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fJ Platão: o mundo das ideias A alegoria da caverna representa as etapas da

educação de um filósofo, ao sair do mundo das


Para melhor sintetizar a teoria do conhecimento de sombras (das aparências) para alcançar o conheci-
Platão, recorremos ao livro VII de A República, em que é mento verdadeiro. Após essa experiência, ele deve
relatada a famosa "alegoria da caverna'2: pessoas estão voltar à caverna para orientar os demais e assumir
acorrentadas desde a infância em uma caverna, de tal o governo da cidade. Por isso a análise da alegoria
modo que enxergam apenas a parede ao fundo, na qual pode ser feita pelo menos de dois pontos de vista:
são projetadas sombras, que eles pensam ser a reali-
• o político: com o retorno do filósofo-político que
dade. Trata-se, entretanto, da sombra de marionetes,
conhece a arte de governar;
empunhadas por pessoas atrás de um muro, que tam-
bém esconde uma fogueira. Se um dos indivíduos con- • e o epistemológico: quando o filósofo volta
seguisse se soltar das correntes para contemplar à luz para despertar nos outros o conhecimento
do dia os verdadeiros objetos, ao regressar à caverna verdadeiro.
seus antigos companheiros o tomariam por louco e
não acreditariam em suas palavras. til PARA SABER MAIS
A valorização da fi losofia como conhecimento
superior leva Platão à idea li zação do rei-filósofo:
para o Estado ser bem governado, é preciso que
QUEM É?
"os filósofos se tornem reis, ou que os reis setor-
Platão (428-347 a.c.) era na ver- nem filósofos". Consulte o capítu lo 23, "A política
dade o apelido de Arístocles de normativa".
Atenas (talvez porque tivesse
ombros largos ou o corpo meio
quadrado ... ), nascido de famí- Platão distingue dois tipos de conhecimento: o
lia aristocrática. Após a conde- sensível e o inteligível, que se subdividem em outros
nação de Sócrates, seu mestre,
graus.
viajou por vários lugares, tentou Platão, de Rafael
Observando a ilustração da caverna, identifica-
em vão interferir no governo de Sanzio, 1506-1510.
Siracusa (Sicília) e por fim retor- mos quatro formas da realidade:
nou a Atenas, onde fundou a escola denominada • as sombras: a aparência sensível das coisas;
Academia. Seus diálogos- em que a maioria traz
Sócrates como interlocutor principal- abrangem • as marionetes: a representação de animais, plan-
as várias áreas da filosofia nascente, e por isso é o tas etc., ou seja, das próprias coisas sensíveis;
primeiro filósofo sistemático do pensamento ociden- • o exterior da caverna: a realidade das ideias;
tal. Sua influência foi sentida no helenismo (neopla-
tonismo) e adaptada à doutrina cristã inicialmente • o Sol: a suprema ideia do bem.
por Agostinho de Hipona (354-430).Até hoje vigoram O muro representa a separação de dois tipos de
muitas de suas idei as sobre a relação corpo-alma, a
política aristocrática e a crença na superioridade do
conhecimento: o sensível (que corresponde às duas
espírito em detrimento dos sentidos. primeiras formas de realidade) e o inteligível (às
duas últimas).

llustra cão
represéntando
a alegoria da
caverna, de
Platão, 2001 .

2
Ver a Leitura complementar, no final do capítulo.

Unidade 3 O conhecimento
r
na medida em que participa do mundo das ideias,
A ascensão dialética do qual é apenas sombra ou cópia. Trata-se da teo-
ria da participação, mais tarde duramente criticada
por Aristóteles.
imagens do sensível Se lembrarmos o que foi dito a respeito dos pré-
(eikasía) -socráticos, podemos constatar que Platão pro-
Opinião (dóxa) cura superar a oposição entre o pensamento de
realidades sensíveis: Heráclito, que afirma a mutabilidade essencial do
crença (pístis) ser, e o de Parmênides, para quem o ser é imóvel.
Platão resolve o problema: o mundo das ideias se
refere ao ser parmenídeo, e o mundo dos fenômenos
conhecimento ao devir heraclitiano.
matemático:
raciocín io hipotético
(diánoia)
Ciência (epistéme)
conhecimento
filosófico:
intuição intelectiva
~

• A dialética platônica
A alegoria da caverna é a metáfora que serve
de base para Platão expor a dialética dos graus do
conhecimento. Sair das sombras para a visão do Sol
representa a passagem dos graus inferiores do conhe-
cimento aos superiores: na teoria das ideias, Platão Apesar da variedade de raças de cavalo, com porte e
pelagens diferentes, para Platão um cavalo só é cavalo
distingue o mundo sensível, o dos fenômenos, do enquanto participa da "ideia de cavalo em si".
mundo inteligível, o das ideias.
O mundo sensível, percebido pelos sentidos, é
o local da multiplicidade, do movimento; é ilusó- • Teoria da reminiscência
rio, pura sombra do verdadeiro mundo. Por exem- Como é possível ultrapassar o mundo das apa-
plo, mesmo que existam inúmeras abelhas dos mais rências ilusórias? Platão supõe que o puro espírito
variados tipos, a ideia de abelha deve ser una, imu- já teria contemplado o mundo das ideias, mas tudo
tável, a verdadeira realidade. esquece quando se degrada ao se tornar prisioneiro
O mundo inteligível é alcançado pela dialética do corpo, considerado o "túmulo da alma''. Pela teo-
ascendente, que fará a alma elevar-se das coisas ria da reminiscência, Platão explica como os sen-
múltiplas e mutáveis às ideias unas e imutáveis. tidos são apenas ocasião para despertar na alma
As ideias gerais são hierarquizadas, e no topo as lembranças adormecidas. Em outras palavras,
delas está a ideia do Bem, a mais alta em perfei- conhecer é lembrar.
ção e a mais geral de todas - na alegoria, corres-
ponde à metáfora do Sol. Os seres em geral não
existem senão enquanto participam do Bem. E o Diánoia. É o raciocínio que opera por indução e/ou
Bem supremo é também a Suprema Beleza: o Deus dedução, ou seja, por etapas.
de Platão. Nóesis. É a atividade intelectual que resulta do
Percebemos então que, acima do ilusório mundo conhecimento imediato, da intuição das essências
sensível, há as ideias gerais, as essências imutáveis, e princípios.
que atingimos pela contemplação e pela depura- Dialética. No sentido comum, é discussão, diá -
logo. Em filosofia, varia conforme o fi lósofo (ver o
ção dos enganos dos sentidos. Como as ideias são
Vocabulário, no final do livro).
a única verdade, o mundo dos fenômenos só existe

A busca da verdade Capítulo 13


Hades - que entre os romanos se chamava
Plutão - designa ao mesmo tempo o deus e
o mundo dos mortos, também conhecido por
Infernos (ou "mundo inferior", por isso não
se confunde com o inferno cristão) e para
lá iam as almas após a morte. Era o mundo
escuro das trevas, temido por todos. Hades
fazia-se acompanhar por Cérbero, um cão de
várias cabeças e cauda em forma de serpente.
Guardião dos Infernos, acolhia com grande
gentileza a entrada dos mortos, mas impedia
com ferocidade a sua saida.

Escultura do sécu lo IV represe ntando


Plutão (Hades) e o cão Cérbero.

Assim explica Platão no diálogo Mênon:


PARA REFLETIR
Pode mos não concord ar na íntegra com a teoria da
A alma é, po is, imortal ; renasceu repetidas vezes na rem ini scência de Platão, ma s perguntamos se não
existência e contemplou todas as coisas existentes a ace ita ríamos em parte sob o seguinte aspecto:
quand o nos defrontamos com algo novo, seja um
tanto na Terra como no Hades e por isso não há nada
t ext o, uma ima ge m, um relato, só o compreen-
que ela não conheça! Não é de espantar que ela seja de remos melhor se já tivermos um "pré-conhe -
capaz de evocar à memória a lembrança de objetos cim ento" do assunto. Por exemplo, uma pessoa
que viu anteriormente, e que se relacionam tanto não conseguirá entender um texto extraído de um
com a virtude como com as outras coisas existentes. t rata do avançado de física caso nunca tenh a estu-
dad o essa ciênci a antes. Você saberia dar outros
Toda a natureza, com efeito, é uma só, é um todo
exem plos?
orgânico, e o espírito já viu todas as coisas; logo, nada
impede que ao nos lembrarmos de uma coisa- o
que nós, homens, chamamos de "saber" -
outras coisas acorram imediata e maquinalmente à
todas as
mAristóteles: a metafísica
nossa consciência . [...] Pois sempre, toda investigação Desde o momento em que a razão se separou do
e ci ~ncia são apenas simples recordação. 3 pensamento mítico, os filósofos gregos criaram con-
ceitos para instrumentalizá-la no esforço de com-
preensão do real. Entre as diversas contribuições
A fala transcrita no texto é de Sócrates, que con- destaca-se a de Aristóteles, pela elaboração dos
versa com Mênon. Para ilustrar a teoria da reminis- princípios da lógica e dos conceitos que explicassem
cência, chama um escravo e lhe pede que examine o ser em geral, área da filos ofia que hoje reconhece-
umas figuras sensíveis e, por meio de perguntas, o mos como metafísica. Embora sempre façamos refe-
estimula a "lembrar-se" das ideias e a descobrir uma rência à metafísica de Aristóteles, ele próprio usava
verdade geométrica. a denominação filosofia primeira.

3
PLATÃO. Mênon. Em: Diálogos. Bld. Rio de Janeiro: Ediouro, p. 85.

Unidade 3 O conhecimento

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