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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA PAULISTA DE POLÍTICA, ECONOMIA E NEGÓCIOS


DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Estevão Alves Sousa Assunção Aragão


164.510
1º Termo – Integral

John Locke nasceu em 1632, no interior da Inglaterra, e vivenciou períodos


marcantes e definitivos não só da história do seu país, mas também do mundo. Antes
de entrar nesse assunto, contudo, vale apresentar, brevemente, parte de sua biogra-
fia. Assim, destaca-se, primeiramente, que sua família era simples, coletando os frutos
dos negócios plantados por seu avô, Nicholas Locke, mas dependente de uma família
parlamentar, os Popham. Estes detinham certo poder e foi por conta do patrocínio
dela que o pai de Locke conseguiu planejar sua formação acadêmica, caminho mais
seguro de ascensão na sua época.
No entanto, Locke não ambicionava nem tinha grande relevância na academia,
formando-se com notas satisfatórias apenas. Estudou em Oxford, onde deveria seguir
a ordenação da Igreja após o fim dos seus estudos, mas recusou e decidiu seguir a
carreira da medicina. Apesar dessa escolha pela área médica, é possível observar, a
partir de suas anotações e correspondências, por exemplo, que seu principal interesse
estava voltado à filosofia política.
Tal interesse pode ser compreendido ao considerar que, durante seus setenta
e dois anos, Locke presenciou a Inglaterra sair de um estado de guerra civil – con-
fronto sanguinolento pela disputa pelo poder entre o parlamento e a nobreza – até o
apaziguamento dessa situação, com a vitória do parlamento e com a limitação do po-
der real. Nesse sentido, as transformações ocorridas não foram sentidas apenas no
campo político, mas também nos campos econômicos, filosóficos, científicos, sociais
etc.
A partir do parágrafo anterior, esboça-se os contextos histórico e de produção
no qual Locke estava inserido, mas é válido aprofundá-los. Com isso, em primeiro
lugar, destacam-se a Guerra Civil e as Revolução Inglesas: conflitos entre a nobreza
e burguesia ascendente, representada pelo parlamento. Pode-se considerar, como
principais motivações para o início desse embate, as perseguições religiosas, o abso-
lutismo monárquico e, sobretudo, a tentativa de controle do avanço da burguesia.
Nesse cenário, essa nova classe social emergente organiza-se para resistir e depor o
rei, o que resultou em guerra civil e na decapitação de Carlos I.

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Apesar disso, é apenas no reino de Jaime II – em 1688, quase quarenta anos


depois —, que a burguesia consegue dar seu golpe final nesses conflitos em favor de
Guilherme de Orange, ato que representou o início da monarquia parlamentarista e o
fim desse período tão conturbado da história inglesa. Durante todo esse tempo, Locke
acompanhou de forma muito próxima toda a movimentação política e usou-a como
inspiração para seus escritos posteriores.
Além de transformações e revoluções no campo político, Locke também pre-
senciou um intenso progresso científico, momento conhecido como Revolução Cien-
tífica. Influenciado por pensadores dessa época, como Francis Bacon, René Descar-
tes e Thomas Hobbes, Locke desenvolve não só seu pensamento político, mas tam-
bém uma teoria do conhecimento: o empirismo e a teoria da tábula rasa.
Com base nesses princípios, Locke inicia seu pensamento acerca do estado
de natureza humana: considerando que todos os homens nascem sem conhecimento
algum, sendo obtido a partir da experiência, os homens nascem todos iguais. Além da
igualdade entre os homens, Locke ressalta outros direitos naturais – que serão explo-
rados mais a frente –, sendo um expoente do jusnaturalismo portanto.
Acerca do estado de natureza, é interessante considerar, inicialmente, que o
autor considera que esse estado não deixou de existir por completo, começando o
segundo capítulo do seu livro “Dois tratados sobre o governo” com a seguinte frase:
“para entender o poder político corretamente [...] devemos considerar o estado em
que todos os homens naturalmente estão” (LOCKE, 2005, p. 381-2). Além disso, con-
tinuando seu raciocínio, Locke afirma que, nesse estado, os homens encontram-se
em igualdade, “não tendo ninguém mais [poder e jurisdição] que outro qualquer”
(LOCKE, 2005, p. 382), e liberdade, para “fazer tudo quanto considere oportuno para
a preservação de si mesmo e de outros dentro dos limites permitidos pela lei da natu-
reza” (LOCKE, 2005, p. 498).
Contudo, o autor destaca que, apesar de estarem todos os homens dotados de
liberdade, esta não é absoluta e irrestrita, pois “[o homem] não tem liberdade para
destruir-se ou a qualquer criatura em sua posse, a menos que que um uso mais nobre
que a mera conservação desta o exija” (LOCKE, 2005, p. 384). Para justificar tal po-
sicionamento, Locke recorre a uma explicação divina, afirmando que a vida individual
pertence a Deus e, assim, não cabe aos demais homens decidir a acerca do direito à
vida do outro e até de si próprios.

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Ainda que o direito à vida seja reservado apenas ao poder divino, o direito à
aplicação de punição contra infratores dos direitos naturais está à disposição de cada
homem, não obstante não ser absoluto também, sendo os homens juízes e aplicado-
res. Além de preservar os direitos naturais, o direito da punição assegura também
assegura não só a paz, como também a preservação da própria humanidade. Dessa
observação, é possível estabelecer, conforme destaca MELLO (2011), um grande
contraponto entre Locke e Hobbes, pois, enquanto este considera que, no estado de
natureza, os homens vivem em um estado de guerra generalizado, o primeiro avalia
que, nesse estado, há relativa tranquilidade.
Embora o estado seja relativamente pacífico, isto não quer dizer que não exis-
tam conflitos, resultando num estado de guerra, muito menos que esse estado e o de
natureza sejam sinônimos, como era considerado por Hobbes, por exemplo. Para
Locke (2005), o estado de guerra se caracteriza como o momento em que um homem
tenta impor poder sobre a vida de outrem e promove guerra ou manifesta-se contra a
existência de outro e este, sem outra forma de recorrer a tal injúria, utiliza-se dos
meios necessários para sua preservação, inclusive a destruição de quem ameaça-o.
Contudo, o autor defende, ainda, que, caso essa força ameaçadora cesse e haja como
recorrer pela lei, deve-se utilizar deste mecanismo; porém, se esse mecanismo estiver
sujeito a corrupção e deturpação das leis, o estado de guerra se instaura novamente
a fim de restituir os danos do agredido.
Nesse estado, os homens atuam como juízes em causa própria, prevalecendo
a parcialidade, da qual não é possível estabelecer nenhum tipo de resolução satisfa-
tória nem assegurar a manutenção dos direitos – sobretudo, à propriedade –, assim,
“evitar esse estado de guerra [...] é a grande razão pela qual os homens se unem em
sociedade e abandonam o estado de natureza” (LOCKE, 2005, p. 400).
Como esboçado, Locke dá grande ênfase ao direito à propriedade durante todo
seu trabalho, ponto fundamental para sua teoria sobre o início do governo. Antes,
contudo, é necessário estabelecer o que o autor considera o seu início e o que seria
a propriedade. Assim, ressalta o direito que homens têm a tudo que for necessário
para sua preservação e considera que, para alcançar esse objetivo, os homens têm
acesso à terra, que no início, era comum à humanidade. A partir disso, pareceria es-
tranho admitir algum senso de propriedade dentro de um ambiente em que, determi-
nado por Deus, seria de uso comum, no qual não há, originalmente, nenhum domínio

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particular. No entanto, apesar dessa estranheza, Locke destaca que a propriedade é


essencial à sociedade.
Para resolver esse impasse, Locke afirma que “cada homem tem uma proprie-
dade em sua própria pessoa [...] O trabalho e a obra de suas mãos, pode-se dizer,
são propriamente dele (LOCKE, 2005, p. 407-9). Ao retirar algo do estado comum que
se encontra na natureza, os homens agregam a ele algo que exclui o direito à propri-
edade dele desse algo dos demais; portanto, é o ato de obter parte do comum que dá
início à propriedade.
Contudo, e isso é fundamental para o entendimento do seu conceito de propri-
edade, Locke ressalta que o direito à propriedade não é inteiramente irrestrito e abso-
luto, mas limitado à capacidade de produção e necessidade dos bens individuais, afir-
mando: “a mesma lei da natureza que por este meio nos concede a propriedade, tam-
bém limita essa propriedade [...] O que quer que esteja além disso [tudo que for ne-
cessário para preservação] excede sua parte e pertence aos outros” (LOCKE, 2005,
p. 412).
Devido à importância do estabelecimento da propriedade para o desenvolvi-
mento da sociedade e à insegurança constante do estado de natureza, os homens
buscam se unir em busca da mútua conservação de seus direitos, resumidos na forma
da propriedade. Com isso, “o fim maior e principal para os homens unirem-se em so-
ciedades políticas e submeterem-se a um governo é, portanto, a conservação de sua
propriedade” (LOCKE, 2005, p. 495). Cabe destacar, ainda, a importância que o autor
dá ao consentimento desse pacto inicial, pois, sem ele, não só o estabelecimento do
governo seria ilegítimo, como também os homens permaneceriam em estado de na-
tureza e, portanto, sem segurança sob suas propriedades. Nessa perspectiva, Locke
afirma que:
Ninguém pode ser privado dessa condição [de igualdade e liberdade] nem
colocado sob o poder político de outrem sem o seu próprio consentimento. A
única maneira pela qual uma pessoa qualquer pode abdicar de sua liberdade
e revestir-se dos elos da sociedade civil é concordando com outros homens
em juntar-se e unir-se em uma comunidade (LOCKE, 2005, p. 468).

Concluindo sua obra, Locke destaca os momentos em que ocorrem a dissolu-


ção do governo civil, evidenciando três agentes internos principais possíveis: um prín-
cipe, uma assembleia de nobres e uma assembleia escolhida pelo povo. Apesar de
estabelecer algumas diferenças para cada um desses atores, um ponto principal fica
evidente: “os governos são dissolvidos, quando quer o legislativo, quer o príncipe, age

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contrariamente ao encargo que lhe foi confiado [...] quando tenta violar a propriedade
do súdito” (LOCKE, 2005, p. 579). Portanto, há dissolução do governo quando há um
atentado contra a propriedade dos indivíduos. Nesse momento, o povo está desobri-
gado a prestar obediência aos governantes e agir da forma que achar apropriado a
sua conservação, podendo estabelecer um novo governo, por meio da mudança dos
representantes ou da sua forma ou, ainda, de ambos os modos.
Por fim, a finalização deste fichamento está destinada para citar algumas pas-
sagens da leitura que mais me chamaram a atenção:
“O trabalho forma a maior parte do valor das coisas” (LOCKE, 2005, p. 422)
“O homem (sendo senhor de si mesmo e proprietário de sua própria pessoa e
de suas ações ou de seu trabalho) tinha já em si mesmo o grande fundamento da
propriedade” (LOCKE, 2005, p. 424)
“A comunidade passa a ser o árbitro mediante regras fixas estabelecidas, im-
parciais e idênticas” (LOCKE, 2005, p. 458)
“Aquele que pensa que o poder absoluto purifica o sangue dos homens e cor-
rige a baixeza da natureza humana precisa apenas ler a história” (LOCKE, 2005, p.
463)
“[As pessoas] concluem que são naturalmente súditos, quando são homens”
(LOCKE, 2005, p. 490)
Em suma, o livre consentimento dos indivíduos para o estabelecimento da
sociedade, o livre consentimento da comunidade para a formação do go-
verno, a proteção dos direitos de propriedade pelo governo, o controle do
executivo pelo legislativo e o controle do governo pela sociedade, são, para
Locke, os principais fundamentos do estado civil (MELLO, 2011, p. 87).

Referências bibliográficas
LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. 2ª edição. São Paulo: Martins Fon-
tes, 2005.
MELLO, Leonel Itaussu Almeida. John Locke e o individualismo liberal. In: WEF-
FORT, F.C. Clássicos da política, 1. 14.ed. São Paulo: Ática, 2011.

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