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Platão e a política elitista

Platão acreditava que deveríamos ser governados por uma elite intelectual, pois, para ele, a
democracia não viria a eleger o líder mais preparado. Um dos pilares para o discurso elitista de
Platão foi a queda de Atenas.

Atenas é o berço da democracia ocidental, e o sistema democrático ateniense perdurou


harmoniosamente até o início da Guerra do Peloponeso (431 a.C. – 404 a.C.). Até então, o
equilíbrio do regime permitia que os cidadãos vivessem com pouquíssimos problemas sociais.
O crescimento do poder ateniense causava temor nos espartanos, o que levou ao estopim da
guerra, como aponta Tucídides em A História da Guerra de Peloponeso. Após 27 anos de
conflito, Esparta conseguiu sair vitoriosa e impôs diversas mudanças em Atenas objetivando
impedir a retomada de seu poder. Uma das imposições espartanas foi a instauração do
governo oligárquico composto por trinta magistrados – regime conhecido como Tirania dos
Trinta – essa determinação significou a crise do sistema democrático. Com esses
acontecimentos, Atenas entrou em guerra civil, o exército democrata comandado pelo general
Trasíbulo conseguiu derrubar os Trinta Tiranos, Esparta interviu e foi proclamada uma anistia,
dessa forma, a Tirania dos Trinta chegou ao fim e a democracia foi reestabelecida em Atenas
em 403 a.C.

Após a Guerra de Peloponeso, Esparta manteve-se como uma enorme potência grega até a
derrota para Tebas na Batalha de Leuctra em 371 a.C. Com essa vitória, Tebas tornou-se a nova
soberana da Grécia. Esparta não poderia perder a sua hegemonia e, portanto, uniu-se com
Atenas contra Tebas, causando mais conflito e enfraquecimento das cidades gregas no final do
século IV a.C.

Com a Grécia enfraquecida por conta da divisão política e dos conflitos, tanto Esparta quanto
Atenas permitiram a ascensão da hegemonia macedônica. Macedônia, liderada Filipe II e
depois por Alexandre, o Grande, já era unificada, e se expandiu conquistando a Grécia e
acabando com regime democrático de Atenas.

A queda de Atenas não foi um fruto de sua democracia.

Crítica de Platão à democracia

“O castigo dos bons que não fazem política é ser governados pelos maus.”

Platão teve seu contato com críticos do sistema democrático desde cedo, pois ele cresceu em
uma família de aristocratas gregos, a sua base teórica para desenvolvimento de seu sistema
político-filosófico crítico à democracia parte de seu mentor, Sócrates, a postura de Platão pode
ser vista como uma radicalização das críticas já postas por Sócrates.

De acordo com Sócrates, toda e qualquer atividade humana deveria ser orientada pela
episteme, o conhecimento. A virtude e a excelência do fazer só poderia ser alcançada por meio
do domínio da episteme. Seguindo essa lógica, Platão chega à conclusão de que uma
sociedade só poderia triunfar se aqueles que a governam possuíssem o domínio da episteme
da governança. Porquanto, na democracia, a ausência do conhecimento dos cidadãos na
escolha de seus representantes significaria a escolha de pessoas amadoras e despreparadas
para governar. O sistema político ideal para Platão era a Sofocracia, um governo em que os
governantes se dedicam ao conhecimento (episteme) da organização da cidade e à melhor
conduta possível da mesma.
Na visão platônica, a democracia se origina da deterioração da oligarquia, quando o regime
oligarca se enfraquece, acontece a divisão da sociedade entre os ricos e os pobres, levando a
uma guerra civil onde os pobres vencem e, por fim, a democracia é instaurada. A crítica de
Platão é que a democracia não teria os freios institucionais rígidos da oligarquia, dessa forma,
surgiriam comportamentos desviantes. A liberdade da democracia: distorcida, desenfreada e
sem limites se resumiria à realização de desejos frívolos e superficiais, instaurando um
desrespeito às leis e aos indivíduos da cidade.

Quem deve governar?

Platão nos diz que o homem é constituído de alma e de corpo. A essência do homem é a sua
alma que esta aprisionada em um corpo. Na visão platônica, a alma se divide hierarquicamente
em três partes:

1. Apetitiva: responsável pela reprodução e sobrevivência.

2. Emocional: encarregada das nossas emoções.

3. Racional: incumbida da nossa inteligência.

A parte racional é a mais superior entre as três, sendo assim, uma pessoa mais racional, na
visão platônica, é superior a uma outra pessoa menos racional. A fonte de desenvolvimento do
racional é a paideia – o processo educacional. É pela paideia que ocorre o processo dialético
do mundo sensível, falso, para o mundo das ideias, real. Platão conclui que, as pessoas
incumbidas de um racional elevado às demais e que passaram pelo processo da paideia são as
únicas capazes de governar. Sendo assim, quem deve governar é um rei filósofo. E da mesma
que Platão divide a alma, ele também divide hierarquicamente a estrutura da sociedade,
baseado no desenvolvimento racional de seus integrantes

1. Produtores: são a base da sociedade e possuem um racional pouco desenvolvido.

2. Guardiões: responsáveis por manter a estrutura da sociedade, impedindo que pessoas


incapazes cheguem a se tornar governantes.

3. Governantes: são as pessoas mais intelectuais da sociedade, os filósofos.

Crítica ao Elitismo Epistêmico Platônico

“O poder emana do povo”

Antes de tecer qualquer crítica ao pensamento platônico, é preciso reconhecer a importância


do legado de Platão para a filosofia e para o conhecimento em geral. Sem Platão, não haveria
base teórica de outros filósofos para fazer uma crítica a sua obra, tendo em vista que, Platão
também é a base para os seus críticos. Ademais, é preciso constatar que o pensamento de
Platão decorre do contexto histórico em que ele viveu, e a crítica aqui exposta não se prende
ao contexto histórico de Platão, na verdade, baseia-se no contexto histórico atual. Não busco
refutar Platão, apenas comparar suas ideias sobre o regime democrático com desenvolvimento
da sociedade que foi acompanhado com o amadurecimento da democracia. Isto posto, agora
podemos continuar.

A democracia não imutável, e muito menos imune à críticas, ela se desenvolve com o passar
do tempo. Se Platão previa que a democracia geraria uma liberdade distorcida, com indivíduos
que não respeitam a moral e os seus pares de sociedade, hoje temos instituições que
garantem a estabilidade desse sistema, como o estado de direito, tripartição de poderes, freios
e contrapesos, etc. A democracia é um regime crítico, jamais um sistema arrogante e seguro
de si, aceita autocríticas, é inquieta, desconfiada e busca sempre se adaptar e reconhecer seus
próprios erros.

Outro ponto importante da obra de Platão está na incapacidade do povo de escolher o melhor
representante para governá-los, entretanto, o conceito de melhor representante depende da
perspectiva de cada indivíduo, portanto, somente o povo pode dizer qual é um bom
governante e qual não é. Mesmo que a elite intelectual possua base teórica para dizer o que
levaria ao desenvolvimento da sociedade, se o povo não concordar com ela, a medida
determinada pelos governantes não será tida como boa e será desaprovada pela sociedade,
instaurando-se um conflito entre os governantes e a população.

A afirmação de que uma ação ou crença é boa é subjetiva, o homem, mantendo um ponto de
vista ou opinião, é que dá a medida de seu valor. Por exemplo, durante a primavera, um
visitante sueco em Atenas poderá dizer que o tempo está quente, enquanto um visitante do
Egito pode dizer que o tempo está frio, ambos estão falando a verdade, pois, a verdade
depende da perspectiva e, portanto, é relativa.

“O homem é a medida de todas as coisas”

– Protágoras

Sendo assim, a sofocracia só poderia ocorrer por meio de um regime autoritário, uma ditadura
que não permitisse que o povo discordasse dos seus líderes. Além disso, se haveria uma
barreira para se tornar parte da elite intelectual de uma sociedade, materializada pelos
guardiões, por consequência, também haveria a necessidade de alguém determinar o que é
uma episteme aceita e o que não é. Ou seja, uma pessoa com conhecimento poderia ser
barrada de fazer parte dos governantes simplesmente porque as suas ideias, mesmo racionais,
diferem do paradigma estabelecido pela elite intelectual no poder.

Mesmo imperfeita, somente a democracia consegue satisfazer a maior quantidade possível de


anseios pessoais e manter as liberdades individuais do povo.

LIVRO VIII – Resenha - A República de Platão - Formas de Governo

“Desci ontem ao Pireu”

Platão atestava haver quatro modelos de governo dignos de atenção e das quais importava ver
os defeitos. O primeiro, e muito elogiado, é o de Creta e da Lacedemônia, o segundo é a
oligarquia, o terceiro é a democracia e em quarto, a tirania.

A cada forma de governo se associa um tipo distinto de alma. Na timocracia – originada da


transição da aristocracia para oligarquia – temos o homem de valor; na oligarquia, o homem
oligárquico; na democracia há o homem democrático e na cidade tirânica existe a alma
tirânica.

Timocracia

Voltemos a atenção a forma de governo da timocracia, como chegamos nela? Como ocorre a
transição da aristocracia para timocracia? Na fala de Sócrates, toda constituição se modifica de
acordo com quem detém o poder, e para destituí-la é preciso abalá-la. Com o passar do
tempo, o lugar de poder, antes ocupado por homens dignos, será ocupado por homens não
favorecidos nem pela natureza nem pela fortuna, uma geração inculta de líderes indignos que
menosprezarão o cargo que ocupam. Sócrates continua, daí saíram chefes pouco capazes de
zelar pelo estado e que não sabe notar a diferença nem das raças de Hesíodo nem das vossas
raças de ouro, prata, bronze e feno. Deste modo, misturando-se o ferro com a prata e o bronze
com ouro, resultará destas misturas um defeito de conveniência, de regularidade e de
harmonia que, uma vez instaurado, engendra sempre a guerra e o ódio. Disso, instaurará uma
divisão, as duas raças de feno e bronze aspirarão enriquecer, enquanto que as raças de ouro e
prata, sendo ricas por natureza, tendem a virtude e a manter a antiga constituição. Após o
conflito entre as raças, elas concordam em dividir as terras e as riquezas, os homens livres
agora são subjugados e tratados como servidores. Nesse momento, nos encontramos entre a
Aristocracia e a Oligarquia.

Essa forma de governo imitará elementos da constituição anterior e da oligarquia. Da


constituição anterior herda-se o respeito pelos chefes; e da oligarquia extrai uma inclinação
mais para guerra do que para a paz.

A Alma do Timocráta

A alma do homem da timocracia é avessa as musas, apesar de amá-las; com os escravos, é


rígido invés de desprezá-los, como faz um homem virtuoso; é cordial com os homens livres e
submisso aos magistrados. Buscará elevar-se pelos talentos militares e não pela eloquência. O
jovem ambicioso é a imagem do governo timocrático.

Oligarquia

O governo fundamentado no recenseamento, em que os ricos mandam e onde o pobre não


participa no poder.

A transição da timocracia para a oligarquia se dá pela ambição da alma timocrática. A busca


pela riqueza põe-se a timocracia ao fim.

Primeiro, os cidadãos descobrem motivos para enriquecer, e para os satisfazer, deturpam a lei
e a desobedecem, dessa forma, criando um efeito dominó, um vê no outro a ambição e passa
a imitá-la e, por fim, toda a massa de pessoas passa a assemelhar essa ambição. Sócrates diz
que, a partir disso, a sua avidez pelo ganho progride rapidamente e quanto mais amor se tem
pela riqueza menos se tem pela virtude.

Deste modo, o rico torna-se louvado e chega ao poder, enquanto o pobre é desprezado.

O primeiro defeito da oligarquia é o seu próprio princípio de elevação daqueles com riqueza.
Sócrates faz a seguinte analogia: imagine o que aconteceria se os navegantes fossem
escolhidos segundo a sua riqueza e se excluísse o pobre, embora ele fosse mais capaz de
segurar o leme…

O segundo defeito se dá pela estrutura da cidade, que é dividida entre os pobre e os ricos,
ambos conspiraram continuamente uns contra os outros.

A Alma Oligarca

Enquanto a alma oligarca, ela é preenchida apenas pelo desejo de aumentar a fortuna, preza
apenas pela riqueza. Em resumo, alma oligarca não é culta, é constituída apenas pela avareza.

Democracia

Sócrates indaga Adimanto:


“Não é por efeito da insaciável cobiça do indivíduo de possuir os bens e de tornar-se tão rico
quanto possível que se passa da oligarquia à democracia?”

Os chefes oligarcas, por sua avareza, pela sua negligência e as facilidades que concedem à
libertinagem, reduzem por vezes à indigência homens nobres.

A estrutura da cidade oligarca, dividida entre ricos e pobres, é a gênese da revolução dos
pobres que conspiram contra aqueles que tomaram os seus bens. Como os oligarcas não se
mobilizam para sanar o problema do crescimento da “raça do zangão e do mendigo”, com ela
também cresce a revolta contra o sistema estabelecido.

“Pois bem, com tais disposições, quando os governantes e os governado se encontram, em


viagem ou em qualquer outra circunstância, numa embaixada, no exército, em mar ou terra, e
se analisam mutuamente nas ocasiões de perigo, não são os pobres que são desprezados pelos
ricos; no mais das vezes, ao contrário, quando um pobre esquálido e queimado de sol se vê na
refrega ao lado de um rico alimentado à sombra e com o corpo carregado de gordura.”

Na visão platônica, a democracia se origina da deterioração da oligarquia, quando o regime


oligarca se enfraquece, aumentando ainda mais a divisão da sociedade entre os ricos e os
pobres, levando a uma guerra civil onde os pobres vencem e, por fim, a democracia é
instaurada.

O governo democrático é livre, dessa forma, as pessoas organizarão a sua vida como
preferirem. Assim, encontraremos todos os tipos de pessoas nesse governo. Essa mesma
liberdade também seria um problema.

“A mansidão das democracias para com certos condenados não é elegante? Não viste ainda
num governo desta natureza homens feridos por uma sentença de morte ou de exílio
continuarem na sua pátria e circularem em publico? O condenado, como se ninguém se
preocupasse com ele nem o visse, passeia como um herói invisível.”

A liberdade da democracia seria distorcida, desenfreada e sem limites se resumindo à


realização de desejos frívolos e superficiais, instaurando um desrespeito às leis e aos
indivíduos da cidade.

A Alma Democrática

A alma do homem democrático confunde e trata igualmente os desejos belos e honestos e os


desejos proibidos. O homem democrático defende que todos os prazeres são da mesma
natureza e deve-se estimá-los igualmente.

“Hoje embriaga-se ao som da flauta, amanhã beberá água pura e jejuará. Ora se exercita na
ginástica, ora se entrega ao ócio e não se preocupa com nada; ora parece dedicado na
filosofia. […] A sua vida não conhece nem ordem nem necessidade, mas considera-a agradável,
livre, feliz e se mantém fiel a ela.”

Assim como a própria democracia enfrenta as diversidades do mundo à luz da igualdade, o


homem democrático também encara os seus desejos da mesma forma.

Tirania

A passagem da democracia para a tirania se dá da mesma forma da oligarquia à democracia.


Enquanto o desejo pela riqueza leva à queda da oligarquia, o apreço pela liberdade é o seu
carrasco. Para Platão, a liberdade atinge o seu limite quando pessoas dos dois sexos que se
compram como escravos não são menos livres do que aqueles que as compraram. E também
quando as liberdades e igualdades nas relações entre homens e mulheres tornam-se iguais.

“Tudo transborda de liberdade.”

Para Platão, a tirania nunca se originou de qualquer outra forma de governo que não seja a
democracia. É o excesso de liberdade que conduz um excesso de servidão, tanto no indivíduo
como no Estado.

Para chegarmos ao início da tirania é preciso entender a divisão da cidade democrática, Platão
divide-a em três classes.

1. A primeira classe são os governantes, os mais ardentes e ousados são os que


governam com quase exclusividade, os demais, são intimidados e fecham a boca
diante do contraditor, de modo que, num tal governo, todos os assuntos são regulados
por eles, com exceção de um pequeno número.

2. A segunda classe se distingue das demais, são os mais disciplinados e que conseguem
se tornar os mais ricos.

3. A terceira classe é o povo, todos os que trabalham com as mãos e os que são
estranhos aos negócios e não possuem quase nada. Numa democracia, esta classe é a
mais numerosa e a mais poderosa — quando está unida.

Os chefes de governo podem apropriar-se das riquezas da segunda classe e dividi-la entre os
pobres, e os ricos, para se defenderem, falam ao povo e servem-se de todos os meios ao seu
alcance para manterem a sua riqueza. Assim, os governantes acusam os ricos de serem
oligarcas e de conspirarem contra o povo, a terceira classe acredita no que os governantes
dizem e se voltam contra os ricos, dessa forma, os ricos se veem obrigados a se tornarem
oligarcas — eles não fazem isso espontaneamente, mas porque foram provocados. Daí, nasce
o conflito. Os chefes de governo criam um falso inimigo, os ricos, e une o povo contra ele. No
entanto, depois de se livrar dos seus inimigos, e ao se sentir tranquilo deste lado, o governante
começa a provocar guerras, para que o povo tenha necessidade de um chefe. E o protetor do
povo, os governantes, tornam-se os seus tiranos quando expulsam e matam os ricos da cidade.

Para se manter no poder, o tirano elimina aqueles que são suspeitos de conspirarem contra o
governo, quanto mais numeroso se tornar as pessoas que carregam um ódio ao tirano, maior
será a necessidade de ter um guarda numerosa ao seu dispor. O tirano tira tudo que há de
bom no Estado, e mantém o que é ruim para permanecer no poder, extingue a busca pela paz
e harmonia e persegue a guerra e o medo.

“Então, ao que me parece, chegamos ao que se costuma chamar de tirania: o povo, de acordo
com o ditado, evitando a fumaça da submissão a homens livres, caiu no fogo do despotismo
dos escravos e, em troca de uma liberdade excessiva e inoportuna, vestiu a farda mais dura e
mais amarga das servidões.”

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