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A ORIGEM DO

CONHECIMENTO E Á
APRENDIZAGEM ESCOLAR
Fernando Becker
Doutor em Psicologia Escolar Mestre em Educação.
Professor Titular de Psicologia da Educação na Faculdade
de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

B395e Becker, Fernando


A origem do conhecimento e a aprendizagem escolar /
Fernando Becker. - Porto Alegre : Artmed, 2003.

1. Educação - Conhecimento - Observações pedagógicas.


- I.^l^ítulo.

CDU 37.012

Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto - CRB 10/1023

ISBN 85-363-0112-0

2003
iiiiicilio

'eiii- r ria;',('i em relação S!!


m i l (li)s lonceitos e s p o n t â n e o s , da cultura ou do
Kiiber do aluno 154
)rnad;i de consciência versus conscientização 57
t;uvs de primeiro grau versus ações de segundo grau 59
iiicndcr a fala como ação de segundo grau:
como ação constitutiva do conhecimento, da afetividade, 1
.Aprendizagem e Conhecimento*
da estrutura moral e da estética 61
iTo e consciência do inacabamento 62
que Piaget pode ensinar a Freire e o que Freire
pode ensinar a Piaget 63

pistemologia g e n é t i c a e a ç ã o docente 61)

íoria e prática: uma nova relação? 66


, arma e c o n t e ú d o 67
izer e compre;ender 68
(...) a beleza, como a verdade, só vale quando recriada pelo sujeito que
esenvolvimento e aprendizagem 6'.'
a conquista. (Piaget, 1998, p . l 9 0 )
epistemologia do professor 71
Recursos, c o m p e t ê n c i a e democracia: um tripé que pode c o m e ç a r a sal-
á g i c a s u b j a c e n t e à f a l a d e meninos e meninos de r u a 7S var a dignidade dos professores deste país. (Carlos Roberto Jamil Cury)
arrativa de ações 78
cslocamento no espaço 7') O g r a n d e desafio d a a p r e n d i z a g e m h u m a n a reside n a difícil supera-
I controle do tempo 80 ç ã o das c o n c e p ç õ e s fundadas e m e p i s t e m o l o g i a s d o senso c o m u m , sejam
ragmentos versus totalidade 82 f i a s inatistas o u e m p i r i s t a s . U m a c o n c e p ç ã o i n a t i s t a funda-se na c r e n ç a
firmação seguida de conjunção adversativa 83 de q u e u m ser h u m a n o r e c é m - n a s c i d o - a rigor, r e c é m - c o n c e b i d o - j á
I raciocínio hipotético-dedutivo 84 t r a z t o d a s as c o n d i ç õ e s c o g n i t i v a s c o m as quais e n f r e n t a r á todas as cir-
r g u m e n t a ç ã o concatenada 85 c u n s t â n c i a s de sua v i d a . A s s i m , ele p o d e r á t e r p r e d i s p o s i ç õ e s para apren-
d e r m e c â n i c a , mas n ã o m ú s i c a ; para l e t r a s , mas n ã o p a r a m a t e m á t i c a ;
i t e l i g ê n c i a d a c r i a n ç a favelado 89
para m e d i c i n a e n ã o p a r a filosofia; e s t a r á mais p r e d i s p o s t o p a r a ser u m
construção da inteligência 90
t r a b a l h a d o r b r a ç a l d o q u e i n t e l e c t u a l ; s e r á antes u m a g r i c u l t o r d o que
rítica às "explicações" ideológicas 92
u m m o t o r i s t a de ô n i b u s o u c a m i n h ã o ; e s t a r á p r e d i s p o s t o para ser u m
odos podem?;êr inteligentes... se o meio social deixar 94
i n d i v í d u o mais p r á t i c o o u mais t e ó r i c o , a f e i t o mais à s artes d o cjiie hs
iiência e c o n s t r u ç ã o do c o n h e c i m e n t o 97 c i ê n c i a s . N o o u t r o e x t r e m o , u m a c o n c e p ç ã o e m p i r i s t a funda-se na c t ( i i ç ; i
de q u e o r e c é m - n a s c i d o - a rigor, r e c é m - c o n c e b i d o - nada t r a z e m termos
o n c e p ç õ e s epistemológicas empiristas 98
1 o n c e p ç õ e s epistemológicas aprioristas 100
pii)xiiii;u;õcs construtivistas 102
l o l c . N o i (• |)e;;quisador 106 'llm.i v c i s ã o simplificada deste texto foi publicada nos Anais do XVlIl MnconUo N:ici< n.il
de PiuIcssorcK do PROF.PRE. Transformar a educação: o nosso desafio. Águas de Lindi>ia:
Huts hibliagníficas 111 tINICAMi; 2 0 0 ] , p.37-47, .sob o título "Nova aprendizagem, novo cn.sino".
12 t<»»nui< lo Becker A origem cio conhecimento e a aprendizagem i:scolar

i l r t n i i l i c i i i n o n i o ; t u d o o que ele t e r á de c o g n i t i v o v e m d o m e i o e x t e r n o dois fatores estejam sempre presentes e t e n h a m m u i t o mais i m p o r t â n c i a


]«,t i m i i i o d a p r e s s ã o que esse m e i o exerce sobre o sujeito o u , simples- d o que l h e a t r i b u e m o e m p i r i s m o e o i n a t i s m o . A p r ó p r i a sociologia - aque-
nii-iiie, peia e s t i m u l a ç ã o desse m e i o . la mais c r í t i c a - j á se d e u c o n t a de que a sociedade v a i modificando-se pela
m a n e i r a c o m o os i n d i v í d u o s v i v e m : o m e i o social, t a l c o m o o m e i o físico,
n ã o é i m u n e à s a ç õ e s dos i n d i v í d u o s ( t a l c o m o os i n d i v í d u o s n ã o s ã o i m u -
MIOPIA EPISTEMOLÓGICA nes à p r e s e n ç a d o m e i o , físico o u s o c i a l ) .
Esses d a d o s e essas r e f l e x õ e s c o n s t i t u e m apenas u m a pequena amos
Apesar d a manifesta o p o s i ç ã o entre i n a t i s m o e e m p i r i s m o , ambos t ê m tra d o q u a n t o o i n a t i s m o e o e m p i r i s m o s ã o posturas e p i s t e m o l ó g i c a s de-
em c o m u m a passividade d o sujeito. N o i n a t i s m o , o sujeito n ã o precisa agir m a s i a d a m e n t e m í o p e s para d e s c o r t i n a r u m a v i s ã o a d e q u a d a da capacida-
piirque herdou tudo; no empirismo, porque o meio d a r á tudo. Atualmente, de h u m a n a de a p r e n d e r A e p i s t e m o l o g i a g e n é t i c a situa na ação d o sujeite
c o m os progressos da n e u r o l o g i a e da g e n é t i c a , p o r u m l a d o , e c o m os o n ú c l e o a p a r t i r d o q u a l se o r i g i n a m as sucessivas e s t r u t u r a s cognitivas,
progressos de algumas frentes d a sociologia e d a psicologia, p o r o u t r o , N ã o i m p o r t a q u a l a b a g a g e m h e r e d i t á r i a de u m i n d i v í d u o , ele traz u m a
essas duas posturas e p i s t e m o l ó g i c a s sofrem t o d o t i p o de c r í t i c a . E n t r e t a n - capacidade de a p r e n d e r p r ó p r i a da e s p é c i e h u m a n a ; p o r é m , essa capaci-
to, elas c o n t i n u a m i n t o c á v e i s , t a n t o no senso c o m u m q u a n t o na escola e m d a d e é t r a d u z i d a p o r u m s e m - n ú m e r o de c a r a c t e r í s t i c a s i n d i v i d u a i s ,
geral. É c o m u m e n c o n t r a r m o s docentes que professam essas c o n c e p ç õ e s i r r e d u t í v e i s à e s p é c i e c o m o u m t o d o . Os n ú m e r o s citados anteriormente
e p i s t e m o l ó g i c a s sem sequer suspeitar d o fato de q u e suas c o n c e p ç õ e s de a j u d a m a pensar o i n d i v í d u o c o m o ú n i c o - e, c o m o t a l , ele interage c o m c
c o n h e c i m e n t o e de a p r e n d i z a g e m , assim c o m o sua p r á t i c a d i d á t i c o - p e d a - m e i o , p r o d u z i n d o u m f e n ó t i p o t a m b é m ú n i c o . Isto é , e m u m a sociedade,
g ó g i c a , c o n t i n u a m prisioneiras dessas epistemologias (Becker, 2 0 0 1 ) . n ã o h á dois i n d i v í d u o s iguais, n e m d e v i d o à h e r a n ç a g e n é t i c a n e m devidc
Por u m l a d o , a g e n é t i c a o f e r e c e - n o s d a d o s s u r p r e e n d e n t e s que à s i n t e r a ç õ e s desse i n d i v í d u o c o m seu e n t o r n o social. Nessa c o n c e p ç ã o
d e s a u t o r i z a m u m a psicologia associacionista - i n c l u í d a a í a behaviorista - e p i s t e m o l ó g i c a , n ã o h á mais l u g a r p a r a rebanhos, p a r a t u r m a s i n d i f e r e n
o u u m a sociologia r e p r o d u t i v i s t a (o i n d i v í d u o é m e r o resultante das deter- ciadas, para massa, para m u l t i d ã o sem fisionomia. A o c o n t r á r i o , assim come
m i n a ç õ e s s o c i a i s ) . M a t e m a t i c a m e n t e , e x i s t e m m a i s de o i t o milhões a sociedade, e n q u a n t o t o t a l i d a d e , t e m leis p r ó p r i a s , i r r e d u t í v e i s à s p a r t e í
( 8 . 3 3 8 . 6 0 8 ) de c o m b i n a ç õ e s c r o m o s s ô m i c a s p o s s í v e i s e m u m ó v u l o o u e m que a c o m p õ e m , aos i n d i v í d u o s , t a m b é m o indiv1'duo t e m u m estatuto p r ó
u m e s p e r m a t o z ó i d e . E, "no m o m e n t o do e n c o n t r o d o e s p e r m a t o z ó i d e e d o p r i o , i r r e d u t í v e l à totaUdade social. Penso, pois, que a sociedade d o future
ó v u l o , a 'sorte' de o b t e r u m d e t e r m i n a d o lote g e n é t i c o é de u m a p r o b a b i l i - deve considerar c u i d a d o s a m e n t e as capacidades, os interesses e as q u a l i
dade de u m sobre 2^3 ( e s p e r m a t o z ó i d e s ) x 2^3 ( ó v u l o s ) , o u seja, cerca de dades i n d i v i d u a i s e, ao m e s m o t e m p o , i n v e s t i r os recursos à d i s p o s i ç ã c
7 0 . 0 0 0 . 0 0 0 . 0 0 0 . 0 0 0 , quer dizer, 7 0 t r i l h õ e s ! . . . L o g o , é v i s í v e l que cada i n - para a d m i n i s t r a r essas capacidades, esses interesses e essas qualidades dc
d i v í d u o c o n s t i t u i u m a c o m b i n a ç ã o ú n i c a de genes" (Skrzyczak, s.d., p . 4 8 - todos os i n d i v í d u o s . N ã o h á m a i s l u g a r para u m a o r d e m social que a t r o p e k
4 9 ) . E isso o c o r r e i n d e p e n d e n t e m e n t e da i n f l u ê n c i a d o m e i o físico o u so- os i n d i v í d u o s , assim c o m o m i n o r i a s ( o l i g a r q u i a s ) de i n d i v í d u o s que atra-
cial i m e d i a t o , o u seja, i n d e p e n d e n t e m e n t e de o m e i o ser l e t r a d o o u n ã o , e m para si quase todas as possibilidades sociais.
ser d o m i n a t i o p o r u m a e c o n o m i a socialista o u n e o l i b e r a l . D o m e s m o m o d o ,
u m c h i m p a n z é , e m b o r a c r i a d o e m a m b i e n t e h u m a n o sob intensa e s t i m u l a -
ç.io verbal, j a m a i s a p r e n d e r á a falar. Por o u t r o lado, a neurologia, congruente APRENDER O DEIXAR-APRENDER
Cl "III a cpi.stemologia g e n é t i c a , d e m o n s t r a que os p r e c á r i o s i n s t r u m e n t o s
1 (tf.iiiiivos d o r e c é m - n a s c i d o desenvolvem-se de f o r m a t ã o expressiva que Se a a p r e n d i z a g e m h u m a n a ocorre p o r f o r ç a d a a ç ã o d o sujeito, dc
i.r t n i i i a i n quase i r r e c o n h e c í v e i s depois de alguns anos. N o e n t a n t o , isso i n d i v í d u o c o n c r e t o , ela n ã o p o d e mais ser d e b i t a d a ao ensino n e m úot
• M iMic n a c s i r i l a m e d i d a da i n t e r a ç ã o - n ã o c o m o m a t u r a ç ã o a p a r t i r d o pais, n e m dos professores, n e m dos governantes... Reside, ac|iii, u m tU'fm
l n i i l . i t l t , n MU c o m o r e s u l l a d o de e s t i m u l a ç ã o do m e i o social, e m b o r a esses fio que n ã o p o d e ser subestimado. Piaget define a a p r e n d i z a g e m hum.iii
14 t i-iniituio Becker A origem do conhecimento c a aprendizagem escolar I»

1 u i i K i . ( t (iiisii u ç a o de estruturas de a s s i m i l a ç ã o , o u seja, a p r e n d e r é cons- A ideia pela qual eu estava me tornando responsável de modo algum st
IIMil r ' . t í i i l u r a s de a s s i m i l a ç ã o . E m outras palavras, aprende-se p o r q u e se originou em m i m . Fora-me comunicada por três pessoas cujos ponto;
de vista tinham merecido meu mais profundo respeito - o próprio Breuer
.(v,e p.iia e()n.seguir algo e, e m u m segundo m o m e n t o , para se a p r o p r i a r
Charcot e Chobrack, o ginecologista da Universidade ( . . . } . Esses trôí
tl(»'. m e c a i ú s m o s dessa a ç ã o p r i m e i r a . Aprende-se p o r q u e se age e n ã o por-
homens dnham me transmitido um conhecimento que, rigorosamente
i | i i i ' SC ensina. O que isso significa p a r a o ensino, t a l c o m o é p r a t i c a d o nas falando, eles próprios n ã o possuíam.
f s i o l a s , d . i e d u c a ç ã o i n f a n t i l à p ó s - g r a d u a ç ã o ? Significa, no m í n i m o , que o
ensino n ã o p o d e mais se:r visto c o m o a fonte da a p r e n d i z a g e m . A f o n t e da
l e n t e m o s i m a g i n a r o que F r e u d d i r i a se ele conhecesse as c o n c e p ç õ e s
a p r e n d i z a g e m é a a ç ã o d o sujeito, o u seja, o i n d i v í d u o aprende p o r f o r ç a
d c a p r e n d i z a g e m da segunda m e t a d e d o s é c u l o XX: "Esses t r ê s colegas que
das a ç õ e s que ele m e s m o p r a t i c a : a ç õ e s que b u s c a m ê x i t o e a ç õ e s que, a
11 K l e n t e n d i a m d o m e u assunto - o inconsciente - e a t é se o p u n h a m a que
p a r t i r d o ê x i t o o b t i d o , buscam a v e r d a d e ao apropriar-se das a ç õ e s que
c u (. iiitinuasse essa i n v e s t i g a ç ã o , ao se dispuserem a m e o u v i r e d i s c u t i r as
o b t i v e r a m ê x i t o . E m e r g e m dessas c o n c e p ç õ e s as atuais c o m p r e e n s õ e s dife-
iimilias ideias, a j u d a r a m - m e a c o n s t r u i r algo que eles p r ó p r i o s i g n o r a v a m " .
renciadas de a p r e n d i z a g e m , manifestas p o r e x p r e s s õ e s c o m o : "aprender a
l'.iicce que a i d e i a de c o n s t r u ç ã o de c o n h e c i m e n t o faz-se presente, de f o i -
aprender", " a p r e n d e r a a p r e n d i z a g e m " , "descobrir p o r si mesmo", "apren-
m.i i n e q u í v o c a , nesse escrito a u t o b i o g r á f i c o de F r e u d .
der é i n v e n t a r " , "aprender n ã o é transferir c o n t e ú d o a n i n g u é m " , "apren-
Piaget, p o r sua vez, e l a b o r a a i d e i a de construção de c o n h e c i m e n t o
der n ã o é m e m o r i z a r o p e r f i l d o c o n t e ú d o t r a n s f e r i d o n o discurso v e r t i c a l
iom t o t a l c o n s c i ê n c i a , c o m u m a riqueza de detalhes j a m a i s vista e c o m
d o professor", "ensinar significa d e i x a r aprender"; " a p r e n d e r . , o d e i x a r -
iiiu.i rara c o m b a t i v i d a d e . Pode-se d i z e r que sua t e o r i a é a t e o r i a d o conhe-
aprender", " a p r e n d i z a g e m é e x p l i c a r c o m o o sujeito consegue c o n s t r u i r e
« m u m o e n t e n d i d o c o m o c o n s t r u ç ã o . E n ã o deixa p o r menos ao a f i r m a r
i n v e n t a r " , "aprender é proceder a u m a s í n t e s e i n d e f i n i d a m e n t e r e n o v a d a
' [ i i c .1 a ç ã o d o sujeito c o n s t r ó i c o n h e c i m e n t o e, t o d a vez q u e i n t e r p o m o s
entre a c o n t i n u i d a d e e a n o v i d a d e " .
.ligo no l u g a r d a a ç ã o , n ã o estamos apenas r e t a r d a n d o , estamos p r e j u d i -
Se, p o r u m l a d o , o ensino d e i x a de a t r a i r sobre si o m é r i t o da a p r e n d i -
• .1111 l o o processo de a p r e n d i z a g e m . D i z Piaget ( 1 9 7 5 , p . 8 9 ) :
zagem, p o r o u t r o l a d o , a p r o p o s t a d e u m n o v o ensino n ã o c o n t e m p o r i z a
c o m q u a l q u e r passividade o u o m i s s ã o d o professor. A f u n ç ã o d o professor
é a " . . . de i n v e n t a r s i t u a ç õ e s e x p e r i m e n t a i s para facilitar a i n v e n ç ã o de seu (...) cada vez que ensinamos prematuramente a uma criança alj-.uma
coisa que poderia ter descoberto por si mesma, esta criança foi i n í p c i l i
a l u n o " (Piaget, 1 9 7 5 , p . 8 9 ) . P o r t a n t o , o ensino deve ser repensado e m
da de inventar e consequentemente de entender completanicnii' l i o
f u n ç ã o dessa n o v a c o n c e p ç ã o de a p r e n d i z a g e m .
obviamente n ã o significa que o professor deve deixar de i n v i nt.n .n u.i
U m e n s i n o que considere a a t i v i d a d e d o sujeito é gerado n o â m b i t o ções experimentais para facilitar a invenção de seu aluno.
dessa n o v a c o n c e p ç ã o de a p r e n d i z a g e m . Talvez n e m t ã o nova, pois f o i
confeccionada n o s é c u l o XX. O u ç a m o s alguns pensadores d o f i n a l d o s é c u -
1', b r a s i l e i r o o e d u c a d o r q u e pensa a i d e i a de c o n s t r u ç ã o , COIM iuipii*,
lo X I X e de t o d o o s é c u l o X X p a r a que t o m e m o s c o n s c i ê n c i a da seriedade
sionante r a d i c a l i d a d e , na p e d a g o g i a . Paulo Freire iran.sita d . i p c . l i / i . ; Í . I . ! . >
dessas f o r m u l a ç õ e s , u m a vez que tais ideias s ã o f a c i l m e n t e c o n f u n d i d a s
o p r i m i d o ( 1 9 7 0 ) à pedagogia d a e s p e r a n ç a ( 1 9 9 2 ) c d c s i a a i.i . l . i
c o m a h e r a n ç a l i b e r a l d o laissez-faire. I n i c i e m o s c o m u m filósofo s u í ç o d o
a u t o n o m i a ( 1 9 9 6 ) , a f i r m a n d o que o processo de l i i x i i . n u> • < ..n i m u l . .
.século X I X . D i z ele: "Estimular, inspirar, essa é a g r a n d e arte de q u e m pre-
pelos p r ó p r i o s sujeitos, e n ã o ensinado p o r a l g u é m , l l . s . c p h > , , ,i|
tende ensinar. E para isso é preciso a d i v i n h a r a q u i l o que r e a l m e n t e interes-
t a d o de u m a l u t a coietiva realizada pelos seus s u j e i t o s " c m > i.r \
•.I I f i a m e n t e i n f a n t i l c o m o q u e m i n t e r p r e t a u m a p a r t i t u r a musical" ( H e n r i -
ideia da i n t e r a ç ã o e n t r e sujeitos que a p r e n d e m p i o h ' , . o i . , , ,i uu,<.
l i f i i f i i c A m i e l , 1 8 2 1 - 1 8 8 1 ) . Q u e m p r e t e n d e ensinar t e m que p r i m e i r o i n -
assumida c o m t o d a força, tran.scendendo o e s p a ç c ' c , . HIM • i>.i,ií .i
l í M p r c t a r o p ó l o da a p r e n d i z a g e m . E i n t e r p r e t á - l o c o m o c u i d a d o e a c o m -
o p o s i ç ã o ao e n s i n o e n t e n d i d o c o m o transferência i/r > ,<tu,ii,h- i MIUIU
l>cicii< 1.1 dc (|uein interpreta u m a p a r t i t u r a musical. C o n t i n u e m o s c o m F r e u d
Freire ( 1 9 9 6 , p . 1 4 3 ) :
16 Fernando Becker A origem do conhecimento e o aprendizagem tiscolor 17

E, por isso, repito que ensinar n ã o é transferir c o n t e ú d o a n i n g u é m , APRENDER A APRENDER


assim como aprender n ã o é memorizar o perfil do conteúdo transferido
no discurso vertical do professor. Ensinar e aprender t ê m que ver com o Q u a l o f u n d a m e n t o dessa c o n c e p ç ã o ? A o b r a de Piaget talvez seja a
esforço metodicamente crítico do professor de desvelar a c o m p r e e n s ã o
mais acabada m a n i f e s t a ç ã o a favor d o "deixar-aprender" o u do "aprender
de algo e com o empenho igualmente crítico do aluno de ir entrando
a aprender". Por q u ê ? Perguntemos a n ó s mesmos q u a n t o t e m p o e e s f o r ç o
como sujeito em aprendizagem, no processo de desvelamento que o
professor ou a professora deve deflagrar. Isso n ã o tem nada que ver d e s p e n d e r í a m o s se, hoje, d e c i d í s s e m o s aprender u m a l í n g u a como o rus-
com a transferência de c o n t e ú d o e fala da dificuldade, mas, ao mesmo so, o a l e m ã o , o c h i n ê s o u o j a p o n ê s ? L e v a n d o e m conta que j á d o m i n a m o s
tempo, da boniteza da docência e da discência. pelo menos u m a l í n g u a . Ora, u m a c r i a n ç a de q u a t r o anos e m e i o pode,
sem q u a l q u e r ensino f o r m a l , na espontaneidade do seu c o t i d i a n o f a m i l i a r
O p e n s a m e n t o de M a r t i n H e i d e g g e r - para alguns, o m a i o r filósofo d o ou social, e x i b i r u m d o m í n i o da e s t r u t u r a b á s i c a da l í n g u a falada e m seu
s é c u l o X X - faz ecoar a mesma i d e i a de que a a p r e n d i z a g e m é h e g e m ó n i c a m e i o e de u m r e s p e i t á v e l r e p e r t ó r i o v o c a b u l a r C o n s i d e r a n d o que ela co-
c o m r e l a ç ã o ao ensino: o ensino p o d e aUar-se à a p r e n d i z a g e m o u opor-se a m e ç o u a m o s t r a r intenso interesse pela fala a p a r t i r da imitação diferida
(Piaget, 1 9 4 5 ) , p o r v o l t a de u m ano e m e i o a dois anos, constatamos que
ela. O ser h u m a n o aprende, esse é o fato f u n d a m e n t a l ; pode o u n ã o ensi-
ela perfez essa a v e n t u r a l i n g u í s t i c a e m a p r o x i m a d a m e n t e t r ê s anos. E sem
nar; d e i x a r de aprender n ã o p o d e r á j a m a i s .
conhecer p r e v i a m e n t e o u t r o i d i o m a . Q u a n t o t e m p o u m a d u l t o , c o m t o d o o
aparato de ensino a t u a l , l e v a r i a para perfazer o m e s m o trajeto? A l é m dis-
Por que é mais difícil ensinar do que aprender? (...) Ensinar é mais
so, sem c o m e ç a r da estaca zero. É isso que Piaget ( 1 9 3 2 , p . 8) quer d i z e r
difícil que aprender porque ensinar significa: deixar aprender Mais ain-
da: o verdadeiro mestre n ã o deixa aprender nada mais que "o apren- c o m esta i n t u i ç ã o m e t o d o l ó g i c a decisiva que p a u t a t o d a sua obra: "Sem
der". (...) O mestre possui como único privilégio com relação aos apren- d ú v i d a , u m a m a n i f e s t a ç ã o e s p o n t â n e a da c r i a n ç a vale mais que todos os
dizes o de ter que aprender ainda muito mais que eles, a saber: o dei- interrogatórios".
xar-aprender. (...) O mestTe está muito menos seguro (...) do que os A a p r e n d i z a g e m escolar situa-se, c o m raras e x c e ç õ e s , no extremo opos^
aprendizes. (Heidegger, 1952) to dessa c o n c e p ç ã o . Por q u ê ? Porque a d o c ê n c i a e s t á h a b i t u a d a à p r á t i c a
de u m ensino de resultados - ensino de resultados de pesquisas, c i e n t í f i c a s
S u p o n h o que n i n g u é m ouse classificar H e i d e g g e r c o m o u m represen- o u t e c n o l ó g i c a s , e n ã o da m e t o d o l o g i a de pesquisa que l e v o u a esses resul-
t a n t e d o laissez-faire q u a n d o ele d i z que "ensinar significa: d e i x a r apren- tados; resultados de c á l c u l o e n ã o do processo de c o n f e c ç ã o desse c á l c u l o ;
der" e que é "o aprender" que o v e r d a d e i r o mestre deve "deixar aprender". e m u m a palaAn-a, resultados e m f o r m a de notas o u conceitos e n ã o d o p r o -
Isto é , o a l u n o t e m que aprender "o aprender", cabendo ao mestre ensinar cesso de a p r e n d i z a g e m que l e v o u a esses resultados. Para a nova c o m p r e -
isso, deixando-aprender. Logo, o m a i o r desafio a ser vencido p e l o mestre e n s ã o d o processo de a p r e n d i z a g e m , é preciso i r a l é m .
n ã o é ensinar o a l u n o , mas aprender o deixar-aprender. Em outra situação, É preciso c o m p r e e n d e r o processo de c o n s t r u ç ã o d o c o n h e c i m e n t o
o "deixar-aprender" chama-se "aprender a aprender". Essa c o m p r e e n s ã o «'omo condição prévia, e m cada patamar, de qualcjuer a p r e n d i z a g e m (con-
dista a ç b s - l u z de u m a c o n c e p ç ã o laissez-faire. C o m e n t a n d o o e s f o r ç o de d i ç ã o p r é v i a significa e s t r u t u r a ; o c o n t e ú d o deve ser e n t e n d i d o c o m o m e i o
c o m p r e e n s ã o das aprendizagens de Apostei e H a r l o w , Inhelder, Bovet e e n ã o c o m o o b j e t i v o ) . "Portanto, nada é mais ú t i l para f o r m a r os h o m e n s
Sinclair ( 1 9 7 7 ) a f i r m a m que " ( . . . ) o processo m a i s f u n d a m e n t a l de t o d a d o que ensinar a conhecer as leis dessa f o r m a ç ã o " (Piaget, 1932, p . 9 ) ,
c o n d u t a de a p r e n d i z a g e m consiste e m que o sujeito aprenda a aprender". Conhecendo essas leis, c o m p r e e n d e m o s que o processo de a p r e n d i z a g e m
É e x t r e m a m e n t e fácil ser u m professor laissez-faire; é e x t r e m a m e n t e difícil h u m a n a n ã o se d á p o r força d a bagagem h e r e d i t á r i a apenas, n e m apenas
a p r e n d e r o deixar-aprender. da p r e s s ã o do meiO; físico o u social, mas p o r força da i n t e r a ç ã o entre esses
dois p ó l o s , i n t e r a ç ã o ativada p e l o sujeito da a p r e n d i z a g e m .
18 Fernando Becker A origem do conhecimento e o aprendizagem escolar 19

O ponto essencial de nossa teoria é o de que o conhecimento resulta de feitos, a h i s t ó r i a , as artes, as c i ê n c i a s , e n f i m , as coisas, as a ç õ e s e as rela-
interações entre sujeito e objeto que são mais ricas do que aquilo que os ç õ e s entre t o d o s esses fatores). Sempre que o sujeito age, assimilando, ele
objetos podem fornecer por eles. (...) O problema que é necessário re- o laz na d i r e ç ã o d o centro (C) do objeto - assimilar i m p l i c a decifrar o
solver para explicar o desenvolvimento cognitivo é o da invenção e n ã o ol))eto; q u a n d o e n f r e n t a dificuldades nesse e s f o r ç o assimilador, isto é , sen-
o da mera cópia. (Piaget, in Mussen, 1977, p.87)
te se incapaz de assimilar na m e d i d a que gostaria de f a z ê - l o , volta-se para
si mesmo e, e m u m e s f o r ç o de a c o m o d a ç ã o , p r o d u z t r a n s f o r m a ç õ e s em si
A i n v e n ç ã o , e n ã o a m e r a c ó p i a ! Eis a n o v i d a d e dessa c o n c e p ç ã o de mesmo. Assim, a p ó s agir sobre o objeto, busca apreender sua a ç ã o ; sentiu*
a p r e n d i z a g e m . Q u e m sabe i n v e n t a r sabe copiar; o inverso n ã o é v e r d a d e i - d o a a q u é m das e x i g ê n c i a s do objeto, volta-se para si, p r o d u z i n d o trans-
r o . Q u e m sabe c o p i a r sabe apenas c o p i a r Talvez mais d o que e m q u a l q u e r f o r m a ç õ e s e m s i m e s m o , e assim ad infinitum, d e p e n d e n d o sempre das
o u t r a é p o c a , a atual exige i n d i v í d u o s inventivos e construtivos e n ã o copistas. c o n d i ç õ e s objetivas. As t r a n s f o r m a ç õ e s no m u n d o do objeto s ã o transfor-
Segundo Piaget, "Para apresentar u m a n o ç ã o a d e q u a d a de a p r e n d i z a g e m , m a ç õ e s n o p l a n o da causahdade; as t r a n s f o r m a ç õ e s n o m u n d o do sujeito
é n e c e s s á r i o e x p l i c a r p r i m e i r o c o m o o sujeito consegue c o n s t r u i r e i n v e n - s ã o t r a n s f o r m a ç õ e s n o p l a n o das i m p l i c a ç õ e s l ó g i c o - m a t e m á t i c a s . O ser
tar, e n ã o apenas c o m o ele repete e copia" ( p . 8 8 ) . A o b r a de Piaget investe h u m a n o é o ú n i c o capaz de se a p r o p r i a r das a ç õ e s que p r a t i c o u o u , m e l h o r
p e s a d a m e n t e na e x p l i c a ç ã o dessa c a p a c i d a d e i n v e n t i v a , c u j o n i i c l e o d i t o , dos m e c a n i s m o s í n t i m o s dessas a ç õ e s . Aí reside o segredo de sua
e x p l i c a t i v o encontra-se na interação, realizada e m n í v e i s progressivamente i l i m i t a d a c a p a c i d a d e de aprender.
diferenciados. As a ç õ e s q u e t r a n s f o r m a m o m u n d o s ã o correlativas à s a ç õ e s que trans-
Pensemos a i n t e r a ç ã o c o m o a u x í l i o deste d i a g r a m a que se e n c o n t r a f o r m a m o sujeito. N ã o existe a ç ã o p u r a que, ao t r a n s f o r m a r as c o n t i n g ê n -
n o l i v r o A tomada de consciência (Piaget, 1 9 7 4 ) : cias de r e f o r ç o , t r a n s f o r m e o m u n d o do sujeito, c o m o quer o p o s i t i v i s m o .
N ã o existe a ç ã o p u r a que transforme d i r e t a m e n t e o m u n d o d o sujeito, c o m o
quer o i d e a l i s m o . U m a a ç ã o h u m a n a sempre t e m duas d i m e n s õ e s : de trans-
f o r m a ç ã o d o o b j e t o ( a s s i m i l a ç ã o ) e de t r a n s f o r m a ç ã o d o sujeito (acomo-
d a ç ã o ) . A a ç ã o seguinte, n ã o i m p o r t a de que a ç ã o se t r a t e , depende da
a ç ã o anterior.

(...) uma aprendizagem n ã o parte jamais do zero, quer dizer que a


formação de u m novo h á b i t o consiste sempre em uma diferenciação a
partir de esquemas anteriores; mais ainda, se essa diferenciação é fun-
ção de todo o passado desses esquemas, isso significa que o conheci-
C P C mento adquirido por aprendizagem n ã o é jamais nem puro registro,
nem cópia, mas o resultado de uma organização na qual intervém em
Figuro 1.1 graus diversos o sistema total dos esquemas de que o sujeito dispõe.
(Piaget, 1959, p.69)

A o r i g e m d o c o n h e c i m e n t o , cuja e x p l i c a ç ã o e p i s t e m o l ó g i c a trazemos
I n t e r a ç ã o significa que o c o n h e c i m e n t o n ã o p r i n c i p i a n e m n o sujeito a q u i , e s t á l o n g e de acontecer apenas n o p l a n o das a ç õ e s l ó g i c o - m a t e m á t i -
(S), n e m n o objeto ( O ) , mas e m u m a zona i n d i f e r e n c i a d a o u na p e r i f e r i a cas; quase d i r i a da m e c â n i c a d o p e n s a m e n t o o u da l ó g i c a do conhecimen-
(P) e n t r e sujeito e objeto. Q u a l q u e r a ç ã o do sujeito d á - s e sempre sobre o t o . Para acontecer, ela d e p e n d e de u m fator s i n a l i z a d o r o u disparador da
objeto (os objetos materiais o u m u n d o físico, a c u l t u r a , as l í n g u a s , os con- a ç ã o : a afetividade.
I «rnandn B«ck«sr
A origem do conhecimento e o aprendizagem escolar

AriTIVIDADE, DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM TABELA 1.1 Aprendizagem dos formas de aprendizagem: quatro categorias de
aprendizagem sentido estrito ou sentido lato
Iodas as a ç õ e s h u m a n a s s ã o motivadas p o r a l g u m fator. Isso ocorre
Aprendizagem dos ações Aprendizagem dos ações
desile o p r i n c í p i o . N ã o h á a ç ã o cuja causa é p u r a m e n t e l ó g i c o - m a t e m á t i c a , enquanto conteúdos enquanto formas
nem m e s m o as a ç õ e s mais complexas dos físicos, m a t e m á t i c o s e l ó g i c o s .
i;ia sempre t e m u m c o m p o n e n t e afetivo que a faz acontecer. A n t ó n i o Aprendizagem dos ações o) ações de sentido único b) estruturas operatórias e
do sujeito (não-operatòrias): hábitos respectivas formas de
D a m á s i o ( 1 9 9 5 , p . 1 2 ) d i z : " ( . . . ) e essa c o r r e l a ç ã o f o i para m i m bastante
elementares dedução
sugestiva de que a e m o ç ã o era u m c o m p o n e n t e i n t e g r a l da m a q u i n a r i a da
l a z ã o " . A isso p o d e m o s acrescentar (Piaget, 1 9 5 9 , p . 6 6 ) : Aprendizagem das c) sucessões físicas (regula- d) formas aplicadas
propriedades do objeto res ou irregulares) enquan- às sucessões físicas
to conteúdos ("da indução enquanto
(...) u m esquema de assimilação comporta uma estrutura (aspecto cog- dedução aplicada à
nitivo) e uma d i n â m i c a (aspecto afetivo), mas sob formas inseparáveis experimentação")
e indissociáveis. N ã o nos é, pois, necessário, para explicar a aprendiza-
Fonte: Piagete Greco (1959, p.56-58).
gem, recorrer a fatores separados de m o t i v a ç ã o , n ã o porque eles n ã o
intervenham (...), mas porque estão incluídos desde o c o m e ç o na con-
cepção global da assimilação.

a ç õ e s e c o o r d e n a ç õ e s de a ç õ e s e n ã o d o t r e i n a m e n t o v e r b a l ( o p ç ã o prefe-
O g a t i l h o de u m a a ç ã o é a afetividade. Acontece que a afetividade
r i d a pela escola). Os c o n t e ú d o s d e v e m estar a s e r v i ç o d o a u m e n t o da capa-
dirige-se p r i m e i r a m e n t e para u m c o n t e ú d o e n ã o para u m a e s t r u t u r a . A l é m
cidade de a p r e n d i z a g e m ( c o n s t r u ç ã o de estruturas) e n ã o c o n s t i t u i r u m
disso, p a r a o sujeito dirigir-se - sentir necessidade o u a t r a ç ã o afetiva - a
f i m e m si m e s m o s : as estruturas p e r m a n e c e m o u s ã o subsumidas p o r es-
ura c o n t e ú d o , ele precisa de estruturas p r é v i a s capazes de dar conta desse
t r u t u r a s m a i s capazes; os c o n t e ú d o s caducam. Por isso, o ensino deve or-
c o n t e ú d o . N ã o h á s e n t i m e n t o , a t r a ç ã o afetiva, interesse o u m o t i v a ç ã o para
ganizar-se, p r i m e i r a m e n t e , n o s e n t i d o d o c o n h e c i m e n t o - e s t r u t u r a e s ó
u m c o n t e ú d o q u a l q u e r se n ã o h o u v e r estrutura de a s s i m i l a ç ã o , p r e v i a m e n -
s e c u n d a r i a m e n t e n o sentido d o c o n h e c i m e n t o - c o n t e ú d o . E m outras pala-
te c o n s t r u í d a , que d ê conta desse c o n t e ú d o . Isso nos leva a falar de dois
vras, o e x e r c í c i o v e r b a l , t ã o apreciado pela escola, é c a m p o aberto de apren-
lipos de a p r e n d i z a g e m : a a p r e n d i z a g e m das f o r m a s e a a p r e n d i z a g e m dos
dizagens de t o d o t i p o , se e somente se f o r e m p r e v i a m e n t e c o n s t r u í d a s es-
c o n t e ú d o s . Vejamos o que Piaget d i z a esse respeito n a Tabela 1.1, a s e g u i r
t r u t u r a s p e r t i n e n t e s . Isso significa que a escola v a i p r o p o r a u m a t u r m a de
alunos o e s t u d o d a á l g e b r a , p o r e x e m p l o , se esse f o r o m e l h o r c a m i n h o
para que os a l u n o s c o n s t r u a m d e t e r m i n a d a e s t r u t u r a c o g n i t i v a , e n ã o por-
DITADURA DO CONTEÚDO E FRAGILIDADE DAS FORMAS
que á l g e b r a t e n h a u m sentido e m si mesma - a t é p o d e r á ter, mas n ã o para
todos os a l u n o s . Por que todos os alunos d o ensino m é d i o t ê m de saber o
As perguntas que p o d e m o s fazer s ã o : "Por que se fala n a escola so-
c o n t e ú d o d a l i t e r a t u r a portuguesa? Por que todos os alunos t ê m de d o m i -
mente e m c o n t e ú d o ? " e "Por q u e n ã o se fala e m estrutura?". A escola pre-
nar a é p o c a dos descobrimentos? Por que todos os alunos t ê m de saber a
I I . . I i a l a r dessas duas coisas. Falar s ó de c o n t e ú d o o u s ó de e s t r u t u r a é
densidade e a d i s t r i b u i ç ã o d a p o p u l a ç ã o europeia? Por que todos os alunos
» o i i i o . i i i d a r e m u m a perna s ó . Precisamos c r i a r respostas para c o m p r e e n -
t ê m de d o m i n a r os modelos d a q u í m i c a , física o u m a t e m á t i c a ?
il''iiii<)', i i i r l l i o r as r e l a ç õ e s entre c o n s t r u ç ã o de estruturas ( o p e r a t ó r i a s ) e
N o l i v r o Aprendizagem e conhecimento, Piaget ( 1 9 5 9 ) t r a t a dessa ques*
1 < . t j i . M idade de a p r e n d i z a g e m . O aspecto n e g a t i v o dessa r e l a ç ã o é que
t ã o pelas r e l a ç õ e s entre a p r e n d i z a g e m stricto sensu e lato sensu. A a p r e n d i -
n i . , . i d i . m i a ensinar para q u e m n ã o t e m e s t r u t u r a de a s s i m i l a ç ã o . O aspec-
zagem n o sentido estrito i n c l u i t o d a a aprendizagem d o senso c o m u m (aqui-
I.. ( M , . i i i v i . f ( j i u - a a p r e n d i z a g e m deve ser o r g a n i z a d a na d i r e ç ã o d a cons-
s i ç ã o de c o n t e ú d o s externos ao sujeito), e n q u a n t o a a p r e n d i z a g e m no sen
i t H . . 1 , 1 . < ' . i n i u i i a s p o s s í v e i s naquele m o m e n t o , isto é , na d i r e ç ã o de
t i d o a m p l o é a s í n t e s e das aprendizagens no sentido estrito e das a p r e n d i -
22 Fernando Becker A origem do conhecimento e o aprendizagem escolar

zagens n o s e n t i d o a m p l o ; estas c o i n c i d e m c o m o processo de equilibração • transformar radicalmente os meios de a v a l i a ç ã o , compreendida cor


o u de abstração reflexionante, q u e se realiza à m e d i d a que o sujeito apro- c o r r e ç ã o ou controle ativos p r ó p r i o s da e q u i l i b r a ç ã o , cujo proces
auto-regulado implica o erro em todos os n í v e i s .
pria-se dos mecanismos í n t i m o s das p r ó p r i a s a ç õ e s o u das c o o r d e n a ç õ e s
das a ç õ e s .
O e r r o c o g n i t i v o d e i x a r á de ser considerado falha m o r a l e, p o r isi
n ã o s e r á m a i s objeto de p u n i ç ã o : Piaget a f i r m a que a escola t e m o h á b i
Mas, devido a essas interações entre a assimilação e a a c o m o d a ç ã o , a
de t r a n s f o r m a r o erro c o g n i t i v o e m falta m o r a l e de p u n i r a falta m o r a l .
aprendizagem s.str. e a equilibração constituem esse processo funcional
de conjunto que podemos chamar a aprendizagem s.Zat. e que tende a P r o c u r e i pensar as c o n d i ç õ e s que j u l g o n e c e s s á r i a s para que a v i i
se confundir com o desenvolvimento. (Piaget, 1959, p. 86) r e t o r n e à escola, para que a escola tome-se u m l u g a r significativo para
a l u n o . L e m b r a n d o sempre que a c r i a n ç a e o adolescente n ã o d e i x a m i
fazer coisas p o r serem difíceis, mas p o r n ã o t e r e m sentido. E o profess
P o r t a n t o , para Piaget, assim c o m o para Inhelder, B o v e t e S i n c l a i r
t o r n a r - s e - á u m b o m educador, apreciado pelos alunos, n a m e d i d a e m qi
( 1 9 7 4 ) , o processo de a p r e n d i z a g e m deve ser r a d i c a l m e n t e Adnculado ao
deixar de fazer coisas que para ele m e s m o n ã o t ê m s e n t i d o . T e r m i n o , p
p r o c e s s o de d e s e n v o l v i m e n t o o u a p r e n d i z a g e m n o s e n t i d o a m p l o .
isso, c i t a n d o este poeta-mestre - o u mestre-poeta - R u b e m Alves:
D e s v i n c u l a d o dele, n ã o p a s s a r á de t r e i n a m e n t o - o u a p r e n d i z a g e m n o sen-
t i d o estrito - e este, c o m o d i z e m as autoras ( " u m t r e i n o v e r b a l p o d e , facil-
mente, ser i l u s ó r i o " , p . 1 1 6 ) , n ã o p a s s a r á de i l u s ã o . Trata-se, p o i s , d a c o m - Ensinar é u m exercício de imortalidade. De alguma forma continuam
p r e e n s ã o de que h á u m a r e l a ç ã o d i a l é t i c a entre a p r e n d i z a g e m e desenvol- a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo jjela magia <
nossa palavra. O professor, assim, n ã o morre jamais.
v i m e n t o , e n ã o apenas, c o m o q u e r Vygotsky, p o r e x e m p l o , a a p r e n d i z a g e m
" p u x a n d o " o d e s e n v o l v i m e n t o ( c o n f o r m e o seu conceito de zona de desen-
v o l v i m e n t o p r o x i m a l ) . Nesse sentido, Vygotsky v e m r e f o r ç a r , t a l c o m o o
b e h a v i o r i s m o , o v e r b a l i s m o d a escola. Para Piaget, a a p r e n d i z a g e m desafia
o d e s e n v o l v i m e n t o a r e c o n s t r u i r suas estruturas, e o d e s e n v o l v i m e n t o for-
nece c o n d i ç õ e s estruturais para novas aprendizagens. E m outras palavras,
cada u m desses processos d e m a n d a o o u t r o . A a p r e n d i z a g e m traz n o v i d a -
des para o d e s e n v o l v i m e n t o o u para a a p r e n d i z a g e m no sentido a m p l o
( e s t r u t u r a s ) , assim c o m o o d e s e n v o l v i m e n t o abre possibilidades para no-
vas aprendizagens n o sentido e s t r i t o ( c o n t e ú d o s ) .

U M N O V O E N S I N O PÁRA U M A N O V A A P R E N D I Z A G E M

issf) t u d o nos leva ao p o s t u l a d o de u m n o v o ensino. U m ensino que


i t i i i como compromisso fundamental:

• sondar a estrutura cognitiva do sujeito da aprendizagem como condi-


ç ã o de (|iial<|uer p r á t i c a docente e s o n d á - l a por i n t e r m é d i o de p r á t i c a s
r t ' i i i i . u l . 1 ' , lia -iiividade discente;
• in!.i(uuai .1 l.ila, n o sentido das p r á t i c a s de pesquisa e da pedagogia

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