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O Estado

A sociedade civil é o Estado propriamente dito. Fei


to o pacto ou o contrato, os contratantes transferem o
direito natural ao soberano e com isso o autorizam a
transformá-lo em direito civil ou direito positivo, sob o
qual a sociedade viverá. Esse direito, na forma das leis
promulgadas e aplicadas pelo soberano, garantirá a
vida, a liberdade e a propriedade privada dos governa
dos. Em nome da segurança e da paz, os indivíduos
transferem ao soberano o direito exclusivo ao uso da
força e da violência, da vingança contra os crimes, da
regulamentação dos contratos econômicos, etc.
Quem é o soberano? Hobbes e Rousseau diferem
na resposta a essa pergunta.
Para Hobbes, o soberano pode ser um rei (mo
narquia), um grupo de aristocratas (aristocracia) ou
uma assembleia (democracia). O fundamental não é
o n úmero dos governantes nem a forma do regime

político, mas a definição de quem possui o poder ou


a soberania: o Estado. Este, por meio das instituições
públicas, tem o poder de promulgar e aplicar as leis,
definir e garantir a propriedade privada e exigir obe
diência incondicional dos governados, desde que
respeite dois direitos naturais intransferíveis: o direi
to à vida e o direito à paz, pois foi para isso que o
soberano foi criado. O soberano detém a espada e a
lei; os governados, a vida e os bens dos quais são
proprietários privados.

Para Rousseau, o soberano é o povo, entendido co


mo Vontade Geral, pessoa moral coletiva livre e corpo
político de cidadãos. Os indivíduos, pelo contrato, cria
ram-se a si mesmos como povo e é a este que transfe
rem os direitos naturais para que sejam transformados
em direitos civis. Assim sendo, o governante não é o
soberano, mas o representante da soberania popular.
Os indivíduos aceitam perder a liberdade natural
para ganhar a liberdade civil; aceitam perder o direito
à posse natural de bens para ganhar a cidadania e, com
ela, o direito civil à propriedade privada de bens. Como
criam a soberania e nela se fazem representar, são ci
dadãos. Como se submetem às leis e à autoridade do
governante que os representa, chamam-se súditos.

Como Hobbes atribui a soberania àquele a quem o


direito natural foi transferido para que assegure paz e
segurança, o regime político que lhe parece mais capaz
de realizar essa finalidade é a monarquia. Ao contrário,
para Rousseau, sendo a soberania sempre popular ou do
povo, o regime que melhor realizaria as finalidades do
contrato social é a democracia direta ou participativa.
Capítulo 370

A teoria liberal

A b u rgu es ia e a propriedade privada

No pensamento político de Hobbes e de Rousseau,


a propriedade privada não é um direito natural, mas
civil. Mesmo que no estado de natureza (em Hobbes)
e no estado de sociedade (em Rousseau) os indivíduos
se apossem de terras, de outros indivíduos e de bens,
essa posse é o mesmo que nada, pois não existem leis
para garanti-las. O direito civil, ao contrário, assegura a
posse por meio das leis e a legitima na forma de pro
priedade privada.
A teoria da legitimidade civil da propriedade priva
da, porém, não era suficiente para a burguesia em as
censão, cujo poder e prestígio estavam fundados na
propriedade privada da riqueza. De fato, embora o ca
pitalismo se consolidasse e o poderio econômico da
burguesia só fizesse crescer, em toda a Europa o regime
político permanecia monárquico. Com isso, o poderio
político da realeza e o prestígio social da nobreza tam
bém persistiam.

Para que seu poder econômico pudesse enfrentar


o poder político dos reis e das nobrezas, a burguesia
precisava de uma teoria que lhe desse legitimidade
tão grande ou maior do que o sangue e a heredita
riedade davam à realeza e à nobreza. Se o sangue e
a hereditariedade davam à realeza e à nobreza um
fundamento natural para o poder e o prestígio, a
burguesia precisava que seu poder econômico tam
bém tivesse um fundamento natural que lhe garan
tisse poder.
A teoria que atendeu aos interesses da burguesia
foi a da propriedade privada como direito natural e sua
primeira formulação coerente foi feita pelo filósofo
inglês John Locke (1632-1704). Locke partiu da definição
do direito natural como direito à vida, à liberdade e aos
bens necessários para a conservação de ambas. Esses
bens são conseguidos pelo trabalho.
Como o trabalho pode legitimar a propriedade pri
vada como direito natural? Deus, escreve Locke, é um
artífice, um obreiro, arquiteto e engenheiro que fez
uma obra: o mundo. O mundo é domínio e proprieda
de de seu criador. Ora, Deus criou o homem à sua ima
gem e semelhança, deu-lhe o mundo para que nele
reinasse e, ao expulsá-lo do Paraíso, não lhe retirou o
domínio do mundo, mas lhe disse que o teria com o
suor de seu rosto. Se o Universo, fruto do trabalho di
vino, é propriedade privada de Deus, as coisas do mun
do, frutos do trabalho humano, são propriedade priva
da do ser humano. Por isso, de origem divina, ela é um
direito natural.
O Estado existe a partir do contrato social e sua
principal finalidade é garantir o direito natural de pro
priedade. Dessa maneira, a burguesia se vê inteiramen
te legitimada perante a realeza e a nobreza. Mais do
que isso: se considera superior a elas, uma vez que o
burguês acredita que é proprietário graças ao seu pró
prio trabalho, enquanto reis e nobres são parasitas da
sociedade ou do trabalho alheio.
As filosofias políticas

371 pag
O burguês não se vê apenas como superior social
e moralmente aos nobres, mas também como superior
aos pobres. De fato, se Deus fez todos os indivíduos
iguais, se a todos deu a missão de trabalhar e a todos
concedeu o direito à propriedade privada, então os po
bres são culpados por sua condição inferior. Como não
são proprietários, têm a obrigação de trabalhar para
outros. São pobres porque são irresponsáveis, gastando
o salário em vez de acumulá-lo para adquirir proprie
dades, ou porque são preguiçosos e não trabalham o
suficiente para conseguir uma propriedade.

Trabalho, herança e poder

O a rgu m e nto d e que um i n d ivíd u o é p o b re


porq u e não tra ba lhou o sufi c i e nte ou não s o u
be usar b e m seus re cu rsos é m u ito uti liza do n a
atu a li d a d e . C o m o v i m o s , e le fo i constru ído co n
fo rme a bu rguesia con segu iu legit i m a r s e u po
d e r e co n ô m ico. No e nta nto , e m b o ra te n h a d e r
rubado a i d e i a d e q u e o p o d e r e o p restígio são,
por nasci m e nto , d i re itos dos n o b res e da rea le
za, a bu rguesia não fez objeção à m a n ute nção
da h e re d ita ri e d a d e da p ro p r i e d a d e privada. Ao
co ntrá rio, i n ce ntivo u a i nstitu i ção da h e ra n ça
d e be ns, regu la m e nta n d o - a .
Como vimos no Ca pítu lo 1 6, a ideo logia
i n centiva a p rocriação po rqu e e la ga ra nte a
tra n s m issão do ca pita l aos h e rd e i ros. No e n
ta nto , n o s termos da teo ria li b e ra l, isso cria
u ma contra d i ção, na m e d i d a e m que o h e r d e i ro
usufru i p ro p r i e d a d es q u e não são fruto d e seu
p ró p rio tra ba lho. No próx i m o ca pítu lo, ve re mos
e m mais deta lh es co mo o p e ra a i d e o logia da
co m petê n c i a téc n i co - c i e ntífi ca , outro aspecto
q u e pe rpetua a situação de c lass e .

O Esta d o li bera l
Se a função do Estado não é a de criar a proprieda
de privada, e sim a de garanti-la como um direito na
tural e defendê-la contra a nobreza e os pobres, qual é
o poder do soberano?
Com base nas ideias de Loc ke, dos realizadores
da Independência dos Estados Unidos e da Revolu
ção Francesa (século XVI I I) e de pensadores como o
escocês Adam Smith (1723-1790) e o alemão Max
Weber (1864-1920), podemos dizer que, para a teoria
liberal, a função do Estado é garantir três liberdades
ou direitos:

1. o direito natural de propriedade e a liberdade eco


nômica: como o Estado não instituiu a propriedade, ele
não tem poder para nela interferir. No entanto, tem o
dever de assegurá-la, por meio de leis e do direito exclu
sivo para o uso legal da violência (exército e polícia).
Para entendermos o alcance dessa ideia, precisamos
lembrar que, na forma inicial do capitalismo, o comércio
era a atividade econômica mais importante para a acu
mulação do capital. Conhecida como mercantilismo,
essa forma do capitalismo levou às grandes navegações
e à formação dos grandes impérios ultramarinos. Para
sustentar seu poder político, os reis ou as coroas euro
peias passaram a controlar, pelo chamado monopólio
régio, todo esse comércio. Deles dependiam as conces
sões para viagens e a exploração de novas terras, preços
dos produtos, tarifas, impostos e exclusividades.
O monopólio régio era um obstáculo ao desenvolvi
mento econômico da burguesia. Contra ele, a burguesia
exigia a liberdade de mercado para o desenvolvimento do
capitalismo, tanto no comércio quanto na produção. Eis
por que essa teoria é chamada liberal ou liberalismo, pois
defende que o Estado respeite a liberdade econômica dos
proprietários privados, deixando que façam as regras e as
normas das atividades econômicas segundo as necessi
dades do próprio mercado ou da própria economia.
2. a liberdade de organização civil: visto que os pro
prietários privados são capazes de estabelecer as regras
e as normas da vida econômica numa esfera que não é
estatal, intercala-se entre o Estado e o indivíduo uma
esfera social, a sociedade civil. Ou seja, diferentemente
do que pensavam Hobbes e Rousseau, a sociedade civil
não é o Estado, e sim a esfera dos interesses dos pro
prietários privados. Sem poder para interferir na socie
dade civil, o Estado tem apenas a função de arbitrar, por
meio das leis e da força, os conflitos no interior dela.
Aqui, novamente, o liberalismo considera que a
sociedade civil deve ter liberdade para se organizar e
para realizar as ações econômicas sem interferência do
poder de Estado. O Estado pode intervir somente quan
do as relações sociais entre indivíduos privados infrin
girem as leis públicas ou prejudicarem o que é público.
3. liberdade de pensamento: o Estado tem o direito
de legislar, permitir e proibir tudo o que pertença à es
fera da vida pública, mas não tem o direito de intervir
sobre a esfera privada. O Estado deve garantir a liber
dade de consciência e de pensamento de todos os go
vernados e só poderá exercer censura nos casos em que
as opiniões ponham em risco o próprio Estado.

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A ascensão do liberalismo
Do ponto de vista prático, as monarquias absolu
tistas terminaram com as revoluções burguesas (como
a Independência dos Estados U nidos e a Revolução
Francesa). Do ponto de vista teórico, terminaram quan
do a teoria política consagrou a propriedade privada
como direito natural dos indivíduos, e não como uma
concessão feita pelo soberano.
O que as teorias políticas liberais afirmam?
• Afirmam que o indivíduo é a origem e o destina
tário do poder político, e este nasce de um con
trato social voluntário, no qual os contratantes
cedem poderes, mas não cedem sua individuali
dade. O indivíduo é o cidadão.
• Afirmam também a existência de uma esfera de
relações sociais separadas da vida privada (a família)
e da vida política (o Estado). Essa esfera é a socie
dade civil organizada. Nela, proprietários privados
e trabalhadores criam suas organizações de classe,
realizam contratos, disputam interesses e posições
sem que o Estado possa aí intervir, a não ser que
uma das partes lhe peça para arbitrar os conflitos
ou que uma das partes aja de modo que pareça
perigoso para a manutenção da própria sociedade.
• Afirmam o caráter republicano do poder, consti
tuído por três poderes: o Legislativo, o Judiciário
e o Executivo. O Estado é o poder público e nele

os interesses dos proprietários devem estar re


presentados por meio do Poder Judiciário e de
parlamentos, com membros eleitos por seus pa
res. Quanto ao Poder Executivo, em caso de mo
narquia, pode ser hereditário, mas o rei deve se
submeter às leis como os demais súditos. Em
caso de democracia, será eleito por voto censitá
rio, isto é, são eleitores apenas os cidadãos que
possuírem certa renda ou riqueza.
• Afirmam também que o Estado, por meio da lei
e da força, tem o poder para dominar e para re
primir. Seu papel é a garantia da ordem pública,
tal como definida pelos proprietários privados e
seus representantes.
O Estado liberal se apresenta, portanto, como re
pública representativa constituída de três poderes: o
Executivo (encarregado da administração dos negócios
e serviços públicos), o Legislativo (parlamento encarre
gado de instituir as leis) e o Judiciário (magistraturas de
profissionais do direito, encarregados de aplicar as leis).
Tem um corpo de militares profissionais, as Forças Ar
madas - exército e polícia -, encarregadas da ordem
interna e da defesa ou do ataque externos. Possui tam
bém um corpo de servidores ou funcionários públicos
que formam a burocracia, encarregada de cumprir as
decisões dos três poderes perante os cidadãos.

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A cidadania liberal

Por muito tempo, o pensamento liberal julgou in


concebível um não proprietário exercer o direito de
voto ou tornar-se um representante num dos três po
deres. Ao definir que os cidadãos eram os homens adul
tos livres e independentes, os liberais entendiam que
aqueles que não possuíssem propriedade privada não
eram livres, e sim dependentes. Dessa maneira, esta
vam excluídos da cidadania e do poder político os tra
balhadores e as mulheres, isto é, a maioria da socieda
de. Os Estados Unidos foram, em parte, uma exceção,
pois os trabalhadores homens brancos foram conside
rados cidadãos a partir do século XVI I I.
Desde o século XVI I I até nossos dias, lutas popula
res intensas forçaram o Estado liberal a ampliar a cida
dania política e a se tornar uma república democrática
representativa. Não deixa de ser espantoso o fato de
que a cidadania plena e o sufrágio universal só vieram
a existir no século XX, como conclusão de um longo
processo de lutas sociais, populares e políticas. As mu
lheres conquistaram o direito de voto nos Estados Uni
dos e na Inglaterra somente nos anos 1920, enquanto
na França elas só alcançaram plena cidadania em 1946.
Os negros do sul dos Estados Unidos só se tornaram
cidadãos plenos nos anos 1960. Também é importante
lembrar que, sob a democracia liberal, os indígenas de
países da América Latina ficaram por muito tempo ex
cluídos da cidadania, e que os negros da África do Sul
votaram pela primeira vez somente em 1994. As lutas
indígenas pela cidadania, em nosso continente, e as
africanas continuam até nossos dias.
No Brasil, durante o Império, o voto era censitário,
ou seja, com base na riqueza ou na propriedade priva
da, excluindo trabalhadores brancos e negros, os anal
fabetos e as mulheres. Após a Proclamação da Repúbli
ca, o voto deixou de ser censitário, porém não era

secreto, e sim aberto (o eleitor assinava seu voto num


livro aberto sob os olhos dos chefes políticos locais).
Assim, os eleitores ficavam sujeitos à pressão dos que
detinham o poder político e econômico - instituía-se,
assim, o chamado "voto de cabresto".
Além disso, os analfabetos (na época, a maioria da
população brasileira) e as mulheres continuavam ex
cluídos da participação política. As mulheres conquis
taram esse direito somente em 1932, mesmo ano em
que o voto tornou-se secreto. O sufrágio só se tornou
universal no final dos anos 1980, quando os analfabetos
passaram a ter direito ao voto.

A ideia de revolucão

Como vimos, a política liberal resultou de acon


tecimentos econômicos e sociais que impuseram
mudanças na concepção do poder do Estado, consi
derado instituído pelo consentimento dos indivíduos
por meio do contrato social. As revoluções burguesas
foram decisivas nesse processo e resultaram também
em mudanças na estrutura econômica, na sociedade
e na política, efetuadas pela classe social emergente,
a burguesia.

As classes pop u la res e as


revoluções b u rguesas

O resultado de todas as revoluções burguesas foi o


mesmo: a subida e a consolidação da burguesia como
classe política dominante. Depois de derrotar a realeza
e a nobreza e passar a dominar o Estado, a burguesia
julgava que não havia mais transformações a serem
realizadas. No entanto, também houve movimentos

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populares radicais no interior das revoluções burguesas,
que o filósofo francês Régis Debray (1940-) denominou
"revoluções nas revoluções". As classes populares, que
haviam participado da vitória da classe burguesa, de
sejavam muito mais: ansiavam instituir uma sociedade
inteiramente nova, justa, livre e feliz.
Ora, as classes populares ocidentais não possuíam
teorias políticas de tipo filosófico e científico. Para
explicar o mundo em que viviam e o mundo que de
sejavam, dispunham de uma única fonte: a Bíblia. Por
meio da religião, possuíam duas referências de justiça
e de felicidade: a imagem do Paraíso terrestre (no An
tigo Testamento) e o Reino de Deus na Terra ou Nova
Jerusalém (no Novo Testamento), que restauraria o
Paraíso depois que Cristo voltasse ao mundo e, no fim
dos tempos, derrotasse para sempre o Mal. As classes
populares revolucionárias dispunham, portanto, de
um imaginário messiânico e milenarista, ligado à ideia
de uma promessa salvadora que livraria a humanida
de dos males e das penas.

Co m pa ra n d o li bera lismo e
m ovi m e ntos revolucionários

Se compararmos os movimentos revolucionários


dos séculos XVI I e XVI I I com a teoria política liberal,
notaremos uma diferença importante entre eles. O co
ração das teorias liberais é a separação entre o Estado
e a sociedade civil. Essa distâ ncia entre Estado e socie
dade permite ao liberalismo defender a ideia de liber-

dade econômica (ou de mercado) e de liberdade de ação


social distinta da ação pública ou política.
O Estado aparece como instâ ncia impessoal e pú
blica de dominação que estabelece e aplica as leis, ga
rante a ordem por meio do uso legal da violência para
punir todo crime definido pelas leis e arbitra os conflitos
sociais. O centro do Estado é a garantia da propriedade
privada, sem, contudo, mesclar política e sociedade.
A sociedade civil, por sua vez, aparece como um
conjunto de relações sociais diversificadas entre clas
ses e grupos sociais, cujos interesses e direitos podem
coincidir ou opor-se. Nela existem as relações econô
micas de produção, distribuição, acumulação de rique
zas e consumo de produtos que circulam no mercado.
O centro da sociedade civil é a propriedade privada,
que diferencia indivíduos, grupos e classes sociais.
As revoluções, entretanto, sobretudo quando se
trata dos grupos populares, não estabelecem uma di
ferença entre Estado e sociedade, entre ação política e
relações sociais. As revoluções pretendem derrubar o
poder constituído ou o Estado porque o percebem co
mo responsável ou cúmplice das desigualdades e injus
tiças existentes na sociedade.
A percepção de injustiças sociais leva às ações po
líticas. Uma revolução pode começar como luta social
que desemboca na luta política contra o poder (a face
burguesa das revoluções) ou pode começar como luta
política que desemboca na luta por outra sociedade (a
face popular das revoluções).

375pag

As filosofias políticas
Eis por que, em todas as revoluções burguesas, ve
mos sempre acontecer o mesmo processo:
• a burguesia estimula a participação popular por
que precisa que a sociedade toda lute contra o
poder existente;
• consolidada a mudança política, a burguesia con
sidera a revolução terminada;
• as classes populares, porém, prosseguem a revo
lução, pois aspiram ao poder democrático e de
sejam mudanças sociais;
• a burguesia vitoriosa passa então a reprimir as
classes populares revolucionárias, desarma o po
vo que ela própria armara, prende, tortura, mata
os chefes populares e encerra, pela força, o pro
cesso revolucionário;
• por fim, a burguesia garante, com o liberalismo,
a separação entre Estado e sociedade.

As revolucões sociais

Nas revoluções modernas, a face popular é sufoca


da pela face liberal, embora esta última seja obrigada
a garantir alguns direitos políticos e sociais para o povo,
a fim de evitar a explosão contínua de revoltas. No
entanto, a face popular vencida não desaparece. Res
surge periodicamente em lutas isoladas por melhores
condições de vida e com reivindicações isoladas de par
ticipação política. Durante todo o século XIX, essa face
popular cresceu e manifestou-se em novas revoluções
(derrotadas). Esse processo era intensificado à medida
que se desenvolvia o capitalismo industrial e que as
classes populares se constituíam como uma classe so
cial de perfil muito definido: os proletários ou trabalha
dores industriais.

A classe trabalhadora proletária criava uma identi


dade cada vez mais definida. Sua ação política em re
voluções populares de caráter político-social propiciou
a criação de novas teorias políticas: as várias teorias
socialistas.
O pensamento socialista tem um ponto de partida
diverso do liberal. Para explicitar essa diferença, com
paremos o liberalismo com o pensamento do mais co
nhecido teórico socialista, Karl Marx (7 818-18 83). O pen
samento liberal considera que indivíduos isolados e
portadores de interesses particulares passam da luta
de todos contra todos ao contrato social, instituindo o
Estado para sua proteção. Além disso, as análises eco-

nômicas liberais partem da noção de propriedade pri


vada como direito natural.
Diferentemente dos liberais, Marx baseou sua aná
lise na existência de classes sociais antagônicas (à manei
ra da divisão social descrita por Maquiavel). No caso da
sociedade capitalista, essa divisão ocorre entre os pro
prietários privados dos meios de produção (a burguesia)
e a força produtiva excluída dessa propriedade e explo
rada pelos proprietários a fim de reproduzir o capital e
o poder da burguesia (os trabalhadores assalariados).
Em vez da noção de propriedade privada, a teoria
marxiana partiu do conceito de propriedade privada dos
meios sociais de produção. Esse conceito indica que uma
classe social detém em suas mãos e com exclusividade
as condições para que os trabalhadores possam traba
lhar. Por ser a detentora da propriedade privada dos
meios de produção, a burguesia explora os trabalhado
res, que só podem sobreviver vendendo-lhe o único
bem que possuem: sua força de trabalho, vendida por
um salário fixado pela própria burguesia.
Marx dizia que, ao priorizar o indivíduo, a fim de
dissolver a noção de classe social e de luta de classes,
a ideologia liberal reduz os conflitos entre classes so
ciais antagônicas a conflitos de interesses individuais.
Ao determinar que a função do Estado é meramente
regular esses conflitos, a ideologia liberal serve aos in
teresses da burguesia.

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Marx afi rmava que a revolução social ista ou comu
nista não seria, como a bu rguesa, uma revolução política
pa ra m uda r os donos do poder. A revolução socialista
seria uma revolução social orga n izada por u m a classe
socia l consciente de si (a classe trabal hadora) para termi
na r com a exploração e a dominação de classe, fundadas
na propriedade privada dos meios socia is de produção.
O fi m da propriedade privada dos meios sociais de
prod ução por meio de sua tra nsformação em proprie
dade social dos meios sociais de prod ução não sign ifi
ca ria o fi m da propriedade privada i n d ividual de bens

n ecessá rios a o bem-estar, à vida d igna, a o tra b a l h o


criativo, ao lazer. Essa propriedade individ ual seria man
tida, mas seria defi nida em conformidade com o se
gu i nte pri ncípio igual itá rio: "A cada u m, segundo suas
necessidades, seus méritos e seu trabalho".
As teorias socia listas toma m o proleta riado como
sujeito político e histórico e procu ra m figu ra r u ma nova
sociedade e uma nova pol ítica, nas quais a exploração
dos tra ba l hadores, a d o m i nação política a que estão
submetidos e as excl usões sociais e cultu rais a que são
forçados deixem de existir.

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