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Habilidades Sociais no Autismo Leve II
Mateus Brasileiro

Os Diferentes Settings nos quais o Treino de Habilidades Sociais Podem


Ocorrer
Quando se utiliza o termo setting aqui, não se está referindo apenas ao
local físico, mas a uma configuração mais ampla de organização do treino. De
uma maneira bem genérica, se está dividindo as intervenções em habilidades
sociais em duas grandes configurações diferentes (apesar de
complementares): o Treino por Tentativas Discretas (TTD ou DTT em inglês) e
os Treinos Naturalísticos. A seguir, cada um destes será apresentado e
discutido.

Treino por Tentativas Discretas (DTT)


De acordo com Weiss, Hilton e Russo (2017), o DTT “é um método de
instrução que permite instruções altamente individualizadas e a rápida
apresentação de objetivos em unidades discretas” (p. 155). Em outras
palavras, é uma forma de organizar o ensino de habilidades, no qual o instrutor
dá início à situação de treino, apresentando uma instrução qualquer a
depender do objetivo sendo trabalhado, o aprendiz deverá emitir uma resposta,
que, por sua vez, deverá ser reforçada (em caso de resposta correta) ou
corrigida (em caso de resposta incorreta). A este tipo de organização no qual o
momento de treino de um comportamento alvo tem claramente um início
(instrução), meio (a resposta) e fim (a consequência), dá-se o nome de
unidades discretas.
É uma característica deste tipo de treino a capacidade de grande
repetição das unidades de aprendizagem em um curto período, um aspecto
que é extremamente importante, pois vários indivíduos com TEA não
conseguiriam adquirir certos repertórios sem múltiplas oportunidades de treino.
E “por esta razão, DTT tem sido uma técnica instrucional fundamental
para ensinar indivíduos com autismo, e tem sido reconhecida como uma forma
importante de transmissão de conhecimento, principalmente quando a
motivação é baixa” (Weis, Hilton & Russo, 2017, p. 155).

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Apesar de sua atestada eficácia, tem-se advogado que o DTT é mais
indicado para repertórios mais simples e que o Treino de Habilidades Sociais
deveria abandonar esta estratégia, sugerindo-se até mesmo que a análise do
comportamento aplicada (ABA) não seria a abordagem ideal para tal fim.
É, de fato, compreensível que a utilização de DTT seja contestada para
o ensino de habilidades sociais, afinal de contas, se está falando de uma área
(HS), na qual os objetivos não são facilmente definidos e estão constantemente
mudando e, além disso, um repertório socialmente hábil, geralmente inclui a
demonstração espontânea de habilidades em situações novas e não treinadas.
No entanto, uma variedade de habilidades sociais pode ser ensinada
através de DTT, aproveitando-se suas principais vantagens, ao mesmo tempo
que senta contrabalancear suas limitações (Weiss, Hilton & Russo, 2017). A
literatura é rica em exemplos de sucesso neste tipo de treino: ensino de
comportamento afetivo (Dequinzio, Townsend, Sturmey & Poulson, 2007;
Gena, Cpuloura & Kymissis), aumento de interações e iniciações sociais
(Garcia-Albea, Reeve, Reeve, & Brothers, 2014; Garfinkle & Schwartz, 2002;
Groskreutz, Peters, Groskreutz, & Higbee, 2015), ensino de compartilhamento
de objetos (Marzullo-Kerth, Reeve, Reeve, & Townsend, 2011), Empatia
(Schrandt, Townsend, & Poulson, 2009) etc.

Algumas aplicações do DTT junto ao treino de habilidades sociais

1. Dicas dentro do DTT


Existem inúmeras formas de se apresentar dicas e hierarquia de dicas
dentro de um procedimento de tentativas discretas. Um que parece
especialmente útil para o ensino de habilidades sociais é o atraso de dicas
progressivo, em especial em habilidades que exigem modelação verbal
(Delprato, 2001). Neste formato, o instrutor apresenta uma determinada
situação na qual o aprendiz deve emitir uma resposta verbal de interação com
uma outra pessoa. Neste momento, o instrutor fornece um modelo da resposta
que deve ser emitida e o aprendiz deve repeti-la, sendo reforçado. A retirada
da dica, neste caso, deverá ser por atrasos sucessivos da apresentação do
modelo por parte do instrutor. Ou seja, se nas primeiras tentativas ele já
apresenta a dica de forma imediata, à medida que o aprendiz consegue emitir a

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resposta correta, o instrutor passa a esperar 1 segundo antes de fornecer a
disca, depois 3 segundo e assim sucessivamente, até que o aprendiz não
necessite mais da dica e já emita a resposta esperada de forma independente.
Este procedimento tem tido sucesso em produzir inúmeros repertórios
sociais diferentes e tem demonstrado diminuir a dependência de dica por parte
do aprendiz.
Uma outra maneira de fornecer dica verbal do que deve ser falado em
uma situação social é a utilização de scripts. Dada uma determinada situação à
qual o aprendiz será submetido, o instrutor prepara um texto contendo as
respostas verbais que deverão ser utilizadas. O aprendiz, então, lê e fala o que
está escrito e à medida que vai tendo sucesso naquela situação específica o
seu scrip vai sendo gradualmente apagado. A esta estratégia dá-se o nome de
script fading.
Um outro tipo de dica comumente usada e bastante eficaz é a
videomodelação. Este tipo de estratégia é interessante, pois pode não apenas
apresentar a resposta que é esperada do indivíduo com TEA, mas toda a
situação antecedente e consequente. Ou seja, no vídeo pode estar contida a
situação na qual a interação social é necessária, permitindo, portanto, que o
aprendiz identifique quando aquela resposta específica deve ser emitida, bem
como o tipo de consequência social que normalmente se segue no caso de
emissão de resposta adequada. Este tipo de apresentação chama-se formato
baseado em tentativa.
Por fim, Weis, Hilton e Russo (2017), chamam atenção para um aspecto
bastante importante na manutenção do repertório social ensinado, sem que
seja necessário continuar-se recorrendo a dicas posteriores, o Tempo entre
Tentativas Progressivo. Os autores defendem que, inicialmente, para a
aquisição de uma dada habilidade via DTT, é muito importante que esta seja
treinada múltiplas vezes em sequência. No entanto, uma vez que a habilidade
é adquirida, deve-se espaçar o tempo entre as tentativas de treino. Por
exemplo, inicialmente o tempo entre as primeiras tentativas deve ser de poucos
segundos, que com o tempo vão gradualmente aumentando, até que, ao fim, já
se decorras vários minutos entre uma tentativa e outra. Em outras palavras,
tentativas consecutivas podem ser muito importantes para a aquisição de uma

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habilidade, mas o espaçamento dessas tentativas podem ser necessárias para
sua manutenção adequada.

2. DTT para Aumentar a Capacidade de Aprendizagem Observacional e de


se Produzir Regras Sociais.
Duas formas importantes de aprendizagem social são a observação e a
capacidade de se gerar regras. Ou seja, uma criança que observa o que seus
pares fazem em uma determinada situação, bem como suas consequências e,
apenas através disso, é capaz de adquirir novas habilidades, está aprendendo
por observação, o que tende a aumentar exponencialmente a sua capacidade
de adequação ao ambiente social, mesmo sem a interferência de um instrutor.
E o mesmo pode ser dito quando esta mesma criança é capaz de
descrever as contingências nas quais ela e/ou outras pessoas estão inseridas.
Ou seja, além de viver a contingência em si, a criança passa a ser capaz
de descrevê-la (ex. percebi que toda vez que eu falo enquanto alguém está
falando, esta pessoa parece ficar irritada), a isto dá-se o nome de regra (a
descrição de uma relação de contingência) e a capacidade de gerar regras,
assim, como na aprendizagem observacional aumentam a capacidade do
indivíduo de se adaptar ao seu ambiente de forma independente.
Mas e onde entra o DTT aqui? O fato é que as estratégias de tentativa
discreta podem ser utilizadas para mais do que ensinar respostas específicas a
uma situação. Podem ser também utilizadas para melhorar a aprendizagem por
observação e/ou a capacidade de descrição de regras sociais. Por exemplo, o
instrutor pode apresentar uma situação problema para a criança e pedir que ela
lide com aquela situação, apresentando como dica apenas a capacidade dela
observar outras crianças lidando com a situação em si. Ou seja, a criança em
questão está sendo ensinada não a resolver a situação, mas como observar
seus pares para encontrar informações sobre como resolver inúmeras
situações problemas que se apresentam no dia a dia. E estratégias
semelhantes podem ser utilizadas para o ensino de descrição de
contingências. O instrutor pode, por exemplo, apresentar um vídeo de uma
interação social e através de perguntas pode ir ensinando a criança a
descrever os antecedentes, as respostas emitidas e as consequências para

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cada resposta em questão. Ou seja, nessa situação, estar-se-ia utilizando o
DTT para ensinar a crianças a descrever regras sociais mais precisas.
Por fim, duas estratégias muito importantes para o treino de habilidades
sociais são, em sua essência, estratégias de tentativas discretas: o Behavioral
Skills Training (BST) e o Teaching Interaction Procedure (TIP). Mas estes serão
discutidos na aula 4 do módulo 2.

Treinos Naturalísticos
Existem diferentes formatos de treinos naturalísticos e aqui serão
apresentados rapidamente 2, Treino Incidental e Treino de Respostas Pivotais
(PRT). Mas essencialmente, qualquer treino naturalístico deve envolver as
seguintes características: (a) basear-se na motivação corrente da criança; (b)
criação de situações nas quais a criança inicie a situação que possibilite a
aprendizagem; (c) utilização de reforçadores naturais sempre que possível.
Defende-se a utilização deste tipo de ensino para o treino de habilidades
sociais, pois, justamente por partir da motivação do indivíduo e por ser menos
estruturado, ele pode produzir maior variabilidade e generalização. A seguir,
serão brevemente apresentados os dois tipos de treinos naturalísticos citados
anteriormente.

1. Treino Incidental
De acordo com Alai-Rosales, Toussaint e McGee (2017), o treino
incidental é um tipo de instrução contextualizada no qual, a partir de
oportunidades que estão naturalmente ocorrendo (incidentes) e da identificação
do que o indivíduo quer nesta situação, aproveita-se para ensinar uma resposta
para que a criança consiga obter exatamente o que ela está querendo. Imagine
o seguinte exemplo: uma criança está brincando de montar um castelo de
blocos e agora falta a peça final triangular para montar a torre do castelo. Neste
momento, o instrutor, que está bastante atendo à motivação corrente da
criança e às oportunidades que se apresentam (incidentes) para que ele possa
ensinar aqueles objetivos estabelecidos no plano de ensino do seu aprendiz,
pega a peça triangular, mostra para a criança e pergunta “o que você quer?”,
dando, logo em seguida, o modelo verbal “triângulo”. A criança, então, emite a

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resposta verbal “triângulo”, recebe a peça e termina seu castelo.
Neste momento você deve estar pensando como este exemplo parece
bastante com exemplos de DTT que conhece, não é mesmo? E você não está
errado, pois muitas estratégias utilizadas são comuns às duas formas de
ensino. Em ambas, por exemplo, há um antecedente claro, há objetivos de
ensino bem definidos, o instrutor pode dar dicas (e posteriormente fazer o
fading out delas) para garantir que a resposta alvo ocorra e pode fornecer
consequências ao final da emissão da resposta. Mas o exemplo também deixa
claras as 3 características principais de um treino incidental e que irão,
inevitavelmente, marcar sua diferença em relação dá um treino de tentativas
discretas. A saber, essas características são: (a) o início da situação de
aprendizado dá-se a partir da preferência da criança, de algo que ela queria
obter no momento, não de uma instrução arbitrária dada pelo instrutor; (b) o
instrutor, para poder ensinar, deve estar extremamente focado na criança,
observando suas vontades e necessidades, para, apenas a partir disso,
aproveitar as oportunidade e treinar os comportamentos alvo pré definidos no
plano de ensino; (c) a consequência deve ser diretamente relacionada à
motivação corrente da criança, evitando-se reforçadores arbitrários.
O treino incidental, portanto, exige que o instrutor esteja sempre se
ajustando às oportunidades que se apresentam e à criança em si. No entanto,
é errado imaginar que os treinos naturalísticos prescindem de planejamento e
preparação. Se, por um lado, o instrutor pode e deve se aproveitar de situações
correntes não planejadas, ele deve também (1) preparar situações nas quais
oportunidades para treino possam eventualmente surgir e (2) introduzir
intencionalmente eventos nos quais o acesso ao reforçador é regulado por ele.
Para que isto fique mais claro, vamos a um exemplo de habilidades
sociais utilizando-se o treino incidental.
Um paciente adora ir à loja de brinquedos no shopping, aonde quase
sempre vai com seus pais. Seu terapeuta resolveu ir ao shopping com ele, no
entanto, para poder trabalhar alguns objetivos específicos, dentre eles, o de
pedir informações. Lá chegando, o terapeuta informa que ele não sabe chegar
até a loja de brinquedos e que eles terão que perguntar a alguém. Neste
momento, a partir da situação que fora, de certa forma, induzida pelo terapeuta,

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apresenta-se a primeira oportunidade de treino: como identificar uma pessoa
para quem eu possa pedir informações? A partir de dicas dada pelo terapeuta,
a criança identifica um segurança do shopping pela sua roupa. Neste momento,
apresenta-se um segundo incidente (necessidade de se conseguir informação
com o segurança do shopping), que, por sua vez, traz consigo uma segunda
oportunidade de treino: realizar o pedido adequadamente ao segurança. Ou
seja, tudo partiu da motivação da criança, mas o terapeuta não foi passivo, ele
criou situações as quais ele sabia que uma dada motivação existiria e que, a
partir delas, ele poderia trabalhar determinadas habilidades específicas com
seu paciente. De forma semelhante, ele poderia pegar um objeto que ele sabe
que tem potencial valor reforçador para seu paciente e entregar para uma outra
criança, de forma que, para que seu paciente tenha acesso a este item, ele terá
que se aproximar e interagir com a criança em questão. Mais uma vez, o treino
é incidental, mas o terapeuta mantém-se ativo na criação dos incidentes e,
desta vez, também no controle dos reforçadores.

2. Treino de Resposta Pivotal (PRT)


Como mais um exemplo de treino naturalístico, o PRT mantém as
características apresentadas anteriormente para este tipo de setting. A sua
característica especificadora, no entanto, está justamente no foco em
determinados objetivos, chamados de respostas pivotais, o que confere o nome
a este treino em si.
Por respostas pivotais, entende-se aquelas habilidades que são
consideradas como centrais para o desenvolvimento de outras habilidades.
Atenção ao outro, por exemplo. Esta é uma habilidade, mas que é essencial
para que outras inúmeras habilidades sejam aprendidas. Logo, é uma resposta
pivotal. No caso das habilidades sociais, Vernon (2017) colocar que o PRT “é
um pacote de intervenção compreensivo para tratar as habilidades de
comunicação centrais associadas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA)”
(p. 187). Aqui serão apresentadas algumas áreas consideradas pivotais no
desenvolvimento social.
• Motivação social: por motivação social pode-se entender muita coisa,
mas aqui se está falando da busca pelo outro. Por interagir com ele, estar perto

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etc. Inicialmente, pode-se ensinar a importância da interação com o outro
criando-se situações nas quais o indivíduo, para conseguir algo que quer,
precisa primeiro acessar uma outra pessoa. Apesar de se poder dizer que isto
seria o início do desenvolvimento de uma motivação social, deve-se considerar
que esta deveria ir além do uso da linguagem para satisfazer suas
necessidades. Desenvolver plenamente a motivação social, significa que
devemos criar condições que permitam que o mero contato e a troca de
experiência com o outro sejam reforçadores condicionados.
• Iniciação social: muitas vezes crianças com autismo possuem o
repertório linguístico necessário para interagir com outras pessoas, mas só o
fazem quando requisitadas. Enquanto para qualquer formato de intervenção
este seria um objetivo (aumento da iniciação espontânea) que requereria
atenção do instrutor, no PRT torna-se um objetivo essencial, pois observa-se
que é um importante preditor do desenvolvimento social futuro. De acordo com
Vernon (2017), as principais estratégias utilizadas pelo PRT para promover as
iniciações são a combinação de motivação e fading out de dicas através do
atraso de dica.
• Interação com pares: aqui, as estratégias do PRT são utilizadas para
que, ao se colocar crianças em contato umas com as outras, possa-se criar
condições para que todas tenham sua vez de falar, consigam ouvir e alternar
seus interesses com os interesses dos outros.
• Autogerenciamento: uma área bem complexa, que envolve a capacidade
de perceber e descrever seus comportamentos, seus efeitos sobre os outros,
seus sentimentos e utilizar estratégias de autorregulação.

Por fim, é importante deixar claro que não se quis aqui esgotar as
possibilidades de habilidades pivotais para a socialização. Outras como contato
visual e afeto positivo também poderiam estar incluídas. Os exemplos acima
foram utilizados apenas como uma forma de (1) apresentar algumas áreas de
interesse de intervenção e (2) caracterizar mais adequadamente o treino de
respostas pivotais. Para um maior aprofundamento, sugere-se a leitura do livro
de Koegel e Koegel (2012) e o capítulo de Vernon (2017).

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Estratégias para o Treino de Habilidades Sociais
Seria um objetivo extremamente pretensioso tentar apresentar aqui uma
proposta geral para treino de habilidades sociais para pessoas com TEA.
Primeiro, pois, como já ressaltado na sessão anterior, qualquer
intervenção deste tipo deverá levar em consideração as possibilidades e
necessidades de cada indivíduo, a partir de uma avaliação inicial cuidadosa.
Mas principalmente porque, a despeito do avanço na produção de
conhecimento sobre a aquisição e o ensino de habilidades sociais, ainda
estamos alguns passos aquém do desenvolvimento tecnológico necessário
para a proposição de um manual que possa ser considerado baseado em
evidências, como já existe para outras áreas de intervenção (Rao et al., 2008;
Weiss & Harris, 2001). Assim, o que o presente capítulo traz nesta sessão são
alguns princípios/procedimentos gerais de modificação do comportamento,
apresentados à luz de déficits nas habilidades sociais que são comumente
observados em indivíduos com autismo, e alguns exemplos de intervenções
encontrados na literatura ou da própria experiência profissional dos autores.

3.1. Estratégias Respondentes


Ao se falar aqui de estratégias respondentes, estamos apenas nos
referindo àqueles procedimentos que envolvem basicamente o estabelecimento
(ou quebra) de uma relação estímulo-estímulo, podendo o resultado destes
serem voltados também (e muitas vezes o são) para o comportamento
operante1.
Uma das características marcantes no déficit de habilidades sociais de
pessoas com o TEA é o que se chama tradicionalmente de “restrição de
interesses”. Dito de outra forma, parece existir um número reduzido de
estímulos no ambiente que funcionam como reforçadores, o que pode
atrapalhar as interações sociais desses indivíduos de pelo menos duas formas:
(i) indiretamente, pois a restrição de interesses diminui a probabilidade de
aproximações e trocas com outras pessoas; (ii) diretamente, pois vários
reforçadores que são essenciais para o estabelecimento e manutenção de

1Michael (1983) se referiu a estas relações (procedimentos respondentes que exercem efeitos
sobre o comportamento operante) como híbridas.

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interações sociais (ex. elogios, aprovação, proximidade física de pares etários),
podem não ter nenhuma função comportamental.
Uma preocupação inicial da intervenção, portanto, seria justamente a
criação de novos reforçadores (especialmente daqueles de origem social), o
que pode ser feito a partir de uma relação sistemática entre os interesses que o
indivíduo já tem com outros eventos ambientais que pouco parecem afetar o
seu comportamento. Por exemplo, a utilização de jogos de vídeo game
(atividade comumente de alta preferência para crianças e adolescentes) em
consultório tem se mostrado extremamente eficaz para produzir a presença do
próprio terapeuta como um estímulo reforçador. Em muitos casos a interação
inicial com o cliente ocorre quase que exclusivamente durante a utilização do
recurso em questão – em geral, escolhe-se jogos aos quais o cliente tenha
pouco acesso para garantir que a presença do terapeuta esteja o mais próximo
possível de uma relação de contingência com um reforçador poderoso. No
entanto, a retirada gradual da utilização dos jogos eletrônicos acaba mostrando
que a mera interação com o terapeuta parece, na maior parte dos casos, ser
suficiente para sustentar a interação e até mesmo o engajamento em
atividades de baixa preferência, sugerindo uma transferência de função
reforçadora.
Uma outra utilização das estratégias respondentes ocorre quando o
cliente apresenta respostas de fuga/esquiva em relação a algum estímulo
social importante. Nestes casos, a função do terapeuta seria de criar condições
para que uma possível relação entre o estímulo social relevante e outras fontes
de controle aversivo fosse quebrada.
Koegel et al. (2004), por exemplo, descrevem um procedimento de
dessensibilização sistemática no qual três crianças que estavam emitindo
respostas de esquiva em relação a situações sociais relevantes (áreas comuns
da escola e presença de membros da família) devido à sua relação com certos
sons (essas crianças são descritas como tendo hipersensibilidade auditiva). Ao
longo do experimento, as crianças foram expostas a situações que iam apenas
gradualmente se assemelhando àquelas evitadas, enquanto os
experimentadores tomavam especial cuidado para controlar a exposição a sons
aversivos, e, ao final da pesquisa, todas elas não apenas passaram a se expor

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às situações anteriormente evitadas sem emitir respostas de esquiva, como
também a tolerar os sons que antes apresentavam função aversiva.
Intervenções como esta podem ser necessárias no início de um treino de
habilidades sociais, em especial quando as respostas de fuga/esquiva
competem com as respostas de exposição que seriam necessárias para a
construção de habilidades sociais.

3.2. Ensino de Regras Sociais


Uma maneira que frequentemente se mostra bastante útil ao se iniciar o
ensino de novas habilidades é o estabelecimento de regras sociais, visto que
uma descrição do que fazer e quando fazer em uma determinada situação
social pode ajudar o indivíduo com TEA na aquisição mais rápida de repertórios
finais complexos e/ou a colocar tais comportamentos sob controle de estímulos
adequado. Serão aqui descritas e exemplificadas três estratégias possíveis
para este fim: utilização de scripts, histórias sociais e facilitação/modelagem de
auto regras.

3.2.1. Utilização de scripts


McClannahan e Krantz (2005) definem scripts como qualquer material
(gravação de áudio, palavras escritas, frases, sentenças, figuras etc.) que
decomponham em passos menores o que uma pessoa deve fazer em uma
dada situação social, a fim de ensiná-la a se aproximar, iniciar e responder a
outras pessoas. A partir desta definição, pelo menos dois aspectos merecem
ser destacados: (i) as diferentes formas que os scripts podem tomar permitem
que o terapeuta adeque o tipo de material utilizado ao repertório verbal do
aprendiz; (ii) a utilização scripts não tem como foco o ensino da linguagem,
mas sim ajudar indivíduos com autismo a se engajarem em trocas sociais de
forma independente. Este último aspecto talvez seja o principal motivo de esta
ter se tornado uma estratégia tão comumente descrita na literatura de análise
do comportamento aplicada. Uma vez que os scripts podem ser considerados
como um tipo de dica que não dependem da presença física do terapeuta e
(talvez até por isto) relativamente fácil de ser esvanecida, o comportamento do
indivíduo tende a ficar mais rapidamente sob controle do ambiente social
natural.

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Em um dos primeiros trabalhos com a utilização de scripts para
aumentar a interação social de indivíduos com autismo, Krantz e McClannahan
(1993) delinearam um procedimento que tinha como objetivo ensinar quatro
crianças a iniciar interações verbais com seus colegas de classe. Durante
atividades de arte, quando as crianças chegavam à mesa, elas encontravam
um script com uma mistura de 10 perguntas e afirmações. Inicialmente elas
eram incentivadas pelo professor a ler o script direcionando a fala para um de
seus colegas. Posteriormente esta ajuda foi retirada e iniciou-se também o
esvanecimento do próprio script. Como resultado, todas as crianças
aumentaram consideravelmente a quantidade de vezes que iniciava diálogos
com seus pares, mesmo após dois meses do fim da intervenção. Além disso,
houve indícios claros de generalização, pois também ocorreram iniciações em
outros settings, com outros materiais e até mesmo algumas que não haviam
sido ensinadas através dos scripts.

3.2.2. Histórias Sociais


De acordo com Weiss (2013), “histórias sociais são descrições breves
de expectativas que são explicadas no contexto de uma história criada por um
indivíduo para descrever um cenário específico que o aprendiz encontrará” (38)
e têm sido utilizadas especialmente para explicar as expectativas de uma
situação social complexa, para situações de medo e para redução de
comportamentos problema.
A partir de uma análise feita do conteúdo de diversas histórias sociais,
Barry e Burlew (2004) sugerem alguns dos componentes que podem fazer as
histórias sociais efetivas:
a) Utilização de um personagem com o qual a criança pode se relacionar (pode
ser, inclusive, a própria criança) para funcionar como um modelo social;
b) Descrição dos comportamentos, pensamentos e sentimentos do
personagem enquanto ele se engaja nos comportamentos alvo descritos na
história;
c) Utilização de análise de tarefa para quebrar os comportamentos alvo em
pequenos passos;

d) Utilização de figuras em conjunto com o texto;

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e) Observação de alguns cuidados metodológicos na utilização das histórias
sociais;
i) A história deve ser repetida diversas vezes;
ii) O aprendiz deve ser estimulado a se engajar em atividades nas quais pode
praticar os comportamentos alvo descritos e a relembrar a história antes de
fazê-lo;
iii) Deve-se pedir que o aprendiz revise a história sempre que comportamentos
inadequados ocorrerem ou que comportamentos adequados não ocorrerem,
como uma forma de feedback corretivo.

Por fim, é importante ressaltar aqui que, apesar de sua ampla utilização
clínica (Weiss, 2013) e de ser uma das estratégias mais utilizadas para
descrição e estabelecimento de regras sociais com crianças com autismo
(Gray, 2008), a maioria das diretrizes que vêm sendo apontadas para a
construção e utilização de histórias sociais não foram empiricamente validadas
e carecem de maior investigação (Weiss, 2013; Barry & Burlew, 2004).

3.2.3. Indução e modelagem de auto regras


Até aqui, as duas estratégias descritas para o ensino de regras sociais
podem ser classificadas como do tipo “instrução direta”, no qual uma outra
pessoa descreve para o aprendiz as contingências ambientais em vigor e as
respostas esperadas deste. Porém, como tanto a literatura básica (ex. Catania
et al., 1982) como aplicada (ex. Meyer, 2005) destacam, regras geradas pela
própria pessoa (auto regras) tendem a controlar o seu próprio comportamento
de forma mais efetiva do que regras geradas por outras pessoas. Além disso,
este é um repertório (gerar regras) que pode ajudar a colocar os
comportamentos de observação, descrição e análise das contingências sociais
sob controle dos estímulos sociais relevantes e, consequentemente, conferir
uma maior independência para o aprendiz. Assim, mais do que fornecer regras
já prontas, parece vantajoso, sempre que possível, alocarmos esforços em
modelar o comportamento de indivíduos com TEA de gerar auto regras. Este,
no entanto, não é um repertório fácil de ensinar (especialmente para pessoas
com autismo), e é necessário que estratégias cuidadosas sejam planejadas.

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Uma forma que tem se mostrado bastante útil na experiência clínica dos
autores é iniciar a modelagem de regras sociais com a análise de pequenas
histórias (tirinhas, textos, vídeos etc.). Assim como nas histórias sociais, a
ideia é utilizar materiais e personagens que sejam do interesse do aprendiz
para que se possa realizar uma decomposição dos aspectos relevantes do
ambiente social e uma análise de tarefas dos comportamentos dos
personagens. Diferentes destas, no entanto, o objetivo é que o próprio
aprendiz, e não o terapeuta, faça tais descrições. O terapeuta deveria fazer
perguntas e reflexões que levem o indivíduo a descrever pelo menos (i) a
situação geral que se apresenta, (ii) como o personagem agiu, (iii) o que o fez
agir desta forma (análise de antecedentes), (iv) o que aconteceu como
consequência dele ter se comportado assim, (v) possibilidades alternativas de
ação e (vi) que consequências poderiam ocorrer se o personagem houvesse
agido desta forma. Outras descrições úteis podem incluir, por exemplo, como o
personagem sentiu e/ou pensou antes e depois de agir de uma determinada
maneira.
Após esta etapa inicial, as descrições e análises poderiam passar a ser
realizadas com materiais mais complexos e, em última instância, com situações
sociais reais vividas pelo próprio indivíduo. Em alguns casos – especialmente
quando se confrontar com os próprios déficits comportamentais pode ser muito
aversivo para o aprendiz –, pode ser importante “suavizar” esta passagem,
começando com situações sociais vividas por terceiros, depois com situações
da própria relação estabelecida com o terapeuta (ex. algo que o cliente fez e o
terapeuta gostou ou não gostou) e, apenas posteriormente, com situações mais
complexas (e potencialmente difíceis) do dia a dia do indivíduo (ex. dificuldades
de se manter em diálogos ou fazer amigos).
Apesar da importância atribuída ao ensino das regras, quando se está
falando de um quadro que tem, na sua própria descrição, uma dificuldade na
área de comportamento verbal, sua utilização no trabalho de indivíduos com
autismo pode ter sua eficácia bastante limitada. Até por isto (mas não apenas),
é importante agora tratarmos de dois outros procedimentos importantes para a
aquisição de novas respostas: modelação e modelagem.

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3.3. Modelação
Como o próprio nome sugere, o termo modelação refere-se à
apresentação deliberada de um comportamento (modelo) a ser imitado por
uma outra pessoa. Assim como no caso das regras, a grande importância da
modelação reside no fato de que o aprendiz pode adquirir comportamentos
complexos de forma pronta, algo que, como coloca Lovaas (2003), pode ser
especialmente importante para pessoas com TEA:

A formação e encadeamento de comportamentos [...] podem ajudar


os estudantes com atrasos de desenvolvimento a adquirirem
determinados comportamentos simples tais como sentar em uma
cadeira, soltar blocos em um balde e a seguirem instruções
elementares (ex.: “Venha aqui”). A formação e encadeamento
falharão, ou serão impraticáveis, no entanto, para ajudar o estudante
a adquirir comportamentos complexos tais como brincar com
brinquedos, linguagem receptiva e habilidades sociais. Ensinar os
estudantes com atrasos de desenvolvimento a imitar é um passo
primordial no sentido de ajudá-los a superar seus atrasos. (p. 197)

Assim, apesar de sua aparente simplicidade, estamos falando de um


procedimento que possibilita a instalação de respostas que seriam impossíveis
de serem aprendidas ou levariam muito tempo para isto apenas através da
modelagem. E como ao falarmos de habilidades sociais estamos,
inevitavelmente, falando de comportamentos complexos, temos, pois, na
modelação uma estratégia essencial no treino de tais habilidades.
Antes de mais nada, um comentário merece ser aqui destacado. Muitas
pessoas com autismo apresentarão déficits também nas habilidades de
imitação. Imitar, no entanto, é um comportamento e pode ser aprendido como
qualquer outro. O presente capítulo não se ocupará do ensino da habilidade de
imitação (visto que o foco está na aquisição de habilidades de interação mais
complexas), no entanto, é primordial que o terapeuta, antes de se utilizar de
técnicas de modelação, avalie e, se necessário, intervenha sobre o repertório
de imitação de seu cliente. A mesma consideração é válida na utilização de
regras sociais.
Possivelmente, mesmo que não programemos de forma explícita,
estamos sempre trabalhando com modelação no treino de habilidades sociais,
visto que constantemente estamos fornecendo modelos de interação social,

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seja na relação com o próprio cliente, seja na relação com outras pessoas (o
porteiro do prédio, a secretária etc.). Assim, o terapeuta deveria ter sempre em
mente pelo menos duas questões. A primeira é: que tipo de modelos eu quero
dar para este indivíduo em particular? Cada pessoa (e isto, obviamente, inclui
também os terapeutas) tem sua maneira própria de interagir com os outros,
mas quando parte da nossa função é funcionar como modelo para alguém,
temos que tentar estar, sempre que possível, autoconscientes do tipo de
modelo que estamos dando e se ele é adequado para aquela pessoa. Por
exemplo, um terapeuta pode ter o tom de voz mais baixo, uma prosódia mais
lenta e uma forma um pouco mais contida de interagir, e isto pode ser bastante
útil para ele em diversas situações (algumas pessoas podem se sentir menos
invadidas e mais dispostas a frente alguém assim, por exemplo). No entanto,
ao trabalhar com um cliente cujas demandas estão justamente relacionadas a
características como esta, talvez o terapeuta deva avaliar se não está
fornecendo um modelo de algo que não está funcionando bem na vida daquele
indivíduo.
Uma segunda questão que deve ser levantada é, como me estabeleço
como um modelo para esta pessoa? Em geral, a primeira e mais importante
recomendação é que o terapeuta seja uma fonte importante de reforço para
seu cliente. É muito provável que uma relação terapêutica aversiva vá diminuir
a probabilidade de que o terapeuta seja imitado. Um outro fator é que esteja
explícita a relação entre o comportamento do terapeuta e a produção de
reforçadores. Tendemos a querer imitar aquelas pessoas que têm a
capacidade/possibilidade de acessar reforçadores que são importantes para
nós.
A partir desses cuidados, o terapeuta não apenas terá uma maior
chance de evocar incidentalmente comportamentos sociais relevantes em seu
cliente, como terá maior probabilidade em obter sucesso com intervenções que
façam utilização da modelação de forma programada. Uma forma bem comum
de se fazer isto é executar pequenas tarefas que incluam interações sociais (ir
a uma banca comprar revista, pedir informações para pessoas na rua etc.) e
pedir que o aprendiz faça o mesmo logo em seguida, tomando o
comportamento do terapeuta como modelo.

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Um outro uso programado da modelação para o ensino de habilidades
sociais que tem se tornado bastante comum é a videomodelação. Nela, o
terapeuta deverá definir um comportamento alvo, realizar e validar uma análise
de tarefas deste alvo e fazer um vídeo que possa servir de modelo para que
aprendiz possa emitir o comportamento alvo em seu ambiente natural.
Em um estudo que visou a comparação dos resultados de
videomodelação com os de modelação ao vivo para o ensino de
comportamentos sociais complexos, Charlop-Christy, et al. (2000), ensinaram
cinco crianças diagnosticadas com autismo habilidades de descrição de suas
próprias emoções, brincar (de forma independente, cooperativa e social),
conversação (saudações, despedidas, perguntas e diálogos) e autocuidado
(escovar os dentes e lavar o rosto). Nenhuma das crianças foi submetida a
treino de todas estas habilidades, mas todas foram treinadas em pelo menos
uma (geralmente mais) delas.
Para todas as crianças, um comportamento relacionado a uma destas
habilidades era ensinado através de videomodelação e um outro
comportamento era ensinado através de modelação ao vivo, em ambos os
casos com adultos que lhes eram familiares e que trabalhavam como
terapeutas na escola em que elas estudavam. Os resultados demonstram que
para ambos os tipos de modelação houve aquisição dos comportamentos alvo,
no entanto aqueles comportamentos utilizados a partir do uso da
videomodelação foram aprendidos de forma mais rápida e apenas para eles
ocorreu generalização (entre diferentes estímulos, pessoas e settings). Para
explicar estes achados, os autores apresentam as seguintes hipóteses:
A. A utilização de vídeo ajuda a contrabalancear a seletividade de
estímulos de crianças com autismo ao colocar o foco da câmera nos estímulos
relevantes;
B. Vídeos estão, em geral, associados a atividades reforçadoras e podem
controlar o comportamento de atenção de crianças de forma mais efetiva;
C. Crianças com autismo tendem a apresentar uma maior tendência a
interações com objetos do que com pessoas;
D. Todas as crianças já haviam passado por treinos de modelação ao vivo
e nunca haviam passado por treinos com videomodelação. E a exposição

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prévia a uma história com uso de modelação ao vivo pode ter sido
inconsistente, selecionado inadvertidamente comportamentos disruptivos e/ou
criado dependência de dicas.

Uma outra possibilidade muito interessante para a utilização de


modelação é estabelecer pessoas importantes no ambiente social natural do
aprendiz como modelos, especialmente seus pares etários. Este procedimento
nem sempre é fácil, pois muitas vezes existe uma história anterior que pode
interferir no treino e requer a colaboração da outra pessoa em questão. De
qualquer forma, retomaremos esta possibilidade adiante ao falarmos de treino
de habilidades sociais em grupo.

3.4. Modelagem
Uma outra forma de promover a aprendizagem e o refinamento de novas
respostas é a modelagem. Catania (1992) define modelagem como:

Modificação gradual de alguma propriedade do responder


(frequentemente, mas não necessariamente, a topografia) pelo
reforço diferencial de aproximações sucessivas a uma classe
operante alvo. A modelagem é empregada para produzir respostas
que, devido a um nível operante baixo e/ou devido à complexidade,
não seria emitida ou seria emitida depois de um tempo considerável.
A variabilidade do responder que segue o reforço geralmente provê
as oportunidades para o reforço de outras respostas que se
aproximam mais de perto do critério que define a classe operante
alvo. A modelagem é uma variedade de seleção operante. (p. 411)

Como dito anteriormente, a definição de classes de comportamentos a


serem instaladas é muito importante e um procedimento de modelagem de
respostas relativas às habilidades sociais não foge disto. O terapeuta precisa
estar atento a variações sutis que podem, futuramente, compor classes mais
complexas de comportamentos e reforçá-las diferencialmente. Para tanto, faz-
se necessária uma clareza nos componentes destas classes. Uma resposta a
um estímulo social que em situações anteriores nada evocou, por exemplo,
pode ser para um terapeuta motivo de reforçá-la diferencialmente, mesmo que
esta tenha sido inadequada para o contexto. O reforçamento da própria
variabilidade do comportamento é extremamente importante para aquisição de
um repertório mais amplo em indivíduos diagnosticados com autismo (Miller &

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Neuringer, 2000). Trabalhar com esta variabilidade produzida pelo
reforçamento exige um olhar longitudinal para o repertório comportamental a
ser construído. Se evidencia, assim, uma diferença nas variáveis de controle
que agem sobre o terapeuta, quando comparado a outras pessoas que podem
vir interagir com o aprendiz. Preocupações apenas com efeitos mais imediatos
do comportamento podem impossibilitar a aquisição de respostas complexas e,
como temos frequentemente observado na prática clínica, oportunidades de
modelagem podem ser desperdiçadas. Glenn (2004) trata da aprendizagem de
novos comportamentos como um fluxo de respostas que ocorrem ao longo do
tempo e são selecionadas por suas consequências e tornam-se mais
prováveis, formando linhagens comportamentais que futuramente podem se
unir formado classes (linhagens) mais complexas. Essa noção de
comportamento como um fluxo é muito útil para trabalharmos com modelagem
de habilidades sociais, pois a criação de pré-requisitos para comportamentos
sociais complexos passa pela capacidade do terapeuta de ficar sob controle de
variações (por vezes sutis) no comportamento do cliente e consequência-las
adequadamente.
Assim como na modelação, podemos utilizar a relação com o terapeuta
como uma ferramenta para a modelagem de habilidades sociais. Inúmeras
situações ocorrem em uma sessão onde se pode reforçar aproximações
sucessivas dos nossos clientes a comportamentos relevantes em sua vida
social, como por exemplo, observações a respeito do estado emocional do
terapeuta, sobre o ambiente físico do setting terapêutico etc. Discussões sobre
jogos, livros, filmes e afins também podem ser utilizadas para modelar
comportamentos verbais mais adequados, com a vantagem de o terapeuta
poder criar as contingências para evocar e consequênciar as respostas de seu
cliente com mais controle, uma vez que ele mesmo é o principal interlocutor
neste tipo de treino.
Quando existe uma dificuldade em trazer para o treino pessoas que
interagem cotidianamente com nosso cliente (pais, colegas, professores, por
exemplo), o Role Play é uma técnica útil na modelagem de respostas de
interação, onde o terapeuta pode simular o comportamento provável de outra
pessoa. Vale lembrar que, em se tratando de um ambiente social, as

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contingências podem ser diferentes das previstas pelo terapeuta e o
comportamento simulado por ele pode ser diferente do encontrado pelo cliente,
sendo então importante no Role Play, o treino de uma variedade de respostas
e contextos, buscando uma aproximação com uma situação “natural”.
Uma das estratégias utilizadas com o objetivo de modelar
comportamento socialmente habilidoso é o treino incidental, onde a interação é
iniciada pelo aprendiz e o terapeuta se utiliza desta oportunidade para
instalar/refinar respostas mais adequadas. Pode haver uma preparação prévia
do ambiente para que aumente a probabilidade da interação desejada e do
valor reforçador da mesma. Frequentar lugares, utilizar jogos, livros etc. com os
quais o cliente tem uma história prévia de reforçamento positivo, por exemplo,
pode ser uma boa maneira de gerar oportunidades para o treino incidental.
Esta modalidade de treino pode também ser realizada por pais,
professores e pares etários e demonstrou ter eficácia no aumento da
frequência e da qualidade da interação de crianças com TEA com seus colegas
de escola (Mcgee et al., 1992).

4. Generalização
Quando falamos sobre qualquer intervenção comportamental que tem
por objetivo uma melhoria na qualidade de vida de um indivíduo, generalização
tem de ser uma preocupação central do terapeuta. Um comportamento social
adequado que não extrapola a situação de treino, pouco ou nenhum efeito tem
sobre o cotidiano de quem o aprendeu e indica uma falha ou limitação do
procedimento em questão, uma vez que estamos buscando (especialmente em
se tratando de habilidades sociais) construir um repertório que amplie o acesso
a reforçadores mediados por outros. Pode se dizer que uma mudança
comportamental tem generalidade se ela se demonstrar durável ao longo do
tempo, se aparecer em uma ampla variedade de ambientes, ou se ela se
irradiar para uma ampla variedade de comportamentos relacionados (Baer et
al. 1968). Ainda nas palavras de Baer et al. (1968) generalização deve ser
programa, não esperada ou lamentada.

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Algumas possíveis estratégias podem ser empregadas na tentativa de
produzir a generalidade desejada no repertório de nossos clientes:

A. Treino em diferentes settings e com diferentes terapeutas.


B. Treino de pessoas importantes no ambiente sociais do indivíduo (ex.
pais e pares).
C. Tarefas de casa.
D. Exposição a situações mais naturalísticas.
E. Treinos em grupo.

Um dos objetivos principais de nossa última aula é apresentar duas


estratégias específicas de intervenção, que, na verdade, talvez possam ser
compreendidas mais como dois pacotes de intervenção, uma vez que trazem
uma mescla de diversas estratégias combinadas, como regras, modelação e
modelagem. Estas duas estratégias são o Behavioral Skills Training (BST) e o
Teaching Interaction Procedure (TIP). Ambas têm vasta literatura relatando sua
eficácia em diversas áreas de atuação, como treino parental, treino de equipe
e, de nosso maior interesse aqui, treino de habilidades sociais. São, portanto,
estratégias de intervenção amplamente baseadas em evidência. A seguir, uma
apresentação resumida de cada um desses pacotes de intervenção.

Behaviora Skills Training (BST):


De acordo com Miltenberger (2016), o BST é um método que consiste
no uso combinado de estratégias de instrução, modelação, ensaio e feedback.
Nele, portanto, o instrutor fornece condições para que o aprendiz emita as
respostas ou cadeia de respostas corretamente, fornecendo uma descrição das
respostas esperadas em uma situação social, bem como um modelo da
execução dessas respostas. Posteriormente, fornece também uma
oportunidade para que o aprendiz pratique estas habilidades, enquanto vai
modelando seu repertório através de feedbacks (para acertos e erros). Pode-se
dizer, portanto, que o BST, é um arranjo combinado do uso de regras
(descrição das respostas a serem emitidas em uma dada situação), modelação
(quando o instrutor demonstra como as respostas devem ser emitidas) e

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modelagem (no momento em que o aprendiz pratica e recebe feedbacks),
assim como demonstrado na Figura 1.
Agora, algumas considerações adicionais sobre cada um dos passos do BST:
• Instruções
• Devem ser dadas em termos que o aprendiz possa atender. Devem,
portanto, ser adequadas às capacidades receptivas do ouvinte, inclusive
utilizando-se recursos adicionais, como figuras;
• Devem ser dadas por uma figura de autoridade na vida do aprendiz,
como pais ou professores;
• Instruções só devem ser fornecidas quando o aprendiz estiver prestando
atenção adequadamente;
• O aprendiz deveria ser capaz de repetir os passos da instrução
fornecida;
• SEMPRE fornecer um modelo que represente cada passo da instrução.

Figura 1. Esquema representados os passos do BST.

Regra: descrição das respostas esperadas

Modelação: terapeuta encena, demonstrando como fazer

Ensaio: aprendiz demonstra a execução das respostas em roleplaying

Feedback: instrutor reforça e corrige

• Modelação
• O aprendiz já deve ter um bom repertório imitativo
• Pode ser realizada através de modelação ao vivo ou através de outros
recursos, como a videomodelação;
• O comportamento do modelo deve ser seguido por consequências
desejáveis, para que aumente a chance do aprendiz “querer” repetir aquele
modelo;
• O modelo deve ser adequado ao aprendiz. Por exemplo, se você está
ensinando uma criança de 7 anos de idade, aja como uma;

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• Deve-se garantir também a atenção do aprendiz antes de se fornecer o
modelo;
• O modelo deveria ser realizado em um contexto adequado. Por
exemplo, se você está ensinando como cumprimentar uma pessoa ao chegar
em um lugar, crie uma situação exatamente como esta;
• O modelo pode ser repetido quantas vezes forem necessárias.
• Ensaio;
• Deve ocorrer logo depois de terem sido dados instrução e modelo;
• Deve ocorrer também em contexto adequado;
• A resposta deve ser seguida de consequência imediata, reforçamento ou
feedback.

• Feedback
• Em caso de acerto, deve-se ter reforçamento programado;
• Em caso de erro, deve-se fornecer feedback corretivo;
• Feedback corretivo não deve ser confundido com crítica, mas sim um
novo fornecimento de instrução para que o aprendiz tenha maiores chances de
acertar em uma nova tentativa;
• O aprendiz deve repetir o passo incorreto até que consiga fazê-lo
consistentemente de forma adequada.

Teaching Interaction Procedure (TIP)


Assim como o BST, o TIP é um método que combina um conjunto de
estratégias, em especial regra, modelação e modelagem. No entanto, como a
Figura 2 pode mostrar, alguns passos adicionais são acrescentados.
Como demonstrado na Figura 2, o TIP é comporto por 7 etapas, mas a
partir da etapa 4 (análise de tarefas), ele é um método essencialmente idêntico
ao BST. Serão apresentadas aqui, portanto, apenas as primeiras três etapas
do método, a saber: rótulo e identificação, racional e descrição.

• Rótulo e identificação
Como uma forma de garantir atenção e que o aprendiz sabe nomear o que está
aprendendo, o primeiro passo do TIP é justamente o fornecimento do nome da

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habilidade que se está ensinando. Geralmente esta fase acaba quando o
aprendiz é capaz de ele mesmo, dar o nome da habilidade. Então, por
exemplo, se você está ensinando seu aluno a iniciar novos tópicos de
conversa, forneça um rótulo que descreva esta habilidade, como “puxando
novos assuntos” ou “iniciando uma conversa” .

• Racional
Como o próprio nome já diz, a ideia aqui é apresentar a racional da habilidade
sendo ensinada. Ou seja, por que ele deveria aprender isto? Afinal de contas, é
muito comum que o aprendizado ocorra de forma mais tranquila quando a
pessoa sabe por que aquilo em importante em sua vida. Aqui um cuidado, a
racional deve fazer sentido para o aprendiz, não apenas para quem ensina. Por
exemplo, se uma criança adora falar de heróis, por que ela deveria se esforçar
para falar de outros assuntos? Podemos dizer como isso é desagradável para
os outros, mas além disso ser confuso para a criança com TEA (pode ter
dificuldade na tomada de perspectiva, não entendendo como aquilo pode ser
desagradável), talvez seja pouco eficaz. Podemos tentar mostrar para ela como
isso faz com que os colegas se aproximem ou se afastem dela e como isso
pode gerar mais ou menos oportunidades para ele fazer coisas que gosta. Aí
sim estaremos focando na motivação do indivíduo.

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Figura 2. Representação esquemática dos passos do TIP.

Rótulo e • O que vai ser


endinado?
identificação

• Qual a
importância de
Racional se aprender
isso?

• Quando usar esta


Descrição habilidade quais pistas
podemos observar?

Análise de • Como a
instrução do BST
tarefas

Modelação

Prática
(ensaio)

Feedback

Além disso, regras genéricas como “é porque bons meninos agem


assim” provavelmente vão ter pouco efeito motivacional sobre o aprendiz. As
racionais deveriam trazer uma descrição clara das consequências naturais que
acompanham os comportamentos sendo ensinados. Então, racionais não
deveriam conter consequências arbitrárias ou irrealistas. A criança não deveria
aprender a mudar de assunto, porque eu vou dar um chocolate para ela, essa
não é a racional real de porque a habilidade é importante. Nem também
devemos dizer que ao aprender isso essa habilidade, todas crianças vão
querer ser seus amigos, pois rapidamente o aprendiz irá aprender que es

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contingência não é verdadeira.

• Descrição
Aqui o terapeuta começa a apresentar os componentes da habilidade a ser
ensinada, mas ao invés de focar nas minúcias do que deve ser feito (o que
será o foco da próxima etapa), foca-se aqui em estabelecer quando a
habilidade em questão deverá ser executada. No cumprimento eu devo olhar e
saudar a pessoa, mas quando eu devo fazer isso? Que pistas eu posso
identificar no ambiente que me dizem se é ou não o momento de realizar um
cumprimento?
Finalmente, é apenas depois desses três passos que o instrutor deve se
preocupar em descrever detalhadamente a resposta ou cadeia de respostas a
ser emitidas, dar modelo, pedir que o aprendiz pratique e dar feedbacks.

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