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Entrevista

Mark Greenberg: “A escola não deve ser


apenas um lugar para as crianças se
sentarem e fazerem testes”
O psicólogo Mark Greenberg acredita que a capacidade de exprimir emoções ou a auto-
regulação são competências que deveriam estar nos currículos de todas as escolas.

Daniela Carmo (Texto) e


Rui Gaudêncio (Fotografia)
11 de Dezembro de 2022, 6:44

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Mark Greenberg, Bennet Chair of Prevention Research na Penn State University, nos
Estados Unidos da América (EUA), e especialista em aprendizagem socioemocional
(SEL, na sigla em inglês) destaca, em entrevista ao PÚBLICO, a importância que este
tipo de competências desempenha na capacitação de crianças e jovens. O psicólogo
defende que dos programas de estudos das escolas deveria constar, como obrigatória, a
aprendizagem socioemocional. O objectivo? Promover ambientes escolares mais
amigáveis entre a comunidade escolar, beneficiando não só alunos, mas também
docentes, não docentes e pais.

Greenberg esteve, na semana passada, em Portugal a convite da Fundação Calouste


Gulbenkian para uma intervenção no evento de balanço do projecto Academias do
Conhecimento. Os programas das academias têm por base desenvolver as chamadas soft
skills, ou seja, capacidades como a adaptabilidade, auto-regulação, pensamento crítico,
resolução de problemas, resiliência ou comunicação.

Começou a apresentação por pedir à audiência que falasse com o vizinho da cadeira ao
lado sobre que relação pensava existir entre a educação socioemocional e a saúde e bem-
estar físico. Porquê?
Sim, quis fazê-lo porque é comum pensarmos na criança separadamente como um ser
físico, como um ser emocional, cognitivo ou um ser académico, mas a verdade é que
existe apenas uma criança: um corpo, um cérebro, um coração.

Por exemplo, hoje vimos e ouvimos o ministro da Educação falar [João Costa fez uma
declaração em vídeo durante o evento na Gulbenkian, em Lisboa] e o que espero é que
dentro de dez anos possamos ver o ministro da Educação e o ministro da Saúde a falarem
juntos. Por que razão estamos a separar as coisas? Temos de acreditar que ao ensinarmos
competências socioemocionais às crianças estamos a ajudá-las a serem melhores na
tomada de decisões, melhores pessoas, com auto-regulação. E isso também é saúde, não
só física mas também mental.

Sabemos que as pessoas com piores estilos de vida são mais propensas a ficar doentes. É
por isso que queremos reduzir o consumo de tabaco e de álcool em excesso, porque
sabemos que isso são tudo coisas que provocam doenças crónicas.

E isto é tudo uma bola de neve: as pessoas morrem mais cedo e têm custos de saúde
incríveis antes de morrer. Portanto, a aprendizagem socioemocional não é apenas para
que as crianças se tornem mais gentis ou se preocupem mais com os outros — isso é uma
coisa muito importante — ou sobre criar escolas que sejam locais mais acolhedores para
as crianças aprenderem ou sentirem que são desafiadas, mas também são cuidadas. Mas
importa também pensar em como essas mesmas competências e atitudes que podemos
ensinar às crianças podem levar a uma saúde melhor.

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Mark Greenberg trabalha há quase 50 anos com programas de educação socioemocional
Rui Gaudêncio

Por exemplo, temos níveis muito elevados de pessoas obesas. É um problema em


Portugal. Claro que faz parte da genética, uma parte, mas uma boa parte depende muito
das decisões que tomamos, o que decidimos comer, o que decidimos comprar no
supermercado para ter em casa e para cozinhar.
Quer dizer que existe uma carência na literacia em saúde?
Sim, mas não só de literacia. É a capacidade que temos para tomar boas decisões.

É nesse sentido que as competências socioemocionais são importantes?


Isso mesmo, para que as pessoas sejam capazes de se conhecerem e de se regularem
melhor. Há muitos anos que trabalho com estas competências e os resultados que temos
é de que, quando os professores ensinam este tipo de capacidades aos alunos, eles próprios
estão a aprender também.

Aliás, vários professores já me disseram que aplicaram mesmo essas competências em


caso próprio, por exemplo, como uma forma para conseguirem perder peso ou para terem
um estilo de vida mais saudável. E, de facto, descobrimos que, quando os professores
ensinam programas de SEL, eles também se beneficiam, não apenas as crianças.

Até porque a maioria dos professores não teve programas de SEL enquanto eram
estudantes?
E os docentes também nada têm nos currículos de preparação sobre como cuidar de si
mesmos, sobre autocuidado. E ensinar é um trabalho muito difícil e é muito solitário
também, porque os professores ficam sozinhos o dia todo com as crianças. Os professores
portugueses, por exemplo, estão muito cansados e são uma classe envelhecida.

Imaginemos que um professor chega à escola de manhã e sente-se bem, tem uma energia
positiva. É recebido de forma amigável pelos colegas e há um bom ambiente. Nesse dia,
aquele docente vai certamente ensinar melhor e ter uma boa relação, de cooperação, com
as crianças. Pelo contrário, se o professor chegar stressado, aborrecido, deprimido, com
a sensação de que a escola não se importa realmente consigo, é totalmente diferente.

Temos de nos lembrar que a saúde dos professores também é importante. E a verdade é
que acabamos por ter muitos custos de saúde para muitos docentes em Portugal porque
eles têm empregos stressantes e não lhes damos as competências que deveríamos dar.

Sabemos que quando as crianças têm professores que são divertidos, calorosos e se
preocupam com elas, trabalham mais. Porque nós vamos trabalhar sempre mais e dar mais
por alguém que se preocupa connosco.

Temos de nos lembrar que a saúde dos professores também é importante. E a verdade é
que acabamos por ter muitos custos de saúde para muitos docentes em Portugal porque
eles têm empregos stressantes e não lhes damos as competências que deveríamos dar.
Muitas vezes isso acaba por derivar para transtornos de ansiedade, depressão, baixas
médicas e acarretam custos em saúde mental que podiam ter sido evitados.

O trabalho de prevenção é, por isso, essencial?


Exacto e é por isso que a saúde e a educação deviam andar de mãos dadas e não separadas.
Pensa que a aprendizagem socioemocional deveria ser obrigatória nas escolas?
Sim. Em Portugal está ainda numa fase inicial. Mas o que Gulbenkian fez com as
Academias do Conhecimento é incrível. Num país com apenas dez milhões de pessoas,
ter uma centena de projectos como estes é revolucionário.

Acho que se está a criar uma transformação no sentido em que as pessoas já pensam que
isto deveria mesmo fazer parte da educação. E em muitos países já é assim: isso acontece
na maioria dos estados dos EUA, em Inglaterra, Suécia, Noruega e Dinamarca, Singapura,
Austrália.

O tratamento é uma resposta, mas o objectivo não é esse. Não podemos continuar a tratar
uma pessoa de cada vez porque, dessa forma, não estamos a resolver o problema.

Quais são as chaves da SEL?


A regulação emocional é o mais importante. Mas a capacidade de falar sobre as próprias
emoções também é relevante. As pessoas que têm um vocabulário emocional maior têm
uma melhor saúde mental, mas também saúde física. E a terceira coisa é ter a capacidade
de realmente pensar através de problemas, de usar habilidades de pensamento, assim
como fariam em matemática ou ciências.

Portanto, auto-regulação ou autocontrolo, habilidades emocionais para se expressar e


boas habilidades para resolver problemas. Quando as crianças têm essas três coisas, duas
coisas acontecem: elas têm amigos e não se metem em encrencas. Para as crianças, isso
é tudo o que importa. E tornam-se adultos melhores.

A pandemia de covid-19 pôs a descoberto não só a saúde mental, mas também a


doença mental. Acredita que agora, mais do que nunca, é o momento para trazer
estes assuntos para cima da mesa?
Definitivamente, sim. Mesmo antes da pandemia já tínhamos muitos destes problemas,
como a ansiedade ou a depressão, mas muita gente pensava que era só com “aquelas
crianças, só aquelas pessoas”. Agora, todos estivemos em casa, todos estivemos a sofrer
de alguma forma — quer dizer, o que é pior para um adolescente do que ter de viver o dia
inteiro com os pais. E o que é pior para os pais? Não acontece com todos, claro, estou a
hiperbolizar.

Mas sabemos que as taxas de depressão e ansiedade em adolescentes estão a aumentar. E


isso acontece também no caso dos adultos, porque todos sofreram e acho que todos
começaram a preocupar-se realmente com o problema da saúde mental. E deixou de ser
uma coisa “só daquelas pessoas” que têm diagnóstico.

O tratamento é uma resposta, mas o objectivo não é esse. Não podemos continuar a tratar
uma pessoa de cada vez porque, dessa forma, não estamos a resolver o problema.
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Mark Greenberg Rui Gaudêncio

O que quer dizer?


Há uma história antiga de pessoas que estão a nadar num rio e há uma cascata. O que
acontece é que à medida que vão nadando vão caindo da cascata abaixo. E no fundo há
uma ambulância para levar um ferido de cada vez. Até que um dia alguém questiona:
“Mas porque é que não pomos uma cerca no cimo da cascata para que mais ninguém
caia?” Isto é prevenção.

Temos de dar às pessoas aquilo a que chamamos “o factor de protecção”, ou seja,


competências de auto-regulação para que saibamos como nos relacionarmos melhor com
o próximo ou como mediar conflitos nos nossos relacionamentos, por exemplo. É tão
importante para os nossos casamentos, não apenas para as crianças. Ter capacidade ética
na tomada de decisões, preocuparmo-nos realmente com os outros tanto quanto nos
preocupamos connosco: essas são as qualidades que tornam a vida rica. E por que é que
a escola não é o lugar central para ensinar isso?

Como podemos ensinar essas competências?


Existem muitos programas SEL e alguns deles estão aqui mesmo nas academias. Alguns
vão funcionar, outros não. O objectivo é criar escolas saudáveis e atenciosas e isso
significa que os professores e os directores devem estar realmente envolvidos nisso. E
isso exige que pensemos em novas formas de formar professores.

Portanto, desde o primeiro momento em que os professores estão a ser formados para
leccionar, durante os estágios, já devem estar a ser instruídos sobre competências
socioemocionais.

Há 47 anos que trabalha nesta área, nota diferenças e avanços significativos?


Quando começámos isto nos EUA, éramos apenas seis pessoas e, aos poucos, fomos
construindo uma organização. Lentamente, é uma maratona e não um sprint, alguns
distritos acabaram por se ir interessando, depois havia cada vez mais escolas. Hoje, temos
a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) a dizer que
esta é uma parte central da educação, que deveria estar em todas as escolas, todos os dias.
Que desafios ainda enfrentam?
As escolas e a educação são instituições muito conservadoras, muito difíceis de mudar.
De certa forma, é bom porque, além da Igreja, não temos nenhuma instituição tão estável.

Num mundo em que o trabalho em equipa é uma realidade, as soft skills desempenham
ainda mais importância porque fazem as pessoas trabalhar de forma mais eficaz, tanto
sozinhas como em grupo e, quando em grupo, são capazes de apoiar os colegas, resolver
problemas ou pensar em conjunto.

Mas o sistema de ensino é muito conservador e a formação de professores é muito antiga.


Precisamos de trabalhar não apenas com os professores que já estão nas salas de aula,
porque eles se vão aposentar, mas também com uma nova geração. Temos de criar um
novo modelo de escola, mais acolhedor, que não seja apenas um lugar para as crianças se
sentarem, ouvirem e fazerem testes.

Uma vez que os docentes não tiveram programas de capacitação socioemocional


enquanto estudantes, não se poderá incorrer no risco de eles replicarem o que
aprenderam quando eles é que eram os alunos?
Não, eles não querem ser assim e há boas pesquisas que o provam. Tal como os podemos
ensinar a leccionar matemática, inglês ou português, podemos ensiná-los sobre
desenvolvimento socioemocional.

E quando isso acontece os docentes gostam. Como disse anteriormente, quando põem
estes programas em prática, não apenas as crianças se saem melhor, mas isso também
lhes acontece. É gratificante.

Podemos melhorar o bem-estar dos professores fazendo-os usar as habilidades que


ensinam às crianças. Quando fazem isso, sentem-se menos stressados, as taxas de
depressão e ansiedade baixam e eles conseguem apreciar mais o ensino.

Penso que o ministro da Educação português tem essa visão de futuro, ele entende o
problema. Mas há outro grande problema: o ensino não é valorizado. Temos de apoiar a
profissão e apoiar os jovens que querem segui-la.

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