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Arno Breker - O Michelangelo do século XX

Arno Breker?
Quem é Arno Breker?

Embora seja um dos representantes mais importantes das artes


plásticas do século XX, é um desconhecido tanto para as academias
de arte como para o público em geral. Tendo vivido numa época de
profundas mudanças políticas, revoluções e guerras (1900 - 1991) na
Alemanha, teve que assistir à destruição quase completa de sua obra,
composta de centenas de esculturas (em grande parte de dimensão
colossal), e sofrer perseguição política até a sua morte. 

 Um artista inato

Arno Breker nasceu na Alemanha, na cidade de  Elberfeld, no dia 19


de julho de 1900. Nasce junto com o século XX um artista dotado de
sensibilidade e habilidade técnica capazes de transformar a pedra, a
argila, a cera, a plasticina e o bronze em expressivas figuras
humanas que nos transportam a uma dimensão elevada da arte e
que conseguem nos emocionar, pois representam estados de espírito
que foram magistralmente registrados na matéria pura.
Era o filho mais velho de um escultor de pedras e de monumentos
funerários, Arnold Breker e de sua mulher, Luise. Aos 15 anos de
idade, ao  conhecer os trabalhos de Rodin, sente o chamado da arte e
decide ser escultor. Começa então a familiarizar-se com os
instrumentos da escultura no atelier de seu pai e a produzir obras
admiráveis. Encontrou sua melhor expressão na linha da escultura
clássica iniciada pelos gregos e também representada por
Michelangelo e Rodin.
Em 1925 termina seus estudos na Academia de Arte de Dusseldorf,
onde produz suas primeiras obras. Um de seus professores chegou a
lhe dizer: “Você sabe mais do que eu; não tenho mais nada a lhe
ensinar”. Estudou também arquitetura e chegou a ganhar, nessa
área, prêmios significativos em concursos internacionais, mas acabou
se dedicando mais à escultura. Aos 27 anos muda-se para Paris,
cidade que veio a se tornar o seu segundo lar, onde compra um
estúdio e trabalha em contato com inúmeros artistas e escritores que
admiram a sua obra. Aos 30 anos já começa a receber encargos
oficiais do governo alemão, entrando num período de crescente
produtividade e influência.   
Até 1945 ele já tinha produzido esculturas monumentais, algumas
com mais de três metros de altura, como Aurora (1925), Torso de
David (1927), São Mateo (1927), A imploradora (1929), Moça
ajoelhada (1929), Heinrich Heine (1932),  Atleta do Decatlo (1936),
Dionysos (1937), Prometeu (1935), A Vitória (1936), A Graça (1939),
O Heraldo (1939), O Ferido (1940), O Portador de Antorcha (1940),
Eos (1942), Flora (1943), A fidelidade (1943) e outras. Produziu,
além disso, majestosos e extensos relevos como Combate e A
mensageira da Vitória (que decoraram o Arco do Triunfo em Berlin
(1940), Domadores de Cavalos (1940), O Porta-Estandarte (1942), O
Sacrifício (1940), A Vingança (1940), Os Camaradas (1941), Appolo e
Dafne (1940), Eurídice e Orfeu (1944) e outros; retratos dos
principais artistas europeus contemporâneos, que admiravam a sua
obra, como os dos escultores Maillot e Despiau, os dos pintores
Salvador Dali, Derain e Vlaminck, o do poeta Jean Cocteau, o do
escultor Ernst Fuchs e, ainda, os dos compositores Wagner e Lizst,
dentre várias outras esculturas e obras arquitetônicas.

Preconceito e perseguição        
                                                 
Porém, nesse mesmo ano de 1945, as tropas aliadas transformam
em montanhas de estátuas quebradas oitenta por cento do trabalho
tanto escultural como arquitetônico de Arno Breker, alegando que
muitas de suas obras haviam sido encomendadas pelo governo
nacional socialista alemão. Imperturbável, o artista nunca negou nem
o que ele viveu nem o que criou, não parando de proclamar seu ideal
artístico: “Eu sempre celebrei o homem, jamais uma ideologia. Sou o
escultor do homem, da tripla criação: corpo, mente e espírito”. E,
com efeito, basta contemplar a sua obra para constatar a verdade de
suas palavras: o apelo à vida, à beleza, à pureza e à espiritualidade
presente em cada trabalho seu provoca em qualquer pessoa o
sentimento da vergonha pela existência da guerra e da violência.
O escultor começou então, a partir de 1945, a viver uma etapa difícil,
de preconceito e perseguição. Até 1959 ele se dedica mais à
arquitetura, participando da reconstrução das cidades de Munique,
Colônia, Hagen, Essen e Düsseldorf,  voltando a viver, durante esse
período, na Alemanha. Também produz algumas esculturas abstratas.
Em 1958 casa-se com Charlotte Kluge, com quem tem duas filhas.
Em 1960 instala-se de novo em Paris e se dedica uma vez mais à
escultura, retornando ao brilho social de antes da guerra. Mas só a
partir de 1975, após trinta anos de rejeição, é que ele começa a ser
reconhecido novamente por algumas mentes mais lúcidas, que
perceberam a injustiça cometida. Contribuiu para isso um certo
enfado sentido pelo público e pela comunidade artística em relação à
chamada “arte abstrata”, que carece de imagens definidas e
representativas da força e da beleza do homem.
Durante esses trinta anos marcados pelo esquecimento e pelo
preconceito, que acabaram privando o artista de obter recursos para
produzir obras de grande porte, tal como anteriormente fizera, ele
continuou trabalhando em retratos e esculturas que demandassem
um investimento pequeno de material, e assim prosseguiu até o final
de sua vida, em 1991, quando já havia um crescente reconhecimento
internacional pela sua extensa e admirável obra.

O estilo imortal
Toda a produção artística de Breker é consagrada à beleza, valor
supremo para Nietzsche, seguindo nesse sentido o caminho traçado
pelos mestres da arte européia, os gregos Phídias e Praxísteles, o
florentino Michelangelo, os franceses Daumier e Carpeaux (que
exerceu uma profunda influência sobre ele) e Rodin. À imagem dos
mestres das letras da Renascença, ele reivindica a herança grega,
cadinho onde se forjou a estética européia. A Grécia e suas lendas
serão os temas mais recorrentes em sua obra.
Enquanto centenas de artistas no mundo inteiro estavam presos a
condicionamentos econômicos e modas passageiras, cultivando uma
arte abstrata, geralmente vazia ou resultante das tendências mais
obscuras do ser humano, Arno Breker conseguiu quebrar essas
cadeias e transmitir o seu conceito idealista e poético do mundo
através de suas esculturas. “A revelação da essência humana”,
afirmou ele, “razão de ser do retrato, não e realizável se não for por
intermédio do artista executante... É na penetração espiritual
recíproca entre o escultor e o seu modelo que se encontra o
verdadeiro impulso criador, o que anima as autênticas
mensagens”.    
Se o corpo humano é uma densificação moldada por nossos
pensamentos, obras e convicções mais íntimas; se ele é uma
extensão do próprio espírito, a parte materializada de nós mesmos,
então Breker conseguiu captar essa essência nas suas obras,
imprimindo-lhes a beleza do eterno e do verdadeiro, que, embora não
seja propriamente visível, pode, através dos olhos, atingir
diretamente o que há de eterno e verdadeiro em nós, deleitando-nos.
É a arte na sua mais pura realização, conectando-nos a esferas de
amor, harmonia, sensibilidade e equilíbrio e nos aproximando de
nossa condição de homens.  É a procura do belo, que marcou
indelevelmente a vida do artista desde que foi tocado pela mágica
mensagem da consciência ante a contemplação do David de
Michelangelo nas ruas de Florença: “Permaneci ali, como ferido por
um raio... Era como uma chamada mística, como uma ordem. Sim,
essa noite compreendi que terminava ali a minha fase de trabalhar
para o comércio e a gente rica, de esculpir objetos para serem
passados banalmente de mão em mão, de trabalhar para zelosos
colecionadores, e que a minha vocação seria, custasse o que
custasse, trabalhar para a Arte, para as praças públicas, para todo
mundo”. 
Qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade que observe a obra
de Breker poderá perceber nela o divino toque de beleza de que só a
verdadeira arte é possuidora. Com o estilo dos gregos da era clássica,
o escultor concretizou o sentido do trágico e o harmonizou com um
suave romantismo germânico. Se Rodin imortalizou O Pensador, Arno
Breker eternizou sua obra com O Guerreiro Ferido. Ele projetou novas
dimensões na figuração plástica do homem e, a partir daí, tornou sua
criação artística um padrão incomparável.
O artista francês Charles Despiau assim define a arte de Breker: “A
arte não é para ele assunto de capela; deve responder a um ideal
novo, falar às massas uma linguagem elevada, mas simples e
inteligível... Essa arte, que aspira a resgatar ao indivíduo a beleza, a
nobreza, a força, a saúde física e moral, essa arte será viril, será
simples, será nua... Expressar-se-á mediante o corpo humano que
retorna ao ar livre, à sua nobreza original, animado de um gesto
puro, enobrecido pelo pensamento”.

As obras

As esculturas de Breker evidenciam, inevitavelmente, os valores,


ideais e aspirações do artista. Podemos assim ilustrar os fatos de sua
vida (e também das nossas) através de suas esculturas. O Prometeu,
que representa o deus que trouxe cultura e o fogo divino à
humanidade, nos faz pensar na contribuição de Breker, que soube
trazer fogo e luz à arte humana, e, à semelhança do deus grego, teve
que viver o sofrimento frente à ignorância, quando as tropas aliadas
destruíram quase completamente as suas obras em 1945, fato que
evidenciou um  improcedente preconceito. Já a obra Os Camaradas é
uma homenagem a esse nobre e raro sentimento chamado
“amizade”, prezado e cultivado por Breker em toda a sua vida, haja
vista ao número grande de artistas que o procuravam
freqüentemente, alguns dos quais foram retratados em suas
esculturas. A Força, por sua vez, nos lembra o estado de espírito que
o levou a superar, no pós-guerra, as inúmeras demonstrações de
perseguição contra ele, enfrentando uma campanha de pretenso
esquecimento. A Mensageira da Vitória lembra o triunfo da Arte que
representa a verdade e a liberdade e que, por isso mesmo, resiste às
modas e êxitos passageiros, fato que vem acontecendo, no que
respeita à sua obra, com o progressivo reconhecimento do valor do
seu trabalho. E A Graça pode representar a recompensa da vida por
essa luta em nome do belo através da delicadeza e compreensão das
suas amadas esposa e filhas.
Alphonse Darville, que promoveu, em 1972, a primeira exposição de
Breker em Paris depois dos seus trinta anos de “morte artística”,
afirma no texto que anuncia a mostra: “A arte de Arno Breker é uma
recusa à queda na não-arte ou na sombra masoquista do não-ser
pelo não-saber. Para isso, é preciso estar munido de uma grande
coragem. É preciso ser forte para emergir de uma terrível solidão. Os
belos nus que se erguem para o céu por entre as árvores de um
jardim florido são como cânticos cheios de fervor e de alegria,  felizes
vitórias sobre a dúvida. Tais são as criações que Arno Breker nos
entrega como uma mensagem de confiança e de esperança num
mundo que se vê assolado pela negação.”
E Roger Peyrefitte, em 1974, afirma: “Arno Breker não é somente um
grande escultor entre os grandes escultores e o maior dos que vivem
hoje; ele é O escultor. Possui o privilégio que têm  um ou dois
artistas por século de imortalizar a vida como se apresenta perante
os nossos olhos e de alcançar a perfeição como esta reside nas leis
inatingíveis que concedem a cada um sua originalidade.”
Breker foi o artista mais influente da Europa de seu tempo, tendo
recebido elogios dos mais renomados mestres das artes plásticas,
que admiravam o seu trabalho e reconheciam sua superioridade na
representação do ideal de beleza humana. O escultor catalão Maillol,
normalmente citado pelos críticos de arte como um dos quatro
maiores do século XX, ao lado de Rodin, Despiau e Breker, afirmava:
"Eu não seria capaz de modelar o corpo humano como Breker o faz".
E Despiau declarou: "A escultura arquitetônica de Breker não se
manifestou apenas nas obras realizadas e conhecidas do público. O
que ele prepara é algo tão grandioso que qualquer um se sente
emocionado diante de tantas concepções; não há como não se curvar
e tirar o chapéu perante quem é capaz de realizar tais iniciativas."
(Infiesta, 1976)

Porém, apesar de toda a sua genialidade, ele foi, a partir de 1945,


considerado "morto", inexistente, tendo seu nome sido
absolutamente banido do mundo artístico e das escolas de Artes
Plásticas. A destruição de quase todas a suas obras pelos americanos
após o término da guerra, o silêncio imposto por todos os meios de
informação pública e o boicote realizado contra o seu trabalho
fizeram dele uma sombra do passado. Talvez seja este o primeiro
caso na História de destruição sistemática e brutal de uma obra
gigantesca, cujo autor cometeu o único suposto crime de ter vivido
num momento histórico que alguns querem desesperadamente
esquecer.

Podem porventura ser considerados condenáveis os jovens


esculturados com corpos de atleta e olhar firme que compõem a
maior parte de seu trabalho? Em nome de que estranha justiça se
pode arrasar as obras de arte dos autores que caem em desgraça
perante a política? Há acaso alguma razão que justifique o ódio
contra a obra de um artista? São questões que o próprio tempo
deverá responder, trazendo à tona a verdade que foi ocultada, por
vingança, pelos chamados vencedores da guerra de 1939 - 1945.

Bibliografia:
Infiesta, José Manuel - Arno Breker - Ediciones de Nuevo Arte Thor.
Barcelona, 1976 (1ª edição); segunda edição, ampliada, 1982.
Egret, Dominique - Arno Breker: Uma Vida para Beleza - Edition
Grabert. Tübingen, 1996
Fotos:
Egret, Dominique - Arno Breker: Uma Vida para Beleza - Edition
Grabert. Tübingen,1996 

Fonte: Revista Humanus

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