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Crise Hipertensiva

As urgências hipertensivas (UH) são situações clínicas imune, com proliferação miointimal, necrose
sintomáticas em que há elevação acentuada da fibrinoide de arteríolas e isquemia em órgãos-alvo.
pressão arterial (PA) (definida arbitrariamente como
PA sistólica (PAS) ≥ 180 e/ou diastólica (PAD) ≥ 120 Investigação clínica-laboratorial
mm Hg) sem lesão aguda e progressiva em órgãos- É essencial a realização de uma história clínica
alvo (LOA) e sem risco iminente de morte. direcionada para a causa possível. A investigação
Uma condição comum nos setores de emergência é a clínica e a solicitação de exames devem prover a
pseudocrise hipertensiva (PCH). Na PCH, não há LOA adequada avaliação da PA e a presença de LOA
aguda ou risco imediato de morte. Geralmente, agudas. A PA deve ser medida inicialmente nos dois
ocorre em hipertensos tratados e não controlados, ou braços, de preferência em um ambiente calmo, e
em hipertensos não tratados, com medidas de PA repetidamente até a estabilização (no mínimo, três
muito elevadas, mas oligossintomáticos ou medidas). Deve-se rapidamente coletar informações
assintomáticos. Também se caracteriza como PCH a sobre a PA habitual do paciente e as situações que
elevação da PA diante de evento emocional, doloroso, possam desencadear um aumento da PA e
ou de algum desconforto, como enxaqueca, tontura comorbidades; o uso de fármacos anti-hipertensivos
rotatória, cefaleias vasculares e de origem ou sua descontinuação (particularmente inibidores
musculoesquelética, além de manifestações da adrenérgicos); ou a utilização de substâncias que
síndrome do pânico. aumentem a PA. Uma abordagem sistematizada com
a avaliação de sinais/sintomas, exame físico e
investigação complementar auxilia na verificação da
presença de LOA aguda ou progressiva.

Tratamento geral da crise hipertensiva

O tratamento da UH deve ser iniciado após um


período de observação em ambiente calmo, condição
que ajuda a afastar casos de PCH (conduzidos
somente com repouso ou uso de analgésicos ou
tranquilizantes). Para o tratamento agudo, indicam-se
a captoprila e a clonidina.
Fisiopatologia
 A captoprila, na dose de 25-50mg, tem seu
Tendo em vista que a PA sistêmica é resultante do pico máximo de ação em 60 a 90 minutos,
produto do débito cardíaco (DC) pela resistência enquanto.
vascular periférica (RVP), elevações agudas da PA  A clonidina apresenta ação rápida, em torno
podem resultar de alterações nessas variáveis. Assim, de 30 a 60 minutos, na dose de 0,100 a
aumento do volume intravascular, da RVP, produção 0,200mg.
reduzida de vasodilatadores endógenos e/ou ativação
O uso de cápsulas de nifedipina de liberação rápida
de sistemas vasoconstrictores podem precipitar maior
deve ser proscrito no tratamento das UH, por não ser
vasorreatividade resultando em CH. A autorregulação
seguro nem eficaz, além de provocar reduções rápidas
tissular é suplantada, particularmente nos leitos
e acentuadas da PA, o que pode resultar em isquemia
vasculares cerebral e renal, causando isquemia local,
tecidual.
o que desencadeia um círculo vicioso de
vasoconstrição, lesão endotelial e ativação
plaquetária, do sistema da coagulação e do sistema
Emergências Hipertensivas
as emergências hipertensivas (EH) são situações múltiplos órgãos ou mesmo na forma de pré-
clínicas sintomáticas em que há elevação acentuada eclâmpsia com sinais de gravidade/eclâmpsia.
da PA (definida arbitrariamente como PAS ≥ 180 e/ou
PAD ≥ 120 mm Hg) com LOA aguda e progressiva, com O acidente vascular encefálico isquêmico (AVEI) e o
risco iminente de morte. edema agudo de pulmão (EAP) são as situações mais
encontradas nas EH.
A EH não é definida pelo nível da PA, apesar de
frequentemente muito elevada, mas A letalidade da EH, caso não tratada, é de
predominantemente pelo status clínico do paciente. aproximadamente 80% ao final de um ano, e o
Pode manifestar-se como um evento cardiovascular, tratamento anti-hipertensivo efetivo associa-se à
cerebrovascular, renal ou com envolvimento de melhora substancial em seu prognóstico.

• PA 160/100-110 mmHg nas próximas 2 a 6 h;

Tratamento das emergências hipertensivas • PA 135/85 mmHg em um período de 24-48 h


subsequentes.
O tratamento dos pacientes com EH visa à redução
rápida da PA com a finalidade de impedir a Entretanto, as EH devem ser abordadas considerando
progressão das LOA. Os indivíduos devem ser o sistema ou o órgão-alvo acometido.
admitidos preferencialmente em UTI, tratados com
anti-hipertensivos intravenosos (IV) e monitorados 1. Encefalopatia hipertensiva
cuidadosamente durante a terapia para evitar
A encefalopatia hipertensiva é uma EH neurológica
hipotensão. As recomendações gerais de redução da
caracterizada por sinais e/ou sintomas de edema
PA para EH devem ser :
cerebral secundário à elevação súbita e/ou mantida
• PA média ≤ 25% na 1a hora; da PA. Geralmente, ocorre em hipertensos crônicos
que desenvolvem hipertensão acelerada-maligna ou
nos indivíduos previamente normotensos que ser prudente reduzir PA em 15% durante as primeiras
apresentam elevações súbitas da PA, que cursam com 24 h após o início do AVEI.
falência dos mecanismos de autorregulação da
perfusão cerebral. Iniciar ou reiniciar a terapia anti-hipertensiva durante
a hospitalização em pacientes com PA ≥ 140/90
O início é insidioso e evolui com cefaleia, náuseas ou mmHg, que estejam neurologicamente estáveis, é
vômitos. Podem surgir alterações do campo visual, seguro para melhorar o controle de PA a longo prazo.
fotopsia, visão turva, alucinações visuais, confusão
mental, coma, crises convulsivas generalizadas e  AVE hemorrágico
hiper-reflexia. A elevação da PA aumenta o risco de expansão do
O objetivo do tratamento consiste em diminuir a PA hematoma e o risco de morte, além de piorar o
de forma lenta porque reduções intensas e rápidas prognóstico da recuperação neurológica. No entanto,
podem provocar hipoperfusão cerebral e perda do as evidências não são conclusivas para a rápida
mecanismo de autorregulação cerebral. Recomenda- redução da PA. O edema cerebral ocorre em 30% dos
se o uso de nitroprussiato de sódio (NPS) em nosso casos e normalmente ocorre nas primeiras 24 h.
meio. Nesses casos, a craniectomia descompressiva e a
transferência para centros especializados deve ser
Nas primeiras 24 a 48hrs, anti-hipertensivos de ação realizada.
oral devem ser iniciados para o melhor controle da
PA. Para indivíduos com apresentação aguda (< 6 h do
início do AVEH):
2. Acidente vascular encefálico
1. PAS > 220 mmHg – considerar a redução da PA com
A hipertensão é o principal fator de risco para o AVE, infusão IV contínua e o monitoramento frequente da
principalmente o hemorrágico (AVEH). O diagnóstico PA.
baseia-se no exame neurológico completo; e, para
2. PAS entre 150 a 220 mmHg – reduzir a PA abaixo
avaliação da gravidade do quadro, deve ser utilizada a
de 140 mmHg não apresenta benefícios para diminuir
escala do National Institute of Health Stroke Scale
mortalidade ou incapacidade grave e é
(NIHSS). A TC e a RNM de crânio possibilitam definir o
potencialmente perigoso. Considerar alvo de PAS <
tipo do AVE (AVEI em 85% ou AVEH em 15% dos
180 mmHg.
casos) e o território envolvido.

 AVE isquêmico
3. Síndromes coronarianas agudas

A PA frequentemente diminui espontaneamente em As síndromes coronarianas podem estar


um período de 90 a 120 minutos durante a fase acompanhadas de elevação da PA, devido a um
aguda. As recomendações são as seguintes: reflexo desencadeado pelo miocárdio isquêmico. Em
consequência, o aumento da RVP eleva a demanda de
Em caso de AVEI com indicação de trombólise, oxigênio pelo miocárdio. O objetivo é reduzir a pós-
recomendase uma redução da PA < 185/110 mmHg carga sem aumentar a FC ou sem reduzir
antes da terapia fibrinolítica. Se a PA permanecer > exageradamente a pré-carga, pois isso levaria a um
185/110 mmHg, a terapêutica trombolítica não incremento no consumo de oxigênio pelo miocárdio.
deverá ser administrada. Essa recomendação
também se aplica a indivíduos que serão submetidos à A meta de PAS < 140 mmHg (evitar < 120 mmHg) e
trombectomia. A PA deve ser mantida < 180/105 PAD entre 70-80 mmHg deve ser buscada, utilizando-
mmHg nas primeiras 24h após trombólise. se esmolol, metoprolol ou nitroglicerina. Os nitratos
IV reduzem a RVP, melhoram a perfusão coronariana
Em pacientes com PA ≥ 220/120 mmHg que não e têm importante efeito venodilatador sistêmico,
receberem trombolítico e não apresentarem outras diminuindo a pré-carga e o consumo de oxigênio pelo
EH que necessitem de tratamento anti-hipertensivo, o miocárdio. O uso de hidralazina, NPS ou nifedipina
benefício de iniciar ou reiniciar tratamento da não está indicado, pois pode promover o roubo de
hipertensão nas primeiras 48 a 72h é incerto. Parece fluxo. Recomendam-se:
a) A nitroglicerina (NTG) IV é indicada nas primeiras As substâncias ilícitas que elevam a PA têm ação
48 horas para o tratamento de hipertensão, isquemia simpaticomimética, potencializando o efeito das
persistente e IC, desde que não haja hipotensão, catecolaminas, entre elas as anfetaminas e seu
infarto do ventrículo direito ou uso de inibidores da derivado ilegal ecstasy, além da cocaína e sua forma
fosfodiesterase tipo 5 nas 48 horas anteriores. O uso para fumar, o crack. As anfetaminas aumentam a PA
de NTG não deve excluir a terapêutica com outras em dose-dependente, causando taquicardia,
intervenções de redução de mortalidade palpitações, sudorese e arritmias, enquanto o ecstasy
comprovadas, como betabloqueadores (BB) ou IECA. tem outros efeitos, além do aumento da FC e PA
(síndrome serotoninérgica).
b) BB IV em indivíduos com hipertensão que não
apresentem: 1) sinais de IC; 2) evidência clínica de Nos casos mais leves, podem-se usar
baixo DC; 3) aumento do risco para choque benzodiazepínicos e NTG sublingual. Nos mais
cardiogênico; ou 4) outras contraindicações relativas graves, provavelmente será necessária terapia IV, e
ao bloqueio beta. os agentes de escolha são NTG, NPS ou fentolamina.
É importante evitar os BB, pois podem levar à
4. Edema agudo de pulmão estimulação do receptor alfa-adrenérgico na presença
do bloqueio beta-adrenérgico, causando espasmo de
Cerca de 1/3 dos pacientes admitidos com EAP e EH
coronária. Uma exceção pode ser o carvedilol, capaz
têm a função ventricular esquerda preservada, e a
de atenuar aumentos da FC e PA induzidos por
isquemia miocárdica também pode estar envolvida na
cocaína na forma de crack. Os BCC também podem
fisiopatogenia do EAP associado à EH. A EH com EAP
ser usados nos casos de IAM devido ao uso de
deve ser preferencialmente controlada em UTI, com
cocaína, situação em que a vasoconstrição
medicação IV, monitoramento e diminuição gradativa
coronariana seja a causa presumida.
da PA. NTG e NPS são utilizados com a finalidade de
reduzir a pré e a pós-carga. O uso de diurético de 7. Hipertensão acelerada maligna
alça também diminui a sobrecarga de volume e,
consequentemente, a PA. Em alguns casos, o uso de A hipertensão maligna caracteriza-se pela presença de
pressão positiva contínua não invasiva de vias hipertensão em geral grave, retinopatia com
respiratórias pode ser indicado para reduzir o edema papiledema, com ou sem insuficiência renal e/ou
pulmonar e o retorno venoso. cardíaca, necrose fibrinoide de arteríolas renais e
endarterite obliterante, podendo apresentar evolução
5. Dissecção de aorta clínica rapidamente progressiva e fatal.
Em pacientes com dor precordial e elevação da PA, A elevação da PA na presença de hemorragias
sempre considerar a dissecção aguda de aorta. A retinianas e exsudatos ao fundo de olho, mas sem
progressão da dissecção está relacionada com o valor papiledema, é denominada hipertensão acelerada.
de PA e a velocidade de ejeção ventricular. É Atualmente, os termos “maligna” e “acelerada” são
importante obter o controle adequado da dor considerados intercambiáveis, sendo o termo
(analgesia por opiáceos IV), o FC < 60 bpm e a PAS hipertensão acelerada/maligna mais usado para
entre 100 e 120mmHg. A PAS < 120 mmHg deve ser definir essa EH que, apesar de menos frequente,
alcançada em 20 min. O uso isolado de NPS não é representa uma forma devastadora de elevação
ideal, pois promove o aumento da FC e da velocidade aguda da PA. Seu prognóstico mostra-se quase
de ejeção aórtica, podendo piorar a dissecção. Assim, sempre fatal, se não for reconhecida ou não tratada
o NPS deve ser associado ao BB, inicialmente IV, de adequadamente, com uma mortalidade de cerca de
ação rápida e titulável (metoprolol, labetalol ou 80% em dois anos, principalmente em decorrência de
esmolol), para diminuir a FC. Em pacientes asmáticos, IC e DRC.
os bloqueadores dos canais de cálcio (BCC) não
dihidropiridínicos podem ser usados como alternativa. Os pacientes devem ser internados para controle
intensivo da PA com fármacos vasodilatadores de
ação imediata, como NPS, que promove controle
rápido da PA e torna os indivíduos mais responsáveis
6. EH por uso de substâncias ilícitas
à terapêutica anti-hipertensiva clássica. Durante o
controle agudo, deve-se instituir anti-hipertensivos de
uso oral, incluindo diuréticos, bloqueadores do
sistema renina-angiotensina, BB, vasodilatadores de
ação direta (hidralazina), agonistas adrenérgicos
centrais (clonidina e metildopa) e BCC, quando
necessário o uso de vários farmacos.

Às vezes, o tratamento dialítico pode ser necessário


na fase mais aguda. O tratamento anti-hipertensivo
dessa condição modificou a sobrevida de forma
impactante.

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