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liar do cobre, fazendo com que o metal se acumule em lisossomos MANIFESTAÇOES CL(NICAS
•
hepáticos. Desse modo, eles evoluem com retenção aumentada
hepatocelular, cupremia baixa e nível sérico de ceruloplasmina A DW é uma afecção caracteristicamente identificada entre
reduzido. Esse comportamento também é observado em recém- adolescentes e adultos jovens, não existindo menção de casos
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Capítulo 66 I Doença de Wilson 737
Hepáticas 47 65
tite crônica ativa até cirrose hepática, exprimindo-se por sinais
-· e sintomas típicos de redução da reserva hepatocelular (Figura
66.1). São pacientes que evoluem com hepatoesplenomega
lia, icterícia, aranhas vasculares ou ginecomastia. Fases mais
avançadas são marcadas por aparecimento de ascite, edema
diagnosticados abaixo dos 6 anos de idade e raramente se ma de membros inferiores e por surtos de infecção espontânea do
nifesta após a quinta década de vida. Ela pode ser diagnosticada líquido ascítico. No paciente com doença avançada, pode ha
de forma rápida, quando existem sintomas hepáticos ou neuro ver varizes esofagogástricas, gastropatia hipertensiva e varizes
lógicos associados ao anel de Kayser-Fleischer e baixos níveis anorretais. A evolução para o carcinoma hepatocelular rara
séricos de ceruloplasmina. Outras formas de apresentação são mente tem sido demonstrada.
definidas por sinais e sintomas típicos do ponto de vista neu Uma forma mais grave se exterioriza sob forma de insuficiên
rológico e/ou hepático (Quadro 66.2). cia hepática fulminante em paciente previamente cirrótico. Ca
racteriza-se pela presença de icterícia rapidamente progressiva,
Figura 66.1 Paciente de 1 8 anos, do sexo feminino, apresentou-se ao serviço com sinais de grave descompensação hepática e transtornos
neurológicos. Diagnosticou-se doença de Wilson, já cirrotizada, e com hipertensão portal, como se vê na imagem laparoscópica. Três meses
após, a paciente falecia em grave episódio de hemorragia digestiva alta, seguido de insuficiência hepática fulminante. Cortesia de Renato Dani.
(Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
738 Capítulo 66 I Doença de Wilson
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i formativo útil em estudos familiares e na identificação de
Quadro 66.3 Aspectos típicos observados na insuficiência hepática casos pré-sintomáticos, portadores heterozigotos ou indiví
fulminante desencadeada na doença de Wilson (Gitlin, 1998) duos não comprometidos.
Além disso, mais de 100 mutações do gene DW foram des
1. História familiar e consanguinidade entre pais são relevantes; critas nos últimos anos, na Islândia, Taiwan, Costa Rica, Sicí
2. São elevados os níveis de cobre sérico, urinário e hepático; lia, Reino Unido, EUA, Rússia e Suécia. A caracterização delas
3. São menos pronunciadas as elevações dos níveis de aminotransferases, ocorre por meio de reação em cadeia de polimerase (PCR),
sendo mais acentuadas as de bilirrubina total, sobretudo da fração com a relação genótipo/fenótipo sendo responsável pela for
indireta (1 00% de especificidade na doença de Wilson); ma de apresentação clínica, neurológica ou de doença hepática
4. Proporção de fosfatase alcalina sérica/bilirrubina total < 20; aguda ou crônica.
S. Desproporcional aumento de bilirrubina total > 18,0 mg/df;
6. Proporção de aspartato aminotransferase/alanina-aminotransferase
> 4,0; • ASPECTOS ANATOMOPATOLÓGICOS
7. Nível sérico de fosfatase alcalina < 600 Ul/t e de aminotransferase entre
100e 500 UI/R; O comprometimento histológico do figado traduz-se por es
8. Hemólise intravascular se revela extremamente comum. pectro amplo de lesões. Assim, a fase inicial, identificada como
hepatopatia reativa inespecí.fica, é caracterizada por discreto
infiltrado portal mononuclear, com núcleos repletos de gli
cogênio, sinais esses observados em hepatócitos periportais.
Outras formas de expressão são a hepatite aguda fulminante,
panhadas, na maioria das vezes, por acidose tubular renal. En
a hepatite crônica persistente, a hepatite crônica ativa, a cirro
tre as expressões de agressão aos olhos, a mais comum delas é
a presença do anel de Kayser-Fleischer. São pacientes que, em se e o carcinoma hepatocelular. Interessante, do ponto de vis
geral, cursam também com adinamia, anorexia, dores osteo ta evolutivo, é a comprovação de que não há correlação entre
articulares, nefrolitíase, anemia hemolítica, osteomalacia, con a concentração de cobre hepático e a n i tensidade das lesões
drocalcinose e poliartrite, além de distúrbios endócrinos, car anatomopatológicas. A definição precisa da presença do metal
diovasculares e cutâneos. em tecido é feita realizando-se colorações especiais pelo ácido
rubeânico ou rodanina.
Nesse aspecto, mostra-se importante definir que a concen
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Quadro 66.4 lndice prognóstico em insuficiência hepática aguda na doença de Wilson
Escore em pontos
Parâmetros o 1 2 3 4
Quando não ocorre resposta benéfica à d-penicilamina, ou se Mais recentemente, outras medidas abrangem: 1. transplan
existe intolerância ao fármaco, deve-se substituí-lo pelo triente te hepático de doador vivo, parente e heterozigoto para doença
ne na dose de 1 a 1,5 g/dia, dividida em três tomadas. Tem efeito de Wilson, sem que tenha ocorrido recorrência de distúrbio me
cuprurético menor, porém mostra-se clinicamente eficaz. Sinais tabólico; 2. transplante ortotópico parcial de fígado (APOLT),
de toxicidade são lesões de medula óssea, rim, pele e mucosas. com lobo auxiliar implantado levando a atrofia do nativo, cirró
Opcionalmente, sobretudo para os intolerantes a qualquer des tico e regeneração do lobo implantado em 18 meses. Rotula-se
ses dois fármacos, indica-se acetato de zinco VO, na dose de essa atitude como geneterapia, preocupando ainda que exista
50 mg, 3 vezes/dia, entre as refeições. Melhora significativa ocor com essa técnica risco de transformação maligna de hepatóci
re em torno de 83% daqueles assim conduzidos, gerando apenas tos mutantes residuais.
efeitos colaterais gastrintestinais leves. Alternativamente, pode
se optar pela administração de tetratiomolibidato de amônia
VO, na dose de 30 mg, 2 vezes/dia. Essa orientação deverá ser • LEITURA RECOMENDADA
mantida mesmo durante a gestação, com o risco previsível de
a criança nascer com DW de aproximadamente 1:300. Boldo A & Taxei P. Wilson's disease followed by liver transplant in a 20-year
old fernale: considerations for bone health: case report and review of the
literature. Conn Med, 2009; 73:73-8.
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hipertensão portal, na ausência de resposta à administração de Ferenci, P, Gilliam, TC, Gitlin, JD et a/. Intemational Syrnposiurn on. Wilson's
d-penicilamina ao fim de 90 dias, aqueles que evoluem para a and Menkes' Diseases. Hepatology, 1996; 24:952-8.
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aqueles que cursam com cirrose descompensada devem ser ava
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sinais de comprometimento neurológico, apesar da restauração tubular functions in liver transplanted patients with Wilson's disease. Pediatr
Transplanf, 2008; 12:785-9.
da função hepatocelular, com o sucesso traduzindo-se também
Park, YK, Kirn, BW, Wang, HJ, Kim, MW. Auxiliary partia! orthotopic living
pela restauração bioquímica e o retorno ao fenótipo normal, donor liver transplantation in a patient with Wilson's disease: A case report.
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Nem sempre, contudo, as equipes dispõem de órgãos prove Sherlock, S & Dooley, ]. Wilson's disease. Em: Sherlock, S & Dooley, J (eds.).
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