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OXIDAÇÃO DOS ÁCIDOS GRAXOS

A oxidação dos ácidos graxos de cadeia longa a acetil-CoA é a principal via de produção de energia
em muitos organismos e tecidos. No coração e fígado de mamíferos, por exemplo, proporciona em
torno de 80% das necessidades energéticas sob quaisquer circunstâncias fisiológicas. Os elétrons
removidos durante a oxidação dos ácidos graxos passam através da cadeia respiratória, levando à
síntese de ATP; o acetil-CoA produzido a partir dos ácidos graxos pode ser completamente oxidado a
CO2 no ciclo do ácido cítrico, resultando numa posterior conservação de energia. Em algumas
espécies e em alguns tecidos, os acetil-CoA têm destinos alternativos. No fígado, o acetil-CoA pode
ser convertido a corpos cetônicos – um combustível hidrossolúvel exportado para o cérebro e outros
tecidos quando a glicose não está disponível. Em plantas superiores, o acetil-CoA serve
primariamente como um precursor biossintético, e secundariamente como combustível. Embora o
papel biológico da oxidação dos ácidos graxos difere de organismo a organismo, o mecanismo é
essencialmente o mesmo. O processo repetitivo de quatro etapas, conhecido como β-oxidação,
através do qual os ácidos graxos são convertidos a acetil-CoA será aqui discutido.

1. Digestão, mobilização e transporte de gorduras.


As células podem obter ácidos graxos combustíveis de três fontes: gorduras consumidas na dieta,
ácidos graxos armazenados nas células como gotas de gorduras, e ácidos graxos sintetizados em um
órgão para exportar para outro. Algumas espécies usam as três fontes sob várias circunstâncias,
outros usam uma ou duas. Os vertebrados, por exemplo, obtêm gorduras na dieta, mobilizam
gorduras armazenadas em tecido especializado (tecido adiposo, que consiste de células chamadas
adipócitos) e, no fígado, convertem o excesso de carboidrato da dieta em gorduras para exportar
para outros tecidos. Em média, 40% ou mais dos requerimentos diários de energia dos humanos nos
países altamente industrializados é suprido pelos triacilgliceróis da dieta (embora as maiorias dos
guias nutricionais recomendem não mais que 30% das necessidades calóricas diárias sejam de
gorduras). Os triacilgliceróis suprem mais da metade dos requerimentos energéticos de alguns
órgãos, particularmente fígado, coração e o restante dos músculos esqueléticos. Triacilgliceróis
armazenados são virtualmente a única fonte de energia em animais em hibernação e aves
migratórias. Os protistas obtêm gorduras através do consumo de organismos situados mais abaixo
na cadeia alimentar, alguns também armazenam gorduras como gotas de lipídeos no citoplasma.
Plantas vasculares mobilizam gorduras, armazenadas nas sementes, durante a germinação, embora,
pelo contrário, não dependam de gorduras para obtenção de energia.
Absorção de gorduras
Antes de serem absorvidos, os triacilgliceróis podem ser transformados, de partículas insolúveis
macroscópicas, em micelas microscópicas finamente dispersas. Esta solubilização é realizada pelos
sais biliares, tais como o ácido taurocólico, que são sintetizados no fígado a partir do colesterol,
estocados na vesícula biliar, e liberados no intestino delgado após a ingestão de um alimento
gorduroso. Os sais biliares são compostos anfipáticos que agem como um detergente biológico,
convertendo em micelas mistas de sais biliares e triacilgliceróis. A formação de micela aumenta
enormemente a fração de moléculas de lipídeos acessíveis à ação de lipases solúveis em água no
intestino que, por sua vez, convertem triaciligliceróis em monoacilgliceróis (monoglicerídeos) e
diacilgliceróis (diglicerídeos), ácidos graxos livres e gliceróis (etapa 2). Os produtos da ação da lipase
se difudem dentro das células epiteliais que revestem a superfície intestinal (etapa 3), onde são
reconvertidos em triacilgliceróis e empacotados, junto com o colesterol da dieta, proteínas
específicas, em agregados lipoprotéicos chamados quilomícrons. As apolipoproteínas são proteínas
ligadas a lipídeos no sangue, responsáveis pelo transporte de triacilgliceróis, fosfolipídeos e ésteres
de colesterol entre os órgãos.
Apolipoproteínas designa a proteína na sua forma livre de lipídeos, e que se combina com lipídeos
para formar certas classes de partículas lipoprotéicas, agregados esféricos com lipídeos hidrofóbicos
no core e cadeias protéicas hidrofílicas e cabeças polares de lipídeos na superfície. Várias
combinações de lipídeos e proteínas produzem partículas de diferentes densidades, variando de
quilomícrons e lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL) a lipoproteínas de muito alta
densidade (VHDL). As partes protéicas das lipoproteínas são reconhecidas por receptores na
superfície celular. Nos lipídeos absorvidos no intestino, os quilomícrons, que contêm a
apolipoproteína C-II (apoC-II), move-se da mucosa intestinal para o sistema linfático e, então, entra
na corrente sanguínea, que os carrega para o músculo e tecido adiposo ( Fig. 17, etapa 5).
Nos capilares desses tecidos, a enzima extracelular lipase lipoprotéica, ativada pela apoC-II, hidrolisa
os triacilgliceróis a ácidos graxos e glicerol (etapa 6), que são absorvidos pelas tecidos alvo (etapa 7).
No músculo, os ácidos graxos são oxidados para produção de energia; no tecido adiposo, eles são
reesterificados para estocagem como triacilgliceróis (etapa 8).

Processamento dos lipídeos da dieta em vertebrados.


Digestão e absorção de lipídeos ocorrem no intestino delgado, e os ácidos graxos liberados dos
triaciligliceróis são empacotados e transportados para o músculo e tecido adiposo.
Os quilomícrons remanescentes, desprovidos da maior parte de seus triacilgliceróis, mas ainda
contendo colesterol, deslocam-se pelo sangue até o fígado, onde são absorvidas por endocitose
mediada por receptores para suas apolipoproteínas. Os triacilglicerídeso que entram no fígado por
esta via podem ser oxidados para fornecer energia ou para fornecer precursores para a síntese de
corpos cetônicos. Quando a dieta contém mais ácidos graxos do que são necessários para consumo
imediato ou para síntese de precursores, o fígado os converte em triacilgliceróis, que são
empacotados com apolipoproteínas específicas dentro das VLDLs. As VLDLs são transportadas pelo
sangue ao tecido adiposo, onde os triacilgliceróis são removidos e estocados em gotículas de
gorduras dentro dos adipócitos.

Mobilização dos Triacilgliceróis Armazenados


Os lipídeos neutros são estocados nos adipócitos (e nas células produtoras de esteróides do córtex
da adrenal, do ovário e testículos) na forma de gotículas de gordura, com um core de ésteres
esteróides e triacilgliceróis envolvido por uma monocamada de fosfolipídeos. A superfície dessas
gotículas é recoberta com perilipinas, uma família de proteínas que restringe o acesso às gotículas
de lipídeo, prevenindo a mobilização do lipídeo antes do tempo. Quando os hormônios sinalizam a
necessidade de energia metabólica, triacilgliceróis estocados no tecido adiposo são mobilizados
(retirados do armazenamento) e transportados os tecidos (músculos esqueléticos, coração e córtex
da adrenal) nos quais os ácidos graxos podem ser oxidados para a produção de energia. Os
hormônios epinefrina (adrenalina) e glucagon, secretados em resposta ao baixo nível de glicose no
sangue, ativam a enzima adenilato ciclase na membrana plasmática dos adipócitos, a qual produz o
segundo mensageiro AMP cíclico (cAMP). A proteína quinase AMP cíclico-dependente (PKA) fosforila
a perilipina A, e a perilipina fosforilada faz com que a lipase hormônio-sensível do citosol se mover
para a superfície da gotícula de gordura, onde ela começa a hidrolizar triacilglicerídeos a ácidos
graxos livres e glicerol. A PKA também fosforila a lipase hormônio-sensível, duplicando ou triplicando
sua atividade, porém o aumento de mais de 50 vezes na mobilização em gordura desencadeada pela
epinefrina se deve à fosforilação daperilipina. Células com genes de perilipina defeituosos quase não
têm nenhuma resposta ao aumento da concentração de AMPc: essa lipase hormônio-sensível não
se associa às gotículas de gordura.
As lipases hormônio-sensíveis hidrolisa triacilgliceróis nos adipócitos, os ácidos graxos aí liberados
(ácidos graxos livres, AG L) passa dos adipócitos para o sangue, onde se ligam à proteína albumina
sérica. Esta proteína (PM 66000), que compreende cerca de 50% do total das proteínas séricas, liga-
se a pelo menos 10 moléculas de ácido graxo por monômero protéico. Ligados a esta proteína
solúvel, os ácidos graxos insolúveis são tranportados para tecidos como músculo esquelético,
coração e córtex renal. Nestes tecidos alvos, os ácidos graxos dissociam-se da albumina e movem
para transportadores da membrana plasmática para servirem como combustível.
Ativação e Transporte dos Ácidos Graxos para a Mitocôndria
Em 1948, Eugene P. Kennedy e Albert Lehninger demonstraram que a oxidação dos ácidos graxos na
célula animal ocorre na mitocôndria. Os ácidos graxos com cadeia com 12 ou menos carbonos
entram na mitocôndria sem ajuda de transportadores. Aqueles com 14 ou mais carbonos, que
constituem a maioria dos AGL obtidios na dieta ou liberados dos adipócitos, não podem passar
diretamente através das membranas mitocondriais, pois têm que sofrer três reações enzimáticas da
lançadeira carinitina. A primeira reação é catalisada por uma família de isoenzimas (específicas para
ácidos graxos de cadeia curta, intermediária e longa) presentes na membrana externa da
mitocôndria, as acil-CoA sintetases, que promovem a reação geral:
Ácido graxo + CoA + ATP Acil graxo-CoA + AMP + PPi
A acil graxo-CoA sintetase catalisa a formação de uma ligação tioéster entre o grupo carboxil do
ácido graxo e o grupo tiol da coenzima A para produzir um acil graxo-CoA, acoplado a quebra de ATP
a AMP e PPi. Acil graxo-CoAs, como o acetil-CoA, são compostos de alta energia; sua hidrólise a AGL
e CoA causa uma grande mudança de energia livre padrão negativa ( ∆G0 ≈ -31 kJ/mol).
A formação de um acil graxo-CoA é feito de forma mais favorável pela hidrólise duas ligações de alta
energia de um ATP; o pirofosfato formado na reação de ativação é imediatamente hidrolisado pela
pirofosfatase, que puxa a reação de ativação precedente na direção da formação do acilgraxo-CoA.
Ácido graxo + CoA + ATP → acilgraxo-CoA + AMP + 2Pi ∆G0 = -34 kJ/mol
Os ésteres acill-CoA formados no lado citossólico da membrana mitocondrial externa podem ser
transportados para dentro da mitocôndria e oxidador para produzir ATP, ou eles podem ser
utilizados no citoplasma para síntese de lipídeso de membrana. Os ácidos graxos destinados à
oxidação mitocndrial são transitorialmente ligados ao grupo hidroxila da carnitina para formar
acilgraxo-carnitina, na segunda reação da lançadeira. Esta transesterificação é catalisada pela
carnitina aciltransferase I, na membrana externa. Tanto acilgraxo-CoA passa através da membrana
externa e é convertido a éster de carnitina no espaço intemembranoso, ou o éster de carnitina é
formado no lado citossólico da membrana externa. O éster acilgraxo-carnitina então entra na matriz
por difusão facilitada através do transportador acilgraxo-carnitina/carnitina da membrana
mitocondrial interna.
Na terceira e última etapa da lançadeira carnitina, o grupo acilgraxo é enzimaticamente transferido
da carinitina para uma coenzima A intramitocondrial pela carnitina aciltransferase II. Esta isoenzima,
localizada na face interna da membrana mitocondrial interna, regenera o acilgraxo CoA liberando-o,
juntamente com a carnitina livre, dentro da matriz. A carnitina reentra no espaço intermembrana via
o transportador acil-carnitina/carnitina.
Este processo de três etapas para transferir ácidos graxos para a matriz mitocondrial – esterificação
com CoA, transesterificação com carnitina, seguida de transporte e transesterificação de novo com
CoA – liga dois pools separados de coenzima A, um no citossol e outro na mitocôndria. Estes pools
têm diferentes funções. A CoA na matriz mitocondiral é largamente usada na degradação oxidativa
do piruvato, ácidos graxos e de alguns aminoácidos, enquanto que a coenzima A citossólica é usada
na biossíntese de ácidos graxos e de seus ésteres.

2. Oxidação dos Ácidos Graxos


A oxidação dos ácidos graxos ocorre inicialmente pela remoção sucessiva de duas unidades de
carbono (β-oxidação) par a formar acetil-CoA, iniciando da extremidade carboxil da cadeia de ácido
graxo. Por exemplo, o ácido palmítico de 16 carbonos (palmitato no pH 7) sofre sete passos pela
sequencia oxidativa, perdendo em cada passo dois carbonos como acetil-CoA. No fim dos sete ciclos,
os últimos carbonos do palmitato (originalmente C-15 e C-16) ficam como acetilCoA. O resultado
final é a conversão da cadeia do palmitato de 16-carbonos em oito moléculas de grupos acetila de
dois carbonos. No segundo estágio da oxidação dos ácidos graxos, os grupos acetil-CoA são oxidados
no ciclo do ácido cítrico, que ocorre na matriz mitocondrial. O acetil-CoA derivado dos ácidos graxos
entra numa via de final comum de oxidação com o acetil-CoA derivado da glicose via glicólise e
oxidação do piruvato.
As duas primeiras reações do primeiro estágios da oxidação dos ácidos graxos produzem os
carreadores de elétrons reduzidos NADH e FADH2, cujos elétrons são, no terceiro estágio, doados a
cadeia respiratória mitocondrial, através da qual os elétrons passam para o oxigênio com a
concomitante fosforilação do ADP a ATP. Logo, a energia liberada pela oxidação dos ácidos graxos é
conservada como ATP.
β−Oxidação dos Ácidos Graxos Saturados
O primeiro estágio da oxidação dos ácidos graxos é realizado por quatro enzimas. Primeiro, a
desidrogenação do acilgraxo-CoA produz uma dupla ligação entre os átomos de carbonos α e β (C-2
e C-3), produzindo um trans-∆2-enoil-CoA.
Esta primeira etapa é catalisada por três isoenzimas da acil-CoA-desidrogenase, cada uma específica
para uma faixa de comprimento de cadeia de acilgraxo: desidrogenase para cadeias muito longas
(VLCAD), atuando em ácidos graxos de 12 a 18 carbonos; cadeias médias (MCAD), agindo em ácidos
graxos de 4 a 14 carbonos; e cadeias curtas (SCAD), agindo em ácidos graxos de 4 a 8 carbonos.
Todas as três enzimas são flavoproteínas com FAD como um grupo prostético. Os elétrons
removidos do acilgraxo-CoA são transferidos para o FAD, e a forma reduzida da desidrogenase dos
seus elétrons a um carreador da cadeia respiratória mitocondrial, a flavoproteína transportadora de
elétrons (ETF). A reação catalisada pela succinatodesidrogenase é análoga à desidrogenação do
succinato no ciclo do ácido cítrico; em ambas as reações, a enzima está ligada a membrana interna,
dupla ligação é introduzida no ácido carboxílico entre os carbonos α e β, FAD é o receptor de
elétrons, e os elétrons da reação finalizam entrando na cadeia respiratória e passam para O 2, com a
síntese de 1,5 moléculas de ATP por par de elétrons.
Na secunda etapa do primeiro estágio do ciclo da β-oxidação, água é adicionada à dupla ligação do
trans-∆2-enoil-CoA para forma o L-estereoisômero da β-hidroxiacil-CoA (3-hidroxiacil-CoA).
Esta reação, catalisada pela enoil-CoA hidratase, é formalmente análoga reação da fumarase no ciclo
do ácido cítrico, na qual H2O é adicionado através de uma dupla ligação α−β. Na terceira etapa, a
L−β−hidroxiacil-CoA é desidrogenada para formar a β−cetoacil-CoA, pela ação da β-hidroxiacil-CoA
desidrogenase; NAD+ é o receptor de elétrons. Esta enzima é absolutamente específica para o L
estereoisômero da hidroxiacil-CoA. A NADH formada na reação doa seus elétrons para NADH
desidrogenase, um carreador de elétrons da cadeia respiratória, e ATP são formados a partir de ADP
quando os elétrons passam para o O2. A reação catalisada pela β-hidroxiacil-CoA desidrogenase é
estritamente análoga à do malato desidrogenase do ciclo do ácido cítrico.
A quarta e última etapa do ciclo da β-oxidação é catalisada pela acil-CoA acetiltransferase, mais
conhecida como tiolase, que promove a reação da β−cetoacil-CoA com uma molécula livre de
coenzima A para separar o carboxil terminal do fragmento de dois carbonos do ácido graxo original
como acetil-CoA. O outro produto é o tioéster da coenzima A com o ácido graxo, agora mais curto
(com dois carbonos a menos). As três últimas etapas da sequencia são catalisadas por um tanto de
dois grupos de enzimas, que serão empregadas dependendo do comprimento da cadeia do
acilgraxo. Para cadeias de 12 ou mais carbonos, as reações são catalisadas por um complexo
multienzimático associado à membrana mitocondrial interna, a proteína trifuncional (TFP). A TFP é
um heteroctâmero de subunidades α 4 β4. Cada subunidade α tem duas atividades, enoil-CoA
hidratase e a β-hidroacil-CoA desidrogenase. As subunidades β contêm a atividade tiolase.

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