todas casa, entrou no mercado de trabalho, equipamentos de apoio às mulheres.
as camadas da população, tanto as mais está mais aberta, se relacionando com com que, anos atrás, esse Se esses equipamentos se multiplica-
ricas como as mais pobres, famílias com a sociedade, e a sociedade de uma ma- assunto fosse colocado rem, se as 500 delegacias passarem a
chefes mais ou menos escolarizados. neira geral evoluiu para uma posição de ser 5 mil, e assim por diante, mais ca-
Em consequência disso, desse quadro demanda por mais equidade, igualda- debaixo do tapete” sas de assistência específica à mulher,
de uma epidemia de violência contra as de em todos os aspectos, social, salarial, coisa que está acontecendo em um rit-
mulheres, há a percepção de que o Es- escolar etc. É sempre importante lem- mo aquém do necessário, isso em si vai
tado, sobretudo a Justiça, não tem esta- brar que os aspectos da escolaridade e apoiar as mulheres. E vai ajudar a so-
do à altura para coibir. As denúncias têm da educação são dos mais equânimes da A que se pode atribuir a ciedade a ver outro referencial para esse
aumentado, é verdade que as mulheres cultura brasileira. Há tantos analfabe- continuidade da violência contra problema, que é cultural, além dos pro-
estão mais autônomas e mais confian- tos homens e mulheres. No conjunto de a mulher no Brasil? blemas pontuais de cada família, de ca-
tes em denunciar, mas a resposta do Es- anos estudados, as mulheres estudam Basicamente é uma questão cultural. da mulher e de cada homem.
tado é mínima. Você vê que delegacias mais do que os homens, a diferença sa- Há dois lados, de um está uma cultura
da mulher, que são consideradas a por- larial, que ainda existe entre homens e patriarcal, machista, que está em xeque,
ta mais utilizada, lembrada e conhecida mulheres, vem diminuindo. São aspec- e obviamente de outro, o avanço das QUEM É
por 90% das pessoas, no Brasil inteiro tos sociais e culturais que mostram uma mulheres em termos sociais e culturais,
Fátima Pacheco Jordão é socióloga es-
existem 500. A grande maioria, dois ter- forte evolução das mulheres. maior escolaridade, maior autonomia
pecializada em pesquisas de opinião e
ços delas, no estado de São Paulo, onde econômica, maior denúncia, ou seja, são
conselheira do Instituto Patrícia Galvão, que
foram criadas na década de 1980. E nem De acordo com a pesquisa todos aspectos ligados à cultura. A cul-
coordenou a pesquisa.
sempre ou quase nunca as delegacias apenas 2% dos entrevistados tura machista fazia com que, anos atrás,
6 de 22 a 28 de agosto de 2013 brasil
Eny Miranda/Vale

espaço sindical
da Redação

Campanhas salariais no
segundo semestre de 2013
Segmentos da indústria, do comércio
e do setor de serviços do país têm data-
base para renovação dos seus acordos
coletivos na segunda metade do ano.
Trabalhadores nos correios, petroleiros
e bancários, com campanhas nacionais,
reúnem mais de 700 mil trabalhado-
res. As campanhas dessas categorias
despertam ainda interesse indireto de
outras 800 mil pessoas, estimativa de
empregados de terceirizadas que pres-
tam serviços para o ramo financeiro e
de petróleo.

Em processo de negociação ou
preparação de pautas
Em São Paulo, segmentos também
numerosos estão em processo de ne-
gociação ou preparação de pautas.
Destacam-se entre eles os comerci-
ários e metalúrgicos, representados
pela CUT, Conlutas e Força Sindical,
que reúnem até 3,5 milhões de tra-
balhadores no estado. A perspectiva
é de que a patronal justifique o baixo

Carajás é da China
crescimento da economia e a infla-
ção. Porém, o Dieese aponta que há
leve queda nos índices inflacionários,
além do que as categorias desde 2009
obtêm índices crescentes de reajustes
acima da inflação.

Funcionários do Incra denun-


ciam falta de demarcação
Em nota, a Confederação Nacional
Vista aérea do local da futura mina a ser explorada pelo projeto Ferro Carajás S11D das Associações dos Servidores do In-
cra (CNASI) denunciou a demora do
OPINIÃO te no empreendimento, 30% maior do Mesmo com a Vale estatal já era difí- governo federal em garantir a demarca-
que o custo da polêmica hidrelétrica de cil ao governo exercer controle sobre os ção de terras quilombolas. O documen-
Quando os 19,7 bilhões Belo Monte. impulsos da empresa e a teia dos seus to aponta as formas com que o governo
O mundo tem pressa de se servir de interesses internacionais, criados, con- federal e o Congresso Nacional atrasam
de dólares (em torno um minério rico, fácil de extrair e de firmados e cultivados por seus agentes, a demarcação de terras quilombolas.
de 40 bilhões de reais) custo proporcionalmente inferior ao uma autêntica tecnoburocracia cosmo- Como pano de fundo, de acordo com a
de qualquer outra mina das mesmas di- polita (cujo modelo é Eliezer Batista, o nota, está a opção política do governo
tiverem sido mensões, em valores absolutos, embo- pai de Eike). Essa lacuna se acentuou e da maioria do poder legislativo por
ra sem o mesmo teor. Por isso, imune – com a privatização. Tornou-se mais ní- favorecer o agronegócio e o latifúndio,
inteiramente aplicados, ou, pelo menos, bem protegido em rela- tida a distinção entre os negócios feitos em detrimento do meio-ambiente, da
ção – às flutuações previstas para o se- pela empresa no exterior e os interesses reforma agrária e dos direitos dos po-
a mina de Serra Sul tor pelos próximos anos. Uma fonte ca- nacionais. Mais do que distinção, o an- vos singulares (indígenas, quilombolas,
estará em condições de tiva para os grandes consumidores de tagonismo. faxinalenses, entre outros).
minério, sobretudo as siderúrgicas asi- Ficou evidente o interesse da Va-
acrescentar 90 milhões áticas, à frente a China. le em agradar aos seus grandes clien- Parem os leilões
Mas isso interessa realmente ao Pa- tes chineses, japoneses e de outros paí- do petróleo!
de toneladas anuais à rá e ao Brasil? Numa entrevista que deu ses, sem os quais sua grandiosidade es- A abertura da exploração do petró-
ao Valor, o geólogo Breno Augusto dos taria comprometida. A empresa passou leo brasileiro a empresas estrangeiras,
produção da ex-estatal Santos, o primeiro a identificar o miné- a atuar como viabilizadora desses inte- por meio de leilões retomados pelo
rio de ferro de Carajás, em 31 de julho resses na medida em que se restringia governo em maio de 2013, ameaça a
de 1967 (cujos 46 anos da descoberta à extração mineral em escala crescente soberania do país e prejudica os tra-
motivaram o interesse do jornal paulis- para a exportação. balhadores, devido à predominância
Lúcio Flávio Pinto ta), observou: “Se Carajás fosse na Chi- Adaptando a frase de Breno, pode-se de terceirização nas plataformas de
na, na Coreia ou na Alemanha, de lá es- dizer que nenhum governo na China, extração de óleo. De acordo com João
A NOVA FRENTE de produção que a tariam saindo automóveis, locomotivas Coreia e Alemanha permitiria que uma Antônio de Moraes, coordenador-ge-
Vale está abrindo em Carajás, no esta- ou computadores”. E logo acrescentou: empresa de mineração crescesse de for- ral da Federação Única dos Petrolei-
do do Pará, é superlativa. Trata-se do “Mas essa não é uma função da Vale”. ma a exercer controle total sobre o cir- ros (FUP), o petróleo responde por
maior investimento da mineradora em Não é mesmo? Este é o aspecto chave cuito da extração, transporte e exporta- 40% da matriz energética brasileira e,
toda a sua história, de 70 anos. da questão. A Vale se livra das respon- ção de matéria-prima bruta, como faz a como recurso estratégico, deve estar
Quando os 19,7 bilhões de dólares (em sabilidades pela exploração de minério Vale no Brasil. sob controle da União. De acordo com
torno de 40 bilhões de reais) tiverem si- bruto alegando ser apenas uma minera- o dirigente sindical, a retomada dos
do inteiramente aplicados, a mina de dora. Outras empresas deviam cuidar leilões, suspensos desde 2008, está na
Serra Sul estará em condições de acres- do beneficiamento. E o governo, princi- O Programa Grande contramão da tendência mundial de
centar 90 milhões de toneladas anuais palmente, devia exercer o seu papel de maior controle dos governos sobre as
à produção da ex-estatal. Com duas ou- fomentador desses investimentos. Carajás foi induzido jazidas. Em setembro, a Semana da
tras expansões na área, a província mi- A empresa não tem culpa se as outras pela então estatal Pátria será marcada por atos contrá-
neral de Carajás passará de 120 milhões partes não fazem o que lhes cabe. Daí a rios aos leilões.
para 250 milhões de toneladas por ano inexpressividade dos rendimentos que Companhia Vale do Rio
de minério de ferro. uma atividade de tão grande porte pro- Desemprego afeta mais
porciona ao Pará. Doce durante o início do mulheres e negros
O estado não tem agregação de valor à Estudo do Dieese revela que o desem-
Carajás consolidará a sua riqueza natural e ainda é privado da governo Figueiredo, o prego em circunstâncias de mercado de
posição da Vale de maior
receita tributária que essa atividade de- último do regime militar, trabalho aquecido afeta mais mulheres
via lhe oferecer, por causa da imunida- e negros, devido à forma de seleção
vendedora interoceânica de de conferida às matérias-primas e pro- a partir de 1980 desigual do mercado de trabalho. Em
dutos semiacabados pela nefanda “lei 1999, quando a taxa de desemprego
minério de ferro do mundo Kandir”, de autoria do então deputado medida pela instituição era perto de
e economista de São Paulo, que lhe em- 20%, negros e mulheres eram cerca de
prestou o nome. É por isso que sua parte de logística metade dos trabalhadores sem emprego
Não é bem assim. O Programa Gran- cresceu para dar suporte à sua ativida- há mais de um ano. Em 2012, quando a
Isso acontecerá em 2017, quando o de Carajás foi induzido pela então esta- de mineradora. Ela se agigantou ainda taxa de desocupação foi de 10,5%, nas
Pará passará à frente de Minas Gerais tal Companhia Vale do Rio Doce duran- mais, num esquema que tem proporcio- contas do Dieese, eles superavam 60%
como a maior fonte de minério de ferro te o início do governo Figueiredo, o últi- nado mais divisas ao país, como nunca, dos desempregados de longo prazo. O
da antiga Companhia Vale do Rio Doce. mo do regime militar, a partir de 1980. mas à custa da exaustão de uma rique- IBGE, que calcula a taxa de desempre-
Será mais do que a relação de 250 mi- Interessava à empresa ter um prospec- za natural não renovável, como o miné- go oficial do país a partir de seis regiões
lhões para 200 milhões de toneladas de to de aproveitamento econômico mais rio de ferro. metropolitanas, estima que há 205.155
produção entre os dois principais esta- amplo, que valorizasse e legitimasse a Tente-se calcular quanto o Brasil per- pessoas nessa situação, ou 14% de
dos mineradores do Brasil. concessão federal dada à ferrovia de deu por não ter feito o beneficiamento quem buscava vaga em junho.
O minério de Carajás é mais rico e Carajás. do minério de ferro de Carajás. Um cál-
mais fácil de extrair. Com a exaustão culo simples levará a muitos bilhões de Pressão adia votação do PL da
de algumas jazidas de Minas Gerais, a dólares em quase 30 anos de extração terceirização para setembro
Vale terá que se aventurar no seu es- Enquanto a primeira maciça de minério bruto, que, no caso, O Projeto de Lei 4.330, que regula-
tado de origem pelo itabirito, minério é quase sinônimo de minério puro, tal menta a terceirização, não entrou na
mais duro e pobre, para manter a esca- jazida levou alguns a riqueza de hematita contida na rocha pauta da Comissão de Constituição e
la de produção. anos para chegar ao seu de Carajás. Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputa-
A diferença mais importante, porém, Para se ter uma ideia da grandeza do dos no dia 14, como era a expectativa
é o destino da produção. Carajás conso- tamanho de projeto, novo capítulo que se inicia em Carajás, dos empresários. Segundo o presidente
lidará a posição da Vale de maior ven- basta considerar que a Serra Sul pos- da Comissão, deputado Décio Lima
dedora interoceânica de minério de fer- de 25 milhões de sui 10 bilhões dos 18 bilhões de tonela- (PT-SC), a proposta só deve entrar em
ro do mundo. Seu minério, com teor toneladas, S11D (nome das estimados de reserva, com teor mé- discussão dia 3 de setembro. No dia 13,
de hematita superior a 66%, tem mer- dio de 66,5% de ferro. O primeiro corpo manifestantes haviam sido convoca-
cado garantido no exterior, enquanto o do projeto Ferro Carajás a ser lavrado nessa mineração, que leva dos pelas Centrais Sindicais e lotaram
produto de Minas Gerais será cada vez a letra D do título do projeto, acumula o plenário da CCJ para impedir que o
mais destinado a abastecer o mercado da Vale) dará partida 4,2 bilhões de toneladas, com nove qui- projeto entrasse em votação.
nacional. Carajás será a principal mi- já com 90 milhões de lômetros de extensão, a uma profundi-
na de atendimento internacional que dade de até 250 metros. McDonald’s não garante
existe. toneladas na bitola Ao ritmo previsto, a jazida terá 40 salários no Reino Unido
Daí a dimensão extraordinária do anos de vida útil. Ao fim desse período, A rede McDonald’s admitiu que qua-
projeto de expansão. Enquanto a pri- a maior mina de ferro do planeta será se 90% dos seus empregados no Reino
meira jazida levou alguns anos para só lembrança – amarga e frustrante por Unido têm um modelo de contrato que
chegar ao seu tamanho de projeto, de Fazendo uma análise retrospectiva do certo, para os nativos. exige disponibilidade do trabalhador
25 milhões de toneladas, S11D (nome “Carajazão”, delegado a um conselho Chegará ao fim sem motivar qualquer por 24 horas, sem garantia de salário
do projeto Ferro Carajás da Vale) da- interministerial, diretamente subordi- reação dos paraenses, que veem o bura- semanal fixo. O contrato é considerado
rá partida já com 90 milhões de tonela- nado à Presidência da República, pode- co ser aberto sem usufruir o melhor que abusivo por especialistas. Uma porta-
das na bitola. se chegar à conclusão de que foi um fo- o minério lhes poderia dar. (Blog Car- voz da cadeia de fast-food defendeu a
A partir do início das obras de ter- guetório de ilusão, uma espécie de pa- tas da Amazônia) modalidade de contrato, pois, segundo
raplenagem, que aconteceu no começo ra-raios e habeas corpus a um projeto disse ao jornal The Independent, o con-
deste mês, essa meta será atingida em de mera extração mineral. Um boi ati- Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Edi- trato permite aos trabalhadores ficarem
apenas quatro anos, graças às inova- rado às piranhas para permitir a passa- tor do Jornal Pessoal, publicação quinzenal na empresa a quantidade de horas que
ções e à diretriz de investir maciçamen- gem da boiada de minério. que circula em Belém do Pará desde 1987. desejariam trabalhar.
brasil de 22 a 28 de agosto de 2013 7

Auditores reclamam de
interferência política em Rondônia Divulgação
DENÚNCIA tante da empresa teria tentado impedir o
embargo.
Após ação em canteiro Diz a carta aberta: “Ressalte-se que um
de obras de Jirau, fiscal dos auditores que participou dessa ação
recebeu telefonema do gestor de segu-
recebeu telefonema rança do trabalho da empresa que é res-
ponsável pela construção do empreendi-
de assessor do mento, no curso da fiscalização, infor-
Ministro do Trabalho, mando que sua chefia não tinha conhe-
cimento da ação, tampouco de sua pre-
e superintendente sença no local, numa clara tentativa de
intimidação do agente, o que lhe causou
suspendeu poder grande indignação, visto que as palavras
da categoria para do citado gestor de que ‘estaria tentando
ajudar’ o auditor tinham o real intento
embargar obras de demonstrar que o poderio econômi-
co iria se sobressair ao dever do Estado
em cumprir o seu papel de defensor da
vida de trabalhadores, eliminando os ris-
Daniel Santini cos através de medida restritiva imposta
de São Paulo (SP) à empresa”.
Contatado, o gerente da Camargo Cor-
POR MEIO DE UMA carta aberta enca- rêa inicialmente negou qualquer ligação
minhada pela Delegacia Sindical do Sin- para os fiscais, mas, depois, confirmou
dicato Nacional dos Auditores Fiscais ter falado no telefone com a equipe, ape-
do Trabalho (Sinait), auditores fiscais sar de negar a tentativa de intimidação.
da Superintendência Regional do Tra- Construção de Jirau é uma das principais do PAC “Da forma como você colocou não
balho e Emprego de Rondônia (SRTE/ ocorreu. Com a auditoria fiscal nós já ti-
RO) reclamam de interferência política rada pela reportagem, a superintenden- de proteção aos trabalhadores. Na ação, vemos diversos encontros, diversas audi-
nas ações no estado, e denunciam que, te não quis dar entrevistas, limitando- os procuradores falam em “dumping so- torias e inspeções, do grupo de Brasília,
após embargo de um canteiro de obras se a afirmar que o caso “está na mesa do cial”, em função da maneira que direitos do grupo de Rondônia, e sempre tivemos
da Hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, ministro” e que “essas decisões eu tomo básicos têm sido ignorados regularmente uma tratativa direta. Falamos por tele-
em Rondônia, a categoria passou a sofrer sempre em conjunto com o gabinete do pela empresa. fone diversas vezes no tempo que estou
constrangimentos e restrições. ministro”. aqui. Mas a ligação com esse teor nun-
Entre as denúncias, está a suposta ten- Com custo inicial previsto de mais de Telefonemas e pressão ca ocorreu”.
tativa de interferência no embargo de Ji- R$ 7,6 bilhões, a construção de Jirau é Além do telefonema do assessor do Ele disse não poder falar mais que
rau por parte de Ruy Parra Motta, ex-su- considerada umas das principais obras ministro, o responsável pela fiscalização isso sobre o assunto sem autorização.
perintendente local e hoje assessor do do Programa de Aceleração do Cresci- em Jirau recebeu um telefonema de Luiz Procurada, a assessoria de comunica-
ministro do Trabalho e Emprego Ma- mento (PAC) do Governo Federal e tam- Carlos Fernandes, gerente de Segurança ção da empresa não se posicionou até o
noel Dias. “Após o encerramento da di- bém uma das mais problemáticas. Sob do Trabalho da Camargo Corrêa. Segun- fechamento desta reportagem. (Repór-
ligência, o auditor foi contatado pelo as- responsabilidade da construtora Camar- do a denúncia dos auditores, o represen- ter Brasil)
sessor do ministro, Sr. Ruy Parra Motta, go Corrêa, desde o início a construção da
em mais uma tentativa de abalar e demo- usina tem sido marcada por graves irre-
ver o agente de cumprir o seu papel”, diz gularidades trabalhistas, com mortes de
o documento.
Procurado pela Repórter Brasil, o as-
trabalhadores e denúncias de violações
sistemáticas de direitos humanos.
Portaria sofre críticas
sessor confirmou ter ligado para o audi- A portaria que limita o poder dos auditores em Rondônia foi criticada pela As-
tor fiscal responsável no dia da ação, mas sociação Nacional dos Procuradores do Trabalho e pela Associação dos Magis-
negou qualquer tentativa de impedir que A superintendente não quis dar trados da Justiça do Trabalho. Portarias semelhantes também foram promul-
a obra fosse embargada. “A intenção de gadas na Paraíba e no Paraná. Qualquer medida que restrinja a independência
ligar foi de saber o que estava acontecen- entrevistas, limitando-se a afirmar da fiscalização contraria a Convenção 81 e a Recomendação 20 da OIT e o Brasil
do”, afirmou.
“O Governo sempre quer saber o que
que o caso “está na mesa do pode sofrer sanções se as alterações forem entendidas como interferência
está acontecendo devido a atrasos em ministro” e que “essas decisões eu
obras”, disse, destacando que “existe
preocupação permanente” da Casa Civil tomo sempre em conjunto com o
e da Secretaria Geral da Presidência com
gabinete do ministro”
Secretário de Inspeção do
o assunto. Ele minimiza a denúncia, di-
zendo que é uma “tempestade em copo
d’água” e ressaltando que trabalha para
Trabalho é substituído
que os auditores fiscais sempre tenham O auditor fiscal Luiz Felipe Brandão de Mello foi substituído na semana pas-
independência total. Em 2009, 38 pessoas foram resgatadas sada pelo também auditor fiscal Paulo Sérgio de Almeida no comando da Se-
Além de apontar pressão política em da escravidão no local. Em 2011, o clima cretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho e Empre-
ações da fiscalização, os auditores tam- de tensão crescente entre os operários go (MTE). Promovido pelo então ministro Carlos Brizola Neto, Luiz Felipe não
bém reclamam do fato de terem sido fez com que a construtora requisitasse encontrou espaço durante a gestão do ministro Manoel Dias e sua saída já ha-
proibidos de embargar obras sem auto- a presença permanente da Polícia Mili- via sido acertada antes mesmo da crise institucional aberta pelas reclamações
rização. Após o episódio em Jirau, por tar no canteiro de obras. No mesmo ano, dos auditores de Rondônia. Substituto de Vera Lúcia de Albuquerque, que pe-
meio de portaria específica, a superin- o carpinteiro Antônio de Meneses Rocha
tendente Ludma de Oliveira Correa Lima
diu exoneração após alegar interferência do então ministro Carlos Brizola Ne-
morreu em um acidente de trabalho. Em
restringiu o poder dos agentes. Em carta 2012, a insatisfação dos trabalhadores, to em questões técnicas e falar em“cabresto político”, Luiz Felipe não ficou nem
aberta, eles afirmam que tal limitação ti- marcada por repetidas revoltas, levou à um ano no cargo. Seu trabalho foi elogiado pelo Sindicato Nacional dos Audi-
ra independência da fiscalização e impe- convocação da Força Nacional. tores Fiscais do Trabalho, que publicou nota de reconhecimento elogiando seus
de que as equipes ajam com a agilidade No mesmo ano, o operário José Rober- esforços. Seu substituto, Paulo Sérgio, tem um perfil também considerado mais
necessária para garantir a segurança de to Viana Farias morreu em outro aciden- técnico e menos político. Ele foi promovido do Departamento de Fiscalização do
trabalhadores em risco. te. As mortes levaram o Ministério Públi- Trabalho (Defit), onde era diretor desde 2012. Antes disso, atuou como Coorde-
Eles classificam a mudança como “o co do Trabalho (MPT) a entrar na Justi- nador-Geral de Imigração, cargo vinculado ao Ministério, e chegou a ser nome-
mais grave retrocesso da história da fis- ça com um pedido para obrigar a Camar- ado presidente do Conselho Nacional de Imigração.
calização trabalhista no estado”. Procu- go Corrêa a cumprir normas trabalhistas

JUSTIÇA

Ministério Público denuncia oito


bombeiros por tragédia na Boate Kiss
PROCESSO Segundo o MP, os to bombeiros denunciados são: Moisés bombeiros Daniel da Silva Adriano e O incêndio na Boate Kiss ocorreu na
da Silva Fuchs, Daniel da Silva Adria- Alex da Rocha Camilo. Os demais res- madrugada do dia 27 de janeiro e pro-
bombeiros são responsáveis por no, Alex da Rocha Camillo, Gilson Mar- ponderão por inobservância da lei. vocou a morte de 242 pessoas que par-
fraudes durante a liberação dos tins Dias, Vagner Guimarães Coelho, Re- O Ministério Público concluiu que não ticipavam de uma festa. O fato ocor-
nan Severo Berleze, Marcos Vinicius Lo- há como imputar aos bombeiros a práti- reu em decorrência de descumprimen-
planos de Prevenção e Proteção pes Bastide e Sérgio Roberto Oliveira de ca de homicídio culposo. Para o MP “não to das normas de segurança do traba-
Andrades. O Ministério Público também há nos autos elementos aptos para a indi- lho. O inquérito policial indiciou 16
contra Incêndios (PPCIs) e alvarás vai pedir a revisão de todos os alvarás na vidualização da conduta de cada bombei- pessoas criminalmente e responsabi-
área em que o 4º Comando Regional dos ro no que tange ao suposto ato de incen- lizou 12. Já o MP denunciou oito pes-
Bombeiros (4ºCRB) atua. tivo à entrada dos civis para salvamento soas, sendo quatro por homicídio, du-
das demais vítimas”. as por fraude processual e duas por fal-
Luciano Nascimento Em 28 de agosto de 2009, Moisés da so testemunho.
de Brasília (DF) Para o MP “não há nos autos Silva Fuchs e Daniel da Silva Adriano Em julho, mês em que a última vítima
expediram o primeiro alvará dos siste- do incêndio recebeu alta, uma comissão
O MINISTÉRIO PÚBLICO (MP) do Rio elementos aptos para a mas de prevenção e proteção contra in- parlamentar de inquérito (CPI) foi insta-
Grande do Sul denunciou dia 19 de cêndio da Boate Kiss. Eles não observa- lada para apurar as responsabilidades do
agosto oito bombeiros pelo incêndio na
individualização da conduta de cada ram, segundo o MP, deliberadamente a Poder Público com o ocorrido. Insatisfei-
Boate Kiss, ocorrido em janeiro em San- bombeiro no que tange ao suposto legislação (municipal e estadual), mas tos com os trabalhos da CPI, os parentes
ta Maria (RS). Eles responderão a pro- informaram no alvará que os sistemas das vítimas ocuparam a Câmara de Vere-
cesso na Justiça Militar de Santa Maria ato de incentivo à entrada dos civis de prevenção e proteção contra incên- adores de Santa Maria por seis dias.
por falsidade ideológica e falsa declara- dios do estabelecimento foram inspe- No mesmo mês, a Advocacia-Geral da
ção em documento público. Segundo o para salvamento das demais vítimas” cionados e aprovados “de acordo com a União (AGU) ingressou com uma ação
MP, os bombeiros são responsáveis por legislação vigente”. regressiva acidentária para ressarcimen-
fraudes durante a liberação dos planos Em 11 de agosto de 2011, Moisés da to de benefícios previdenciários concedi-
de Prevenção e Proteção contra Incên- Silva Fuchs e Alex da Rocha Camillo in- dos a 17 funcionários e terceirizados, ou
dios (PPCIs) e alvarás. Fuchs, que exerceu a função de coman- seriram declaração falsa ou diversa da seus dependentes, vítimas da tragédia.
Dos oito bombeiros denunciados, cin- dante do 4º CRB, responderá por falsi- que devia ser escrita no segundo alva- Segundo a AGU a ação cobrará R$ 1,5
co responderão por inobservância da lei dade ideológica e prevaricação. Também rá dos sistemas de prevenção e proteção milhão dos sócios da Boate Kiss pelo in-
e três por falsidade ideológica. Os oi- responderão por falsidade ideológica os contra incêndio expedido à Boate Kiss. cêndio. (Agência Brasil)
8 de 22 a 28 de agosto de 2013 brasil

Os direitos da juventude vetados Fábio Rodrigues Pozzebom/Abr

POLÍTICA Estatuto da
Juventude é sancionado
mas vetos parecem não
ouvir a demanda das
últimas manifestações

Viviane Tavares
do Rio de Janeiro (RJ)

AS RECENTES manifestações que pro-


liferaram no país tiveram como esto-
pim o aumento das passagens de ôni-
bus. Mas o Movimento Passe Livre, que
levantou a bandeira na maioria dos es-
tados, pedia ainda mais: a gratuidade
da passagem para todos os cidadãos.
Antes mesmo desta onda de manifes-
tações, desde 2011, tramitava nas du-
as casas do legislativo, o Estatuto da
Juventude que, entre outras deman-
das, legislava sobre meia passagem pa-
ra estudantes de até 29 anos, indepen-
dentemente da finalidade da viagem no
transporte interestadual.
A sanção presidencial que aconteceu
no dia 5 de agosto fez com que esta ga-
rantia caísse para duas viagens gratui-
tas e outras duas com desconto de 50%
para jovens de baixa renda.
A relação do transporte é também
diretamente ligada à educação, como
apontam duas pesquisas que tratam do
assunto. A Transporte Urbano e Inclu-
são Social: Elementos para Políticas
Públicas, de Alexandre Gomido, diretor
de Estudos e Políticas do Estado, das
Instituições e da Democracia (Diest),
do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) indica que o motivo “es-
cola” chega a ser 60% das razões de via- Em protesto a favor do passe livre, estudantes de Brasília pulam catracas
gens para as pessoas com renda fami-
liar de até um salário mínimo. rante a tramitação foi a questão a meia- Apesar de reconhecer a importân- damento da democracia por integrar de
entrada, que agora terá cota de 40% de cia de programas como o Prouni [Pro- forma protagonista a juventude na so-
ingressos disponíveis para cada evento. grama Universidade para Todos] como ciedade.
“Quando a gente fala Esta restrição vale para jovens de bai- uma solução imediata para ampliar o “O Estatuto amplia o leque de direi-
xa renda e estudantes até 29 anos. “O acesso das camadas populares ao ensi- tos dos jovens e nossas possibilidades
do passe livre, fala da problema é que o projeto regulamente no superior, ela destaca a interferência de interferir na vida política do país. O
uma lei que dá maiores direitos para re- das instituições privadas. Brasil só avançará se tratar com respei-
efetivação de um direito, duzi-los”, informa a integrante do Mo- “O ensino privado tem uma força to e seriedade sua juventude”, afirma, e
de um transporte como um vimento Passe Livre. muito grande nesta discussão. Desde a acrescenta: “O estatuto é fruto de lutas
A vice-diretora de Educação e Pes- Constituição de 1988 o ensino privado travadas nas ruas, nas periferias e nas
direito, e não um transporte quisa da Escola Politécnica de Saúde tem um lobby muito forte e parece que salas de aula do nosso país”.
Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), não foi diferente neste caso”, diz, e com-
para os estudantes ou Paulea Zaquini, defende que a cultura pleta: “É preciso fazer sempre a defesa
determinados setores da é elemento essencial para a formação
de um aluno.
do fortalecimento do ensino público”.
No caso do ensino superior, o texto é
“O Estatuto amplia o leque de
sociedade. Defendemos que “Existe um tipo de formação não for-
mal, que vem da vivência do mundo, de
ainda mais direto em relação à educa-
ção privada. Diz o artigo 20: “O jovem
direitos dos jovens e nossas
ele seja universal” espaços como museus, cinemas, cur- tem direito à educação superior, em possibilidades de interferir na
sos, ou seja, neste último quesito, o alu- instituições públicas ou privadas, com
no que não tem condições de ter este ti- variados graus de abrangência do saber vida política do país. O Brasil só
po de atividade já sai atrás dos demais. ou especialização do conhecimento”.
Já a outra, denominada Motivos de E essa exclusão se dá pela forma como avançará se tratar com respeito
evasão escolar, do Todos pela Educa- a cidade se organiza. Nós temos mu- Ações concretas
ção em parceria com a Fundação Ge- ros invisíveis a uma parcela de jovens”, Durante a cerimônia, a presidenta e seriedade sua juventude”
túlio Vargas (FGV) mostra que a esco- analisa. Dilma Rousseff assinou o decreto que
la distante de casa e a falta de transpor- Outro ponto que foi bastante polêmi- cria o Comitê Interministerial da Polí-
te estão entre os principais motivos de co e não mudou com a sanção presiden- tica de Juventude. O intuito deste co-
os estudantes abandonarem os estudos, cial é a questão da brecha para o ensi- mitê é reunir todos os ministérios que O Estatuto estava em tramitação des-
assegurando 25% dos casos de evasão. no privado. Na matéria publicada no si- tenham pautas relacionadas à políti- de 2011 e foi aprovado na Câmara, últi-
O geógrafo e especialista em planeja- te da EPSJV “Jovens estão mais perto ca de juventude para funcionarem co- ma instância para a sanção presidencial
mento urbano e uso do solo Jorge Bor- de garantir seus direitos?”, Ana Karina mo um espaço permanente de ações e em 31 de julho deste ano. Atualmente,
ges, em entrevista para a matéria “Di- Brenner, pesquisadora do Observatório discussões. existem cerca de 51 milhões de brasilei-
reito de ir e vir”, indicou que a condição Jovem da Universidade Federal Flumi- Para a presidenta da União Nacional ros e brasileiras considerados jovens,
de estudante já deveria garantir a gra- nense, chamava a atenção para a reda- dos Estudantes (UNE), Virgínia Barros, maior número já registrado no país.
tuidade dos transportes públicos. ção, que não garantia o ensino público, em nota publicada no site da Institui- (Escola Politécnica de Saúde Joaquim
“O aluno deveria receber o direito de mas sim gratuito. ção, o Estatuto representa o aprofun- Venâncio /Fiocruz)
ir a uma biblioteca, a uma atividade cul-
tural, de desporto... O fato de ser estu-
dante já seria suficiente para ele receber
esse direito de passe livre, e não se limi- MÍDIA
tar, como é hoje, ao trajeto casa-escola,
de segunda a sexta. Há municípios que
nem incluem os sábados letivos”, expli-
cou o especialista.
Esta opinião também é compartilha-
da pela representante do Movimento
43% não se identificam
Passe Livre Nina Cappello, que ainda
acrescenta que a questão da gratuidade
não se restringe ao jovem. com a programação da TV
“O ensino privado tem uma força PESQUISA Quase um terço dos entrevistados De acordo com o estudo, a maioria
(29%) disse que nunca vê a defesa de da população (61%) acha que a TV con-
muito grande nesta discussão. A maioria da população seus interesses na televisão, enquanto cede mais espaço para o ponto de vista
que para 55% essa defesa ocorre de vez dos empresários do que dos trabalhado-
Desde a Constituição de 1988 (61%) acha que a TV em quando. Em relação às mulheres, res (18%). Para 35% dos brasileiros, os
o ensino privado tem um lobby concede mais espaço 17% acham que quase sempre são tra- meios de comunicação, não só a televi-
tadas com desrespeito na programação, são, defende principalmente os interes-
muito forte e parece que não foi para o ponto de vista problema que ocorre eventualmente pa- ses dos próprios donos.
dos empresários do que ra 47% dos entrevistados. Na opinião de 32%, a versão que pre-
diferente neste caso” valece na mídia é a dos que têm mais di-
dos trabalhadores (18%) nheiro e para 21% é o interesse dos polí-
Quase um terço dos ticos que é mais defendido pelos meios.
Apenas 8% avaliaram que os meios de
“Quando a gente fala do passe livre, entrevistados (29%) disse comunicação estão prioritariamente ao
fala da efetivação de um direito, de um Daniel Mello lado da maioria da população.
transporte como um direito, e não um de São Paulo (SP) que nunca vê a defesa A maioria dos entrevistados (71%) é fa-
transporte para os estudantes ou deter- de seus interesses na vorável a que a programação televisiva
minados setores da sociedade. Defen- A TELEVISÃO é assistida diariamente tenha mais regras. Para 16%, as regras
demos que ele seja universal. É claro por 82% dos brasileiros, mas 43% da po- televisão, enquanto que atuais são suficientes para disciplinar o
que a juventude se beneficia muito, as- pulação não se reconhecem na programa- para 55% essa defesa conteúdo e 10% disse que é preciso redu-
sim como a classe trabalhadora. Muitos ção difundida pelo veículo e 25% se veem zir o número de normas.
estudantes deixam de ir às escolas por retratados negativamente. Apenas 32% ocorre de vez em quando Na opinião de 54%, não deveriam ser
conta do pagamento da tarifa”, explica. se sentem representados positivamente. exibidos conteúdos de violência ou hu-
O outro veto da presidenta foi em rela- Os dados são da pesquisa de opinião milhação de homossexuais ou negros.
ção ao financiamento dos Conselhos de pública Democratização da Mídia, lan- Para 40% da população, esse tipo de
Juventude, por meio de previsão da lei çada na sexta-feira (16) pela Fundação O tratamento dos nordestinos também programação pode ser aceita sob deter-
orçamentária dos três entes federativos. Perseu Abramo. Para o estudo foram recebeu avaliação semelhante, sendo que minadas regras. Percentual semelhan-
feitas 2,4 mil entrevistas domiciliares foi considerado quase sempre desrespei- te ao humor que ridicularizam pesso-
Pontos polêmicos em zonas rurais e urbanas de 120 mu- toso para 19% e só às vezes para 44%. So- as, 50% são contra a exibição desse con-
Um dos pontos polêmicos deste Es- nicípios, entre 20 de abril e 6 de maio bre a população negra os percentuais fo- teúdo e 43% admite desde que normati-
tatuto que já havia sido modificado du- deste ano. ram de 17% e 49%, respectivamente. zado. (Agência Brasil)
brasil de 22 a 28 de agosto de 2013 9

Por um esporte sem “vícios” .maga

ENTREVISTA Raí, ex-craque


do São Paulo, quer aproveitar
megaeventos para mobilizar
cidadãos e atletas por
transparência e democracia nas
estruturas e políticas públicas

Ciro Barros e
Giulia Afiune
de São Paulo (SP)

PARA QUEM NÃO conhece a região,


não é fácil chegar à Fundação Gol de Le-
tra. As vias tortuosas e as ladeiras da Vi-
la Albertina, no bairro do Tremembé, ex-
tremo norte de São Paulo, confundem
quem está acostumado às ruas largas e
sinalizadas do chamado centro expan-
dido da capital paulista. A organização
fundada pelos ex-craques do São Paulo,
Raí e Leonardo, em 1998, fica no alto de
um morro.
Vista de fora, parece uma escola in-
fantil bem cuidada, contrastando com
as casas vizinhas, sem revestimento, e
na companhia de Raí, vamos descobrin-
do a fundação. Entramos nas salas, ele
cumprimenta as pessoas, explica as ati-
vidades realizadas ali: aulas de capoei-
ra, futebol, teatro, música, informática.
O objetivo é complementar a formação
das crianças da região.
Ele é o que se pode chamar de exemplo
inspirador para a molecada. Tetracam-
peão com a seleção brasileira em 1994,
cinco vezes campeão paulista, duas vezes
campeão brasileiro, campeão da Liberta- O ex-jogador do São Paulo Raí autografa seu livro 1992– O mundo em três cores, lançado no ano passado
dores e campeão mundial pelo São Pau-
lo, além de uma passagem vitoriosa pe- dalidades esportivas. Esse vício come- Quais são as dificuldades de Não muito. Acho que depende da ma-
lo PSG (Paris Saint Germain), da França, ça montando um ambiente que é muito levantar essas bandeiras? neira que você se coloca. Eu lembro que
Raí aproveita os troféus conquistados no propício para falcatruas, corrupção, mau Acho que tem uma questão [da difi- com 20 anos de idade, no Botafogo de Ri-
futebol profissional para erguer outras uso do dinheiro, em detrimento da mo- culdade de adesão] entre os esportis- beirão Preto, os salários dos atletas já es-
bandeiras: “As pessoas estão menos inte- dalidade e das pessoas que estão envolvi- tas por uma questão cultural. E também tavam três, quatro meses atrasados. O ti-
ressadas no esporte em si, enquanto di- das com o futebol. por uma questão de carreira do esportis- me estava numa situação ruim e o clu-
reito das pessoas”, diz. ta, que dura de 15 a 20 anos, no máximo. be contratou outros jogadores para sal-
Ele também é diretor da ONG Atletas Ele tende a ter uma carreira e depois ir vá-lo. E aí na primeira vez que sentamos
Pela Cidadania, presidida por Ana Mo- “Falta essa cultura da importância e fazer outra coisa, se interessar por ou- com dirigentes e jogadores contratados
ser, uma mobilização de atletas consa- tra coisa, então você não tem uma par- eu disse: “Olha, acho um absurdo vocês
grados por políticas públicas para o es- do impacto que o esporte pode ter na ticipação ativa. E já não existe uma cul- contratarem jogadores sendo que tem
porte e, antes de começar a entrevista, sociedade e por isso ele é encarado tura de participação entre atletas, que é jogador aqui sem receber”. E trouxe um
mostra no jornal a primeira vitória da or- o que estamos querendo mudar. Outra desconforto. Em algumas outras situa-
ganização: o governo havia endossado a como uma coisa secundária” questão é que a sociedade não dá o valor ções também trouxe, mas nada que pre-
proposta dos atletas para emendar a Lei que o esporte poderia ter em todas as su- judicasse a minha carreira. Nunca deixei
Pelé (MP 612), adotando medidas como as dimensões: educacional, de saúde, en- de colocar minhas posições.
quatro anos de mandato para dirigen- fim. Falta essa cultura da importância e
tes das federações que recebem recursos Você acha que a Copa do Mundo do impacto que o esporte pode ter na so- O que você acha do Brasil receber
públicos, transparência na prestação de pode impulsionar uma discussão ciedade e por isso ele é encarado como a Copa do Mundo? Pensando em
contas, participação dos atletas nas elei- pública desse modelo? uma coisa secundária. As pessoas até es- todos os impactos que ela tem,
ções e remuneração dos dirigentes. “Saiu Acho que é uma oportunidade. A gen- tão interessadas na questão da confede- como você avalia a vinda da Copa
hoje, o governo endossou”, repetiu, or- te viu a quantidade de exigências que a ração, das federações, da vida política do para o Brasil?
gulhoso. Abaixo um trecho da entrevis- FIFA coloca para o país poder receber a esporte e dos grandes eventos, mas estão Por alguns motivos que citamos antes,
ta com o craque. Copa do Mundo. E como existem mui- menos interessadas no esporte em si en- criar um ambiente para discutir o espor-
tos interessados, o país acaba cedendo quanto política pública, enquanto direi- te, o futebol, a política… Acho que isso
Você poderia explicar mais sobre e aceitando todas essas exigências. Aí a to das pessoas. Se você sair aqui fora, vo- já é um legado que a gente pode deixar.
o papel dos clubes na formação FIFA vem com uma coisa pré-determi- cê não vai encontrar nada de área de la- Em outros aspectos, como, por exemplo,
dos atletas? nada que acaba dando muitos poderes zer. No Brasil, 30% das escolas não têm o que aconteceu no Pan-Americano, não
Existem bons exemplos de clubes que para ela própria, ou para a confederação aula de educação física. Se você não tem era um país que, pelo histórico, mere-
ainda são minoria, mas, em geral, o clu- que está recebendo a Copa. Então a Co- esporte na escola, no seu bairro, você fi- cia [os megaeventos]. Mas acho que po-
be só quer formar o atleta para jogar no pa do Mundo por si só, acho que não po- ca privado de um direito e de uma ferra- de trazer coisas boas para o país, se pe-
time dele, com uma visão muito pobre de deria deixar legado nesse aspecto por- menta importantíssima no seu desenvol- garmos esses maus exemplos do passa-
formação cidadã, educacional. A forma- que os responsáveis pela organização vimento físico, intelectual, cognitivo. En- do, tentar fiscalizar mais, ter mais trans-
ção é muito voltada para desenvolver um são eles mesmos. Até o governo fede- tão a grande luta é mostrar a importân- parência. E a transparência que a gen-
lado técnico, de fundamentos, o aspec- ral começou a perceber isso, tanto que cia que o esporte pode ter no desenvol- te quer instituir para a Copa, que isso se
to físico, mas essa outra parte, de desen- a Dilma tem uma relação super distan- vimento humano, para o desenvolvimen- estenda para o futebol de maneira geral.
volvimento da pessoa, fica esquecida. Pe- te tanto com o Ricardo Teixeira quan- to do país de uma maneira geral. E tentar Mas a gente sabe que com a falta de pla-
lo fato de eles serem responsáveis por es- to com o Marin, não quer nem apare- mudar essa falta de cultura esportiva que nejamento que teve, atrasos, com certeza
ses garotos já muito cedo, eles teriam que cer junto. Mas ao mesmo tempo é uma existe ainda no país. vai ter muito desperdício, falta de trans-
ter uma fiscalização mais constante, mais grande oportunidade da população se parência, muita coisa sem licitação, coi-
presente. O Conselho Tutelar já chegou a mobilizar, das pessoas organizadas rei- sas que vão contra o interesse público.
multar ou tomar outras providências em vindicarem, porque isso tem que mu- “O que a gente tá vendo E só depois da Copa que a gente vai ver
alguns clubes em que os caras não iam dar. Antes não havia propostas, apoio o balanço. Se fosse bem planejado acho
para escola ou não estavam em situação da opinião pública, os esportistas tam- é que tá havendo muito que poderia ser produtivo, mas como a
decente. Então acho que é uma coisa que bém não tinham uma mobilização tão gente sabia que o Brasil já não teve capa-
ainda tem que melhorar bastante. grande… Agora eu acho que está aconte-
dinheiro público e se fala cidade de se planejar bem, acho que vai
cendo, é o que a gente está fazendo. Essa que é financiamento, ter muito desperdício de recursos e de
emenda que aprovamos é um exemplo. possibilidades que teriam de melhorar a
“O Conselho Tutelar já chegou a Enfim, a Copa do Mundo é uma oportu- que vai retornar” estrutura de eventos ou das regiões onde
nidade para que as pessoas se manifes- a Copa vai estar presente, vai estar muito
multar ou tomar outras providências tem e aí forcem uma mudança. São mu- abaixo do que poderia.
em alguns clubes em que os caras danças que até poderiam acontecer de
outra forma, mas com a Copa aqui, cha- Tanto você como o Sócrates sempre E o fato de a Copa que foi vendida
não iam para escola” mando a atenção, é uma grande oportu- tiveram preocupação com questões como a Copa da iniciativa privada
nidade para que a gente tenha os avan- extracampo e posicionamentos ser quase inteiramente bancada
ços nas estruturas do futebol. ideológicos claros. Isso trouxe com dinheiro público?
problemas? Ser mais posicionado Acho um absurdo, temos que ir a fun-
Como você avalia a E estamos aproveitando essa politicamente atrapalha a carreira do nisso. Nunca acreditei naquilo que se
superestrutura do futebol? Esse oportunidade? do atleta? dizia no começo, que seria com dinheiro
modelo de repasse de verbas da Por enquanto estamos aproveitando Eu acho que tem muita gente que evita privado. O que a gente tá vendo é que tá
confederação para as federações? pouco. Acho que ainda tem tempo e as criar polêmicas ou externar opiniões com havendo muito dinheiro público e se fala
Acho que é uma estrutura viciada há Olimpíadas vão estender o interesse e o medo de atrapalhar a carreira. Mas exis- que é financiamento, que vai retornar…
muito tempo. As federações que elegem ambiente de discussão sobre esporte até te também muita alienação no sentido de Acho que isso é inaceitável e tem que ir
o presidente da confederação são, na 2016, pelo menos. Acho que vai depen- desinformação mesmo. A pessoa vê uma atrás pra ver também qual vai ser o re-
maior parte delas, [dirigidas por] pesso- der da nossa mobilização e de uma boa coisa errada, não vai atrás, não quer sa- torno. No final, vamos fazer a conta, por
as que já estão há muito tempo no poder. estratégia para poder tocar e mexer nos ber… No caso do esporte, não é um privi- na balança e ver se valeu ou não valeu re-
Os clubes que elegem o presidente da fe- pontos chave. No nosso caso, o que esta- légio do Brasil. O esportista de uma ma- ceber a Copa.
deração geralmente devem favores à pes- mos fazendo é ter discussões internas e neira geral tem essa imagem também fo-
soa que está na presidência da federação. com outros atores da sociedade que me- ra do país. Conversei com um dos líde- Pensando nas manifestações dos
O presidente da federação é um cara que xem com o tema para ver quais pontos res do movimento estudantil de maio de últimos meses, se você pudesse
já ajudou clubes aqui e ali, até financeira- podemos atacar. O que pode acontecer 1968, o Daniel Cohn-Bendit, que estava passar um recado para os cidadãos,
mente. E o clube acaba se sentindo obri- é a imprensa e a população também fi- fazendo um documentário sobre a Co- que são também torcedores,
gado a votar nessa perpetuação de po- carem atentas a alguns abusos que acon- pa. E ele entrevistou Sócrates, me entre- o que você diria para a população
der. A CBF é a mesma coisa: acaba fa- teceram. E por que eles acontecem? Por vistou, e entrevistou outros personagens. brasileira em relação à Copa?
zendo conchavos com as federações pa- ter muito poder centralizado, acumulado Ele até falou que aqui no Brasil tem mais Achei lindo o que aconteceu durante
ra se manter ali e devolve esse conchavo na mão de poucos. Temos que pensar tu- atletas interessados no extracampo do a Copa das Confederações. Vamos apro-
com favores. Então acho que é uma rela- do que não avançou e foi malfeito, mal- que lá fora. No fundo, o atleta tem uma veitar, potencializar esse ambiente. In-
ção viciada para permitir uma perpetua- intencionado, o quanto isso prejudica o visão egoísta por ter uma carreira curta. felizmente a FIFA vai ter que conviver
ção do poder, algo completamente anti- desenvolvimento do esporte no Brasil. E Mas também tem muitos que se alienam com essa tensão, porque ter uma Copa
democrático. E as pessoas que gerem o precisamos ver o que poderia ser feito de porque não têm informação. Falta uma do Mundo chama atenção para o país ,e
futebol acabam se sentindo donas dele e diferente, se houvesse essa alternância formação mais ampla. dá mais força às vozes que estão loucas
se esquecem do interesse público do es- de poder, quais seriam as vantagens, os pra se manifestar. (Confira a entrevis-
porte que elas representam. E isso não benefícios. Precisamos mostrar, discutir, Você já teve problema por ser ta na íntegra em www.apublica.org ou
só com o futebol, mas com todas as mo- debater e reivindicar. Esse é o caminho. envolvido, engajado? www.brasildefato.com.br)
10 de 22 a 28 de agosto de 2013 cultura

A CIA e a Guerra Fria cultural Reprodução Divulgação

OPINIÃO
Gostaria que fosse
lido por milhares de
pessoas desinformadas
por um sistema
mediático perverso que
apresenta uma imagem
deformada do sistema
de poder dos EUA

Miguel Urbano Rodrigues

O TÍTULO É ENGANADOR. Ao ini-


ciar a leitura estava persuadido de que
se tratava de mais uma obra de divul-
gação de ações criminosas da CIA. Daí e o Infinito, Milovan Djillas e Geor-
a surpresa. ge Orwell, autor do 1984, destacaram-
O livro de Frances Stonor Saunders se nessas iniciativas pela sua febre an-
é muito mais ambicioso. A autora, jor- ticomunista.
nalista e historiadora britânica, dedi- O primeiro, que havia sido nos anos
cou cinco anos à investigação de um te- de 1930 um dedicado militante do Par-
ma muito mal conhecido: as atividades tido Comunista Alemão (DKP), colabo-
encobertas desenvolvidas pela CIA no rou intimamente com a CIA e foi conse-
mundo da cultura para promover o des- lheiro do Foreign Office em campanhas
crédito do comunismo e mobilizar con- antissoviéticas.
tra a União Soviética grande parte da Comitês e associações constituídos
intelligentsia progressista ocidental. para defender a Cultura, a Liberdade e
Em 1945, o prestígio da URSS nos a Democracia, mas cujo objetivo era a
EUA era enorme. A maioria do seu po- promoção de iniciativas anticomunistas,
vo sentia uma grande simpatia, sobre- permitiram então à CIA (sempre atuan-
tudo após a batalha de Estalingrado, do nos bastidores) exercer uma grande
pelo país que desempenhara um papel influência sobre uma parcela importan-
decisivo na derrota do Reich Nazista. te da “esquerda não comunista”.
Essa realidade era muito incômoda Para isso contou com a colaboração e
para a elite do poder estadunidense. a ajuda financeira de organizações co-
A Doutrina Truman e o Plano Mar- mo a Fundação Ford.
shall demonstraram ser manifestamen- Das muitas revistas criadas para “pro-
te insuficientes para alterar a atitude da mover a cultura”, uma delas, a britâni-
classe média estadunidense perante a ca Encounter, alcançou prestígio mun-
União Soviética. dial . Dirigida por Stephen Spender, um
Os cérebros ligados ao poder em Wa- poeta inglês , foi concebida para funcio-
shington concluíram pela necessidade nar como um instrumento político anti-
urgente de convencer o homem comum comunista no mundo da cultura. E atin-
estadunidense de que o aliado na guer- giu o objetivo. Durante anos colaboram
ra durante quatro anos, de 1941 a 1945, nela eminentes figuras da intelligentsia
era, afinal, um perigoso inimigo. mundial.
A elite que se propunha a reorganizar Nem o diretor, Spender, conhecia a
o mundo sob a égide dos EUA em torno origem do financiamento. Quando uma
dos seus “valores” estava consciente de inconfidência revelou, nas vésperas da
que esse objetivo somente poderia ser Assembleia do Congresso pela Liberda-
atingido se o ocidente capitalista fos- de da Cultura, a ponte entre Encounter
se empurrado para a conclusão de que a CIA e as elites financeiras dos EUA, o
o comunismo, “obscurantista, desuma- Acima, Frances Stonor Saunders, autora de Quem pagou a conta? A CIA na Guerra Fria da cultura; ao lado, cartaz de escândalo foi maiúsculo.
no, agressivo”, era a grande ameaça pa- Invasores de corpos, de 1956, que serviu como alegoria do que viria a ser um mundo dominado pelos comunistas
ra a humanidade, pelo que se tornava
imprescindível combatê-lo. tos de outros países. Truman e os seus questração anticomunista, quem finan- Na Europa, foram envolvidos na teia
sucessores permitiram que ela desen- ciava generosamente (com o Departa-
volvesse atividades de espionagem, e mento de Estado ) essas campanhas. antissoviética: André Gilde, Albert
Em 1945, o prestígio da promovesse operações militares. Hoje Frances Saunders desce a minúcias
Camus, Elsa Triolet, Andre Malraux,
possui linhas aéreas, emissoras de TV e ao descrever o esforço desenvolvido pe-
URSS nos EUA era enorme. rádio, jornais, companhias de seguros, la OPC através de intermediários res- Simone de Beauvoir, Raymond
A maioria do seu povo sentia imobiliárias, bancos. peitáveis, para conseguir que grandes
Em 1948, foi criado na agência um nomes da esquerda aderissem a inicia- Aron, George Orwell
uma grande simpatia Escritório de Coordenação de Políticas tivas de cariz antissoviético.
– OPC – com a missão específica de re- Nos EUA prestaram-se a esse pa-
alizar “operações secretas” em múlti- pel escritores prestigiados como John
plas áreas. Steinbeck, John dos Passos, Gertrude Em reuniões desse Congresso fantas-
A Oficina de Serviços Estratégicos Esse estranho departamento espe- Stein, Schelesinger, W.H.Auden,Arthur mático, idealizado pela CIA, participa-
(OSS), que funcionou durante a guerra cial cresceu vertiginosamente. Em três Miller, e orquestras sinfônicas, museus, ram, aliás, durante anos grandes nomes
como uma Gestapo estadunidense, foi anos o seu pessoal passou de 302 pesso- etc. Os intelectuais trotskistas aderi- da esquerda não comunista. Na prática
de certa maneira uma predecessora da as a 2812, além de 3142 assalariados no ram massivamente. Na Europa, foram foi uma tribuna anticomunista.
CIA. O seu chefe, o general William Do- exterior. O orçamento elevou-se de 4,7 envolvidos na teia antissoviética: An- No seu belo livro, Frances Saunders
novan, reuniu a sua volta destacadas fi- milhões de dólares para 82 milhões. dré Gilde, Albert Camus, Elsa Trio- dedica alguns capítulos a ações enco-
guras da aristocracia do capital como os let, Andre Malraux, Simone de Beau- bertas da CIA não comentadas neste ar-
filhos do banqueiro JP Morgan, os Van- voir, Raymond Aron, Georges Orwell, tigo. Cita nomeadamente várias funda-
delbilt, os Dupont, e intelectuais como A literatura, a música, a Aldous Huxley, Laurence Olivier, Jean ções, universidades, congressistas e go-
George Kenan e Charles Bohlen. Cocteau, Salvador de Madariaga, Clau- vernantes que apoiaram iniciativas cri-
Uma das primeiras iniciativas da OSS pintura, a arquitectura, de Debussy, Denis de Rougemont, Mi- minosas da famosa agência. Um mar de
foi o recrutamento de militares e civis lan Kundera, e muitos outros. E – cho- lama tóxica.
nazis. Dezenas de altas personalida-
o balé dos EUA foram cante, mas real – Aragon, Sartre, Ber- E dedica especial atenção aos quadros
des alemãs passaram de criminosos de amplamente divulgados na trand Russell. – ideólogos e executantes – que ideali-
guerra a aliados de confiança. Um caso A intervenção na Hungria das tropas zaram as campanhas antissoviéticas,
expressivo: o general das SS Reinhardt Alemanha, na França, na do Tratado de Varsóvia, em 1956, criou fazendo delas uma poderosa arma da
Behlen, chefe dos serviços secretos na- na Europa uma atmosfera favorável à Guerra Fria.
zis, em vez de ser preso e julgado, rece- Itália e noutros países intensificação da Guerra Fria.
beu o tratamento de colaborador privi- Entre os muitos livros cuja publica-
legiado da OSS. ção foi promovida pela CIA, um deles, Durante anos colaboram
No seu livro, Frances Saunders de- The God That Failed (O Deus Que Fa-
dica os primeiros capítulos às campa- O ideólogo do sistema era então Ge- lhou) foi best-seller mundial. Traduzi-
nela eminentes figuras da
nhas desenvolvidas por Donovan, com orge Kennan, ex-embaixador em Mos- do em dezenas de línguas vendeu mi- intelligentsia mundial
o apoio de Truman, para demonstrar cou, fanático anticomunista, arquiteto lhões de exemplares. Partiu da CIA a
aos europeus que os EUA eram uma so- do Plano Marshall que desempenhou ideia de reunir seis ensaios (a maioria
ciedade onde a cultura ocidental lança- um grande papel na concepção e fun- já publicados na revista alemã Der Mo-
ra raízes profundas, contrapondo essa cionamento da Guerra Fria. nat controlada pela Agência) de Arthur Cito alguns nomes dessa máfia po-
imagem à “barbárie soviética”. O Bem Foi um dos pais da CIA e consultor da Koestler, Ignazio Silone, Andre Gide, lítica praticamente desconhecida em
contra o Mal. OPC. Coube-lhe formular o conceito da Richard Wright, Stephen Spender, to- Portugal:Lasky, Josselson, Nabokov,
A literatura, a música, a pintura, a ar- “mentira necessária” como componen- dos eles escritores famosos que ha- Kristol,Hook, Wisner.Termino trans-
quitectura, o balé dos EUA foram am- te fundamental da diplomacia estadu- viam sido militantes ou simpatizantes crevendo o último parágrafo do livro de
plamente divulgados na Alemanha, na nidense. comunistas. Frances:
França, na Itália e noutros países. Si- Uma das operações secretas mais di- “Sob a (ainda não) estudada nostal-
multaneamente, antecipando-se a fíceis foi a concebida para utilizar a es- gia dos ‘Dias dourados’ da inteligência
eventuais acusações de patriotismo, querda não comunista em campanhas O ideólogo do sistema era então estadunidense havia uma verdade mui-
obras de Aristófanes, Goethe, Schil- anticomunistas. Secreta porque os inte- to mais demolidora: as mesmas pesso-
ler, Thomas Mann, Ibsen, Strindberg, lectuais envolvidos em campanhas con- George Kennan, ex-embaixador em as que liam Dante, estudaram em Ya-
Shaw,Gorki, Gogol eram difundidas nu- tra a União Soviética deveriam ser ma- Moscou, fanático anticomunista le e se educaram na virtude cívica, re-
ma prova inequívoca do amor dos EUA nipulados habilidosamente. A OPC atu- crutaram nazis, manipularam o resulta-
pela cultura universal. ava nos bastidores, invisível. O governo do de eleições democráticas, proporcio-
estadunidense, as embaixadas dos EUA, naram LSD a pessoas inocentes, abri-
Polvo a grande mídia estadunidense absti- “Além de ser uma espécie de confis- ram o correio de milhares de cidadãos
Essa ofensiva cultural não produziu, nham-se inclusive de comentar elogio- são coletiva – escreve Frances Saunders estadunidenses, derrubaram governos,
porém,os resultados previstos. samente as tomadas de posição antis- – o livro era um ato de recusa, uma re- apoiaram ditaduras, conceberam assas-
Coube à CIA a tarefa de levar adiante soviéticas de escritores e artistas euro- jeição do estalinismo no momento em sínios, e organizaram o desastre da Baía
no contexto da Guerra Fria um projeto peus, muitos dos quais eram ex-comu- que para muitos essa atitude era ainda dos Porcos.”
muito mais complexo e ambicioso, tam- nistas. Tudo se passava como se as con- uma heresia. Foi um livro de importân- Em nome de quê? perguntava um crí-
bém na frente da cultura. ferências, seminários, festivais manifes- cia transcendental no pós-guerra e apa- tico: “Não da virtude cívica, mas do im-
Criada em 1947 pela Lei de Seguran- tações e outros eventos em que partici- recer nele foi um passaporte válido pa- pério”.
ça Nacional, a Agência Central de Inte- pavam esses intelectuais fossem espon- ra o mundo oficial da cultura nos vinte
ligência-CIA assumiu as proporções de tâneos, nascidos de iniciativas suas. anos seguintes”. Miguel Urbano Rodrigues é jornalista
um polvo gigantesco. Inicialmente não Mas a realidade era muito diferente. Koestler, que adquirira enorme no- português e membro do
estava autorizada a intervir em assun- Oculta, era a CIA quem planeava a or- toriedade com o seu romance O Zero Partido Comunista de Portugal.
cultura de 22 a 28 de agosto de 2013 11

Locarno
confirma independência Divulgação

CINEMA Festival incluiu três


filmes de conteúdo político
na competição internacional

Rui Martins
de Locarno (Suíça)

O FESTIVAL Internacional de Cinema


de Locarno terminou dando seu maior
prêmio, o Leopardo de Ouro, a um filme
de autor, História da Minha Morte, difí-
cil e inesperado, falado em catalão, sobre
os três últimos anos de vida de Casanova,
na cidade de Duchcov, onde escreveu sua
autobiografia de aventureiro.
Mais uma vez, Locarno demonstrou
seu distanciamento de qualquer com-
promisso com a indústria cinematográ-
fica, preferindo um cineasta autoexcluí-
do, Albert Serra, que, no contato com a
imprensa, fez questão de afirmar nunca
ir ao cinema, provavelmente numa rea-
ção às projeções selecionadas pelas gran-
des empresas de distribuição geralmente Albert Serra, diretor de História da minha morte, recebeu o maior prêmio do festival de Locarno, o Leopardo de Ouro
capitaneadas pelos estadunidenses, para
as quais cinema é igual a entretenimento Reafirmando sua independência, Ana Fenzi, que passara a vida esperando surgimento em 1992, ao liderar o movi-
e pouco tem a ver com arte. por sua libertação. mento contra a adesão da Suíça ao Espa-
Reafirmando sua independência, o o Festival de Locarno incluiu três O outro filme, intitulado País Bárba- ço Econômico Europeu, seguido de su-
Festival de Locarno incluiu três filmes de filmes de conteúdo político na ro, trata das guerras coloniais italianas e as campanhas contra a União Europeia e
conteúdo político na competição interna- se inicia com a morte de Mussolini, com contra a entrada no país de refugiados e
cional. Um deles, Sangue, feito pelo cine- competição internacional seu corpo, de sua amante e de seus segui- imigrantes, em nome do nacionalismo.
asta italiano Pippo Delbono, tinha como dores mais próximos, expostos na pra- O filme é um relato documentado, do
objetivo tratar da questão da morte, da ça Loreto, em Milão. (confira a maté- tipo ascensão e queda, pois mostra a rá-
violência, diante dos sonhos de revolu- ria abaixo) pida chegada ao mais alto cargo político
ção, do mundo de hoje e, em especial, da Porém, o objetivo do filme foi inter- E o terceiro consiste num filme retra- suíço de Blocher, seguida, quatro anos
Itália decadente. Para isso, um dos seus rompido com a morte da mãe do dire- to do líder populista suíço e da extre- depois, do seu declínio com a não reno-
principais protagonistas é Giovanni Sen- tor, cujos momentos finais foram filma- ma-direita Christoph Blocher, dirigen- vação pelo parlamento suíço do seu car-
zani, ex-líder das Brigadas Vermelhas, dos com um Iphone. Logo depois, se- te do Partido do Povo Suíço. Traçando go de conselheiro federal. (Confira na
recentemente saído da prisão. guiu-se a morte da esposa de Giovanni, a carreira de Blocher, o filme mostra seu sequência).

Ascensão e queda de um extremista Cenas bárbaras do


A ascensão de Blocher
Divulgação fascismo italiano
começou quando liderou Angela Ricci-Lucchi e Yervant
uma campanha contra a Gianikian, conhecidos pela
entrada da Suíça no EEE realização de filmes de recuperação
histórica, retornam ao Festival
de Locarno (Suíça)

Esperado pelos suíços, exibido no de Locarno (Suíça)


gigantesco telão da Piazza Grande, um
filme sobre o líder populista e nacio- Na primavera italiana do ano 1945, mais precisa-
nalista da extrema-direita suíça, uma mente no dia 29 de abril, na praça Loreto, em Ro-
versão light do que foram Haider, na ma, terminava o sonho fascista e imperialista do Du-
Áustria e Jean-Marie Le Pen, na Fran- ce Mussolini, de alguns de seus altos funcionários e
ça. Com uma diferença – excelente co- de sua amante Claretta Petacci. Depois de executa-
municador, foi graças a ele, Christoph dos, os corpos dos líderes fascistas foram expostos
Blocher, que o Partido do Povo Suíço para o povo e, pouco a pouco, uma multidão foi ali
se tornou o primeiro partido do país chegando para constatar pessoalmente o fim do chefe
e chegou a ter 27% dos votos. O filme Cena de Experiência Blocher, sobre líder populista suíço de extrema-direita dos camisas pretas, aliado de Hitler e derrotado pe-
é A Experiência Blocher, do cineasta los Aliados.
suíço Jean-Stéphane Bron. Ao terminar o curso de advocacia, favor e nem contra Blocher, talvez por Centenas de metros de películas em 16mm foram ali
Considerado o político mais odiado tornou-se industrial e a compra sim- ser a neutralidade uma especialidade utilizadas, documentando aquele momento histórico,
e mais amado pelos suíços, a ascensão bólica de uma empresa acabou por suíça. Explicando se tratar de uma re- mas, exceto algumas cenas, ficaram sem montagem,
de Blocher, filho de pastor de classe torná-lo milionário, graças ao seu es- gra, o cineasta afirmou ter mostrado o guardadas em arquivos particulares.
média que se tornou um dos mais ri- pírito empreendedor. De um lado, era filme já montado para o ex-conselhei- Dois cineastas italianos Angela Ricci-Lucchi e Yer-
cos da Suíça, começou quando liderou o líder populista da classe média suíça ro federal suíço, sem que este pedisse vant Gianikian italianos, conhecidos pela realização de
uma campanha contra a entrada da conservadora e racista e, ao mesmo qualquer corte. filmes de recuperação histórica, recuperaram e mon-
Suíça no Espaço Econômico Europeu, tempo, era o amigo dos financistas e Mesmo não querendo ser um fil- taram uma hora de películas e fotos dessa época, num
num referendo, em 1992. Diabolizan- banqueiros, a alta classe suíça dirigen- me político, fica evidente a ascen- filme produzido pela Televisão Arte, sob o título Pays
do a União Europeia, Blocher conse- te do país. são, o sucesso e o declínio de Blo- Bárbaro, mostrando o colonialismo italiano na África
guiu derrotar todos os outros parti- No começo da carreira, coisa hoje cher. Com seu populismo naciona- e os métodos fascistas de Mussolini aplicados contra
dos e o próprio governo, então favo- um tanto esquecida, fazia parte da as- lista, chegou ao mais alto cargo suí- os africanos, considerados praticamente como sub-
ráveis à EEE, essa adesão não signifi- sociação Suíça-África do Sul, não res- ço – era um dos sete conselheiros fe- homens e pouco acima dos animais.
cava uma entrada na União Europeia, peitadora do embargo contra o apar- derais, equivalentes a ministros, que “Retornamos a Locarno depois de alguns anos”,
embora pudesse ser considerada co- theid. Para ganhar as eleições, fazia governam a Suíça. conta Yervant. “Desde 1970, consultamos arquivos di-
mo um etapa para isso. campanhas racistas com outdoors Porém, a maneira agressiva como versos e construímos aparelhos para filmar fotogra-
Hoje, diante da crise na União Euro- como a dos carneiros negros expul- seu partido agia, pressionando o go- mas em desuso. E assim nas nossas viagens a arqui-
péia, alguns são tentados a considerar sos pelos carneiros brancos; a dos es- verno, e a maneira pessoal e prepo- vos encontramos imagens esquecidas, relacionadas
Blocher como um visionário, porém trangeiros todos bandidos ameaçando tente de Blocher, julgando-se intocá- com a guerra colonial italiana, apoiada pelo povo ita-
se esquecem do isolamento econômi- a Suíça; e contra a construção de mi- vel, provocou uma união dos outros liano, pela Igreja e até pela esquerda”. Uma parte des-
co da Suíça e da falência da Swissair, naretes nas mesquitas muçulmanas, partidos, suficiente para o Parlamen- sas imagens, já em fase de deterioração, é usada em
primeira consequência imediata des- pintados nos cartazes como ogivas to não renovar seu cargo. negativo.
se isolamento. Costuma-se dizer que terroristas no lugar de torres. Depois dessa derrota fragorosa e Citando o escritor italiano Ítalo Calvino, Yervant
a Suíça perdeu o momento oportu- Ao final do perfil de Blocher, o ci- inesperada, o Partido do Povo perdeu lembra não terem sido documentados os massacres
no de aderir à União Europeia, ainda neasta afirma uma verdade – embo- alguns referendos xenófobos e, nas úl- cometidos pelas tropas italianas na Itália, inclusive
em formação, pois poderia ter exerci- ra antes rejeitadas, suas ideias isola- timas eleições legislativas, perdeu al- com o uso de gás letal aprovado pelo Duce. Mas res-
do sua influência junto com a Alema- cionistas e antiestrangeiros se bana- gumas cadeiras. Em lugar de chegar taram as imagens da morte de Mussolini e de seus se-
nha, França e Inglaterra na sua orga- lizaram. Assim, fora do filme, se pode aos 30% dos votos, como esperava guidores mais próximos fascistas. Elas documentam o
nização e assim assegurar uma posi- ver essa comprovação – a atual minis- Blocher, seu partido baixou para 25% fim do fascismo para alertar contra o risco do ressurgi-
ção de influência. tra socialista da Polícia e Interior, car- e, pior de tudo, certos líderes de seu mento do fascismo na Itália e na Europa.
O “não” à Europa, em 1992, conde- go antes ocupado por Blocher, aplica partido por ele criados pediram uma As encontradas cartas de amor de italianas aos seus
nou a Suíça a uma política de acordos uma política ainda mais rigorosa con- renovação na direção, naquela tática namorados na guerra colonial evidenciam a situação
bilaterais, na qual tem de aceitar o de- tra os estrangeiros, sem provocar pro- clássica de se dar um cargo de hon- de pobreza vivida pela população no interior italiano.
cidido pela UE sem poder participar testos ou rejeições. ra a Blocher e tirar os seus poderes de Muitos viam a guerra colonial como uma chance para
das decisões. Mas isso não impediu Na busca dos votos dos eleitores do decisão. sair da miséria, porém uma parte dos soldados volta-
a Blocher de se afirmar como o líder Partido do Povo, hoje todos os parti- É o canto do cisne para Christoph va estropiada e outros morriam. A guerra colonial uti-
mais conhecido na Suíça, propagan- dos, inclusive os socialistas, baixaram Blocher que, como revelou o cineas- lizada como argumento nacionalista político e econô-
do um discurso populista que acen- suas exigências e aderiram à política ta, viveu quando criança a situação mico, dentro do absurdo sonho do Duce de ter um Im-
tuava os temores nacionalistas nas re- da Suíça para os suíços. Essa a grande de ser marginalizado por ser estran- pério, teve sequência com a Segunda Guerra e termi-
lações com os europeus e um discur- vitória de Blocher, hoje em franco de- geiro, pois seu pai era um pastor ale- nou, deixando sequelas, com a derrota do Eixo Mus-
so racista contra os estrangeiros emi- clínio dentro do seu próprio partido. mão. E, na Suíça, os alemães eram, lo- solini-Hitler.
grantes e refugiados. Porém, ao mes- go depois da guerra e ainda hoje são Cenas de religiosos católicos mostram como a Igre-
mo tempo, Blocher se enriquecia. As- Neutralidade mal vistos. Seria essa a deformação ja apoiou e participou ativamente do esforço colonial
sim o jovem que fizera uma formação Embora o conceito de jornalismo pela qual Blocher, transformado pe- fascista para “levar a civilização aos bígamos e selva-
para ser agricultor, mas não possuía objetivo seja sempre sujeito a dúvi- la riqueza num verdadeiro suíço, tem gens africanos”, quando na verdade era a Itália que se
nenhum pedaço de terra, aproximou- das, o cineasta Jean-Stéphane Bron agora como principal objetivo políti- comportava como um país bárbaro, promovendo mas-
se de famílias ricas, acabou conquis- garante ter sido sua intenção fazer um co impedir a entrada e expulsar os es- sacres de populações, utilizando a tortura e o extermí-
tando amizades importantes. filme isento de parcialidade – nem a trangeiros da Suíça? (RM) nio sistemático. (RM)
12 de 22 a 28 de agosto de 2013 cultura

Abdicar de pensar Wikimedia Commons


CINEMA O filme Hannah lo, vinculado ao Esquadrão da Morte
chefiado pelo delegado Fleury. Ele foi
Arendt, em cartaz no Brasil, incumbido de transportar o principal
assessor de Dom Helder Camara, mon-
retrata julgamento que levou a senhor Marcelo Carvalheira (que mais
filósofa a escrever ensaios sobre tarde viria a ser arcebispo de João Pes-
soa), do cárcere de São Paulo ao DOPS
a “banalidade do mal” de Porto Alegre, onde seria solto.
Antes de pegar a estrada, a viatura pa-
rou à porta de uma casa de classe média
baixa, em um bairro da capital paulista.
Frei Betto Marcelo temeu por sua vida, julgou fun-
cionar ali um centro clandestino de tor-
ESTÁ EM CARTAZ, em alguns cinemas tura e extermínio. Surpreendeu-se ao se
do Brasil, o filme Hannah Arendt, dire- deparar com uma cena bizarra: a mu-
ção de Margarethe Von Trotta. Por ser lher e os filhos pequenos de Pudim em
uma obra de arte que faz pensar não atrai torno da mesa preparada para o lanche.
muitos espectadores. A maioria prefere O preso ficou estarrecido ao ver o tortu-
os enlatados de entretenimento que en- rador como afetuoso pai e esposo...
topem a programação televisiva. Uma das áreas em que as pessoas
Hannah Arendt (1906-1975) era uma mais se demitem do direito de pensar é
filósofa alemã, judia, aluna e amante de a política. Em nome da ambição de gal-
Heidegger, um dos mais importantes fi- gar os degraus do poder, de manter uma
lósofos do século 20, que cometeu o gra- função pública, de usufruir da amizade
ve deslize de filiar-se ao Partido Nazista de poderosos, muitos abdicam do pen-
e aceitar que Hitler o nomeasse reitor da samento crítico, engolem a seco abusos
Universidade de Freiburg. O que não tira de seus superiores, fazem vista grossa à
o valor de sua obra, que exerceu grande corrupção, se abrem em sorrisos para
influência sobre Sartre. Hannah Arendt quem, no íntimo, desprezam.
refugiou-se do nazismo nos EUA. Essa é a banalidade do mal. Muitas ve-
O filme de Von Trotta retrata a filóso- zes ele resulta da omissão, não da trans-
fa no julgamento de Adolf Eichmann, em gressão. Quem cala consente. Ou do rigo-
1961, em Jerusalém, enviada pela revis- roso cumprimento de ordens que, em úl-
ta The New Yorker. Cenas reais do julga- tima instância, violam a ética e os direi-
mento foram enxertadas no filme. tos humanos.

O filme de Von Trotta retrata a Uma das áreas em


filósofa no julgamento de Adolf que as pessoas mais se
Eichmann, em 1961, em Jerusalém, demitem do direito de
enviada pela revista The New pensar é a política
Yorker. Cenas reais do julgamento
foram enxertadas no filme Assim, o mal viceja graças ao cará-
ter invertebrado de subalternos que,
como Eichmann, julgam que não po-
dem ser punidos pelo genocídio de 6
De volta a Nova Iorque, Hannah escre- milhões de pessoas, pois apenas cuida-
veu uma série de cinco ensaios, hoje reu- vam de embarcá-las nos trens, sem que
nidos no livro Eichmann em Jerusalém elas tivessem noção de que seriam leva-
– um relato sobre a banalidade do mal das como gado ao matadouro das câma-
(Companhia das Letras, 1999). Sua ótica Eichmann andando no pátio de sua cela na prisão de Ayalon, Ramla, Israel, cerca de 1961 ras de gás.
sobre o réu nazista chocou muitos leito- Dois exemplos da grandiosidade do
res, em especial da comunidade judaica. nerosidade os corruptos que embolsam Gente que, no exercício de suas funções, bem temos, hoje, em Edward Snowden,
Hannah escreveu que esperava encon- recursos públicos, os carcereiros que tor- se demite do direito de pensar, como fez o jovem estadunidense de 29 anos que
trar um homem monstruoso, responsá- turam presos em delegacias e presídios, Eichmann. ousou denunciar a assombrosa máqui-
vel por crimes monstruosos: o embarque os policiais que primeiro espancam e de- Elas não vestem apenas a camisa do na de espionagem do governo dos EUA,
de vítimas do nazismo em trens rumo à pois perguntam, os médicos que deixam serviço público, da empresa, da corpo- capaz de violar a privacidade de qual-
morte nos campos de concentração. No morrer um paciente sem dinheiro pa- ração (Igreja, clube, associação etc.) no quer usuário da internet, e no soldado
entanto, ela se deparou com um ser hu- ra custear o tratamento. É o que mos- qual trabalham ou frequentam. Vestem Bradley Manning, de 25, que divulgou
mano medíocre, mero burocrata da má- tram os filmes cujos personagens são também a pele. São incapazes de juízo para o WikiLeaks 700 mil documentos
quina genocida comandada por Hitler. A “do mal”. crítico frente a seus superiores, de dis- sigilosos sobre a atuação criminosa da
grande culpa de Eichmann, segundo ela, Na realidade, o mal é também come- cernimento nas ordens que recebem, de Casa Branca nas guerras do Iraque e do
foi demitir-se do direito de pensar. tido por pessoas que não fariam feio se dizer “não” a quem estão hierarquica- Afeganistão.
Hannah pôs o dedo na ferida. Muitos convidadas para jantar com a rainha Eli- mente submetidas.
de nós julgamos que são pessoas sem co- zabeth II, como Raskólnikov, persona- Lembro de Pudim, um dos mais notó- Frei Betto é escritor, autor de “Calendário
ração, frias, incapazes de um gesto de ge- gem de Doistoiévski em Crime e castigo. rios torturadores do DEOPS de São Pau- do Poder” (Rocco), entre outros livros.

www.malvados.com. br dahmer

PALAVRAS CRUZADAS
Horizontais: 1.Valor – Críticos do PT insistem no discurso seletivo de que ela não existia 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18
no Brasil antes de Lula e Dilma assumirem o comando do país. 2.O equivalente a grêmio 1
estudantil no âmbito universitário – Região do país que conta com 9 estados (sigla),
possui área equivalente à da Mongólia ou do estado do Amazonas e população equiva- 2

lente à da Itália. 3.Regionalismo sulista para “garoto” – No Brasil, elas são 27 (sigla) – De-
3
saba. 4.Entidades da sociedade civil teoricamente “sem finalidade econômica” que têm
desempenhando funções do Estado – Filme chileno que trata de um plebiscito que foi 4
feito no país para que fosse decidido se o ditador Pinochet permaneceria no comando
– Carta do baralho. 5.Alternativa ao agronegócio – Em inglês, a abreviação equivalente 5
é Mr. – A ONU já recomendou a sua extinção no Brasil. 6.Portal de notícias na internet.
7.Sacerdote – esquema ilícito ou de má-fé criado para obter ganhos pessoais. 8.Aliança 6

militar que já conta com 28 países que concordam com a defesa mútua em resposta a
7
um ataque por qualquer entidade externa – Aqui – Colocar. 9.Único estado brasileiro (si-
gla) que tem sua capital totalmente no hemisfério Norte – Regionalismo mineiro – Tome 8
nota – Predecessor do DVD. 10.Pronome da língua inglesa usado para “coisas e animais”
– Sua capital é Teresina (sigla). 11.O oposto de “estatizações”. 9

Verticais: 1.Pena – Atividade para obter determinado resultado. 2.Computador pessoal 10


– Regionalismo gaúcho que funciona como adjetivo no início das frases. 3.Suprir – Em
contraposição à cesárea, o normal vem sendo revalorizado. 4.Medição de sensibilidade 11
de um filme fotográfico. 5.Sigla para Estados Unidos – Amarildo foi levado por policiais
pertencentes a uma delas. 6.“Ligado”, em inglês – Ser vítima de. 7.“Não”, em inglês – Em
alemão, diz-se “Vater”. 8.Diversão – Marina Silva já foi deste partido. 9.Quando um uni-
18.Grampeado.
versitário repete numa disciplina, diz que ele ficou de “?”. 10.Nações Unidas – Movimen- 8.Folia – PV. 9.DP. 10.ONU – Giro. 11.Refrigerar. 13.Urca – Frota. 14.Assar. 15.Anelo. 16.Ai.
to em torno de um eixo. 11.Refrescar. 13.Bairro do Rio de Janeiro – Navios de guerra Verticais: 1.Dó – Ação. 2.PC – Tri. 3.Repor – Parto. 4.ISO. 5.EUA – UPP. 6.On – Cair. 7.No – Pai.
11.Privatizações.
agrupados. 14.Cozer sem fervura. 15.Desejo ardente ou intenso. 16.Interjeição de dor. logia – Sr. – PM. 6.IG. 7.Padre – Fraude. 8.OTAN – Cá – Por. 9.RR – Uai – Anote – CD. 10.It – PI.
18.Diz-se do telefone quando sua linha está sendo vigiada.
Horizontais: 1.Preço – Corrupção. 2.DCE – NE. 3.Piá – UF – Cai. 4.OS – No – Ás. 5.Agroeco-
américa latina de 22 a 28 de agosto de 2013 13

Mesmo com conhecimento,


indígenas passam fome FAO/Peru

FOME As iniciativas
de desenvolvimento
econômico dos países
não levam em conta os
contextos culturais e as
necessidades específicas
desses povos

Benedito Teixeira
de Fortaleza (CE)

APESAR DE POSSUÍREM um conhe-


cimento ancestral de como garantir a
produção de alimentos, os povos indí-
genas da América Latina, que somam
cerca de 46 milhões de pessoas, são
considerados o segmento populacional
mais afetado pela insegurança alimen-
tar na região.
A Organização das Nações Unidas pa-
ra a Alimentação e Agricultura (FAO)
reitera que há capacidade entre os pró-
prios indígenas de erradicação da fome
e de combate à desnutrição, mas sozi-
nhos não há como desenvolver seus co-
nhecimentos. O que o representante re-
gional da instituição, Raúl Benítez, pro-
põe é que seja realizado um trabalho de
parceria, estimulando a sabedoria an-
cestral e as práticas milenares dos povos
como ferramentas-chave para promover
mais segurança alimentar.
“Sozinho, o povo camponês indígena
não poderá se defender. Temos que fa-
zer alianças, elas nos permitirão a con-
solidação da luta conjunta. Cada irmão
indígena, cada camponês, cada compa-
nheira mulher luta pelo bem-estar de
seus povos”, afirmou ainda a ministra
de Desenvolvimento Rural e Terras do Família produtora de quinua, no Peru
Estado Plurinacional da Bolívia, Neme-
sia Achacollo. Governos e organizações internacio- Os índices de pobreza e insegurança duto, que já é consumido em mercados
Os índices de pobreza e insegurança nais sabem que a saída mais viável para como a Europa, Ásia, Estados Unidos,
alimentar entre os povos indígenas são essa situação de deficiência alimentar é alimentar entre os povos indígenas são Japão e Canadá.
três vezes mais altos do que entre o res- investir na agricultura familiar. Mas o três vezes mais altos do que entre o resto Até agora, a quinua é produzida da
to da população latino-americana. Em alerta sobre a condição de desnutrição América Latina e Caribe quase total-
alguns casos, essa diferença chega a ser e fome dos indígenas é dado regular- da população latino-americana mente por indígenas e pequenos agri-
oito vezes maior. Há países em que até mente, o que denota ainda a insuficiên- cultores familiares.
90% da população indígena vive na po- cia das políticas que permitam o avan- Na avaliação da FAO, a pobreza, a
breza e 70% na extrema pobreza. A des- ço da agricultura familiar entre os po- marginalização e a insegurança alimen-
nutrição infantil entre os indígenas é vos. A Bolívia parece ser uma exceção, A ministra Achacollo, da Bolívia, foi tar dos indígenas aumentam porque as
duas vezes maior, com exemplos alar- pois a ministra informa que 95% do escolhida presidenta do Comitê do Ano iniciativas de desenvolvimento econô-
mantes de 95% de crianças e adolescen- abastecimento de alimentos para con- Internacional da Quinua, e, segundo mico dos países não levam em conta os
tes indígenas com até 14 anos apresen- sumo interno provêm dos agricultores ela, vem trabalhando juntamente com contextos culturais e as necessidades
tando algum grau de desnutrição. familiares. a FAO para aumentar o cultivo do pro- específicas desses povos. (Adital)

Repressão contra os Yukpa Na Colômbia,


Organizações
denunciam violência
contra povo indígena
no – morto em março – e Olegario Ro-
mero, bem como Alexander Fernández,
ficaram presos. Também foram feridos
e assassinados outros membros da fa-
greve geral no campo
mília Fernández e da família Romero.
As organizações denunciam que mais Anunciaram a adesão tou que há um protesto organizado pa-
recentemente a situação se agravou ra hoje em Bogotá, capital colombiana.
de Fortaleza (CE) com a militarização da comunidade à greve representantes Alguns produtores rurais reclamam que
Chaktapa e a morte de outro indígena a importação de açúcar do Brasil preju-
Dirigentes e ativistas de organizações Yukpa. A família Romero se diz temero- dos cafeicultores, dicou a produção colombiana.
de povos indígenas, de camponeses e de sa por suas vidas. Há ainda a possibili- arrozeiros, plantadores A Associação Nacional de Transpor-
negros e negras, e demais cidadãos e ci- dade de ocorrem enfrentamentos mais tadores, que representa os caminho-
dadãs do movimento social organizado graves. Ao presidente Maduro é solici- de cacau, caminhoneiros neiros, anunciou a adesão ao movi-
da Venezuela divulgaram uma carta ao tada sua intervenção para barrar a cri- mento porque considera que o governo
presidente Nicolás Maduro, repudian- minalização e militarização das comu- e mineiros não atende às suas demandas. Paralela-
do a repressão contra o Povo Yukpa, da nidades indígenas. mente, o Ministério do Interior reiterou
Serra de Perijá e, em particular, contra a “Urge uma mudança de rumos, com que acionará a Justiça se houver desor-
comunidade Chaktapa e as famílias in- pacificação, diálogo social e político so- dem e bloqueio de estradas. “Quem ten-
dígenas Romero e Fernández. bre as demandas indígenas, além do de São Paulo (SP) tar perturbar a ordem pública e promo-
“Os Yukpa só estão lutando por sua controle da atuação militar na zona pa- ver ações violentas durante a paralisa-
sobrevivência como povo, por territó- ra que não seja cúmplice dos fazendei- Trabalhadores do setor agrário da Co- ção será penalizado”, diz comunicado
rios, água e recursos, direitos consue- ros”, declara a carta das organizações, lômbia começaram nesta segunda-feira do ministério.
tudinários e coletivos, alvos de agressão que também pedem solução para a de- (19) uma paralisação nacional, por tem-
por parte de fazendeiros, criadores de manda territorial integral, coletiva e po indeterminado. Os agricultores pe-
gado, mineradores, das grandes empre- contínua dos Yukpa, o controle de seus dem mais investimentos e atenção por Alguns produtores
sas , do poder capitalista, que também bens naturais, além da consulta e con- parte do governo do presidente Juan
sabotam o processo bolivariano e têm sentimento para projetos extrativistas. Manuel Santos. rurais reclamam que a
apoio das forças militares”, afirmam. As entidades apelam ainda para a in- Anunciaram a adesão à greve repre-
O despejo territorial violento dos po- tervenção de outras organizações indí- sentantes dos cafeicultores, arrozeiros,
importação de açúcar
vos Yukpa aconteceu nas décadas de genas das Américas, do Fórum Indíge- plantadores de cacau, caminhoneiros e do Brasil prejudicou a
1920 e 1970. Em 2008, houve a recupe- na da ONU, dos Prêmios Nobel da Paz e mineiros, entre outros. Eles também se
ração territorial seguida do assassinato de demais lutadores pela livre determi- comprometeram a fazer mobilizações produção colombiana
do cacique Manuel Romero Izarra. No nação indígena contra o capitalismo, o pacíficas e sem confrontos com as for-
três anos seguintes, os indígenas Sabi- racismo e os despejos. (Adital) ças policiais.
O movimento Dignidade Cafeteira in-
formou que a paralisação foi motivada Preocupação
Venezuela Indymedia

pela falta de acordo com o governo pa- No meio das tensões e advertências
ra investimentos no setor. Os profissio- do governo de levar a julgamento aque-
nais que trabalham na área de trans- les que tentarem perturbar a ordem
porte também apoiam a greve geral. O pública, o movimento político e social
movimento representa produtores de Marcha Patriótica alertou, em um co-
café de dez dos 32 departamentos (es- municado, sobre a grave situação de di-
tados) da Colômbia. reitos humanos que quem se mobilizar
Santos ordenou que a força públi- para a greve terá que enfrentar.
ca atue com total contundência contra “A Marcha Patriótica responsabiliza o
quem estiver bloqueando as vias e avi- presidente Santos; o ministro do Inte-
sou que quem fomentar a desordem se- rior Fernando Carrillo; e o diretor ge-
rá penalizado. Antes disso, tinha sido ral da Polícia, Rodolfo Palomino, pelas
firme ao afirmar que “não vamos sen- violações aos direitos humanos execu-
tar para negociar nada no meio de uma tadas por integrantes das forças regu-
greve”. lares do Estado que se apresentarem
Em comunicado, a Associação dos contra os manifestantes”, afirma o tex-
Agricultores, apoiada pela Unidade to. (Com informações da TeleSur e da
Sabino Romero, cacique Yukpa assassinado em março deste ano Agropecuária e de Transporte, adian- Prensa Latina)
14 de 22 a 28 de agosto de 2013 internacional
Tweetminster

Itamaraty cobra explicações David Michael Miranda (à dir.), de 28 anos, companheiro do jornalista estadunidense Glenn Greenwald (ao fundo), dá entrevista após sua chegada ao aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro

ABUSO Polícia inglesa quer acusações que possam legitimar o Glenn Grennwald é colunista do jor- Para o ministro Antônio Patriota, não
uso de referida legislação.” nal britânico The Guardian, jornal que há explicação razoável para o que ocor-
detém brasileiro “O governo brasileiro espera que in- publicou suas denúncias. Ele aguardava reu no aeroporto londrino. “Não há jus-
companheiro de jornalista cidentes como o registrado hoje com o o companheiro no saguão do aeroporto tificativa para o tratamento que foi da-
cidadão brasileiro não se repitam”, diz no Rio e considerou o episódio uma for- do a um cidadão brasileiro sobre quem
próximo a Edward Snowden a nota. ma de intimidá-lo. “Agora, eu vou fazer não pesa qualquer suspeita de envolvi-
Também por suspeitas de ligação com reportagens com muito mais agressão mento com o terrorismo ou outra ativi-
terrorismo, policiais de Londres mata- do que antes. Vou publicar muito mais dade ilícita, retido durante nove horas
ram, em 2005, o mineiro Jean Char- documentos do que antes”, disse. incomunicável. Esperamos que isso não
de Brasília (DF) les de Menezes, de 27 anos. Ele foi con- David Miranda retornava de uma via- se repita. Será muito importante trans-
fundido com um suspeito terrorista em gem à Alemanha e, ao fazer conexão em mitirmos isso de maneira muito clara
O MINISTÉRIO das Relações Exterio- um trem do metrô da capital britânica. Londres, ficou retido no terminal, on- ao governo britânico”.
res, o Itamaraty, divulgou nota no do- A morte de Jean Charles ocorreu depois de foi interrogado com base em uma lei Por telefone, Patriota também con-
mingo (18) em que classificou como de uma série de atentados ao sistema de britânica de combate ao terrorismo. versou com William Hague, ministro
“medida injustificável” a retenção de transporte público de Londres. das Relações Exteriores da Inglaterra.
um brasileiro no Aeroporto de Hea- Os dois definiram que representantes
throw, em Londres, por nove horas, pe- Intimidação “Fizeram perguntas sobre a dos dois países permanecerão em con-
ríodo em que ficou incomunicável. O brasileiro é David Michael Miran- tato na busca de uma solução para o im-
Segundo o documento, o governo bra- da, de 28 anos – companheiro do jorna- minha vida inteira e ainda passe envolvendo o assunto. Em comu-
sileiro manifesta “grave preocupação” lista estadunidense Glenn Greenwald, nicado de dois parágrafos, a embaixada
em relação ao episódio. que revelou a existência de um sistema
levaram o meu computador, britânica informa sobre a conversa, mas
de espionagem eletrônica do governo o videogame, celular, ressalta que o assunto está sob respon-
dos Estados Unidos –, desembarcou no sabilidade da polícia londrina.
Envolveu uma pessoa “contra dia seguinte (19) cedo no Aeroporto In- máquina fotográfica e “O ministro das Relações Exterio-
ternacional Tom Jobim/Galeão, no Rio res britânico [Wiliam Hague] teve uma
quem não pesam quaisquer de Janeiro. cartões de memória” conversa particular com o ministro das
acusações que possam legitimar o Na chegada, David disse que foi abor- Relações Exteriores do Brasil, Antonio
dado no aeroporto de Londres por vários Patriota, sobre a detenção de David Mi-
uso de referida legislação” homens que lhe disseram que seria leva- randa durante uma ligação telefôni-
do a uma sala para ser interrogado. “Fi- Explicações ca. Eles concordaram que representan-
zeram perguntas sobre a minha vida in- O Ministério das Relações Exterio- tes dos governos brasileiro e britânico
teira e ainda levaram o meu computa- res convocou na manhã de segunda-fei- permanecerão em contato sobre o as-
A ação, de acordo com o Itamaraty, dor, o videogame, celular, máquina foto- ra (19) o embaixador britânico em Bra- sunto. Esta continua sendo uma ques-
foi baseada na legislação britânica de gráfica e cartões de memória”, relatou. O sília, Alexander Ellis, para demonstrar tão operacional da Polícia Metropolita-
combate ao terrorismo e envolveu uma passaporte também ficou retido e só foi a insatisfação do governo brasileiro em na de Londres”, diz a nota. (Com infor-
pessoa “contra quem não pesam quais- devolvido depois do interrogatório. relação ao ocorrido. mações da Agência Brasil)

Anistia Internacional condena atitude Brasileiro pede ação do país


A ONG disse que culpável. Ele foi detido sob uma de vigilância da Agência de Segu- Namorado do jornalista responsável por
lei que viola qualquer princípio de rança Nacional (NSA) dos Estados
David Miranda equidade e sua prisão mostra co- Unidos”, disse a diretora sênior de
revelar espionagem dos EUA passou
foi vítima de mo a lei pode ser abusiva por ra- Legislação e Política da Anistia In- nove horas em Heathrow
zões mesquinhas e vingativas”, diz ternacional Widney Brown.
vingança do o texto da ONG. David foi detido sob a Cláusu-
Miranda foi detido enquanto es- la 7 da lei antiterrorismo. “Sim-
governo britânico tava em trânsito em Heathrow e plesmente não há base para acre- de São Paulo (SP)
mantido, sem direito a comuni- ditar que David Michael Miranda
cação, por quase nove horas – a apresente qualquer ameaça para “Espero que o governo brasileiro faça alguma coisa porque
partir daí o governo britânico te- o governo do Reino Unido. A úni- a gente não sabe o que está acontecendo de verdade”, afir-
Renata Giraldi ria que buscar novas justificativas ca intenção possível por trás des- mou David Miranda à imprensa ao desembarcar no aeropor-
de Brasília (DF) para mantê-lo detido. ta detenção foi perturbar a ele e a to internacional Tom Jobim (Galeão), no Rio de Janeiro.
seu companheiro, o jornalista do Ele foi recebido no saguão do aeroporto pelo companhei-
A organização não governamen- Guardian Glenn Greenwald, por ro, o jornalista do The Guardian, Glenn Greenwald, e afir-
tal (ONG) Anistia Internacional “A detenção de David é seu papel em analisar os dados di- mou que se “sentia cansado pelo tratamento no Reino Uni-
condenou a detenção, no Aero- vulgados por Edward Snowden”, do e pela viagem”. De forma breve, ele descreveu o momento
porto de Heathrow (Londres, Rei- ilegal e indesculpável. ressaltou Brown. em que foi retido pelas autoridades britânicas com base na lei
no Unido), do brasileiro David Mi- A Cláusula 7 da lei antiterroris- antiterrorista do país, que permite deter suspeitos sem man-
chael Miranda, de 27 anos, com- Ele foi detido sob uma mo permite à polícia deter qual- dado judicial e sem a permissão de consultar um advogado.
panheiro de Glenn Greenwald, lei que viola qualquer quer pessoa na fronteira do Rei- “Eles alegaram uma lei sobre terrorismo. Só me deram um
repórter do jornal britânico The no Unido, sem exigência de apre- documento que eu passei direto para o meu advogado”, con-
Guardian, que publicou informa- princípio de equidade” sentar uma causa provável, e man- tou aos jornalistas.
ções sobre o esquema de espiona- tê-la por até nove horas, sem jus- “Esse é um profundo ataque contra a liberdade de impren-
gem denunciado por Edward Sno- tificativa adicional. O detido deve sa e o processo de coleta de notícias”, afirmou Greenwald ao
wden, ex-funcionário de uma em- responder a todas as perguntas, Guardian, jornal para o qual trabalha.
presa terceirizada da Agência de “É altamente improvável que mesmo sem advogado presente. É “Reter meu parceiro por nove horas, lhe negando um ad-
Segurança Nacional norte-ameri- David Michael Miranda, em trân- considerado crime para o detento vogado, e então apreender boa parte de suas coisas, clara-
cana (NSA). sito em um aeroporto do Reino se recusar a responder às pergun- mente pretende mandar uma mensagem de intimidação
Em nota, a Anistia Internacional Unido, tenha sido detido de for- tas – independentemente dos mo- para aqueles que, como nós, estamos reportando sobre” es-
disse que o brasileiro foi vítima de ma aleatória, dado o papel que tivos da recusa – ou não cooperar pionagem”, disse. “As ações do Reino Unido representam
vingança do governo britânico. “A seu companheiro teve em revelar plenamente com a polícia. (Agên- uma grande ameaça a jornalistas em qualquer parte” do
detenção de David é ilegal e indes- a verdade sobre a natureza ilícita cia Brasil) mundo”, criticou. (Opera Mundi)
internacional de 22 a 28 de agosto de 2013 15

Acordo militar dá lucro milionário Reprodução

EGITO
EUA emprestam
1,3 bilhões de dólares
ao ano ao Egito, que usa
dinheiro para comprar
itens militares de
empresas estadunidenses

de São Paulo (SP)

COM A ECLOSÃO de uma onda de re-


pressão promovida pelo governo egíp-
cio, que assumiu o poder após a derruba-
da do presidente Mohamed Mursi, os Es-
tados Unidos se posicionaram cortando
parte da ajuda ao país do norte da África
e pedindo o fim da violência.
“Nossa tradicional cooperação não po-
de continuar da mesma forma enquanto
pessoas estão sendo mortas”, afirmou o
presidente estadunidense Barack Oba-
ma. Ele disse que Washington não vai
cumprir acordos de exercícios militares
conjuntos com o Cairo – previstos des-
de 2012 – enquanto o país não restabele-
cer a ordem. No entanto, a transferência
de 1,3 bilhões de dólares para fins milita-
res não foi suspensa.
Conforme escreveu o site de notícias
Global Post, o Egito tem sido um dos
maiores receptores de itens militares dos
EUA, recebendo de aviões F-16 até bom- Caça F-16, das Forças Armadas do Egito, sobrevoa as pirâmides de Quéops e Quéfren, a 10 quilômetros do centro da capital Cairo
bas de gás lacrimogêneo. Portanto, o GP
reuniu as dez companhias que mais es-
tão lucrando com o atual momento. Na
lista estão aquelas empresas com contra-
tos assinados a partir de 2009 e 2011, de
acordo com informações do Instituto pa-
ra Estudos do Sul.
Primeiro-ministro do Egito
Lockheed Martin
Em 2010, a Lockheed Martin enviou
ao Egito 20 caças F-16, assim como sis-
propõe dissolução da Irmandade
temas de visão noturna para helicópteros
Apache. Seu contrato total é de 259 mi- “A reconciliação está aí tos, chamada “dia da fúria”. Houve novos foram feitos desde o início da violência.
lhões de dólares. A companhia é a maior confrontos nas manifestações, que deixa- Um fotojornalista da Folha de S. Paulo
beneficiada dos contratos de defesa do para aqueles cujas mãos ram 173 mortos e 1.330 feridos em todo foi atingido de raspão por uma bala, en-
governo estadunidense e recebeu em não estão sujas de sangue”, o país, segundo o Ministério da Saúde. quanto três repórteres – um cinegrafista
2008 um recorde de 36 bilhões de dóla- A proposta de dissolução da Irmanda- da TV inglesa Sky News, um repórter de
res, diz o GP. Ao redor do mundo, a Lo- disse membro do governo de Muçulmana foi feita pelo chefe de go- um jornal de Dubai e um repórter de um
ckheed Martin é uma das maiores em- verno ao Ministério de Assuntos Sociais, jornal egípcio – foram assassinados no
presas, sendo que 74% dos lucros vêm de responsável por licenciar entidades não primeiro dia de repressão.
vendas de aparato militar. governamentais. De acordo com o porta- A agência de notícia Reuters confir-
de São Paulo (SP) voz da pasta, Sharif Shawky, o pedido es- mou que a fotógrafa Asmaa Waguih le-
DRS Technologies tá em estudo. “A reconciliação está aí pa- vou um tiro na perna, mas está fora
O Exército estadunidense contratou Dias após o início de uma onda de vio- ra aqueles cujas mãos não estão sujas de de perigo. Um fotógrafo da Associated
essa empresa, propriedade de italianos e lência no Egito, o primeiro-ministro in- sangue”, disse Shawky, em crítica ao mo- Press que trabalhava perto da mesqui-
com atuação nos EUA, para fornecer veí- terino Hazem el-Beblawi propôs a disso- vimento, considerado pelo governo inte- ta Rabaah al-Adawiya durante os confli-
culos, equipamentos de vigilância e ou- lução da Irmandade Muçulmana. A enti- rino como responsável pelas mortes du- tos foi atingido no pescoço por duas cáp-
tros recursos para o Egito em dezembro dade, à qual o presidente deposto Moha- rante a ação militar de quarta e os protes- sulas de balas, informou o editor de foto-
de 2010. Seu contrato é de 65,7 milhões med Mursi é vinculado, afirma ter sofri- tos de sexta. grafia da AP no Oriente Médio, Manoo-
de dólares. do um golpe de Estado e se recusa a ne- A Irmandade Muçulmana foi registra- cher Deghati. O fotógrafo recebeu cuida-
gociar com o governo provisório. Além da como organização não governamen- dos médicos e voltou ao trabalho, infor-
L-3 Communication Ocean System disso, denuncia a repressão promovida tal em março, em resposta a um proces- mou Deghati.
Possui um total de 31,3 milhões de dó- pelo exército, que já resultou em mais de so legal movido por opositores ao gru- Ontem, as autoridades egípcias fecha-
lares em contrato. A L3 Communications mil mortes. po que contestavam sua legalidade. Foi a ram os escritórios da emissora Al Jazee-
providenciou ao governo do Egito um A Irmandade convocou uma série de primeira vez que o movimento islâmico ra que faziam transmissões ao vivo para
sistema de sonar e equipamento de ima- protestos desde julho contra a retirada conseguiu o reconhecimento do governo. o Egito, denunciou em comunicado o Co-
gem militar por 24,7 milhões de dólares. de Mursi e montou dois acampamen- O grupo, fundado em 1928, foi dissolvido mitê de Proteção de Jornalistas. O grupo,
tos no Cairo, que foram desmontados na em 1954 pelo regime militar egípcio e foi com sede em Nova York, informou que
Deloitte Consulting quarta (14) em uma ação policial que ter- considerado ilegal até o início deste ano, as forças de segurança entraram nos es-
A Deloitte, segunda maior empresa do minou em confronto e levou a um mas- quando o país era governado por Mursi. critórios e ordenaram às equipes que dei-
mundo de serviços profissionais, con- sacre que deixou mais de 600 mortos. Seu braço político, o Partido Liberdade e xassem o prédio, que foi cercado para que
quistou um contrato para a Marinha Em repúdio à operação coordenada pe- Justiça foi estabelecido em 2011, após a ninguém voltasse ao local. Mesmo assim,
egípcia, com suporte para o programa lo governo interino, os islamitas convo- queda do ditador Hosni Mubarak. Diver- a emissora continua oferecendo seu ser-
aéreo, por 28,1 milhões de dólares. caram na sexta (16) uma onda de protes- sos relatos de agressão contra jornalistas viço pela internet. (Opera Mundi)

Boeing
Enquanto a maioria das pessoas reco-
nhece na Boeing um fabricante de aviões
para voos comerciais, a empresa tam-
bém é a segunda maior no mundo no se-
tor de defesa. A Boeing fechou um con-
Prisão de Mursi é prorrogada pela segunda vez
trato de 22,5 milhões de dólares para for-
necer dez helicópteros Apache ao Egito, Presidente deposto to não é conhecido. Ainda nesta segun- estas reconheçam que as vítimas morre-
os mesmo que recentemente foram usa- da-feira (19), a Justiça egípcia ordenou a ram asfixiadas.
dos para reprimir as manifestações. foi acusado por novas libertação “em até 48 horas” do ex-pre- “Agora planejam assassinar os diri-
denúncias, desta vez por sidente Hosni Mubarak, acusado de cor- gentes da Irmandade presos como as-
Raytheon rupção e pela morte de manifestantes sassinaram ontem os que estavam deti-
Em 2010, a Raytheon vendeu para o confrontos ocorridos em durante a “Primavera Árabe” em 2011. dos, embora não portassem armas e não
exército egípcio 264 MIM-23 Hawk, um No entanto, a liberdade provisória con- tenham cometidos nenhum delito”, de-
míssil de médio alcance, além do STIN- dezembro passado cedida a Mubarak – que governou o Egi- nunciou Abu Baraka, que pediu a forma-
GER – um míssil terra-ar guiado por in- to por 30 anos – é relacionada ao julga- ção de uma comissão independente para
fravermelhos. Tem um total de 31,6 mi- mento específico do caso de corrupção. investigar o caso.
lhões de dólares em contrato. Assim, o ex-presidente pode continuar Segundo a versão das autoridades, os
de São Paulo (SP) em cárcere, respondendo como réu pe- 36 prisioneiros morreram ao se rebela-
AgustaWestland los casos de violência na onda de protes- rem no comboio que os levava para um
A AgustaWestland – também proprie- A Procuradoria-Geral do Egito orde- tos de 2011. centro de detenção no norte do Cairo e
dade da mesma empresa italiana que nou na segunda-feira (19) a prorrogação sequestrar um policial, o que motivou a
opera a DRS Technologies – garantiu um por mais 15 dias da prisão do presidente Outras prisões atuação dos corpos de segurança com gás
contrato para vender manutenção de he- deposto, Mohamed Mursi, detido desde A Irmandade Muçulmana denunciou lacrimogêneo, o que supostamente teria
licópteros para o governo egípcio. Rece- 3 de julho, quando foi retirado do poder que ao menos 400 de seus dirigentes fo- causado as mortes.
be 17,3 milhões de dólares. pelo exército local. ram presos nos três últimos dias e acu- Azab negou que os detidos morreram
A decisão judicial é referente a um no- saram as autoridades egípcias de terem asfixiados e assegurou que foram tortu-
US Motor Works vo processo, que o responsabiliza pe- torturado e carbonizado 36 detidos que rados e posteriormente carbonizados pe-
O contrato da US Motor Works de 14,5 los confrontos de dezembro passado em estavam sendo levados ontem para uma los policiais, que tentaram assim escon-
milhões de dólares, firmado em 2009, frente ao palácio presidencial. prisão. der os sinais de violência.
prevê o fornecimento de motores e peças Segundo a agência oficial Mena, Mur- Ahmed Abu Baraka, advogado da Ir- Durante a entrevista coletiva, a Frente
de reposição. si é acusado de participar do assassina- mandade, afirmou em entrevista coleti- de Defesa dos Detidos denunciou, além
to, da detenção e da tortura de cidadãos, va que os responsáveis do grupo foram disso, violações dos direitos humanos co-
Goodrich Corp além da divulgação de informações falsas postos em detenção preventiva duran- metidas pela polícia e o exército durante
A Força Aérea dos EUA e Goodrich de- para influir na investigação judicial sobre te 15 dias e os proibiu de ligar para seus o desmantelamento na quarta-feira pas-
finiram um contrato de 10,8 milhões de esses fatos. advogados ou recorrer de suas ordens de sada dos acampamentos dos islamitas
dólares para obter e distribuir sistemas A medida cautelar entrará em vigor prisão. nas praças cairotas de Rabea al Adauiya
de reconhecimento para os F-16 egípcios. quando acabar o período de prisão pre- Por sua vez, o porta-voz da chamada e Nahda.
ventiva que o presidente deposto cum- Frente de Defesa dos Detidos, Musta- “O que ocorreu em Rabea e Nahda é
Columbia Group pre atualmente por colaborar com o mo- fa Azab, disse que os corpos dos 36 deti- um autêntico genocídio e desde então o
A Columbia Group fornece, num valor vimento islamita palestino Hamas para dos que morreram ontem em um confu- derramamento de sangue não parou um
de 10,6 milhões de dólares, de sistemas perpetrar “ações inimigas contra o país” so incidente no norte do Cairo permane- só dia. A cada dia se registra uma viola-
de veículos não tripulados, juntamente e pelo assassinato e sequestro de policiais cem em um necrotério. Azab acrescentou ção sem precedentes, não há proteção
com a formação técnica, para a Marinha e réus durante o ataque a uma prisão. O que as autoridades se negam a entregar para a oposição ao golpe”, disse Azab.
egípcia. (Opera Mundi) local onde Mursi está preso no momen- os corpos para suas famílias a menos que (Opera Mundi)
16 de 22 a 28 de agosto de 2013 internacional

No Egito, a geopolítica
por trás dos dias de fúria Joel Silva/Folhapress

OPINIÃO
Fundamentalismo,
militares e interesses
nacionais dos EUA
acendem o estopim da
guerra civil

Achille Lollo
de Roma (Itália)

A PARTIR DO DIA 14 de agosto, a Ir-


mandade Muçulmana intensificou as
manifestações nas principais cidades do
Egito. Foram mortos 70 policiais, 16 igre-
jas coptas foram atacadas e vários pré-
dios públicos incendiados.
Em resposta, o governo do general Ab-
del Fatah al-Sisi restabeleceu “sem equí-
vocos” a ordem pública em todo o país.
No dia 20, o diário Al-Masry Al-Youm
informava que, desde o dia 7 haviam
morrido 985 pessoas; 4.650 foram feri-
das e 1.128 continuavam presas. Mesmo
assim, os EUA – em nome dos “interes-
ses nacionais” – apoiaram o general al-
Sisi, tal como apoiaram Morsi e, antes,
Mubarak.
Desta vez a crise egípcia foi represen-
tada no youtube tal como ela é: trágica,
assustadora, complexa e, sobretudo, vio-
lenta. De fato, o fuzilamento de 27 poli-
ciais na região da Península do Sinai por
parte de um grupo jihadista; a morte de Parentes de manifestantes mortos velam seus corpos na mesquita Imam, periferia do Cairo
dois cinegrafistas alvejados por atirado-
res islâmicos no Cairo e a prisão de qua- nistas” do partido “Justiça e Liberdade”, Por outro lado, enviou um mensagem a na e do próprio Mohammed Morsi. Ho-
tro jornalistas europeus por parte dos que se convenceram disso, logo após o Obama para reafirmar a manutenção dos je estamos tentando conter todos aque-
militares que os acusavam de ser iguais presidente Mursi ser preso pelo general acordos que o Egito assinou em 1978 em les que querem acabar com o Estado lei-
aos da Al Jazeera (a emissora do Qatar Abdel Fatah al-Sisi. Camp David com Israel, debaixo do mo- go, mas também estamos lutando contra
que manipulou as manifestações na Sí- É imperativo lembrar que o general Ab- nitoramento estadunidense. Na prática aqueles que pretendem usar o terrorismo
ria), enterrou de vez as idílicas imagens del Fatah al-Sisi foi nomeado por Mursi isso significa que os EUA devem continu- para acabar com o pluralismo democráti-
da revolução popular e democrática egíp- na chefia das Forças Armadas porque há ar a depositar, a cada ano, 1,3 bilhões de co que o povo egípcio conquistou com a
cia, cujo epicentro foi a Praça Tahir. mais de dez anos controlava o Departa- dólares no banco do Exército egípcio não queda de Mubarak.”
Hoje, o Egito, em termos políticos, es- mento de Segurança e porque o próprio só para sua formação técnica, mas, so- É evidente que as palavras Hagazy soa-
tá à beira de uma guerra civil que, porém, Mursi confiava nele para realizar, em si- bretudo, para manter o Egito atrelado à ram como um importante recado para os
ainda não começou, porque a maioria lêncio, as manobras institucionais que geoestratégia (político-diplomática e mi- EUA e, sobretudo, para Israel. Tanto que
dos grupos que compõem a Irmandade ele e o partido Justiça e Liberdade pre- litar) estadunidense no Oriente Médio. o presidente Barack Obama, em sua úl-
Muçulmana (os situacionistas) não ha- tendiam implementar para espoliar o no- tima nota sobre a crise egípcia, associa a
viam planejado a “insurreição islâmica”. vo Estado, com suas características lei- mesma à manutenção dos referidos “in-
Pelo contrário, o objetivo estratégico gas, pluralistas e democráticas. Praticamente, para os jihadistas, teresses nacionais”, que, muito provavel-
dos situacionistas previa reforçar o par- Portanto, a prisão do presidente Mur- mente, devem ser mantidos para evitar
tido “Justiça e Liberdade” para trans- si – que o próprio Al-Sisi realizou logo o fim do regime de Mubarak que, após a Líbia, também o Egito fique
formar o estado laico em islâmico. Uma após o golpe – foi o ato político que sim- podia ser a grande ocasião para se refém do caos provocado por um gover-
complexa operação política e institucio- bolizou a ruptura da aliança entre as For- no islâmico ou que – ainda pior – a atual
nal, que faz lembrar o que aconteceu na ças Armadas e a Irmandade Muçulmana, apoderar do Estado crise desague em uma guerra civil-reli-
Turquia e mais recentemente na Tunísia, no momento em que Mursi – o primei- giosa, tal como aconteceu na Síria.
onde foram utilizados os padrões insti- ro presidente eleito com eleições livres Uma situação que é temida sobretudo
tucionais da democracia para introdu- – não só permitiu a dilapidação da eco- pelos governantes de Israel porque no
zir os conceitos do estado islâmico cen- nomia do país em menos de nove meses, Um conceito que tem muito a ver com Sinai há trinta grupos jihadistas pron-
tralizado e governado, apenas, por ho- mas liderou o fim do processo democrá- a manutenção dos “Interesses Nacio- tos para entrar em território israelen-
mens dos partidos ligados a Irmandade tico para impor a criação de um estado nais” dos EUA e de Israel. De fato, para se caso o exército egípcio implemente as
Muçulmana. islâmico centralizado. os EUA é fundamental que o Egito ga- medidas de segurança ao longo da fron-
Entretanto, o erro principal de Mursi e ranta o livre funcionamento do Canal de teira. De fato, não podemos esquecer que
dos situacionistas da Irmandade Islâmi- Suez, onde transita 70% dos navios que a maioria dos atuais líderes da Al-Qaeda
Desta vez a crise egípcia foi ca foi apostar tudo na fidelidade do gene- transportam o petróleo destinado à Eu- são todos antigos militantes da Irmanda-
ral Abdel Fatah al-Sisi, e acreditar que os ropa e aos próprios EUA. Uma questão de Muçulmana do Egito que amargaram
representada no youtube soldados e os oficiais de baixa patente te- que não afeta somente as relações bilate- as prisões de Mubarak durante muitos
riam apoiado o processo de “islamização rais entre o Egito e os EUA, mas que é o anos e que, desde a década de 1970 apos-
tal como ela é: trágica, do Estado” somente por ser árabes. ponto central do Tratado de Paz com Is- tam na Jihad, isto é: a guerra santa con-
assustadora, complexa e, Hoje, as consequências desse erro po- rael, em função do qual os sionistas se re- tra todos os infiéis.
lítico dominam todos os debates no seio tiraram do Sinai, recebendo em troca o
sobretudo, violenta da Irmandade Muçulmana, que por sua gás da região “à preço de banana” e a li-
parte não tem saídas políticas. Ou se sub- vre circulação de navios e aviões milita- Com o ex-presidente Mursi
mete ao novo governo ad interim do ge- res estadunidenses e israelenses no espa-
neral Abdel Fatah al-Sisi, ou vai enfren- ço aéreo e nas águas do Egito. ainda preso, os situacionistas
Jihad ou democracia? tar, despreparada militarmente, as For- Além disso, o tratado de Camp David pagariam um preço político
A imprensa ocidental, por oportu- ças Armadas em um clima de guerra ci- obriga o Exército egípcio a colaborar com
nismo ou por mera ignorância, sempre vil contra a qual os militares foram trei- o Pentágono, a CIA e o Exército sionista extremamente alto
apresentou a Irmandade Muçulmana do nados durante vinte anos. na luta contra os terroristas, que na dé-
Egito como um movimento muito com- Por outro lado, nem todos os muçul- cada de 1970 eram os militantes pales-
pacto e com poucas frações no seu seio. manos – que são 42% da população – tinos do Al-Fatah, FPLP, FDLP – Fren-
Por isso, quando foi criado o partido Jus- apoiam os fundamentalistas islâmicos – tes Democrática e Popular para a Liber- Futuro incerto
tiça e Liberdade, pouquíssimos jornais que não ultrapassam os 12% – e nem to- tação de Palestina – e Comando Geral- No dia 19 de agosto, apesar de o “co-
disseram que esse partido surgia em fun- das as mulheres árabes querem o Esta- FP, enquanto hoje são os homens do He- mandante” da Irmandade Muçulmana,
ção da vitória que a maioria “situacionis- do Islâmico. zbollah, da Al-Qaeda e de outros grupos Mohammed Badie, ter desafiado as For-
ta” havia obtido sobre as tendências ex- jihadistas árabes e africanos. ças Armadas chamando os fiéis a mani-
tremistas do fundamentalismo islâmico, Por isso, o secretário-geral das Na- festar novamente diante da mesquita de
ou seja, “os jihadistas”. Tendência que, O objetivo estratégico ções Unidas, Ban Ki-Moon, ao pedir a Rabaa El Adaweya, em Nasr City (perife-
no momento em que começou a “Pri- libertação do presidente Mohammed ria do Cairo), o general Abdel Fatah al-
mavera Árabe” na Praça Tahir, já que- dos situacionistas previa Morsi, e dos outros dirigentes islâmi- Sisi ao intervir na televisão egípcia disse
ria promover um “movimento insurre- cos presos, não se atreveu em pedir aos que no governo “havia lugar para todos”.
cional islâmico” contra Mubarak, mobi-
reforçar o partido “Justiça e EUA de cortar o financiamento ao Exér- Uma proposta que para os situacionistas
lizando as classes mais baixas de fé mu- Liberdade” para transformar cito egípcio como arma de pressão, por- da Irmandade Muçulmana seria a oca-
çulmana para as empurrar contra o exér- que isso implicaria a ruptura de um mó- sião para voltar no comando do Partido
cito e assim determinar o fim do regime o estado laico em islâmico dulo geoestratégico que permite aos Justiça e Liberdade e, assim negociar a
de Mubarak. EUA manter no Oriente Médio uma po- volta deles no governo e na comissão que
Uma estratégia – que segundo o “co- sição de comando. deverá corrigir a Constituição juntamen-
mandante” da Irmandade, Mohammed É evidente que o presidente Obama, te com a oposição.
Badie – apontava seu sucesso na divul- O restante, 58% da população (22 mi- neste momento, vive em dificuldade, É muito possível, porém, que a anti-
gação midiática do “sacrifício dos már- lhões), é, em grande parte, representado porque a legislação estadunidense proíbe ga maioria situacionista, neste momen-
tires” que – em termos políticos – te- pelos signatários da campanha “Tama- financiar exércitos que lideraram golpes to, não tenha força para retomar a dire-
ria permitido aos grupos islâmicos re- rod” que, em 30 de junho, queriam a des- de Estado contra presidentes democrati- ção do movimento. Por isso deve rejeitar
tirarem a direção política do movimen- tronização do presidente Mursi. Trata-se camente eleitos. Porém, muitos analistas esta e outras propostas do general Abdel
to popular dos revolucionários da Praça de uma grande porcentagem da socieda- acham que para Obama é ainda pior ter Fatah al-Sisi.
Tahir, na maioria ligados aos sindicatos de egípcia historicamente ligada aos se- apoiado em silêncio um presidente como De fato, com o ex-presidente Mursi
progressistas ou aos grupos leigos da so- tores leigos, católicos-coptas, aos sindi- Morsi, que queria implementar a trans- ainda preso, os situacionistas pagariam
ciedade e da esquerda. catos, à intelectualidade e à classe média. formação do Estado democrático egípcio um preço político extremamente alto,
Praticamente, para os jihadistas, o fim Enfim, setores que não admitem ser “pi- em uma ditadura teocrática. que pode empurrar as bases populares
do regime de Mubarak podia ser a gran- sados” e que tem como líder nacional o A propósito, Mustafa Hagazy, –conse- da Irmandade Muçulmana nos braços
de ocasião para se apoderar do Estado e, premiê nobel El-Baradei. lheiro estratégico da presidência ad inte- dos líderes fundamentalistas e jihadistas.
na ênfase libertadora, introduzir de ime- rim do Egito – respondendo às críticas Algo semelhante aconteceu, em 1992, na
diato os conceitos e as leis islâmicas. Interesses dos EUA dos senadores estadunidenses John Mc- Argélia dando origem a uma guerra civil
Uma tática que, em 2011, os situacio- Logo após a deposição de Mursi, o ge- Cain e Lindsey Graham – em uma confe- desastrosa, marcada pelo ódio religioso e
nistas consideraram aventureira. Infeliz- neral Abdel Fatah al-Sisi pediu aos países rência de imprensa, sublinhou que “o po- a violência étnica.
mente, em 2013, a possibilidade de reati- do Golfo (Arábia Saudita, Emirados Uni- vo egípcio invadiu as ruas no dia 30 de
var a “insurreição islâmica” está na cabe- dos, Qatar e Bahrein) para garantir as maio contra o presidente Mursi e contra Achille Lollo é jornalista italiano, correspon-
ça de grande parte dos líderes da Irman- despesas do Estado egípcio e assim evi- o projeto de instaurar o fascismo teoló- dente do Brasil de Fato na Itália e editor do
dade Muçulmana e de muitos “situacio- tar a bancarrota. gico e religioso da Irmandade Muçulma- programa TV “Quadrante Informativo”.

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