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I Módulo 801 – Problema 01 I Thiago Almeida Hurtado

1) Revisar a fisiologia do pâncreas endócrino e as ações da insulina


1) O pâncreas endócrino
• As ilhotas de Langerhans constituem a porção endócrina do pâncreas.
o As ilhotas são compostas de vários tipos celulares, cada um sendo responsável pela produção de
um hormônio distinto.
▪ Células beta: produtoras de insulina
▪ Células alfa: produtoras de glucagon
▪ Células delta: produtoras de somastotatina
▪ Células F: secreta o polipeptídeo pancreático (cuja função é desconhecida).
o As células beta predominam no centro da ilhota, enquanto as demais predominam na periferia.
Isso é importante, visto que são as primeiras a receber o fluxo sanguíneo (“centrífugo”), o que
auxilia na regulação da glicemia pelas células alfa (primeiras a receber o sangue “rico” em
insulina e consequentemente, inibir a secreção de glucagon).
2) Insulina
a) Metabolismo da Insulina
• É um hormônio proteico, composto por uma cadeia alfa e uma cadeia beta, sendo sintetizado da
seguinte forma

Pré-pró-insulina Pró-insulina Peptídeo C e Insulina


(poliribossomo) (PPI clivada) (grânulos secretórios)
• A insulina é armazenada em grânulos secretórios, sendo liberado para fora da célula através da exocitose
sob o estímulo correto.
• Apresenta uma meia-vida de 5 a 8 minutos, sendo depurada rapidamente da circulação. É degradada pela
insulinase no fígado, rim e outros tecidos. Pelo fato de ser secretada no interior da veia porta, é
exposta a essa enzima hepática antes de entrar na circulação, logo, quase metade da insulina é degradada
antes de deixar o fígado (o fígado é exposto a + insulina).
o Uma elevação nos níveis séricos de insulina (pico em 30 min) é capaz de reduzir a glicose
sanguínea a níveis basais.
o Sua liberação se dá em duas fases: fase precoce (insulina pré-sintetizada) e fase tardia (insulina
recém-formada). A última ocorre caso haja manutenção do estímulo de liberação após a fase
precoce.
• A glicose é o principal estímulo para secreção da insulina no organismo! Ela entra nas células beta
através do transportador GLUT2, sendo fosforilada em glicose-6-fosfato (G6P) pela glicocinase. O
metabolismo de G6P no interior da célula beta leva a despolarização dessa célula por fechar o canal de
K+ sensível a ATP, e consequente abertura dos canais de cálcio controlados por voltagem, os quais
ativam a exocitose dos grânulos de insulina.
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o ATENÇÃO! Os canais de K+ apresentam uma subunidade de ligação a ATP chamada de SUR,
local de ação das drogas sulfonilureias.
• Estímulos secundários para a liberação de insulina são:
o Aminoácidos
o Sistema nervoso parassimpático
o GLP-1 (hormônio peptídeo 1 semelhante ao glucagon)
o GIP (polipeptídio inibitório gástrico)
• Os principais inibidores da secreção de insulina são:
o Receptores alfa-2-adrenérgicos (ativados por epinefrina e norepinefrina)
▪ Age como proteção à hipoglicemia durante o exercício!

b) O Receptor de Insulina (IR)


• É um receptor da família tirosinocinase (RTK)
• É expresso na membrana celular como um homodímero composto de monômeros alfa/beta (alfa é
extracelular e beta é intracelular)
• Esse receptor, após uma via metabólica complexa, que culmina na inserção do transportador de
glicose GLUT4 nas membranas celulares do tecido muscular e adiposo.
• Uma ação interessante, que desempenha papel na DMII é a down-regulation dos receptores GLUT4
pela própria ação da insulina e a inativação do receptor IR.
c) Ações da Insulina
• É o principal hormônio anabólico, sendo responsável por manter os limites superior dos níveis
sanguíneos de glicose. Age através dos seguintes efeitos:
o  captação de glicose pelos tecidos muscular e adiposo
o  estoque de glicogênio no fígado e músculo
o  síntese de proteínas
o  síntese de triglicerídeos no fígado e adipócitos
o  lipólise do tecido adiposo
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o  produção de glicose pelo fígado
• Além disso, apresenta efeito de saciedade.
• Alterações na sua ação levam a:
o Hiperglicemia
o Dislipidemia
o Diabetes Melito
3) Glucagon
a) Metabolismo do glucagon
• É produzido na célula alfa, tendo como precursor o pré-pró-glucagon.
• Ao contrário da insulina, circula de forma livre e apresenta uma meia-vida de cerca de 06 minutos.
• O sítio predominante de degradação de glucagon é o fígado, que degrada até 80% do glucagon
circulante. Como passa primeiro nesse órgão, por ser liberado na veia porta, é ele que sofre os
principais efeitos desse hormônio.
• O principal estímulo para a liberação desse hormônio é uma queda na glicose sanguínea (efeito
indireto da insulina).
o Em geral, os estímulos para secreção de glucagon são os opostos aos da insulina.
o Os AA´s elevam tanto o nível de
insulina quanto o de glucagon, o
que ajuda a manter um nível de
glicose constante e evitam a
hipoglicemia.
b) Ações do Glucagon
• É o principal hormônio
contrarregulatório, que eleva os níveis de
glicose sanguínea através de seus efeitos
na gliconeogênese hepática
• Promove, principalmente:
o  gliconeogênese
o  glicogenólise
o  glicólise
o  glicogenólise
o  síntese de lipídeo hepático de
glicose
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4) Metabolismo Intermediário
• É definido como o conjunto de reações bioquímicas orgânicas de síntese e degradação de
macromolétculas (proteínas, carboidratos e lipídios).
o Os carboidratos e os lipídios são as principais moléculas energéticas do organismo.
• O anabolismo é o conjunto de reações de síntese de macromoléculas, promovendo a formação de
polímeros.
o A insulina é o principal hormônio anabólico!
o É a reação predominante no período pós-prandial
• O catabolismo é o conjunto de reações de decomposição desses polímeros.
o O glucagon, adrenalina, cortisol e GH são os principais hormônios catabolisantes.
o É a reação predominante no jejum.
• A glicose é a principal molécula que regula os hormônios controladores do metabolismo intermediário,
por ser imprescindível para a manutenção da homeostase energética. Os neurônios, em especial, não são
sensíveis a insulina, absorvendo diretamente a glicose por meio dos receptores GLUT1. A única “via
alternativa” para seu funcionamento são corpos cetônicos (apresenta como consequência a cetoacidose
– acidose metabólica com anion-gap aumentado!)
• ATENÇÃO! No diabetes, devido a carência de insulina, o organismo desses indivíduos se comporta
como se o paciente estivesse constantemente em estado de jejum, mesmo no período pós prandial.
Isso apresenta como consequência:
o catabolismo
o gliconeogênese
o beta-oxidação
o  glicemia pré e pós prandial (crônica)
o glicólise

a) Estado Pós-Prandial
• A absorção intestinal de nutrientes eleva os níveis séricos de glicose, aminoácidos e quilomícrons. Isso
estimula a liberação de insulina, que apresenta como efeitos básicos: anabolismo e utilização da glicose
como o principal substrato energético.
o Anabolismo de carboidratos: a glicose é utilizada na glicólise, e o que “sobra” serve de substrato
para a síntese de glicogênio hepático e muscular (gliconeogênese)
o Anabolismo de lipídios: o excesso de glicose no hepatócito é usada para síntese de ácidos graxos
(lipogênese), e depois são transportados para os adipócitos
o Anabolismo de proteínas: os aminoácidos adentram as células e são utilizados na síntese
proteica.
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b) Estado de Jejum (Interprandial)
• Visando a manutenção da glicemia sanguínea, há inibição da liberação de insulina, com estímulo a
secreção de hormônios contrarreguladores, como o glucagon. Nessa etapa há catabolismo e utilização
de ácidos graxos como principal substrato energético.
o Catabolismo de carboidratos: o glicogênio hepático é quebrado, liberando glicose para o sangue
(glicogenólise). Entretanto, esse estoque dura apenas de 24-48h.
o Produção hepática de glicose: à medida que o glicogênio se esgota, a glicemia é mantida pela
gliconeogênese, através de substrato de diversos tecidos (lactato, aminoácidos, glicerol...)
o Catabolismo lipídico: ocorre a lipólise (clivagem de triglicerídeos, liberando ácidos graxos
livres), devido aos hormônios contrarreguladores, os quais entram “em ação” devido a
hipoinsulinemia. Caso a liberação de ácidos graxos for excessiva, uma parte será aproveitada
pelo hepatócito para a cetogênese, que ocorre em pequena escala nos indivíduos não diabéticos
após jejum prolongado.
o Catabolismo das proteínas: são quebradas em aminoácidos, porém é um processo que ocorre em
pequena quantidade à curto prazo.

2) Compreender a classificação do diabetes (autoimune, tipo II, secundária a medicação e


gestacional)
• O DM consiste em um distúrbio metabólico caracterizado por hiperglicemia persistente, decorrente de
deficiência na produção de insulina e/ou na sua ação. A hiperglicemia persistente está associada a
complicações crônicas micro e macrovasculares, aumento de morbidade, redução da qualidade de vida e
elevação da taxa de mortalidade.
• A classificação da diabetes e baseia em sua etiologia! Os fatores causais (genéticos, biológicos e
ambientais) ainda não foram bem esclarecidos.
Tipos de Diabetes
1 DM tipo 1:
IA: deficiência de insulina por destruição autoimune das células beta, comprovada por exames
laboratoriais
IB: deficiência de insulina de natureza idiopática
LADA: corresponde a 30% dos casos de DM tipo 1, que aparece após a idade de 30 anos
(“latente”) → demora 06 meses desde o início dos sintomas e a necessidade de insulina

2 DM tipo II: perda progressiva de secreção insulínica + resistência periférica à insulina

3 DM gestacional: hiperglicemia de graus variados, diagnosticada durante a gestação, na ausência


de critérios de DM prévio

4 Outros tipos de DM
- Monogênicos (MODY)
- Diabetes neonatal
- Secundário a endocrinopatias
- Secundário a doenças do pâncreas exócrino
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- Secundário a infecções
- Secundário a medicamentos
• A diabetes gestacional pode ser compreendida pelo fato de que a placenta produz hormônios
hiperglicemiantes e enzimas placentárias que degradam a insulina (condição diabetogênica). Na
grávida, isso leva a um aumento compensatório na produção de insulina e na resistência insulínica,
podendo cursar com disfunção das células beta. Cursa com intolerância a carboidratos de gravidade
variável, e é uma condição de risco tanto para a mãe quanto para o feto, diagnosticada durante o segundo
ou terceiro trimestre da gestação.
• O termo “outros tipos de DM” se refere a todas as outras formas menos comuns de DM, cuja
apresentação clínica é variável e depende da alteração de base que provocou o distúrbio do metabolismo
glicídico (defeitos genéticos, doenças do pâncreas....)
o Defeitos genéticos: é a MODY, também conhecida como maturity-onset diabetes of the Young. É
uma forma monogênica de diabetes com herança autossômica dominante, sendo caracterizada
por uma idade precoce de aparecimento (antes dos 25 anos) e graus variáveis de disfunção das
células beta. Representa de 1 a 2% de todos os casos de DM. Apresenta vários subtipos (a
depender do gene afetado) e consequentemente, clínica e resposta ao tratamento heterogênias
(MODY 2- apenas mudança de estilo de vida, MODY 3- tto igual DM).
o Diabetes neonatal: forma monogênica da doença, diagnosticada geralmente nos primeiros 06
meses de vida. Cerca de 50% dos casos são transitórios, podendo ocorrer recidivas durante a
puberdade (pode ser transitória ou permanente). Manifesta-se por baixo peso ao nascimento com
hiperglicemia nas primeiras semanas de vida (o período que aparece depende da forma de
diabetes).
o Doenças do pâncreas exócrino: pancreatite, trauma, pancreatectomia e carcinoma pancreático.
Para que uma pancreatopatia cause DM, é necessária uma perda entre 80 a 90% da massa
pancreática.
o Endocrinopatias: doenças que cursam com desequilíbrio entre a insulina e seus hormônios
contrarreguladores (excesso de GH, cortisol ou catecolaminas). Síndrome de Cushing,
feocromocitoma, gigantismo e acromegalia são exemplos de doenças que podem cursar com
diabetes.
• Os principais medicamentos correlacionados ao surgimento de Diabetes são:
o Pentamidina
o Ácido nicotínico
o Antipsicóticos atípicos
o Glicocorticoides
o Hormônio tireoidiano
o Diazóxido
o Agonistas beta-adrenérgicos
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o Tiazídicos
o Intérferon-alfa

3) Explicar a epidemiologia, etiologia, fisiopatologia, quadro clínico, diagnóstico laboratorial e


tratamento do Diabetes Melitus Tipo 1, valorizando a transmissão genética.
1) Introdução
• O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é uma doença autoimune, poligênica, decorrente da destruição das
células beta pancreáticas, ocasionando, portanto, deficiência completa na produção e insulina.
• Frequentemente diagnosticada em crianças e adolescentes.
• A DM1 corresponde a 5 a 10% de todos os casos de DM
• Incidência igual entre homens e mulheres
• Estima-se que o Brasil ocupe o terceiro lugar em prevalência de DM1 no mundo.
• A maior parte dos pacientes depende do tratamento com insulina exógena para sobreviver, sem ela,
desenvolvem graves complicações, como a cetoacidose e o coma.
2) Fisiopatologia
• Como dito, é uma doença autoimune, na qual a destruição das ilhotas é provocada primariamente por
células efetoras imunes reagindo contra antígenos endógenos das células beta.
• O ataque as células-beta geralmente se inicia muitos anos antes que a doença se torne evidente, apesar do
início clínico abrupto (hiperglicemia e cetose). Geralmente o QC só se manifesta depois que mais de
90% das células beta foram destruídas. Eventos como puberdade e infecções intercorrentes
promovem resistência à insulina, levando a instalação abrupta de sintomas.
o Ao longo do tempo, 100% das células serão destruídas, portanto, os portadores de DM tipo 1
dependem de insulina exógena, para não desenvolver cetoacidose diabética!
• A anomalia imunológica fundamental nesse diabetes é a
perda da autotolerância nas células T. Essa perda
pode ser o resultado de alguma combinação entre
deleção clonal defeituosa de células T autorreativas no
timo, assim como defeitos na função de céulas T
regulatórias, ou da resistência de células T efetoras à
supressão por células regulatórias. Portanto, há
produção de autoanticorpos contra uma variedade de
antígenos da célula beta
• Como a maioria das doenças autoimunes, a patogenia da
DMI envolve a interação da suscetibilidade genética
com fatores ambientais. Já foram detectados mais de 20 loci de suceptibilidade para essa doença (o
principal locus denomina-se HLA-D, entretanto, polimorfismos nos genes de codificação da insulina
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estão envolvidos também). Fatores ambientais também estão envolvidos na gênese da doença,
principalmente as infecções (caxumba, rubéola e coxsackie B), provavelmente devido a mimetismo
molecular, que desencadearia o processo de inflamação das ilhotas pancreáticas em indivíduos
predispostos. Componentes dietéticos e certas composições da microbiota intestinal também já foram
associados ao desencadeamento da doença.
• Os principais autoanticorpos encontrados no DM tipo 1 são:
o Anti-ilhota (ICA)
o Anti-insulina (IAA)
o Antidescarboxilase do ácido glutâmico (Anti-GAD65)
o Antitirosina fosfatase (Anti-IA)
o Antitransportador de zinco (Znt8)
• ATENÇÃO! Esses autoanticorpos precedem a hiperglicemia por meses a anos durante um estágio “pré-
diabético”. Quanto maiores em número e título, maior a chance de o indivíduo desenvolver a doença.
• ATENÇÃO! Apesar de conhecermos os autoanticorpos, na prática clínica não se recomenda
rotineiramente a investigação de autoimunidade com dosagem desses. Aceita-se a realização de
rastreio somente em pacientes de alto risco (parentes de 1º grau de um indivíduo acometido). A
recomendação, caso os exames positivem, é recomendar que o paciente faça o possível para levar um
estilo de vida mais saudável.
• ATENÇÃO! A denominação 1B, ou idiopática, é atribuída aos casos de DM1 nos quais os
autoanticorpos não são detectáveis na circulação. As recomendações terapêuticas são as mesmas do DM
tipo 1A e não há evidências de riscos distintos para as complicações crônicas entre os subtipos.
• ATENÇÃO! Cerca de 30% dos casos de DM1A se instalam em maiores de 30 anos, na chamada
LADA. Nesse subtipo de diabetes, o déficit insulínico progride de forma relativamente lenta, o que
justifica um quadro clínico mais arrastado, o qual pode ser confundido com DM tipo 2. Entretanto, difere
dessa pelo fato de o hipoinsulinismo absoluto se estabelecer, mais cedo ou mais tarde.
3) Quadro Clínico
• Geralmente o quadro clínico é de início abrupto!
• A cetoacidose diabética é a primeira manifestação da doença em cerca de 1/3 dos casos.
o Desidratação
o Vômitos
o Dor abdominal
o Hálito cetônico
o Respiração de Kussmaul
o Redução do nível de consciência
• O QC clássico é: criança ou adolescente que desenvolve, ao longo de dias ou semanas:
o Poliúria
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o Polidipsia
o Polifagia
o Perda de peso
• Em algumas crianças pequenas, as primeiras manifestações podem ser candidíase vaginal e enurese
noturna.

4) Diagnóstico
• Os critérios diagnósticos para DM1 são semelhantes aos utilizados para DM2, entretanto, no primeiro
caso o quadro clínico costuma ser muito mais chamativo do que no segundo.
• O diagnóstico de DM requer a demonstração laboratorial de hiperglicemia. A condição na qual os
valores glicêmicos estão acima dos valores de referência, mas abaixo dos valores diagnósticos de DM é
denominada pré-diabetes.
• Os exames solicitados para diagnóstico são:
o Glicemia de jejum: coletada em sangue periférico após jejum calórico de, no mínimo, 08 horas.
o TOTG: previamente à ingestão de 75g de glicose dissolvida em água, coleta-se uma amostra de
sangue em jejum para determinação da glicemia; coleta-se outra, então, após 02 horas da
sobrecarga oral. Permite a avaliação da glicemia após sobrecarga, a qual pode ser a única
alteração detectável no início do DM!
o Hemoglobina glicada (HbA1c): reflete os níveis glicêmicos dos últimos 3 a 4 meses e sofre
menos variabilidade diária, independendo do estado de jejum para sua determinação. Tal exame
consiste no fato de a glicose sanguínea ligar-se de maneira irreversível à hemoglobina durante o
período de vida da hemácia, que tem essa mesma duração. Esse resultado refere-se a média das
glicemias diárias, sendo 50% correspondente ao mês que precedeu o exame, 25% ao mês anterior
à coleta e 25% ao terceiro e quarto meses anteriores. É uma medida indireta da glicemia,
podendo estar alterada em casos de alteração da meia vida da hemácia, como:
▪ Anemia
▪ Hemoglobinopatia
▪ Uremia
• A confirmação do diagnóstico requer repetição dos exames alterados em uma segunda amostra de
sangue, na ausência de sintomas de hiperglicemia (“os 4 polis”).
• ATENÇÃO! Caso dois testes diferentes tenham sido solicitados ao mesmo tempo, e ambos sejam
concordantes para o diagnóstico de diabetes, nenhum exame adicional é necessário. Por outro lado, se os
testes forem discordantes, aquele que estiver alterado deverá ser repetido para confirmação ou não do
diagnóstico.
I Módulo 801 – Problema 01 I Thiago Almeida Hurtado
• ATENÇÃO! Pacientes com sintomas clássicos de hiperglicemia devem ser submetidos à dosagem ao
acaso e independente de jejum, não havendo necessidade de confirmação por meio de segunda dosagem
caso glicemia aleatória > 200 mg/dL.
• ATENÇÃO! O peptídeo C é negativo na DM1! Importante molécula para reflexo da secreção
pancreática
• ATENÇÃO! Devido a associação frequente com doenças auto-imunes, esses pacientes tem
recomendação de rastreio para doença celíaca e hipotireoidismo de Hashimoto.
Critérios laboratoriais para diagnóstico de normoglicemia, pré-diabetes e DM
Glicose em Glicose após TOTG Glicose ao acaso HbA1c
jejum (mg/dL) (mg/dL) (mg/dL) (%)
Normoglicemia < 100 <140 - < 5,7
Pré-diabetes
ou risco >100 e < 126* >140 e <200 - >5,7 e <6,5
aumentado
para dm
Diabetes >126 >200 > 200 + sintomas >6,5

5) Tratamento
• O único tratamento que comprovadamente reduz a morbimortalidade de pacientes com DM tipo 1 é a
insulinoterapia exógena. Sem ela, a maioria dos pacientes vai à óbito por cetoacidose diabética.
a) Alvos glicêmicos
• A terapia intensiva com insulina visa reduzir os níveis glicêmicos para valores o mais próximo possível
da normalidade. Para um melhor controle da glicemia, o paciente deve adquirir um glucosímetro,
aparelho capaz de medir a glicemia capilar.
• A mensuração de glicemia capilar é extremamente útil, por ser o principal fator para ajuste das doses de
insulina. Inicialmente, deve ser feita 04x ao dia (pré-prandial e antes de dormir). Além disso traz
grandes benefícios, por reduzir o risco de complicações agudas, como cetoacidose e hipoglicemia.
• Os “alvos glicêmicos” variam conforme a idade do paciente. São menos restritivos em relação as
crianças, por terem dificuldade de reconhecer os sinais e sintomas de hipoglicemia (para isso, toleram-se
níveis de glicose mais altos).
• A modificação terapêutica é obrigatória quando as metas não estiverem sendo alcançadas, ou na
presença de glicemias muito baixas. Valores de HB1AC > 7% também estão associados a
complicações microvasculares, portanto, também sendo indicativo para ajuste terapêutico.
o Para idosos, o nível de HbA1C deve ser individualizado.
o Para gestantes, o nível de HbA1C deve ser mais rígido (<6%), devido ao risco de malformações
fetais.
o ATENÇÃO! Por ser uma medida média da glicemia ao longo de 03 meses, a Hb1Ac não
dispensa a medida da glicemia capilar (o paciente pode apresentar episódios de hipo ou
hiperglicemia entre eles).
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• ATENÇÃO! Para adultos as recomendações de HbA1c variam entre 6,5 a 7,0%, a depender da
sociedade científica. Contudo, o tratamento deve ser individualizado, podendo-se adotar metas mais altas
para pacientes com hipoglciemias assintomáticas ou graves (insuficiência renal, hepática, idosos...).
• ATENÇÃO! O valor de HbA1c igual a 7,0% interpreta-se como correspondente a uma glicemia média
de 154 mg/dL.
• ATENÇÃO! O número de medidas da glicemia é discutível. Como dito anteriormente, o mínimo são
quatro medidas diárias, porém, alguns estudos indicam que, quanto maior o número de medidas, melhor
o controle de HbA1c. Por exemplo, podem ser realizadas medidas 02 horas após as refeições e pelo
menos uma vez por mês, uma medida de madrugada (entre 3:00 e 4:00). O paciente também pode ser
instruído a realizar a medida antes e depois de um exercício físico intenso, para ajuste da insulina e
ingestão de carboidratos, assim como aumentar o número de medidas em período de doenças.
• ATENÇÃO! Recomenda-se que a HbA1c seja realizada a cada 3 a 4 meses em crianças e adolescentes,
com, no mínimo, duas medidas anuais. Para adultos com controles estáveis, sugerem-se duas medidas de
HbA1c ao ano.

b) Dieta, Álcool e Exercício Físico


• Dieta: o aporte calórico é calculado pela seguinte fórmula
P PESO IDEAL X 22 = KCAL DIÁRIAS
o A insulinoterapia pode levar ao aumento de peso, devido ao efeito anabólico e lipogênico desse
hormônio. Em média, o paciente engorda 5 kg após início da terapêutica.
o O ideal é o encaminhamento para nutricionista, pois a composição da dieta deve ser
individualizada. Devem ser preferidos alimentos com baixo índice glicêmico e limitação do
consumo de açúcar.
• Álcool: deve ser desencorajado, por aumentar o risco de hipoglicemia em usuários de insulina (inibe a
gliconeogênese).
• Exercício físico: deve ser encorajado, por auxiliar no controle da obesidade, hipertensão e aumentar a
sensibilidade insulínica. O paciente deve ser alertado sobre os riscos do exercício físico extenuante.
Devem ser feitas as seguintes recomendações:
o Não se exercitar caso a glicemia < 90 mg/dL ou > 250 mg/dL
o Não se exercitar na presença de cetose
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o Evitar se exercitar em jejum
o Ingerir suplementos de carboidrato a cada 30 min durante exercícios extenuantes
o Aplicar insulina em músculo que não participará da atividade física.
c) Insulinoterapia
• É o único medicamento capaz de controlar a glicemia desses indivíduos! Pode não necessitar de
nenhuma insulina, ou doses menores dessa no início do tratamento, por o pâncreas ainda possuir algum
grau de reserva endógena.
• Atualmente se prescreve o tratamento intensivo do DM1, com três ou mais doses diárias de insulina
(de diferentes tipos de ação) ou com sistema de infusão contínua. Esses esquemas são eficazes na
redução das complicações crônicas advinas do mau controle!
• As metas glicêmicas durante o tratamento são:

• Devem ser utilizados análogos da insulina humana, os quais apresentam farmacocinética distinta
(aspecto que deve ser considerado no tratamento). O objetivo é manter as metas glicêmicas dentro do
limite da normalidade.
o Na prática, a reposição é feita com uma insulina basal (evita lipólise e liberação hepática de
glicose no período intraalimentar), uma insulina em bolus durante as refeições e doses
necessárias para corrigir as hiperglciemias pré e pós-prandiais ou no período interalimentar
(bolus de correção).
▪ Recomenda-se que a dose basal de insulina diária varie de 30 a 50% da dose total, tendo
como fim mimetizar a secreção endógena de insulina. O restante da dose deve ser feita
em bolus de correção.
• Tratamento inicial: 0,5 – 1,0U/kg/dia de insulina por via SC (paciente recém diagnosticado ou logo após
cetoacidose)
o Indivíduos com a doença em remissão parcial (“no início”) podem receber uma dose total entre
0,3 e 0,5 U/kg/dia. Com a evolução da doença, a dose pode ser aumentada para 0,7 a 1,0
u/kg/dia. Em situações de puberdade ou stress emocional/físico, a dose pode ser aumentada para
1,5 a 2 U/kg/dia.
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• Após a terapêutica inicial, existem vários esquemas de administração do medicamento:


1. Duas Aplicações

2/3 da dose diária na primeira tomada (manhã)


+ 1/3 da dose diária na segunda tomada (noite)
• A insulina escolhida é a NPH/REGULAR (mista), sendo sua proporção de 70/30% pela manhã e
50/50% à noite.
o A NPH é uma insulina de ação intermediária:
▪ Início: 2-4 h
▪ Pico: 4-8h
▪ Duração: 10-16h
o A insulina regular é de ação rápida (orientar usar 30-45 min antes da refeição):
▪ Início: 30 min – 1h
▪ Pico: 2 -3h
▪ Duração: 5-8h
• Esse esquema de administração deve ser ajustado pelas três glicemias capilares pré-prandiais e uma
glicemia antes de dormir!
o Glicemia matinal: depende da NPH do jantar da véspera
o Glicemia pré-almoço: depende da regular da manhã
o Glicemia pré-jantar: depende da NPH da manhã
o Glicemia antes de dormir: depende da regular da noite
• A NPH deve ser aplicada na coxa ou nádegas (absorção lenta), enquanto a regular deve ser aplicada no
subcutâneo da barriga (absorção rápida).
• Dentre as desvantagens desse esquema estão:
o Possibilidade de hiperglicemia matinal
o Possibilidade de hiperglicemia pós almoço
o Necessidade de seguir rotina rigorosa quanto aos exercícios e alimentação
• ATENÇÃO! Esse esquema deve ser utilizado apenas para pacientes que não podem ou não querem
cumprir o esquema com múltiplas doses. Ele NÃO É FISIOLÓGICO E, PORTANTO, NÃO DEVE
SER RECOMENDADO PRA PACIENTES COM DM1!
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2. Esquema “basal-bolus”
• Parte do princípio de tentar mimetizar uma resposta fisiológica a insulina. Como dito anteriormente, uma
insulina de ação prolongada ou intermediária procura manter o “basal”, enquanto uma de ação
rápida ou ultrarrápida simula o pico pós-prandial.
• A SBD recomenda os seguintes esquemas para simular a insulina basal
o Hagedorn (NPH): 2 a 4x ao dia
1. Antes do desjejum e ao se deitar;
2. Antes do desjejum, no almoço e ao se deitar;
3. Antes do desjejum, no almoço, no jantar e ao deitar-se;
o Glargina: 1x ao dia
1. Antes do desjejum;
2. No almoço;
3. No jantar;
4. Ao deitar-se;
o Detemir: 1 ou 2x ao dia
1. Antes do desjejum e/ou no jantar e/ou ao deitar-se
o Degludeca: 1x ao dia
1. Antes do desjejum
2. No almoço
3. No jantar
4. Ao deitar-se
• A SBD recomenda os seguintes esquemas para o bolus de insulina (correção e refeição)
o Insulina regular (rápida): antes das refeições (30 a 40 min)
o Lispro/Asparte/Glulisina (ultrarrápida): antes das refeições ou logo após seu término (15 min)
o Fiasp (+ ultrarrápida): antes das principais refeições (2 min) ou até 20 minutos após o término
dessas.
• A escolha do esquema ideal depende da preferencia do paciente, seu estilo de vida, resposta individual
ao tratamento e condição financeira.
• ATENÇÃO! A administração de insulina ultrarrápida após a refeição é tão eficaz quanto a de insulina
regular antes da refeição, podendo ser administrada dessa maneira em crianças menores, que, muitas
vezes, não ingerem a quantidade total de carboidratos na refeição programada.
• ATENÇÃO! A dose da insulina bolus a ser administrada antes das refeições pode ser calculada por
meio da contagem de carboidratos.
1. Calcular a razão insulina/carboidrato, que traduz a quantidade de insulina capaz de metabolizar uma
determinada quantidade de glicose.
Razão insulina/carboidrato = 500 ÷ 𝑑𝑜𝑠𝑒 𝑑𝑖á𝑟𝑖𝑎 𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 𝑑𝑒 𝑖𝑛𝑠𝑢𝑙𝑖𝑛𝑎
I Módulo 801 – Problema 01 I Thiago Almeida Hurtado
2. Calcular a dose do “bolus alimentação”, de acordo com a quantidade de carboidratos a ser ingerida
na refeição.
3. Calcular a dose de “bolus corretiva”, ou seja, a dose necessária para corrigir uma possível
hiperglicemia pré-refeição.

Dose corretiva = (glicemia atual – meta glicêmica)/1500 ÷


𝑑𝑜𝑠𝑒 𝑑𝑖á𝑟𝑖𝑎 𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 𝑑𝑒 𝑖𝑛𝑠𝑢𝑙𝑖𝑛𝑎
4. Calcular a dose total de bolus. Essa equivale a soma do bolus corretiva com a bolus alimentação.
3. Esquema de bomba de insulina
• Uma bomba de infusão injeta a insulina de maneira constante através de um cateter colocado pelo
próprio paciente no tecido subcutâneo, sendo substituído a cada três dias.
• Funciona no mesmo esquema anterior, podendo ser programado para liberar uma “dose basal” de
insulina e um bolus para cobrir o período pós prandial.
• Sua principal desvantagem são: custo de manutenção e compra do aparelho, infecção do cateter e
obstrução desse (cetoacidose).

d) Hipoglicemia
• É um efeito adverso comum, estando diretamente relacionado a terapêutica da DM.
• É uma condição indesejável, pois pode inclusive levar ao coma e sequelas neurológicas.
• Suas principais causas são:
o Omissão de refeição
o Erro na dose de insulina
o Exercício físico exacerbado não programado
o Ingestão excessiva de álcool
• O quadro clínico é caracterizado por:
o Fase hiperadrenérgica: tremores, sudorese fria, taquicardia, palpitações e hipertensão
o Fase neuroglicopênica: dificuldade de concentração, ataxia, letargia, sonolência, coma,
convulsões.
o ATENÇÃO! Pacientes com diabetes mal controlada (hiperglicemia crônica) podem fazer
sintomas hipoglicêmicos em glicemias relativamente altas, pois o neurônio se adapta a absorver
menos glicose. Esses pacientes também apresentam risco de hypoglycemia unawareness,
devido a disfunção do SNA, o que leva o QC diretamente a fase neuroglicopênica.
• O diagnóstico é firmado pela tríade de Whipple (quadro clínico + glicemia capilar reduzida + melhora
após administração de glicose).
o ATENÇÃO! Uma glicemia <70 mg/dL já é suficiente para iniciarmos o tratamento!
• ATENÇÃO! Sempre instruir o paciente acerca dos sintomas dessa condição, orientando-os a carregar
sempre um doce guardado, que possa ser ingerido no início dos sintomas.
I Módulo 801 – Problema 01 I Thiago Almeida Hurtado
• O tratamento, em ambiente hospitalar, é a aplicação de glicose hipertônica intravenosa, na dose de pelo
menos quatro ampolas a 50% (0,3-0,5 mg/kg), seguido por glicose IV de manutenção.

4) Compreender a cetoacidose diabética: fisiopatologia, quadro clínico e conduta (incluindo cálculo


de osmolaridade, ânion gap e Na+ corrigido)
1) Introdução
• A cetoacidose diabética é uma complicação grave que pode ocorrer durante a evolução do DM tipos 1 e
2. Apesar de inicialmente ser considerada uma complicação exclusiva da DM1, a literatura tem
publicado vários relatos de CAD em indivíduos com DM2, inclusive em idosos acima de 70 anos.
o É a complicação mais grave do DM tipo 1, com uma mortalidade de aproximadamente
100% quando não tratada!
• É a causa mais comum de morte entre crianças e adolescentes com DM1 e é responsável por metade
das mortes nesses pacientes com menos de 24 anos.
• É uma condição grave, a qual deve ser tratada em ambiente de UTI.
• Entre alguns dos fatores de risco estão: sexo feminino, doenças psiquiátricas, baixo nível
socioeconômico, episódios prévios de cetoacidose...
• Antes da invenção da insulina, sua mortalidade girava em torno de 90%, porém, atualmente, em centros
especializados, essa chega a menos de 1%. As principais causas de morte são: edema cerebral,
hipopotassemia, hipofosfatemia, hipoglicemia, complicações intracerebrais, TVP, mucormicose,
rabdomiólise e pancreatite aguda.
2) Fisiopatologia
• Os estados infecciosos são a etiologia mais comum da cetoacidose. Os quadros mais comuns são: IVAS,
pneumonias e ITU´s (5 I´s – IAM, infecção, intoxicação, insulina, ilness)
• Outras possíveis etiologias são: traumas, uso de glicocorticoides, AVC, ingestão excessiva de álcool,
pancreatite aguda, IAM, uso inadequado de insulina... Pacientes em uso de bombas de infusão também
estão mais propensos a desenvolver CAD devido ao risco de obstrução do cateter.
• O que ocorre na cetoacidose, basicamente é a redução na concentração efetiva de insulina circulante,
associada à libração excessiva de hormônios contrarreguladores (glucagon, catecolaminas, cortisol e
GH). Essa redução pode ser absoluta (DM1) ou relativa, sendo exacerbada por condições como
infecções e estresse (DM2).
o Com isso, há um aumento na produção hepática e renal de glicose, e a redução de sua
captação pelos tecidos periféricos sensíveis a insulina, o que resulta em hiperglicemia e
hiperosmolalidade no espaço extracelular.
I Módulo 801 – Problema 01 I Thiago Almeida Hurtado

Gliconeogênese
GH Osmolalidade
Glicogenólise
Cortisol Glicemia
Insulina Lipólise
Catecolaminas Betaoxidação
Sensibilidade à
 Glucagon Acidose metabólica
insulina

• A lipólise é um evento essencial na fisiopatologia, pois a liberação de ácidos graxos livres do tecido
adiposo sofre beta-oxidação no fígado, se transformando em corpos cetônicos (ácido beta-
hidroxibutírico e acetoacético). Esse processo é estimulado pelo aumento da relação
glucagon/insulina.
o Como consequência, há a cetonemia e acidose metabólica. Esse processo é exacerbado na
DM1, devido a ausência completa de insulina. Essa acidose é do tipo ânion-gap aumentado
(pode ser com AG normal, caso os cetoânions sejam eliminados ou consumidos antes da correção
do excesso de H+).
o Parte dos ácidos graxos livres são convertidos em triglicerídeos no fígado, o que leva a uma
hipertrigliciredemia grave.
• Devido ao aumento da osmolalidade, há desidratação, glicosúria, diurese osmótica e perda de fluidos e
eletrólitos. A diurese osmótica e a glicosúria levam a hemoconcentração, o que agrava o quadro de
hiperglicemia. Além disso, o aumento da osmolaridade provoca a saída de fluido e eletrólitos para o
espaço intravascular, o que leva a perda desses devido a diurese osmótica, consequente à hiperglicemia.
• ATENÇÃO! Na cetoacidose há um paradoxo em relação aos íons potássio e ao fosfato: apesar de
serem perdidos na urina, seus níveis séricos se mantém normais ou elevados! Isso se deve a:
o A depleção de insulina predispõe à saída de potássio e fosfato do meio intracelular.
o A hiperosmolaridade extrai água e potássio das células
o A acidemia promove a entrada de H+ nas células em troca da saída de potássio.
3) Quadro Clínico
• É demarcado por uma evolução lenta e progressiva dos sinais e sintomas de DM descompensado (os “4
polis”), acompanhados de náuseas, vômitos, sonolência, torpor e, finalmente, coma.
o Geralmente o paciente refere poliúria, polidipsia ou polifagia, associados a astenia e perda
ponderal, principalmente nos dias anteriores à instalação do quadro.
• O paciente, devido a acidose, encontra-se taquipneico e pode vir a desenvolver respiração de
Kussmaul (alcalose respiratória compensatória).
• O hálito cetônico (de maçã podre) é característico desse quadro.
• Devido a diurese exacerbada, o paciente encontra-se com sinais de desidratação, podendo até evoluir
para o choque hipovolêmico (queda da PA). Com a intensificação do quadro, a movimentação da
pleura e do peritônio torna-se dolorosa, sendo possível observar defesa muscular abdominal
I Módulo 801 – Problema 01 I Thiago Almeida Hurtado
localizada ou generalizada, sendo que a dor abdominal é um sintoma presente em até 51% dos
pacientes.
4) Diagnóstico
• A avaliação inicial deve incluir:
o Glicemia plasmática
o Ureia e creatina
▪ Encontram-se elevados pela depleção de volume intravascular (IRA pré-renal)
o Cetonemia
o Eletrólitos (+ cálculo de ânion-gap)
▪ Hipernatremia (pode ser pseudo-hiponatremia, devido ao efeito osmótico da
hiperglicemia, que acaba “diluindo” o sódio plasmático, a hipertrigliceridemia também
tem esse efeito).
▪ Normo ou hipercalemica (risco de arritmia)
▪ Normo ou hiperfosfatemia

o Hemograma
▪ Leucocitose em 55% dos casos (atividade adrenocortical – aumento dos glicocorticoides)
o ECG
o Cultura de prováveis sítios de infecção
o Exames de imagem para detecção de patologia precipitante.
• A American Diabetes Association adota como critério diagnóstico da CAD glicemia sanguínea > 250
mg/dL.
o ATENÇÃO! Alguns pacientes podem apresentar uma condição conhecida como CAD
euglicêmica, sendo essa mais vista em gestantes com diabetes, pacientes com redução da
gliconeogênese durante abuso do álcool e em uso de inibidores de SGTL2.
• O diagnóstico definitivo é firmado pela presença de: hiperglicemia, acidose metabólica e cetonemia ou
cectonúria significativa.
o Cetonúria > 2+
o Cetonemia > 3 mmol/L Diagnóstico de cetoacidose!
o Glicemia > 250 mg/dL
o ATENÇÃO! A medida de corpos cetônicos na urina e no sangue não detecta a presença de
betadroxibutirado, o principal cetoânion produzido. Portanto, a não detecção de corpos cetônicos
não exclui a presença destes!
• Como diagnósticos diferenciais, devem ser considerados:
o Cetose de jejum
o Insuficiência Renal Crônica
I Módulo 801 – Problema 01 I Thiago Almeida Hurtado
o Acidose lática
• ATENÇÃO! A ausência de derrame pleural ou infiltrado pulmonar no paciente severamente
hipovolêmico não exclui o diagnóstico de IVAS! Esses sinais se tornarão evidentes após reidratação.
• ATENÇÃO! O ânion gap aumentado pode indicar hiperlactetemia grave. Para exclusão desse basta
medir o lactato sérico.

5) Tratamento
• As metas do tratamento das crises são:
o Manutenção das vias respiratórias pérvias e, em caso de vômito, indicação de sonda nasogástrica.
o Correção da desidratação
o Correção dos distúrbios eletrolíticos e acidobásicos
o Redução da hiperglicemia e da osmolalidade plasmática
o Identificação e tratamento do fator precipitante.
a) Reposição hidroeletrolítica
• Infusão isotônica de NaCl a 0,9%, em média 15 a 20 mL/kg na primeira hora, buscando-se restabelecer a
perfusão periférica. Em crianças e adolescentes, a reposição hídrica inicial deve ser em média de 20 ml/kg.
• A escolha subsequente de fluidos depende da evolução dos eletrólitos séricos e da diurese. Caso evolua
com hipernatremia, deve-se prescrever solução hipotônica de NaCl 0,45%, em média, 10 a 14 ml/kg/h.
Portanto, devemos repetir a dosagem do sódio sérico após a primeira hora de hidratação!
• Com o início do débito urinário (função renal normal), inica-se a infusão de 20 a 30 mEq/L/h de KCL
19,1%, buscando manter o potássio entre 4 e 5 mEq/L.
• ATENÇÃO! Sempre monitorar os pacientes com falência cardíaca ou renal, devido ao risco de sobrecarga
de fluidos!
• ATENÇÃO! Devido a “pseudo-hiponatremia”, devemos descobrir o valor do sódio verdadeiro através de
correção pela seguinte fórmula.
I Módulo 801 – Problema 01 I Thiago Almeida Hurtado
b) Insulinoterapia
• ATENÇÃO! Devemos apenas iniciar a insulinoterapia caso o potássio seja superior a 3,3 mEq/L, devido
ao risco de arritmias associado à hipopotassemia.
• ATENÇÃO! A insulinoterapia só será eficaz caso medidas para restabelecimento da volemia já estejam
em curso! O início dessa antes da reposição volêmica pode agravar a hipovolemia e precipitar o choque
hipovolêmico (a entrada de glicose nas células espolia o meio intravascular)
• A insulina utilizada depende da gravidade do quadro de CAD:
o Leves/Moderados: insulina regular, via IM, em média 0,1 U/kg/h (máximo de 4U)
o Graves: insulina regular, IV, 0,1 U/kg/h (bomba de infusão)
• A infusão contínua de insulina deve ser mantida enquanto durar a cetonúria ou, preferencialmente, até
normalização do pH. A cetonemia pode ser acompanhada pelo cálculo do ânion-gap, que pode ser
realizado a cada duas horas inicialmente. Com a normalização, passa-se a via subcutânea.
• Atualmente, preconiza-se o uso de baixas doses de insulina, pois isso previne o edema cerebral devido a
correção gradual da glicemia e da osmolaridade.
• Quando a glicose atingir 200 a 250 mg/dL, deve-se iniciar o soro glicosado a 5%, associado a insulina
regular IV contínua a cada 4 horas (0,02 – 0,05 U/kg/h) até a resolução da CAD. Objetiva-se uma queda
média de glicemia de 50 a 75 mg/dl/h. Caso essa queda não ocorra, deve-se dobrar a dose de insulina e
averiguar se a hidratação está ocorrendo de forma adequada.
• Assim que o paciente estiver estabilizado, inicia-se o tratamento padrão para DM1 e dieta normal. Alguns
parâmetros laboratoriais que indicam a estabilização são:
o Glicemia < 200 mg/dL
o Bicarbonato sérico > 15 mEq/L
o pH > 7,3
c) Potássio
• As variações do nível de potássio sérico são o principal fator de risco para os pacientes. A acidose e a
hiperosmolaridade elevam o nível deste eletrólito no sangue, mesmo com uma importante depleção do
potássio corporal total.
• Caso os níveis de potássio estejam < 5 mEq/l, na presença de um fluxo urinário adequado, a reposição
pode ser iniciada!
• Não há consenso acerca da melhor solução a ser utilizada, entretanto, deve-se saber que 1ml de KCL a
10% tem 1,3 mEq e 1ml de KPO4 tem 1,48 mEq. Costuma-se usar o KCL, mas caso seja necessária a
reposição de fosfato, pode ser utilizado 1/3 do total em fosfato monopotássico 20% e o restante em KCL
10%.
o Se < 3,3 mEq/l → 40 mEq de potássio
o Se > 3,3 e < 5,0 mEq/l → adicionar 20 a 30 mEq de potássio por soro
o Se > 5 mEq/l → checar potássio de 2/2h e não fazer nada
I Módulo 801 – Problema 01 I Thiago Almeida Hurtado
d) Bicarbonato
• Geralmente não é recomendada de rotina, sendo usado apenas em casos graves de pacientes adultos
com acidose pH < 6,9.
• A dose preconizada é de 50 a 100 mmol, diluídos em solução isotônica de 400 ml.
• Deve-se atentar para possíveis complicações, como hipocalemia, acidose liquórica paradoxal, edema
cerebral e anóxia tecidual.

e) Fosfato
• Sua reposição é feita apenas em casos de extrema depleção desse íon, com manifestações clínicas graves,
como ICC, IRA e hipóxia.
I Módulo 801 – Problema 01 I Thiago Almeida Hurtado

6) Complicações
• Podem se dever a própria cetoacidose ou consequentes ao tratamento.
o Doença: infecção, hipertrigliceridemia grave (> 1,000 mg/dL), pancreatite aguda
o Tratamento: hipoglicemia e hipopotassemia (insulina),síndrome do desconforto respiratório
agudo, edema cerebral, acidose metabólica hiperclorêmica
a) Edema cerebral
• Complicação rara, geralmente ocorre em crianças com cetoacidose, entretanto, apresenta uma taxa de
mortalidade que pode exceder 70% (herniação de tronco e parada cardiorrespiratória)
• Fatores de risco: DM1 recém diagnosticada, HCO3 baixo, baixa pCO2, valores aumentados de ureia
sanguínea
• Fisiopatologia: na tentativa de manter um gradiente osmótico adequado, as células do SNC produzem
substancias osmoticamente ativas em seu interior. Durante a ressuscitação volêmica, há uma queda brusca
da osmolaridade sérica, ocorrendo um influxo maciço de líquido para o interior da célula, levando ao
edema cerebral, cuja intensidade é diretamente proporcional à velocidade da reidratação e a quantidade
de sódio ofertada.
• Quadro Clínico: piora do nível de consciência algumas horas após o início do tratamento, cefaleia súbita
de forte intensidade, incontinência, vômitos, agitação, desorientação, alteração de sinais vitais...
• Diagnóstico: TC ou RM de crânio.
• TTO: medidas de suporte (manitol + VM) e lentificação da correção do desequilíbrio hidroeletrolítico

b) Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo


• Fisiopatologia: queda da pressão coloidosmótica intravascular, com consequente aumento da pressão
capilar pulmonar devido a aumento da volemia e consequente extravasamento para o interstício alveolar.
• DX: monitorização com cateter de Swan-Ganz

c) Acidose Metabólica Hiperclorêmica


• Acidose com ânion-gap normal que aparece após a correção das alterações metabólicas, geralmente
agravada pelo excesso de cloro injetado na ressuscitação.
I Módulo 801 – Problema 01 I Thiago Almeida Hurtado
• Desaparece espontaneamente com o controle da diabetes.

d) Mucormicose
• É uma micose grave, causada por fungos saprófitas, que invadem as vias aéreas superiores e,
posteriormente, o seio cavernoso e o cérebro
• São mais comuns em pacientes imunossuprimidos.
• QC: eliminação de secreção enegrecida pela cavidade nasal
• TTO: anfotericina B e debridamento de áreas necrosadas

e) TVP
• Há um risco aumentado de eventos trombóticos devido a desidratação e aumento da viscosidade e
coagulibilidade sanguínea
• TTO: heparina profilática para pacientes em coma, com idade > 50 anos ou fatores de risco para trombose.

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