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-se a um nível de atividade enzimática abaixo do qual a doença ocorre; pe- 432e-1

432e DDoenças de depósito


lilisossômico
RRobert J. Hopkin, Gregory A. Grabowski
quenas alterações na atividade enzimática próxima do limiar podem levar
à doença ou evitá-la. Um elemento fundamental desse modelo é que a ati-
vidade enzimática pode ser estimulada por alterações no fluxo de substra-
tos com base na constituição genética, na renovação celular, na reciclagem
ou nas demandas metabólicas. Por conseguinte, determinado nível resi-
Os lisossomos
O liso
soss
sossomos são organelas ssubcelulares heterogêneas que contêm hidro- dual de enzima pode ser adequado para o substrato em alguns tecidos ou
lasess específicas, as quais permitem
pe o processamento ou a degradação células, mas não em outros. Além disso, existem diversas variantes de cada
seleti
t vos de proteínas,
seletivos proteínas ácidos nucleicos, carboidratos e lipídeos. Existem DDL em nível clínico. Por conseguinte, esses distúrbios representam um
mais de 40 doenças de depósito lisossômico (DDLs) diferentes, classifica- contínuo de manifestações não facilmente dissociadas em entidades distin-
das com base na natureza do material depositado (Quadro 432e.1). Vá- tas. As bases dessas variações ainda não foram detalhadamente elucidadas.
rios dos distúrbios mais prevalentes estão revisados aqui: doença de Tay-
-Sachs, doença de Fabry, doença de Gaucher, doença de Niemann-Pick, DISTÚRBIOS SELECIONADOS
deficiências da lipase ácida lisossômica, mucopolissacaridoses e doença
DOENÇA DE TAYSACHS
de Pompe. As DDLs devem ser consideradas no diagnóstico diferencial
Cerca de 1 em 30 judeus ashkenazi é portador da doença de Tay-Sachs,
dos pacientes com degeneração neurológica, renal ou muscular e/ou hepa-
que é causada pela deficiência total de hexosaminidase A (Hex A) que
tomegalia, esplenomegalia, miocardiopatia ou displasias e deformidades
resulta de cadeias α defeituosas. A forma infantil é uma doença neurode-
esqueléticas inexplicadas. Os achados físicos são doença-específicos, e generativa fatal com macrocefalia, perda da habilidade motora, aumento
ensaios enzimáticos ou testes genéticos podem ser usados para estabele- da reação de sobressalto e mancha vermelho-cereja na mácula retiniana.
cer um diagnóstico definitivo. Embora a nosologia das DDLs separe as A forma de início na juventude apresenta ataxia e demência, com morte
variantes em fenótipos distintos, trata-se de uma abordagem heurística, e, em torno dos 10 aos 15 anos de idade. O distúrbio de início na idade adul-

CAPÍTULO 432e
na clínica, cada doença exibe, em certo grau, um espectro mais ou menos ta caracteriza-se por inabilidade na infância, fraqueza motora progressiva
contínuo de manifestações, desde variantes graves até atenuadas. na adolescência, sintomas espinocerebelares do neurônio motor inferior
e disartria na idade adulta. A inteligência declina lentamente, e a psicose
PATOGÊNESE é comum. Recomenda-se a triagem para os portadores da doença de Tay-
-Sachs na população de judeus ashkenazi. A doença de Sandhoff, causada
A biogênese dos lisossomos envolve a síntese contínua das hidrolases li-
por deficiência em Hex A e Hex B resultando de cadeias β defeituosas, é
sossômicas, proteínas essenciais da membrana, e novas membranas. Os
fenotipicamente semelhante à doença de Tay-Sachs, mas também inclui
lisossomos originam-se da fusão de vesículas da rede trans-Golgi com
hepatoesplenomegalia e displasias ósseas.
endossomos tardios. A maturação dessas vesículas é acompanhada de

Doenças de depósito lisossômico


acidificação progressiva dentro das organelas, e esse gradiente facilita a DOENÇA DE FABRY
dissociação de receptores e ligantes dependente do pH, bem como a ativa- A doença de Fabry é um distúrbio ligado ao cromossomo X que resulta
ção das hidrolases lisossômicas. Os lisossomos são componentes do siste- de mutações no gene A da α-galactosidase. A prevalência estimada de
ma lisossomo/autofagia/mitofagia, o qual pode estar alterado nas DDLs. homens hemizigotos varia de 1 em 40.000 a 1 em 3.500 em populações
As anormalidades em qualquer etapa de biossíntese podem com- selecionadas. Clinicamente, a doença manifesta-se por angioceratomas
prometer a ativação enzimática e produzir o distúrbio de depósito lisos- (lesões cutâneas telangiectásicas), hipoidrose, opacidades da córnea e
sômico. Após a clipagem da sequência líder, ocorre o remodelamento de do cristalino, acroparestesia e doença progressiva de pequenos vasos dos
oligossacarídeos complexos (incluindo o ligante direcionado ao lisosso- rins, do coração e do cérebro.
mo manose-6-fosfato, bem como cadeias de oligossacarídeos ricas em Os angioceratomas e as acroparestesias podem aparecer na infância.
manose de muitas hidrolases lisossômicas solúveis) durante o trânsito Os angioceratomas são pontilhados, vermelho-escuros a preto-azulados,
pelo complexo de Golgi. As proteínas de membrana lisossômicas inte- planos ou levemente elevados e em geral simétricos; além disso, não em-
grais ou associadas são distribuídas para a membrana ou para o interior palidecem à pressão. Variam de tamanho, desde quase invisíveis até vários
do lisossomo por vários sinais peptídicos diferentes. A fosforilação, a sul- milímetros de diâmetro, e tendem a aumentar de tamanho e número com
fatação, o processamento proteolítico adicional e a organização macro- a idade. Em geral, são mais densos entre o umbigo e os joelhos – “a área
molecular de heterômeros ocorrem ao mesmo tempo. Essas modificações da roupa de banho” –, mas podem ocorrer em qualquer local, incluin-
pós-tradução são fundamentais para a função enzimática, e os defeitos do as superfícies mucosas. Os angioceratomas também podem ocorrer
podem resultar em múltiplas deficiências de enzimas/proteínas. em várias outras DDLs muito raras. As lesões da córnea e do cristalino,
A via comum final das DDLs é o acúmulo de macromoléculas espe- detectáveis no exame com lâmpada de fenda, podem ajudar no estabele-
cíficas no interior dos tecidos e das células que normalmente têm fluxo cimento do diagnóstico de doença de Fabry. A dor em queimação, episó-
elevado desses substratos. A maioria das deficiências das enzimas lisos- dica e debilitante das mãos, dos pés e das partes proximais dos membros
sômicas resulta de mutações pontuais ou de rearranjos genéticos em um (acroparestesia) pode durar vários minutos a dias e ser precipitada por
locus que codifica uma única hidrolase lisossômica. Entretanto, algumas mudanças de temperatura, exercício, fadiga ou febre. A dor abdominal
mutações causam deficiências de várias hidrolases lisossômicas diferentes pode assemelhar-se à da apendicite ou cólica renal. Ocorrem proteinúria,
por alteração das enzimas/proteínas envolvidas em funções-alvo, modi- isostenúria e disfunção renal progressiva da segunda à quarta década de
ficações de locais ativos ou associação macromolecular ou tráfego. Todas vida; cerca de 5% dos homens com insuficiência renal idiopática apre-
as DDLs são herdadas como distúrbios autossômicos recessivos, exceto as sentam mutações no gene A da α-galactosidase. Hipertensão, hipertrofia
doenças de Hunter (mucopolissacaridose tipo II), de Danon e de Fabry, ventricular esquerda, dor torácica anginosa e insuficiência cardíaca con-
que são ligadas ao X. O acúmulo de substrato leva à distorção lisossômica, gestiva podem ocorrer da terceira à quarta década de vida. Cerca de 1 a
a qual tem consequências patológicas significativas. Além disso, quanti- 3% dos pacientes com miocardiopatia hipertrófica idiopática apresentam
dades anormais de metabólitos também podem ter efeitos farmacológicos doença de Fabry. Da mesma forma, cerca de 3 a 5% dos homens com
importantes sobre a fisiopatologia e a propagação da doença. acidente vascular encefálico (AVE) idiopático com 35 a 50 anos de idade
Para muitas DDLs, os substratos acumulados são sintetizados de têm mutações no gene A da α-galactosidase. Ocorrem também linfedema
modo endógeno no interior de locais teciduais específicos da patologia. das pernas sem hipoproteinemia e diarreia episódica. A morte é causada
Outras doenças apresentam mais suprimentos de substratos exógenos. Por por insuficiência renal ou doença cardiovascular ou vascular cerebral em
exemplo, os substratos são entregues por captação mediada pelo receptor pacientes homens não tratados. As variantes com atividade residual no
de lipoproteínas de baixa densidade na doença de Fabry e nas doenças do gene A da α-galactosidase podem exibir manifestações de início tardio,
depósito de éster de colesteril (CESDs, de cholesteryl ester storage diseases), limitadas ao sistema cardiovascular, que se assemelham à miocardiopatia
ou por fagocitose na doença de Gaucher tipo 1. A hipótese do limiar refere- hipertrófica. As variantes com manifestações cardíacas, renais ou do sis-

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Endocrinologia e metabolismo PARTE 16
432e-2
QUADRO 432e.1 DOENÇAS DE DEPÓSITO LISOSSÔMICO SELECIONADAS
Características clínicas
Deficiência enzimática Tipos clínicos Displasia Características
Distúrbioa (tratamento específico) Material armazenado (início) Herança Neurológicas Hepatoesplenomegalia esquelética Oftalmológicas Hematológicas exclusivas
Mucopolissacaridoses (MPSs)
MPS I H, α-L-iduronidase (TE, Dermatan sulfato Infantil AR Deficiência +++ ++++ Turvação da Linfócitos va- Face grosseira, compro-
Hurler (136) TMO) Heparan sulfato Intermediário intelectual córnea cuolados metimento cardiovascu-
lar, rigidez articular
MPS I H/S, Adulto Deficiência
Hurler/Scheie intelectual
MPS I S, Scheie Nenhuma
MPS II, Iduronato sulfatase (TE) Dermatan sulfato Infantil grave Ligada ao X Deficiência +++ ++++ Degeneração Linfócitos gra- Face grosseira, compro-
Hunter (136) Heparan sulfato Juvenil leve intelectual, da retina, au- nulados metimento cardiovas-
menor grau na sência de turva- cular, rigidez articular,
forma leve ção da córnea lesões cutâneas granu-
losas distintas
MPS III A, Heparan N-sulfatase Heparan sulfato Infantil tardio AR Deficiência inte- + + Nenhuma Linfócitos gra- Face levemente gros-
Sanfilippo A (136) lectual grave nulados seira
MPS III B, N-acetil-α- Heparan sulfato Infantil tardio AR Deficiência inte- + + Nenhuma Linfócitos gra- Face levemente gros-
Sanfilippo B (136) glicosaminidase lectual grave nulados seira
MPS III C, Acetil-CoA: Heparan sulfato Infantil tardio AR Deficiência inte- + + Nenhuma Linfócitos gra- Face levemente gros-
Sanfilippo C (136) α-glicosaminidase lectual grave nulados seira
N-acetiltransferase
MPS III D, N-acetilglicosamina-6- Heparan sulfato Infantil tardio AR Deficiência inte- + + Nenhuma Linfócitos gra- Face levemente gros-
Sanfilippo D (136) -sulfato-sulfatase lectual grave nulados seira
MPS IV A, N-acetilgalactosami- Condroitina-6-sulfato Infância AR Nenhuma + ++++ Turvação da Neutrófilos gra- Deformidade esquelé-
Morquio A (136) na-6-sulfato-sulfatase Queratan sulfato córnea nulados tica distinta, hipoplasia
(estudos com TE) odontoide, valvopatia
aórtica
MPS IV B, β-galactosidase Infância AR Nenhuma ± ++++
Morquio (136)
MPS VI, Arilsulfatase B (TE, TMO) Dermatan sulfato Infantil tardio AR Nenhuma ++ ++++ Turvação da Neutrófilos e Face grosseira, cardio-
Maroteaux-Lamy córnea linfócitos gra- patia valvar

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(136) nulados
MPS VII (136) β-glucuronidase Dermatan sulfato Neonatal AR Deficiência +++ +++ Turvação da Neutrófilos gra- Face grosseira, compro-
Heparan sulfato Infantil intelectual, au- córnea nulados metimento vascular,
Adulto sente em alguns hidropsia fetal na forma
adultos neonatal
Gangliosidoses GM2
Doença de β-hexosaminidase A Gangliosídeos GM2 Infantil AR Deficiência Nenhuma Nenhuma Mancha verme- Nenhuma Macrocefalia, hiperacu-
Tay-Sachs (153) Juvenil intelectual, con- lho-cereja na sia na forma infantil
vulsões, forma forma infantil
juvenil tardia
Doença de β-hexosaminidases Gangliosídeos GM2 Infantil AR Deficiência inte- ++ ± Mancha verme- Nenhuma Macrocefalia, hipera-
Sandhoff (153) AeB lectual,convulsões lho-cereja cusia
Glicoesfingolipidoses neutras
Doença de Fabry (150) α-galactosidase A (TE) Globotriaosilceramida Infância Ligada ao X Acroparestesias Nenhuma Nenhuma Distrofia da Nenhuma Angioceratomas cutâ-
dolorosas córnea, lesões neos; hipoidrose
vasculares
Doença de β-glicosidase ácida Glicosilceramida Tipo 1 AR Nenhuma ++++ ++++ Nenhuma Células de Forma adulta muito
Gaucher (146) (TE, SRT) Tipo 2 ++++ +++ + Movimentos Gaucher na variável
oculares medula óssea;
Tipo 3 ++ ++++ ++++ Movimentos citopenias
oculares
Doença de Niemann- Esfingomielinase (estu- Esfingomielina Neuronopática AR Deficiência ++++ Nenhuma Degeneração Células espu- Infiltrados pulmonares
-Pick (144) A e B dos com TE) tipo A intelectual, con- Osteoporose da mácula mosas na me- Insuficiência pulmonar
Não neuronopá- vulsões dula óssea
tica tipo B
Glicoproteinoses
Fucosidose (140) α-fucosidase Glicopeptídeos, Infantil AR Deficiência ++ ++ Nenhuma Linfócitos va- Face grosseira, angio-
oligossacarídeos Juvenil intelectual cuolados, célu- ceratomas na forma
las espumosas juvenil
α-manosidose (140) α-manosidase Oligossacarídeos Infantil AR Deficiência +++ +++ Cataratas, Linfócitos Face grosseira, macro-
Variante mais intelectual turvação da vacuolados, glossia
leve córnea neutrófilos gra-
nulados
β-manosidose (140) β-manosidase Oligossacarídeos AR Convulsões, ++ Nenhuma Linfócitos va- Angioceratomas
deficiência cuolados, célu-
intelectual las espumosas
Aspartilglicosaminúria Aspartilglicosaminidase Aspartilglicosamina, Adultos jovens AR Deficiência ± ++ Nenhuma Linfócitos va- Face grosseira
(141) glicopeptídeos intelectual cuolados, célu-

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las espumosas
Sialidose (140) Neuraminidase Sialiloligossacarídeos Tipo I, congênito AR Mioclonias, ++, menos no tipo I ++, menos Mancha verme- Linfócitos va- Fenótipo MPS no tipo II
Tipo II, infantil e deficiência no tipo I lho-cereja cuolados
juvenil intelectual
Mucolipidoses (MLs)
ML-II, doença da UDP-N-acetilglicosami- Glicoproteína, glico- Infantil AR Deficiência + ++++ Turvação da Neutrófilos Face grosseira, ausência
célula I (138) na-1-fosfotransferase lipídeos intelectual córnea vacuolados e de mucopolissacaridú-
granulados ria, hipoplasia gengival
ML-III, pseudopolidis- UDP-N-acetilglicosami- Glicoproteína, glico- Infantil tardio AR Deficiência Nenhuma +++ Turvação da Face grosseira, rigidez
trofia de Hurler (138) na-1-fosfotransferase lipídeos intelectual leve córnea, reti- das mãos e dos ombros
nopatia leve,
astigmatismo
hiperópico
(continua)

Doenças de depósito lisossômico CAPÍTULO 432e


432e-3
Endocrinologia e metabolismo PARTE 16
432e-4
QUADRO 432e.1 DOENÇAS DE DEPÓSITO LISOSSÔMICO SELECIONADAS CONTINUAÇÃO
Características clínicas
Deficiência enzimática Tipos clínicos Displasia Características
Distúrbioa (tratamento específico) Material armazenado (início) Herança Neurológicas Hepatoesplenomegalia esquelética Oftalmológicas Hematológicas exclusivas
Leucodistrofias
Doença de Krabbe Galactosilceramidase Galactosilceramida Infantil AR Deficiência Nenhuma Nenhuma Nenhuma Nenhuma Células globoides na
(147) (TMO/TCTH) Galactosil esfingosina intelectual substância branca
Leucodistrofia meta- Arilsulfatase A Sulfato de cerebro- Infantil AR Deficiência inte- Nenhuma Nenhuma Atrofia óptica Nenhuma Anormalidades da mar-
cromática (148) sídeo Juvenil lectual, demên- cha na forma infantil
Adulto cia e psicose no tardia
adulto
Deficiência de múlti- Enzima conversora da Sulfatídeos; mucopo- Infantil tardio AR Deficiência + ++ Degeneração Células vacuo- Ausência de atividade
plas sulfatases (149) cisteína do local ativo lissacarídeos intelectual da retina ladas e granu- de todas as sulfatases
em Cα-formilglicina ladas celulares conhecidas
Distúrbios dos lipídeos neutros
Doença de Wolman Lipase ácida lisossômica Ésteres de colesteril, Infantil AR Deficiência +++ Nenhuma Nenhuma Nenhuma Calcificação suprarrenal
(142) (estudos com TE) triglicerídeos intelectual leve
Doença do depósito Lipase ácida lisossômica Ésteres de colesteril Infância AR Nenhuma Hepatomegalia Nenhuma Nenhuma Nenhuma Esteatose hepática;
de ésteres de (estudos com TE) cirrose
colesteril (142)
Doença de Farber Ceramidase ácida Ceramida Infantil AR Deficiência ± Nenhuma Degeneração Nenhuma Artropatia, nódulos sub-
(143) Juvenil intelectual oca- da mácula cutâneos
sional
Distúrbios do glicogênio
Doença de Pompe α-glicosidase ácida (TE) Glicogênio Infantil de início AR Neuromuscular ± Nenhuma Nenhuma Nenhuma Miocardiopatia
(135) tardio
Deficiência de GAA de α-glicosidase ácida (TE) Glicogênio Variável: juvenil AR Neuromuscular Nenhuma Nenhuma Nenhuma Nenhuma Insuficiência respiratória;
início tardio (135) a adulto doença neuromuscular
Doença de Danon LAMP-2 (proteína de Glicogênio Variável: infância Ligada ao X Miocardiopatia Nenhuma Nenhuma Nenhuma Nenhuma Degeneração vacuolar
(154) membrana associada a a adulto (Dominante?) Neuromuscular miocárdica
lisossomo-2) Deficiência
intelectual in-

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consistente
a
Os números entre parênteses referem-se aos capítulos de Scriver et al.: The Metabolic and Molecular Bases of Inherited Disease, 9th ed. New York, McGraw-Hill, www.ommbid.com, que fornece revisões abrangentes.
Abreviações: AR, autossômica recessiva; CoA, coenzima A; TMO/TCTH, transplante de medula óssea ou células-tronco hematopoiéticas; TE, terapia enzimática; SRT, terapia de redução de substrato, de substrate reduction therapy; UDP, uridina 5′-difosfato.
tema nervoso central (SNC) predominantes estão se tornando mais bem Os estudos de genótipo/fenótipo indicam a existência de significati- 432e-5
definidas. Até 70% das mulheres heterozigotas podem exibir manifesta- va correlação, embora não absoluta, entre o tipo e a gravidade da doença
ções clínicas. Porém, nas mulheres, a doença cardíaca é a manifestação e o genótipo de GBA1. A mutação mais comum na população de judeus
clínica que mais ameaça a vida, seguida em frequência por AVE e, depois, ashkenazi (N370S) compartilha associação de 100% com a doença de Gau-
doença renal. cher não neuronopática ou tipo 1. Os genótipos N370S/N370S e N370S/
A fenitoína e a carbamazepina diminuem a acroparestesia crônica outro alelo mutante estão associados a doença de início mais tardio/me-
e episódica. A hemodiálise crônica ou o transplante renal podem salvar nos grave e doença de início mais precoce/grave, respectivamente. Foi cal-
a vida de pacientes com insuficiência renal. A terapia enzimática elimina culado que até 50 a 60% dos indivíduos com o genótipo N370S/N370S são
os lipídeos depositados em uma variedade de células, em particular as do assintomáticos. Outros alelos são L444P (atividade muito baixa), 84GG
endotélio vascular renal, do cardíaco e do cutâneo. A insuficiência renal (nulo) ou IVS-2 (nulo) e alelos raros/particulares ou não caracterizados.
parece ser irreversível. A instituição precoce da terapia enzimática pode Os pacientes L444P/L444P quase sempre apresentam doença potencial-
evitar ou retardar a progressão das complicações potencialmente fatais. mente fatal a bastante grave/de início precoce, e muitos deles apresentam
comprometimento do SNC nas duas primeiras décadas de vida.
DOENÇA DE GAUCHER O tratamento sintomático das citopenias sanguíneas e as cirurgias
A doença de Gaucher é um distúrbio autossômico recessivo que resulta de substituição articular continuam tendo papel importante no trata-
da atividade deficiente da β-glicosidase ácida; descreveram-se cerca de mento. Todavia, no momento a terapia enzimática intravenosa regular
400 mutações no locus GBA1 desses pacientes. As variantes da doença constitui o tratamento de escolha para os pacientes significativamente
são classificadas com base na ausência ou na presença e na progressão do acometidos, mostrando-se altamente eficaz e segura para diminuir a
comprometimento neuronopático. hepatoesplenomegalia, bem como para melhorar os valores hemato-
A doença de Gaucher tipo 1 é uma doença não neuronopática que lógicos. A doença óssea diminui, mas não é eliminada, com a terapia
pode se manifestar desde a infância até a idade adulta, com doença visce- enzimática. Os pacientes adultos podem beneficiar-se pelo tratamen-
ral lenta a rapidamente progressiva. O diagnóstico é estabelecido em cer- to adjuvante com bisfosfonatos, que melhoram a densidade óssea. Os

CAPÍTULO 432e
ca de 55 a 60% dos pacientes com menos de 20 anos nas populações bran- pacientes que não podem ser tratados com enzimas, pelo fato de não
cas e em uma idade ainda mais jovem nos demais grupos. Esse padrão ser efetiva ou porque apresentam alergia ou outras hipersensibilidades,
de apresentação é nitidamente bimodal, com picos em menores de 10 a podem receber terapia de redução de substrato com medicamentos que
15 anos e em torno de 25 anos. Os pacientes mais jovens tendem a exibir diminuem a produção das moléculas lipídicas complexas degradadas
maior grau de hepatoesplenomegalia e citopenias sanguíneas associadas. pela β-glicosidase ácida.
Em contrapartida, o grupo etário mais velho exibe maior tendência à A doença de Gaucher tipo 2 é uma doença do SNC rara, progressiva
doença óssea crônica. A hepatoesplenomegalia ocorre em praticamente e grave que leva à morte por volta dos 2 anos de idade. A doença de Gau-
todos os pacientes sintomáticos e pode ser de grau leve ou maciço. A ane- cher tipo 3 apresenta manifestações muito variáveis no SNC e nas vísce-

Doenças de depósito lisossômico


mia e a trombocitopenia associadas mostram-se variáveis e não estão di- ras. Pode apresentar-se no início da infância com doença visceral maciça
retamente relacionadas com o volume do fígado ou do baço. A disfunção rapidamente progressiva e progride lentamente para o comprometimento
hepática grave é incomum. Os infartos esplênicos podem assemelhar-se estático do SNC; na adolescência, com demência; ou no início da idade
ao abdome agudo. A hipertensão pulmonar e o acúmulo alveolar de cé- adulta, com convulsões mioclônicas incontroláveis e rapidamente pro-
lulas de Gaucher são incomuns, porém potencialmente fatais, podendo gressivas, bem como doença visceral leve. A doença visceral tipo 3 é qua-
ocorrer em qualquer idade. As mutações de GBA1 nos estados hetero ou se idêntica à tipo 1, porém costuma ser mais grave. Os achados iniciais do
homozigoto constituem um fator de risco significativo para o início pre- SNC podem limitar-se a defeitos do olhar lateral conjugado, que podem
coce ou mais rapidamente progressivo da doença de Parkinson. permanecer estáticos por várias décadas. A deficiência intelectual pode
Todos os pacientes com doença de Gaucher têm infiltração não uni- ser lentamente progressiva ou estática. Essa variante é mais frequente en-
forme da medula óssea por macrófagos carregados de lipídeos chamados tre indivíduos de descendência sueca. O envolvimento visceral, mas não
de células de Gaucher. Esse fenômeno pode levar ao preenchimento exten- do SNC, responde à terapia enzimática.
so da medula óssea com subsequente infarto, isquemia, necrose e destrui-
ção de osso cortical. O acometimento da medula óssea dissemina-se das DOENÇA DE NIEMANNPICK
partes proximais para as distais dos membros e pode afetar extensamente As doenças de Niemann-Pick são distúrbios autossômicos recessivos que
o esqueleto axial, causando colapso vertebral. Além do acometimento da resultam de defeitos da esfingomielinase ácida. Os tipos A e B são dife-
medula óssea, o remodelamento ósseo encontra-se deficiente, com perda renciados pela idade de início precoce e pela doença progressiva do SNC
do cálcio ósseo total, levando a osteopenia, osteonecrose, infarto avascular no tipo A. Em geral, o distúrbio tipo A tem início no primeiro semes-
e fraturas vertebrais por compressão e comprometimento da medula espi- tre de vida, com deterioração rapidamente progressiva do SNC, espas-
nal. A necrose asséptica da cabeça do fêmur é comum, assim como a fra- ticidade, atraso do crescimento e hepatoesplenomegalia maciça. O tipo
tura do colo do fêmur. O mecanismo pelo qual os macrófagos acometidos B tem início tardio e mais variável, caracterizando-se por progressão da
da medula óssea interagem com os osteoclastos e/ou osteoblastos, cau- hepatoesplenomegalia com o consequente desenvolvimento de cirrose e
sando doença óssea, não está definido por completo. A dor óssea crônica a substituição hepática por células espumosas. Os pacientes acometidos
e mal definida pode ser debilitante e está pouco correlacionada com os apresentam doença pulmonar progressiva com dispneia, hipoxemia e pa-
achados radiográficos. As “crises ósseas” estão associadas à dor excrucian- drão de infiltrado reticular na radiografia de tórax. As células espumosas
te localizada e, às vezes, a eritema local, febre e leucocitose. Essas crises estão presentes nos alvéolos, nos vasos linfáticos e nas artérias pulmona-
representam infartos agudos do osso, conforme evidenciado em cintilo- res. A doença hepática e a doença pulmonar progressivas levam à morte
grafias pela ausência de captação localizada dos agentes do pirofosfato. O na adolescência ou no início da vida adulta.
diagnóstico é estabelecido por uma redução da atividade da β-glicosidase O diagnóstico é estabelecido pela acentuada redução (1-10% do
ácida (0-20% do normal) em células nucleadas. A enzima não está pre- normal) da atividade da esfingomielinase nas células nucleadas. Não
sente nos líquidos corporais. A sensibilidade do teste enzimático é baixa existe tratamento específico para a doença de Niemann-Pick. A eficácia
para a detecção de heterozigotos; prefere-se o teste molecular por sequen- do transplante de fígado ou de medula óssea ainda não foi claramente es-
ciamento de GBA1. A frequência da doença varia de cerca de 1 em 1.000 tabelecida. Ensaios clínicos com a terapia enzimática estão em fase 2 e 3.
indivíduos nos judeus ashkenazi a menos de 1 em 100.000 indivíduos em As doenças de Niemann-Pick C são doenças progressivas do SNC
outras populações; cerca de 1 em cada 12 a 15 judeus ashkenazi é portador causadas por mutações em NPC1 ou NPC2. Elas se apresentam com
do alelo da doença de Gaucher. Quatro mutações comuns são responsáveis doença hepática ou esplênica, mas suas principais manifestações são
por cerca de 85% das mutações nessa população de pacientes acometidos: doença progressiva do SNC ao longo de uma ou duas décadas. O trata-
N370S (1226G), 84GG (uma inserção de G na posição 84 do cDNA), L444P mento com agentes inibidores do substrato (p. ex., Miglustat) e a deple-
(1448C) e IVS-2 (uma mutação de junção do íntron 2). ção do substrato com ciclodextrina mostraram-se promissores.

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432e-6 LIPASE ÁCIDA LISOSSÔMICA Uma combinação de terapia enzimática e TCTH, com a terapia enzimá-
A deficiência de lipase ácida lisossômica pode resultar na doença de Wol- tica instituída antes do transplante, tem sido utilizada em uma tentativa
man (deficiência grave) ou na CESD, que se apresenta mais tarde e tem de diminuir a carga da doença. A experiência com essa abordagem não
alguma (3-10%) atividade enzimática residual. A doença de Wolman apre- está bem documentada, mas parece ter vantagens sobre o tratamento ex-
senta-se na primeira infância com hepatoesplenomegalia, diarreia, vômi- clusivo com TCTH.
tos e distensão abdominal, algumas vezes com calcificação suprarrenal, A terapia enzimática para a doença de Maroteaux-Lamy (MPS VI)
anemia e hiperlipidemia mista. A morte ocorre antes de 1 ano de idade e recebeu aprovação da U.S. Food and Drug Administration (FDA). Esse
costuma ser causada por má absorção intestinal grave. A CESD é hetero- distúrbio autossômico recessivo muito raro caracteriza-se por hepatoes-
gênea e apresenta-se com hepatomegalia e esteatose hepática em qualquer plenomegalia, doença óssea, cardiopatia e comprometimento respiratório
idade entre a infância ou a idade adulta. A CESD deve ser incluída no diag- semelhantes aos observados na MPS I; todavia, a MPS VI deve-se à defi-
nóstico diferencial de todos os pacientes com hipercolesterolemia isolada. ciência de arilsulfatase B e não está associada à degeneração neurológica.
A doença pode progredir para fibrose hepática, cirrose e insuficiência he- A doença de Hunter (MPS II) é um distúrbio ligado ao X causado
pática. Além disso, os pacientes costumam desenvolver doença vascular por deficiência na iduronato sulfato-sulfatase e tem manifestações se-
aterosclerótica de início muito precoce, a qual pode ameaçar a vida na in- melhantes àquelas da MPS I, incluindo degeneração neurológica. Não
fância. Os resultados preliminares do tratamento com terapia de reposição há opacificação da córnea nem outra doença ocular. À semelhança da
enzimática são promissores para a doença de Wolman e a CESD. MPS I, a MPS II é clinicamente variável, com variantes do SNC, e não do
SNC. O TCTH não tem sido bem-sucedido no tratamento da doença do
MUCOPOLISSACARIDOSES SNC associada à MPS II. A FDA e a European Medicines Agency (EMA)
A mucopolissacaridose tipo I (MPS I) é um distúrbio autossômico re- aprovaram a reposição enzimática para o tratamento das manifestações
cessivo causado pela deficiência de α-L-iduronidase. Tradicionalmente, viscerais da MPS II.
o contínuo do comprometimento tem sido dividido em três categorias:
(1) doença de Hurler (MPS I H), caracterizada por deficiência grave com DOENÇA DE POMPE
neurodegeneração, (2) doença de Scheie (MPS I S), que se refere à doença A deficiência de maltase ácida (GAA, α-glicosidase ácida), também deno-
PARTE 16

de início mais tardio sem comprometimento neurológico e com doença minada doença de Pompe, é a única DDL de glicogênio. A forma infantil
relativamente menos grave em outros sistemas orgânicos, e (3) síndrome grave clássica manifesta-se com hipotonia, miocardiopatia e hepatoesple-
de Hurler-Scheie (MPS I H/S), para os pacientes que apresentam um qua- nomegalia. Essa variante, rapidamente progressiva, em geral resulta em
dro intermediário entre esses dois extremos. A MPS I H/S caracteriza-se morte no primeiro ano de vida. Entretanto, a exemplo de outras DDLs,
por doença somática grave, em geral sem deterioração neurológica franca. existem formas de início precoce e de início tardio dessa doença. As va-
Com frequência, a MPS I manifesta-se na lactância ou no início da riantes de início tardio podem ser comuns, com até 1 em 40.000; os pa-
infância com rinite crônica, turvação da córnea e hepatoesplenomegalia. cientes com início tardio apresentam miopatia lentamente progressiva,
Endocrinologia e metabolismo

Com a evolução da doença, quase todos os sistemas orgânicos podem ser que pode se assemelhar a uma distrofia muscular da cintura escapular e
afetados. Nas formas mais graves, as doenças cardíacas e respiratórias da cintura pélvica. A insuficiência respiratória pode constituir o sinal de
tornam-se potencialmente fatais na infância. A doença esquelética pode apresentação ou pode desenvolver-se com a evolução da doença. Nos es-
ser bastante grave, resultando em mobilidade muito limitada. tágios tardios da doença, os pacientes podem exigir ventilação mecânica,
Atualmente, há dois tratamentos para as doenças MPS I. O trans- queixar-se de dificuldade de deglutição e apresentar perda do controle
plante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH) é o tratamento-padrão intestinal e vesical. A miocardiopatia não costuma ser observada nas va-
para pacientes que apresentam a doença com menos de 2 anos de idade e riantes de início tardio da doença de Pompe.
que parecem ter ou estão sob risco de degeneração neurológica. O TCTH A FDA e a EMA aprovaram a terapia enzimática para a doença de
resulta em estabilização da doença do SNC e reverte a hepatoesplenome- Pompe. Esse tratamento prolonga claramente a sobrevida na forma in-
galia. Além disso, melhora a doença cardíaca e a respiratória. O TCTH fantil, resultando em melhora consistente da função cardíaca. A função
não elimina a doença corneana ou resulta na resolução da doença esque- respiratória também melhora na maioria dos lactentes tratados. Alguns
lética progressiva. A terapia enzimática alivia efetivamente a hepatoes- lactentes demonstraram notável melhora das funções motoras, enquan-
plenomegalia e melhora a doença cardíaca e a respiratória. A enzima não to outros tiveram alterações mínimas no tônus ou na força muscular. A
penetra efetivamente no SNC nem afeta diretamente a doença do SNC. prevenção da deterioração foi demonstrada com a terapia enzimática
A terapia enzimática e o TCTH parecem ter efeitos semelhantes em si- com GAA nas formas de início tardio. A intervenção precoce com o tra-
nais e sintomas viscerais. A terapia enzimática apresenta menor risco de tamento enzimático com GAA nesses pacientes pode limitar ou evitar a
complicações potencialmente fatais e, por conseguinte, pode ter vanta- deterioração, porém a doença muito avançada apresenta componentes
gens para os pacientes com manifestações atenuadas sem doença do SNC. irreversíveis significativos.

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