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@filipeavilaprof

Lei 14.550/23
Alterações na Lei Maria da Penha

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Sumário
1. LEI 14.550/23 – ALTERAÇÕES NA LEI MARIA DA PENHA........................................................................................ 3

1.1 – INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................ 3

1.2 – ART. 19, §4° ................................................................................................................................................... 3

1.3 – ART. 19, §5° ................................................................................................................................................... 4

1.4 – ART. 19, §6° ................................................................................................................................................... 5

1.5 – ART. 40-A ....................................................................................................................................................... 5

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1. LEI 14.550/23 – ALTERAÇÕES NA LEI MARIA DA PENHA

1.1 – INTRODUÇÃO

A Lei 14.550/23 entrou em vigor na data de sua publicação (19/04/2023), implementando as


seguintes mudanças no texto da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06):

► Acrescentou três parágrafos ao art. 19 (§§ 4°, 5° e 6°), que está situado no capítulo
“Das Medidas Protetivas”;

► Acrescentou o art. 40-A, o qual incidirá na compreensão do conceito de violência


doméstica e familiar contra a mulher apresentado pelo art. 5°.

Essa alteração tem um foco certo: garantir a proteção das mulheres, afastando
interpretações que restringem o alcance da Lei Maria da Penha por parte das autoridades públicas
(Delegado, Juiz, etc). O objetivo das alterações é trazer maior clareza sobre alguns pontos que
antes eram objeto de interpretações diversas (verdadeira interpretação autêntica/legislativa –
como ensinam Alice Bianchini e Thiago Pierobom de Ávila). A justificativa do projeto de lei deixa
nítida essa intenção, como no seguinte trecho: “apresenta-se esta proposta de alteração
legislativa com o objetivo de explicitar o espírito da Lei Maria da Penha”.

Assim, em linhas gerais as alterações buscam esclarecer:

► A autonomia das medidas protetivas, não estando necessariamente vinculadas a


existência de qualquer procedimento prévio (como IP, processo criminal ou cível);

► Prazo de duração das medidas protetivas;

► Adequada compreensão do conceito de violência doméstica e familiar contra a


mulher previsto no art. 5° da Lei.

1.2 – ART. 19, §4°

Art. 19, §4° - As medidas protetivas de urgência serão concedidas em juízo de cognição sumária a
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partir do depoimento da ofendida perante a autoridade policial ou da apresentação de suas
alegações escritas e poderão ser indeferidas no caso de avaliação pela autoridade de inexistência
de risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus
dependentes.

Cognição sumária - podem ser concedidas de pronto, por meio de um conhecimento


(cognição) imediato (sumária) dos fatos apresentados pela vítima, não exigindo a realização de
diligências prévias, instauração de IP, etc.

Depoimento da vítima – é suficiente para embasar a concessão de medidas protetivas, não


exigindo outras ações como complemento (ex: provas testemunhais, periciais, etc).

É o que Alice Bianchini e Thiago Pierobom de Ávila denominam de “requisito probatório


suficiente” ou “verossimilhança da palavra da mulher sobre uma situação de VDFCM”.

Indeferimento – é possível no caso de avaliação pela autoridade de inexistência de risco à


integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.

1.3 – ART. 19, §5°

Art. 19, §5° - As medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da


tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito
policial ou do registro de boletim de ocorrência.

A concessão da medida independe:

► Tipificação penal da violência - Como esclarecem Alice Bianchini e Thiago Pierobom


de Ávila: “O art. 7º da LMP, a definir expressamente as modalidades de violência
abrangidas pela lei (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, devendo-se
observar que a lei usa a expressão “dentre outras”) não criou crimes, mas
exemplificou atos jurídicos ilícitos, sendo possível que algumas das formas de
violência ali indicadas não tenha perfeita correspondência com tipos penais.”

► Ajuizamento de ação penal ou cível – entendimento pela autonomia das medidas


protetivas (não são instrumentais ao processo);
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► Existência de IP ou registro do B.O. - Assim, na situação de a mulher comparecer na
delegacia de polícia em razão de um crime de ameaça cometido pelo seu marido e,
apresentando vários elementos que comprovem a ocorrência da violência, requerer
medida protetiva, porém, não manifestar o seu interesse no início da persecução
penal (se negando a oferecer a representação necessária ao delito), deverá ser
apreciado o seu pedido quanto às protetivas e, em caso de risco, concedido o
mesmo.

1.4 – ART. 19, §6°

Art. 19, §6° - As medidas protetivas de urgência vigorarão enquanto persistir risco à integridade
física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.

STJ - não será possível a eternização da medida, devendo a sua duração ser sopesada à luz
dos princípios da proporcionalidade e adequação.

Art. 19, §6° - deverá persistir enquanto houver risco à integridade física, psicológica, sexual,
patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.

Conclusão – não há a previsão de prazo certo, sendo assim a duração da medida protetiva
estará vinculada à persistência da situação de risco.

1.5 – ART. 40-A

Art. 40-A - Esta Lei será aplicada a todas as situações previstas no seu art. 5º,
independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência e da condição do ofensor ou
da ofendida.

Diante da redação do art. 5° da Lei Maria da Penha, o qual conceitua a violência doméstica e
familiar contra a mulher e, em especial, pela expressão “ação ou omissão baseada no gênero”,
havia muita controvérsia a respeito da interpretação do que seria violência baseada no gênero.

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Parte da doutrina entendia que para a caracterização da violência doméstica e familiar
contra a mulher bastava o preenchimento das situações elencadas no art. 5° (violência pratica no
âmbito da unidade doméstica, família ou relação íntima de afeto), sem a necessidade de se
verificar a motivação de gênero.

Contudo, alguns doutrinadores entendiam que não bastava preencher o conceito do art. 5°
se, no caso concreto, não fosse constatado que a violência tinha como motivação o gênero
feminino (ou seja, o objetivo da violência foi o de menosprezar a mulher, em razão dela ser
mulher).

Esse entendimento sempre foi problemático. Isso porque essa constatação no caso concreto
é muito difícil de ser realizada, é algo muito subjetivo e que, por vezes, não tem como ser
demonstrado.

O art. 40-A acaba com tal discussão ao fixar que a Lei 11.340/06 será aplicada a todas as
situações previstas no seu art. 5º, independentemente da causa ou da motivação dos atos de
violência e da condição do ofensor ou da ofendida.

Ou seja, se a violência contra a mulher foi cometida em algum dos âmbitos listados no art. 5°
(unidade doméstica; família; relação íntima de afeto), estaremos diante de violência doméstica e
familiar contra a mulher apta a atrair a incidência da Lei Maria da Penha. Não há necessidade de
provar a motivação da violência, a causa e qualquer outro aspecto relacionado.

Como bem apontam Rogério Sanches e Valéria Scarance Fernandes: “Com o advento no
artigo 40-A, inserido pela Lei 14.550/23, o que determinará a aplicação da Lei Maria da Penha é
um fator objetivo – contexto afetivo, doméstico e familiar -, presumindo, nesses ambientes, a
violência de gênero (preconceito, menosprezo ou discriminação quanto ao gênero feminino).”

Aprofundamento. Com o novel art. 40-A, temos que a vulnerabilidade da mulher frente ao
agressor é totalmente presumida pela lei caso a violência seja cometida nos moldes do art. 5°.
Esse já era o entendimento dominante na doutrina e jurisprudência.

Contudo, parte da doutrina aprofundava nessa questão e elencava uma situação em


específico: a vulnerabilidade quando o sujeito ativo (agressor) fosse uma mulher. Para tais
doutrinadores, deveríamos diferenciar duas situações de vulnerabilidade, uma quando o sujeito
ativo for um homem e outra na hipótese de ser uma mulher. No caso de agressor homem, como
vimos, não é necessária a demonstração de vulnerabilidade da vítima e, caso preenchidos os
demais requisitos do art. 5°, estaremos diante de violência doméstica e familiar contra a mulher.
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Contudo, quando o sujeito ativo é uma mulher, deve-se demonstrar à luz do caso concreto
que o sujeito passivo se encontrava em situação de vulnerabilidade - não temos aqui uma
presunção da mesma. Isso porque quando autor e vítima forem do sexo feminino, embora seja
possível existir situação de vulnerabilidade baseada no gênero (apta a atrair a Lei 11.340/06),
podemos estar também diante de uma forma de violência entre “iguais” (sem qualquer espécie de
superioridade de forças), o que, nesse caso, não enseja a aplicação dos dispositivos da Lei Maria
da Penha.

Com o novo art. 40-A essa diferenciação realizada por alguns doutrinadores deixa de existir.
Ou seja, independentemente do sexo do sujeito ativo (homem ou mulher), caso seja praticada
uma violência nos moldes do art. 5° da Lei 11.340/06, não há a necessidade de se constatar a
vulnerabilidade da vítima no caso concreto, nem motivação da violência ou qualquer outro
aspecto relacionado a situações de opressão baseada no gênero. A vulnerabilidade da vítima
sempre será presumida pela lei, independentemente do sexo do agressor.

Aprofundamento 2. Rogério Sanches e Valéria Scarance Fernandes entendem que essa


presunção de violência baseada no gênero é apenas relativa (juris tantum) e não absoluta. Para os
autores: “Ao reconhecer a presunção relativa, o legislador estabelece que determinada situação é
considerada verdadeira e só pode ser afastada diante de provas em contrário. Em outras palavras,
trata-se de uma presunção de que a violência nesses contextos é uma violência de gênero, salvo
quando ocorrer a demonstração inequívoca de que aquele ato não atingiu ou visou a vítima
mulher. O ônus da prova cabe ao agressor (fato modificativo).
Para reforçar nossa posição, citamos alguns casos – reais – antes submetidos a um Juízo
Comum e que seriam encaminhados ao Juizado de Violência Doméstica caso adotado o
entendimento da presunção absoluta: a filha, mediante fraude, simula um sequestro para que seja
pago resgate por seus genitores; traficante guarda drogas em sua residência e intimida todos os
familiares (homens e mulheres) para que não o denunciem; integrante de organização criminosa
especializada em lavagem de dinheiro usa o nome de empregada doméstica para ocultar bens sem
que ela saiba. Nesses casos, o gênero da genitora, das familiares mulheres e da funcionária não
foram determinantes.”
Textos de referência:

https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/04/20/lei-14-550-2023-altera-a-lei-maria-da-
penha-para-garantir-maior-protecao-da-mulher-vitima-de-violencia-domestica-e-familiar/#_ftn9

https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/04/20/lei-n-14-450-2023-uma-intepretacao-a
utentica-quanto-ao-dever-estatal-de-protecao-as-mulheres/

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