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Direito Civil
Nelson Rosenvald
20/05/2014
Aula 25
SUMÁRIO
1. DIREITOS REAIS
Introdução
O que conhecemos a respeito de posse é consequência do estudo de dois gênios: Savigny e
Ihering.
SAVIGNY escreveu um tratado sobre a posse. Seu raciocínio sintetiza-se na seguinte fórmula:
Segundo Savigny, para alguém ser possuidor, o primeiro elemento é o corpus (elemento
material da posse), que consiste no PODER FÍSICO SOBRE A COISA, ou seja, aquele que detém
relação física com o bem. Ex.: o possuidor (detentor do corpus) é aquele que mora no bem.
Porém, ter o corpus sobre a coisa não é suficiente para alguém ser considerado possuidor. É
necessário mais um elemento chamado animus, consistente na INTENÇÃO DE SER
PROPRIETÁRIO da coisa – é o elemento PSICOLÓGICO (SUBJETIVO).
Em razão desses elementos é que a teoria de Savigny é conhecida como TEORIA SUBJETIVA DA
POSSE.
Qual a nomenclatura que se dava para as pessoas que tinham corpus, mas eram desprovidas
de animus (ex.: locatário, comodatário, usufrutuário)? Essas pessoas eram conhecidas como
DETENTORAS - figura do detentor.
Portanto, nas situações de invasões, o detentor deve chamar o proprietário para que este
promova ação possessória. Assim, a detenção era uma situação na qual não havia animus, mas
apenas corpus.
P (posse) = C (corpus)
Cuidado: o elemento corpus para Ihering significa que o possuidor deve dar DESTINAÇÃO
ECONÔMICA à coisa, aparência de propriedade e visibilidade do domínio (não precisa estar
fisicamente com a coisa).
Perceba que Ihering abdica do animus, ou seja, para ser possuidor independe se há intenção
de ser dono. Assim, é necessário verificar se objetiva e visualmente “o possuidor se comporta
como o proprietário se conduziria perante o bem”.
Desse modo, como há o desprezo pelo elemento subjetivo (animus domini), sua teoria é
conhecida como TEORIA OBJETIVA DA POSSE.
De tal forma que, para a teoria de Ihering, locatário, comodatário e usufrutuário se tornam
POSSUIDORES, porque mesmo que eles não tenham a intenção de dono (animus domini), a
relevância recai na destinação econômica ao bem (aparência de propriedade e visibilidade ao
domínio, bem como affectio tenendi).
Essa teoria AMPLIA o rol de possuidores, concedendo a estes a legitimidade para ajuizar ação
possessória.
Enquanto na teoria do Savigny a distinção entre posse e detenção é de cunho subjetivo, para a
teoria do Iherign, a distinção entre posse e detenção será dada objetivamente pela lei (teoria
objetiva) – o legislador determinará quando é caso de detenção.
O dispositivo sobredito estabelece que posse é PODER DE FATO sobre a coisa, sendo o
possuidor a pessoa que exerce de fato poderes relacionados à propriedade.
Contudo, é evidente que se fez algumas concessões ao Savigny no CC atual, ou seja, ainda
existem resquícios de teoria subjetiva no diploma civil.
Ex.: usucapião - para se usucapir, não basta que tenha posse (que se conceda destinação
econômica à coisa), mas igualmente animus domini (intenção de ser dono).
Perceba que a teoria de Ihering não satisfaz os anseios atuais e, portanto, hoje se utiliza das
chamadas TEORIAS SOCIOLÓGICAS, que trabalham com a ideia da FUNÇÃO SOCIAL da posse.
Será demonstrado em aulas posteriores que o ERRO da teoria da Ihering reside no fato de
colocar a posse como um APÊNDICE da propriedade (posse como antecedente da propriedade)
– demonstrar-se-á que propriedade e posse são DIREITOS AUTÔNOMOS.
Estabelece o Enunciado 492, CJF - a posse constitui direito autônomo em relação à propriedade
e deve expressar o aproveitamento dos bens para o alcance de interesses existenciais,
econômicos e sociais merecedores de tutela.
CONCEITO DE POSSE: é a situação subjetiva atribuída àquele que exerce poder fático de
ingerência socioeconômica sobre a coisa.
Imagine que “N” é proprietário de um imóvel. Portanto, os direitos que ele tem sobre a coisa
são: usar, fruir (explorar economicamente), dispor e reivindicar. Quando estas faculdades
estão reunidas numa mesma pessoa, além dela ser considerada proprietária, ela igualmente
detém a posse, uma vez que ela usa e frui do bem.
Para que alguém se torne USUFRUTUÁRIO, deve o proprietário ceder os poderes de USAR e
FRUIR. Nesse momento, surge o fenômeno do DESDOBRAMENTO DA POSSE, no qual a posse,
que era única do proprietário, desdobra-se em duas, ou seja, o usufrutuário passa a ter POSSE
DIRETA, enquanto o proprietário passa a ser titular da POSSE INDIRETA.
Esse desdobramento somente surge numa única situação, isto é, a qualificação de possuidor
direto advém do seu ingresso na posse via RELAÇÃO JURÍDICA com o possuidor indireto.
Intensivo Modular – 2014
Anotador: Vinícius Ferreira
Damásio Educacional
INTENSIVO MODULAR
Direito Civil
Nelson Rosenvald
20/05/2014
Aula 25
Esta relação jurídica pode ser de DIREITO OBRIGACIONAL (ex.: locação, comodato) ou de
DIREITO REAL (ex.: usufruto, uso, habitação, promessa de compra e venda).
(ii) temporária: a posse direta é sempre transitória (nunca é perpétua ou permanente), ou seja,
esta posse já nasce com previsão de término. Ex.: contrato de usufruto, locação, comodato.
Portanto, enquanto há relação jurídica, o proprietário passa a ter uma propriedade LIMITADA.
Ao terminar esta relação jurídica, a propriedade volta a ser PLENA (propriedade alodial).
Pergunta: como podemos qualificar o proprietário de “possuidor indireto”, uma vez que este
não mora no imóvel? Podemos qualificá-lo como POSSUIDOR INDIRETO, porque o
desdobramento da posse só é viável na teoria objetiva de Ihering (tanto o possuidor direto
como o indireto concedem destinação econômica à coisa), pois o possuidor indireto oferece
destinação econômica através do possuidor direto.
Por isso que a POSSE DIRETA é conhecida como POSSE IMEDIATA. Enquanto a POSSE INDIRETA
é conhecida como POSSE MEDIATA.
São duas posses que acontecem simultaneamente, sem que uma atrapalhe a outra. A doutrina
corretamente chama essas duas posses de POSSES PARALELAS – os atos do possuidor direto e
os do possuidor indireto são qualitativamente diferenciados.
Disso decorre que, a legitimidade ativa para propor ação possessória é tanto do possuidor
direto como do indireto, isoladamente, porque ambos são possuidores (não precisar haver
litisconsórcio).
Ademais, pelo fato de haver posse paralelas (ambos serem possuidores), o possuidor direto
pode ajuizar ação possessória contra o possuidor indireto, e vice-versa.
ATENÇÃO: na vigência da relação jurídica a qual foi outorgada a posse direta, o possuidor
direto tem ação possessória contra erga omnes (qualquer um), inclusive contra o possuidor
indireto (contra este, se o ato de turbação ou esbulho for de sua autoria).
O prof. ressalva que o artigo seria melhor redigido se inclui-se ao final a expressão “vice-
versa”, pois o possuidor indireto igualmente tem ação possessória contra o possuidor direto.
Ex.: possuidor direto não conserva o bem adequadamente.
Aduz o Enunciado 76, CJF - o possuidor direto tem direito de defender a sua posse contra o
indireto, e este, contra aquele (art. 1.197, in fine, do novo Código Civil).
CUIDADO: BIPARTIÇÃO da posse não é sinônimo de DESDOBRAMENTO da posse, uma vez que
o desdobramento pode se dar em vários níveis (não apenas em dois), isto é, o fenômeno do
desdobramento pode gerar uma VERTICALIZAÇÃO da posse em mais graus.
Ex.: locação com cláusula de sublocação (há três possuidores: proprietário, locatário e
sublocatário – tripartição da posse). Quem tem a posse direta? É o sublocatário. Quem tem a
posse indireta? Proprietário e locatário.
Portanto, quando há uma verticalização da posse em mais de dois graus, por mais que a posse
se desdobre em várias pessoas, o que se desdobra é a POSSE INDIRETA, porque a POSSE
DIRETA nunca se desdobra.
Diante disso, pergunta-se: é verdade que o possuidor indireto é sempre o proprietário? Não,
porque por vezes o possuidor indireto não é proprietário do bem, mas é um possuidor que
desdobrou a posse, constituindo uma relação jurídica ao colocar terceiro na condição de
possuidor direto.
O possuidor indireto nem sempre se confunde com a figura do proprietário, podendo ser um
mero possuidor. Ex.: “x” encontra um terreno abandonado e fica nele por 2 anos na condição
de possuidor. Passado algum tempo, “x” aluga esse terreno para “y” (possuidor direto) – não
há problema nenhum nessa relação jurídica, mesmo não sendo “x” proprietário.
Outro erro é afirmar que para ser possuidor direto, basta haver contrato com o possuidor
indireto (errado!). Ao assinar o contrato de locação, por exemplo, tornando-se locatário, este
apenas se tornou titular de direito à posse, ou seja, através de um negócio jurídico foi
outorgada a possibilidade de possuir o bem. Contudo, se há contrato, mas o sujeito não exerce
a posse de forma efetiva (não exerce ingerência socioeconômica sobre o bem), o locatário
jamais se qualificará como possuidor direto (terá direito à posse, mas não será possuidor
direto).
CONCEITO DE COMPOSSE: é a posse comum e de mais de uma pessoa sobre a mesma coisa
que se encontra em estado de indivisão
Posse pro indiviso ocorre quando as partes ainda não individualizaram as suas áreas de
atuação. Ex.: dois sujeitos ingressam no mesmo imóvel – são chamados de compossuidores.
Obs.: se algum dos compossuidores ilicitamente excluir o outro nas relações internas, o
compossuidor excluído tem ação possessória contra aquele que agiu ilicitamente (um não
pode excluir o outro, pois cada um pode agir sobre o todo indistintamente).
Porém, nada impede a existência simultânea de “condomínio com composse”. Ex.: três filhos
herdam a propriedade do pai – cada um tem compropriedade, bem como composse.
Se nesse mesmo exemplo os três filhos decidirem dividir entre eles as áreas de atuação,
cessará a composse, tornando a posse pro diviso, pois agora há três posses LOCALIZADAS.
Portanto, após a divisão de atuação, não se pode invadir a área do outro.
Há uma grande incidência de composse em casamento e união estável. De tal forma que
havendo necessidade de se ajuizar ação possessória, o outro compossuidor deve conceder o
seu consentimento para fins de integração da capacidade processual do compossuidor-autor
da ação.
Conclusão: o detentor NÃO possui legitimidade ativa para ajuizar ação possessória contra
eventual invasor (pois o pressuposto para ajuizar ação possessória é ser possuidor).
Pergunta: qual é a relação que o motorista particular tem com o carro que dirige? Ele tem
mera detenção do carro. Qual a relação que o mandatário tem com relação à importância
recebida pelo mandante? Tem mera detenção. Qual a relação jurídica do soldado do exército
com seu capacete? Mera detenção – TODOS ESSES BENS SÃO UTILIZADOS EM CUMPRIMENTO
DE ORDENS OU INSTRUÇÕES (não tem autonomia perante a coisa).
Embora o dispositivo faça menção expressa ao “possuidor”, pode o servidor da posse se valer
da autotutela, uma vez que este a realiza em nome do possuidor.
Preconiza o Enunciado 493, CJF - o detentor (art. 1.198 do Código Civil) pode, no interesse do
possuidor, exercer a autodefesa do bem sob seu poder.
Outro tema refere-se à seguinte situação: quando um sujeito é servidor da posse, não significa
que tal qualidade será perpétua, ou seja, é possível que o detentor se convole em possuidor.
Ex.: houve a demissão do caseiro, mas ele continua morando no mesmo local (pratica atos de
posse em nome próprio).
Aduz o Enunciado 301, CJF – é possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida
a subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios
Existem situações em que não se pode afirmar com precisão se a pessoa é detentora ou
possuidora. Ex.: empréstimo de bem imóvel, omitindo se este comodato é com autonomia
(posse direta) ou em cumprimento de ordens (detenção). Portanto, caberá àquele que está no
bem o ônus probatório de se posicionar pela posse direta sobre a coisa.
JURISPRUDÊNCIA
REsp 1188937 / RS
Relator (a) Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Data do Julgamento - 11/03/2014
Ementa
DIREITOS REAIS. RECURSO ESPECIAL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. IGREJA. TEMPLO. PASTOR QUE
SE DESFILIA DOS QUADROS DE OBREIROS DA RELIGIÃO. TRANSMUDAÇÃO DA DETENÇÃO EM
POSSE. LEGITIMIDADE PASSIVA CONFIGURADA. ESBULHO. EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE
COMODATO. SÚM 7/STJ. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. INOCORRÊNCIA
1. "Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro,
conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas". (Código
Civil, art. 1.198)
2. Na hipótese, o réu foi ordenado e designado para atuar na Comunidade Evangélica de
Cachoerinha, na condição de pastor da IECLB, e justamente nessa qualidade é que se vinculava
ao patrimônio da Igreja; isto é, exercia o controle sobre o imóvel em nome de outrem a quem
estava subordinado, caracterizando-se como fâmulo da posse.
3. A partir do momento em que pleiteou o seu desligamento do quadro de pastores,
continuando nas dependências do templo, deixando de seguir as ordens do legítimo possuidor,
houve a transmudação de sua detenção em posse, justamente em razão da modificação nas
circunstâncias de fato que vinculavam a sua pessoa à coisa. Assim, perdendo a condição de
detentor e deixando de restituir o bem, exercendo a posse de forma contrária aos ditames do
proprietário e possuidor originário, passou a cometer o ilícito possessório do esbulho,
sobretudo ao privá-lo do poder de fato sobre o imóvel.
4. Desde quando se desligou da instituição recorrida, rompendo sua subordinação e
convertendo a sua detenção em posse, fez-se possível, em tese, a contagem do prazo para fins
da usucapião - diante da mudança da natureza jurídica de sua apreensão. Precedente.
5. Compulsando os autos, verifica-se que o recorrente solicitou o seu desligamento do quadro
geral de obreiros da IECLB em 15 de julho de 2005, ficando afastada por completo qualquer
pretensão de reconhecimento da usucapião extraordinária (CC, art. 1.238), como requerido
em seu especial, haja vista a exigência do prazo mínimo de 15 (quinze) anos para tanto.
6. Recurso especial desprovido.
b) Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos
possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores.
c) Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, nenhuma poderá exercer a posse sobre
ela, porque exclui a dos outros compossuidores.
d) Considera-se detentor da coisa aquele que exerce a posse em seu próprio nome, mas em
cumprimento a ordem de terceiros.