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Terapia

Nutricional
no COVID-19
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No final de 2019 a infecção pelo SARS-CoV-2 (COVID-19) tomou proporções
pandêmicas, tornando-se um grave problema de saúde pública mundial. Dentre
os aspectos que integram o cuidado do paciente com COVID-19, a atenção
nutricional é essencial, uma vez que muitos pacientes evoluem com graves
complicações. Com a finalidade de nortear a terapia nutricional neste público, a
BRASPEN divulgou um parecer em 2020 (atualizado em 2021), sendo a principal
referência nacional neste tema.

Risco nutricional do paciente com COVID-19


A identificação precoce do risco nutricional ou da desnutrição é de extrema importância para que
a intervenção nutricional adequada possa ser implementada, a fim de minimizar desfechos clínicos
indesejáveis. Nesse sentido, a BRASPEN (2021) dispõe de algumas recomendações:

• O profissional teve estar dotado de Equipamento de Proteção Individual (EPI). Na impossibilidade,


deve-se lançar mão de dados secundários;

• realizar a triagem nutricional em até 48h;

• reavaliar o paciente triado em intervalos de 3 a 4 dias.

Todos os pacientes que estejam na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por 48h ou mais, já devem ser
considerados em risco de desnutrição. De acordo com a ESPEN (2019), esses pacientes se beneficiam
da terapia nutricional precoce, que é a ofertada em até 48h da admissão.

Terapia nutricional no COVID-19


Tabela 1. Recomendações da terapia nutricional no paciente com Covid-19.

APORTE CALÓRICO • Início: iniciar com aporte calórico mais baixo, tendo como meta entre 15-20
kcal/kg/dia, nos primeiros quatro dias ou enquanto durar a fase aguda inicial
• Após: realizar calorimetria indireta, se disponível, ou progredir para 25 kcal/
kg/dia nos pacientes em recuperação
• Fase de reabilitação: considerar aumento progressivo da meta, baseado em
calorimetria ou no estado nutricional do paciente, podendo chegar a 35 kcal/kg
• Obesos: Terapia Nutricional (TN) hipocalórica e progressão com cautela ao
longo da primeira semana. Meta de 11-14 kcal/kg/dia de peso atual/dia em
pacientes com IMC na faixa de 30-50 kg/m² e 22-25 kcal/kg/dia de peso ideal/
dia, em pacientes com IMC > 50 kg/m². Deve-se dar atenção as calorias não
nutricionais
• Atenção especial: pacientes sedados com propofol e com alto aporte de
glicose endovenosa. Possibilidade de hiperalimentação relacionada a oferta
calórica não nutricional
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APORTE PROTEICO • Recomendação geral: 1,5-2,0 g/kg/dia
• Obesos: 2,0-2,5 g/kg de peso ideal/dia

VIA DE ALIMENTAÇÃO • Via oral: preferencial em pacientes não graves com diagnóstico de COVID-19:
• uso de suplementos orais quando a ingestão energética estimada
for abaixo das metas nutricionais
• ingestão abaixo de 60% das metas, mesmo com a suplementação
oral: a terapia nutricional enteral (TNE) deve ser considerada
• Nutrição enteral (NE): via preferencial em pacientes graves e deve ser iniciada
precocemente
• Nutrição parenteral (NP): deve ser usada no caso de contraindicação da via
oral e/ou enteral. Considerar o uso de NP suplementar após 5 a 7 dias, em
pacientes que não conseguirem atingir aporte calórico proteico > 60% por via
digestiva
• Pacientes com grande perda funcional ou tempo prolongado de intubação
orotraqueal: devem ser avaliados quanto à disfagia e à necessidade de TN
artificial
• Atenção especial: pacientes com cateter de alto fluxo ou ventilação não
invasiva intermitente, pois muitos apresentam ingestão oral reduzida e
necessidade de terapia nutricional artificial (TNO ou TNE). Deve-se considerar
de rotina a introdução de suplementos orais hipercalóricos e hiperproteicos

ESCOLHA DA FÓRMULA • Pacientes com disfunção respiratória aguda: utilizar fórmulas enterais com
alta densidade calórica, com objetivo de restringir a administração de fluidos
• Obesos: fórmulas hipocalóricas e hiperproteicas
• Pacientes críticos com disfunção pulmonar: não utilizar fórmulas com alto
teor lipídico/baixo teor de carboidrato para manipular coeficiente respiratório
e reduzir produção de CO2
• Pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA): uso de
fórmula enteral com ômega 3, óleos de borragem e antioxidantes não parecem
trazer benefícios clínicos

Terapia Nutricional no paciente com COVID-19 e Lesão Renal Aguda (LRA)


Tabela 2. Recomendações da terapia nutriconal no paciente com Covid-19 e lesão renal aguda.

APORTE CALÓRICO

BRASPEN 2020 e 2021 ESPEN, 2021


Não difere das recomendações de aporte calórico para o paciente Pacientes hospitalizados gravemente enfermos com LRA:
com COVID sem LRA. Atenção especial deve ser dada a pacientes Determinar através de Calorimetria Indireta (CI). Em pacientes
em hemofiltração com citrato, pois pode haver chance de em terapia dialítica intermitente, aconselha-se realizar a aferição
hiperalimentação relacionada à oferta calórica não nutricional. 2 horas após a sessão de diálise. Na ausência da CI, não há
recomendação específica para essa população.
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APORTE PROTEICO

BRASPEN 2020 e 2021 ESPEN, 2021


Paciente com COVID e LRA sem terapia de substituição renal: Pacientes hospitalizados gravemente enfermos com LRA sem
1,5-2,0 g/kg/dia. Sugestão de progressão do consumo proteico terapia de substituição renal: começar com 1 g/kg/dia* e
nesses pacientes: <0,8 g/kg/dia no 1º e 2º dia, 0,8-1,2 g/kg/dia aumentar gradualmente até 1,3 g/kg/dia (se tolerado)*
nos dias 3 a 5 e > 1,2 g/kg/dia após o 5º dia. Pacientes hospitalizados gravemente enfermos com LRA em
Paciente com COVID e LRA em terapia de substituição renal terapia de substituição renal intermitente convencional: 1,3-1,5
contínua: até 2,5 g/kg/dia. g/kg/dia.*
Obesos: não difere das recomendações de aporte calórico para o Pacientes hospitalizados gravemente enfermos com LRA em
paciente com COVID sem LRA. terapia de substituição renal contínua: 1,5-1,7 g/kg/dia.*
*Se disponível, preferir peso habitual ou pré-hospitalização para
cálculo proteico.

VIA DE ALIMENTAÇÃO

BRASPEN 2020 e 2021 ESPEN, 2021


Não difere das recomendações para o paciente com COVID sem Pacientes hospitalizados gravemente enfermos com LRA com
LRA. ou sem terapia de substituição renal:
Terapia nutricional enteral (TNE), terapia nutricional parenteral
(TNP) ou TNE e TNP concomitantes: devem ser ofertadas a
pacientes que não conseguem atingir 70% das recomendações
de macronutrientes.
TNE precoce (dentro de 48 horas): Se ingestão via oral (VO) não
for possível, TNE precoce deve ser iniciada no lugar de TNP.
TNP: em caso de contraindicações de ingestão VO e TNE, TNP
deve ser implementada dentro de 3 a 7 dias.
Em pacientes severamente desnutridos com contraindicação de
TNE: TNP precoce e progressiva pode ser implementada ao invés
de deixar o paciente sem alimentação.

ESCOLHA DA FÓRMULA

BRASPEN 2020 e 2021 ESPEN, 2021


Utilizar fórmulas enterais com alta densidade calórica, com Pacientes hospitalizados com LRA com ou sem terapia de
objetivo de restringir a administração de fluidos. substituição renal: Fórmulas específicas (TNE ou TNP) não
Obesos: não difere das recomendações para o paciente com devem ser rotineiramente utilizadas no lugar de fórmulas
COVID sem LRA. padrões. O uso de fórmulas específicas deve ser individualizado.
A escolha da melhor fórmula (TNE ou TNP) deve ser baseada na
necessidade calórica e proteica individual. Em alguns pacientes
com desbalanço eletrolítico, fórmulas especiais para pacientes
com doenças renais contendo baixo teor de eletrólitos podem
ser utilizadas no lugar de fórmulas padrões.
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Monitoramento da Síndrome de Realimentação
• Avaliar os níveis séricos de potássio, magnésio e fósforo, nas primeiras 72 horas de início da TN ou
durante a primeira semana. .Em casos de progressão mais lenta com reposição sempre que necessário
e avaliação da oferta nutricional.

• Hipofosfatemia: a presença desta condição pode estar sinalizando síndrome de realimentação e a


deficiência de fósforo pode contribuir para retardo no desmame ventilatório de pacientes críticos.

• Avaliar a suplementação de tiamina (vitamina B1) em pacientes que evoluírem com baixa destes
eletrólitos e risco de síndrome de realimentação.

Terapia Nutricional nas situações específicas

Hipoxemia, hipercapnia e acidose


Sugere-se que a nutrição enteral seja mantida em caso de hipercapnia (presença de doses excessivas
de dióxido de carbono no sangue) compensada ou permissiva. A dieta deve ser suspensa em caso de
hipoxemia descompensada, hipercapnia descompensada ou acidose grave.

Posição prona
A recomendação da posição prona tem sido algo prevalente entre os cuidados em pacientes com
COVID-19. Dessa forma, são sugeridos cuidados adicionais com a terapia nutricional em pacientes que
se encontram nessa posição:

• Não suspender terapia nutricional durante a posição prona

• Ofertar nutrição enteral de forma contínua, em bomba de infusão

• É sugerido prescrever procinético fixo (metoclopramida ou eritromicina)

• Manter cabeceira elevada em 25-30° (trendelemburg reverso)

• Não suspender nutrição parenteral para execução da manobra

• Pacientes em posição prona podem receber nutrição plena, desde que haja
condições clínicas e tolerância gastrointestinal;

• Avaliar o posicionamento da sonda nasoenteral de forma sistemática. Terapia


nutricional enteral pode ser realizada com os devidos cuidados, mesmo em
posição gástrica

• Os tempos de pausa da dieta, antes e logo após a movimentação do paciente,


devem ser realizados conforme protocolo institucional
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ECMO
Pacientes submetidos à ECMO - sigla em inglês para “Oxigenação por Membrana Extracorpórea”
- devem seguir as mesmas recomendações de precocidade que outros doentes críticos. Todavia,
merecem atenção especial em relação à tolerância alimentar, uma vez que podem apresentar maior
risco de gastroparesia e isquemia intestinal. Com relação às metas nutricionais, devem ser seguidas as
mesmas para pacientes críticos sem ECMO.

Pacientes em terapia nutricional parenteral podem receber emulsão lipídica de rotina, visto que não
existe risco comprovado de infiltração lipídica nas membranas mais modernas.

Distúrbios da olfação e gustação


Os distúrbios da olfação têm ganhado grande importância nos últimos anos, especialmente no contexto
de doenças e síndromes respiratórias. O sentido da olfação é pouco compreendido, devido ao fato de
ser um fenômeno em grande parte subjetivo. Durante a pandemia do Covid-19 começaram a surgir
inúmeros casos relacionados aos distúrbios da olfação, especialmente, a anosmia. O mecanismo pelo
qual a anosmia está relacionada ao Covid-19 ocorre devido ao tropismo da proteína S (Spike) viral para
os receptores da angiotensina, abundantes no bulbo olfatório.

Os neurônios olfativos não possuem receptores da enzima conversora da angiotensina 2, porém as


células de sustentação possuem muitos. Essas células são responsáveis por manter um equilíbrio
iônico no muco do que os neurônios dependem para enviar sinais para o cérebro. Caso esse equilíbrio
seja rompido, a sinalização neuronal pode ser interrompida, e com isso a perda do olfato. Além disso,
as células de sustentação também fornecem suporte físico e metabólico necessário para os cílios
dos neurônios olfativos, onde os receptores que detectam os odores se encontram em concentração.
A lesão desses cílios leva à perda do olfato. O epitélio olfativo tem a capacidade de se regenerar,
portanto, a anosmia é quase sempre reversível.

Os distúrbios da gustação no contexto do Covid-19 podem ocorrer devido às células de sustentação


possuírem receptores de ACE2 e serem infectadas pelo SARS-CoV-2 e, como isso, levar a perda ou
alteração do paladar. Além disso, o paladar pode ser influenciado quando há a presença da anosmia,
uma vez que os odores são componentes importantes para o sabor.

Tabela 3. Principais distúrbios da olfação e gustação.

DISTÚRBIOS DA OLFAÇÃO DISTÚRBIOS NA GUSTAÇÃO

Anosmia Ausência da olfação Ageusia Ausência da gustação

Hiposmia Diminuição da olfação Hipogeusia Diminuição da gustação


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DISTÚRBIOS DA OLFAÇÃO DISTÚRBIOS NA GUSTAÇÃO

Hiperosmia Aumento da olfação Disgeusia Alteração na gustação

Parosmia Distorções olfatórias Parageusia Distorção na gustação

Perspectivas sobre a Microbiota Intestinal


do paciente com COVID-19
A relação entre alterações do perfil microbiano intestinal e gravidade do quadro de pacientes
hospitalizados com COVID-19 tem sido alvo recente de estudos, especialmente em indivíduos com
obesidade. Uma característica comum em indivíduos com maior sucetibilidade de apresentar formas
mais graves de COVID-19 é a presença de um estado inflamatório crônico de baixo grau, que tem sido
associada a alterações da microbiota intestinal (disbiose). Estudos em pequenas coortes de pacientes
com obesidade mostraram potencial relação entre disbiose intestinal e gravidade do COVID-19. Autores
observaram redução da espécie Faecalibacterium prausnitzii, importante no manejo da inflamação,
além de correlação negativa com a gravidade do COVID-19.

Estudos com suplementação de probióticos, polifenóis e ácidos graxos polinsaturados têm sido
realizados com a finalidade de avaliar possível prevenção de contágio viral (p. ex., através da melhora
do sistema imunológico do paciente) ou possível redução da severidade do quadro clínico do paciente
infectado. No entanto, não há até o momento evidências robustas e recomendações que suportem a
suplementação de probióticos, polifenóis e ácidos graxos polinsaturados no paciente com COVID-19
para tais desfechos.

Síndrome pós COVID-19


A síndrome pós Covid-19 é caracterizada pela persistência de sintomas ou desenvolvimento de
complicações tardias ou sequelas após 4 semanas do surgimento dos sintomas agudos. Os efeitos
residuais da infecção por SARS-CoV-12, tais como fadiga, dispneia, dor torácica, distúrbios cognitivos e
artralgia são os mais comuns observados entre os sobreviventes do Covid-19. Todas essas repercussões
podem ter efeitos nefastos na qualidade de vida do indivíduo. Por isso, a compreensão das sequelas
após a recuperação do Covid-19 agudo é necessária a fim de desenvolver uma abordagem assertiva da
equipe multidisciplinar.
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Tabela 4. Repercussões do Covid-19 após a fase aguda em alguns sistemas.

PULMONAR • Dispneia, diminuição da capacidade de exercícios e hipóxia são


sintomas e sinais persistentes
• Capacidade de difusão reduzida, fisiologia pulmonar restritiva e
opacidades em vidro fosco e alterações fibróticas na imagem foram
observadas em indivíduos pós Covid-19

HEMATOLÓGICO • Eventos tromboembólicos foram observados após a fase aguda da


COVID-19 em estudos retrospectivos

CARDIOVASCULAR • Os sintomas persistentes podem incluir palpitações, dispneia e


dor no peito
• As sequelas ao longo prazo podem incluir aumento da demanda
cardiometabólica, fibrose miocárdica ou cicatrizes, arritmias e
taquicardia

RENAL • A resolução da Insuficiência Renal Aguda (IRA) durante a fase aguda


da Covid-19 ocorre na maioria dos pacientes, porém alterações da
Taxa de Filtração Glomerular (TFG) podem ser observadas após a
fase aguda

GASTROINTESTINAL • COVID-19 pode alterar a microbiota intestinal, incluindo a


proliferação de organismos oportunistas e a redução de bactérias
comensais

Fonte: Adaptada NALBANDIAN, ANI. Et al, 2021.


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