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Considerando o objetivo de comparar características, vantagens e desvantagens

das estratégias de ensino incidental e naturalístico versus estratégias de ensino

estruturado, o primeiro tópico retoma a definição de ensino estruturado e aponta as

principais vantagens e desvantagens deste formato de ensino.

Estratégias de ensino estruturado versus naturalístico

No contexto das intervenções comportamentais para indivíduos com TEA

(Transtorno do Espectro Autista) e/ou outros transtornos do desenvolvimento, o ensino

por tentativas discretas (Discrete Trial Training – DTT, e.g., Smith, 2001) tem sido uma

estratégia amplamente utilizada, especialmente após o estudo inicial de Lovaas (1987).

Diferentemente de crianças com desenvolvimento típico, as crianças com TEA, em geral,

apresentam dificuldades para aprender a partir das situações dispostas no ambiente

natural. Nessa perspectiva, o uso de estratégias de ensino estruturado, como o ensino por

tentativas discretas (DTT), tende a favorecer a aprendizagem por “simplificar” o

ambiente, com a apresentação de instruções simples e objetivas e minimizando

“distrações” (Smith, 2001). Por exemplo, no ensino de identificar objetos, o aprendiz

recebe um comando para pegar um objeto, apresentado dentre outros dois objetos

equidistantes. Nesse caso, nenhuma outra instrução, som ou objeto estão presentes na

situação de ensino (ou seja, o ambiente é “simplificado”).

De acordo com Smith (2001), uma tentativa discreta consiste em uma unidade de

ensino composta por cinco componentes: 1) estímulo antecedente 2) dica; 3) resposta; 4)

consequência e 5) intervalo entre tentativas. A seguir, são apresentadas as definições de

cada um dos componentes.


1) Estímulo antecedente: estímulo apresentado pelo terapeuta que antecede a

resposta (por exemplo, instruções, perguntas, modelo) e, em geral, no início

do treino, não ocasiona a resposta-alvo.

2) Dica: estímulo suplementar que ocasiona a resposta-alvo e, portanto, pode ser

apresentado simultaneamente ou logo após o antecedente para evocar a

resposta.

3) Resposta: resposta emitida pelo aprendiz que pode ser independente ou com

dica, além de ser definida como correta ou incorreta (a depender da definição

do comportamento-alvo).

4) Consequência: estímulo apresentado após a resposta, que pode ser um

estímulo reforçador apresentado após uma resposta correta, por exemplo,

elogios, fichas ou itens tangíveis (comestíveis, brinquedos, itens sensoriais);

ou apresentação de procedimento de correção após uma resposta incorreta.

5) Intervalo entre tentativas (IET): intervalo entre a apresentação da

consequência de uma tentativa e o início da próxima tentativa.

Como descrito, o ensino por tentativas discretas envolve a apresentação de

antecedentes por parte do terapeuta, ou seja, o terapeuta inicia a tentativa de ensino. Dessa

forma, no contexto de DTT, o aprendiz constantemente responde às instruções e

comandos do terapeuta. Por exemplo, na tarefa de identificar objetos mencionada

anteriormente, os componentes da tentativa são: 1) o antecedente é o comando “Aponte

X”; 2) a dica pode ser o terapeuta apontar para o estímulo correto; 3) a resposta consiste

em o aprendiz apontar o objeto correspondente; 4) a consequência pode ser um elogio e

o acesso a uma ficha; e 5) o intervalo entre tentativas poderia ser de 3 segundos, seguido

pelo início de uma próxima tentativa.


Entre as vantagens do uso de DTT, podemos citar a sua efetividade para o ensino

de diversas habilidades (entre as quais, seguir instruções, imitar ações, nomear itens,

apontar objetos e figuras); a possibilidade de realizar um número grande de oportunidades

de ensino em uma sessão; estruturação e simplificação do ambiente de forma a minimizar

erros (Smith, 2001).

Por outro lado, o ensino por tentativas discretas apresenta algumas desvantagens,

entre as quais: dificuldade de generalização das habilidades para outros contextos;

necessidade de utilizar reforçadores arbitrários não usuais no ambiente natural;

possibilidade de observar comportamentos com função de fuga e/ou esquiva de demandas

(por exemplo, levantar da cadeira quando o terapeuta apresenta uma demanda ou

instrução, jogar os objetos diante de um comando. Em geral, são comportamentos que

indicam que a demanda/atividade não é de interesse naquele momento.

Em relação à generalização, podemos defini-la como a ocorrência de

comportamentos diante de situações novas ou diferentes das presentes na situação de

ensino (e.g., Cooper et al., 2020, Stokes & Baer, 1977). Nesse sentido, após o ensino de

certos comportamentos, espera-se que estes possam ser demonstrados em situações novas

e no contexto natural e apresentados diante de outras pessoas que não as presentes na

situação de ensino. Retomando o exemplo da habilidade de identificar objetos, após o

aprendiz atingir meta com um conjunto de objetos, é importante avaliar a generalização,

ou seja, se ele irá selecionar outros exemplares dos objetos. Por exemplo, se o aprendiz

aprendeu a selecionar um copo transparente diante do comando “pegue o copo”; um prato

branco diante do comando “pegue o prato” e uma colher de metal diante do comando

“pegue a colher”, seria importante avaliar se ele é capaz de selecionar um novo copo (ou

vários exemplares de copo) diante do comando “pegue o copo” e o mesmo para os demais

objetos. Além disso, seria desejável que o aprendiz também respondesse a comandos
apresentados por outras pessoas, como os pais e a professora (e não apenas o terapeuta

que realizou as sessões de ensino).

Alguns aspectos importantes para minimizar as desvantagens do uso de DTT em

relação à generalização incluem garantir uso de treino com múltiplos exemplares (MET

- multiple exemplar training e.g., Holth, 2017; LaFrance & Tarbox, 2019), ou seja, para

um mesmo estímulo ou alvo de ensino usar diferentes exemplares (por exemplo, ao

ensinar a identificar a figura da bola, usar 3 diferentes exemplares de bola: uma bola de

futebol, uma bola de basquete e uma bola de brinquedo); implementar as tentativas com

diferentes materiais (por exemplo, para trabalhar habilidades de identificar figuras, usar

figuras impressas, livros, cenas); realizar o treino em diferentes contextos (mesa, chão,

área de brincar); e na presença de diferentes pessoas (por exemplo, com pelo menos dois

terapeutas).

Em relação à questão dos reforçadores e motivação, alguns estudos têm

investigado estratégias de incorporar tentativas discretas em contexto de brincadeira (cf.,

Embedded Discrete Trial Teaching, Geiger et al., 2012). Nesse caso, as tentativas são

apresentadas pelo terapeuta em brincadeiras ou atividades preferidas, utilizando

reforçadores relacionados à própria brincadeira/atividade. Por exemplo, para uma criança

que tem preferência por montar quebra-cabeça, uma tarefa de identificar figuras poderia

ser realizada com uma figura fixada no verso de cada peça. As peças estariam dispostas

na mesa ou no chão, com o verso voltado para cima (ou seja, com as figuras visíveis) e,

a cada tentativa, o terapeuta diz o nome de uma figura e a criança deve pegar a peça que

contém a figura correta. Como consequência de uma resposta correta, a criança poderia

ganhar a peça para montar o quebra-cabeça. A vantagem desse procedimento de tentativas

incorporadas, em comparação ao ensino por tentativas discretas padrão, está relacionada

ao provável aumento na “motivação” da criança para se engajar na atividade, já que

envolve uma atividade preferida e o uso de reforçadores relacionados à tarefa/atividade


(em vez de reforçadores arbitrários). Além disso, permite que o terapeuta apresente um

número grande de tentativas durante a brincadeira (garantindo muitas oportunidades de

ensino).

Outra desvantagem apontada no ensino de tentativas discretas consiste na

dificuldade do aprendiz em iniciar comportamentos na ausência de antecedentes

apresentados pelo terapeuta (Smith, 2001). Este aspecto tem sido amplamente discutido

e criticado em relação ao uso de tentativas discretas no contexto das intervenções

baseadas em ABA, especialmente quando o DTT é utilizado como estratégia principal ou

única em uma intervenção. A recomendação da literatura, em geral, tem sido combinar o

uso de DTT com outras estratégias de ensino naturalístico (e.g., Smith, 2001; Sundberg,

& Partington 1999).

Nessa perspectiva, portanto, coloca-se a importância de utilizar estratégias de

ensino incidental e naturalístico, especialmente para favorecer a generalização das

habilidades e a motivação do aprendiz. A seguir, considerando a importância dos aspectos

motivacionais ao utilizar estratégias de ensino incidental e naturalístico, definiremos, em

termos comportamentais, o conceito de motivação.

Motivação na perspectiva da Análise do Comportamento

Uma característica importante no ensino incidental e naturalístico é garantir a

motivação do aprendiz. Na perspectiva da Análise do Comportamento, podemos entender

motivação em termos de eventos ambientais que influenciam a efetividade das

consequências como reforçadores (ou punidores) e possuem um efeito momentâneo sobre

certos comportamentos. Ou seja, a motivação está diretamente relacionada ao quanto algo

é reforçador (ou punidor) em certo momento e quais comportamentos podem ser mais ou
menos prováveis, a depender da sua história, em produzir o acesso a essa consequência

(e.g., Michael & Miguel, 2020).

Por exemplo, para que uma criança esteja motivada a pedir e ter acesso a um

brinquedo preferido na sessão de terapia, uma possibilidade seria garantir que ela não

tivesse acesso livre ao brinquedo nas horas que antecedem a sessão. Assim, na hora da

sessão, o valor reforçador momentâneo do brinquedo poderia ser aumentado, assim como

a frequência de comportamentos que, no passado, resultaram no brinquedo. Dessa forma,

teríamos uma condição que favoreceria a criança a pedir o brinquedo (considerando que

essa resposta tenha sido ensinada) ou uma ocasião para ensinar o comportamento (por

exemplo, fornecendo dica para a criança pedir).

Os eventos ambientais que alteram o valor das consequências e têm efeito sobre

o comportamento são denominados operações motivadoras (cf., motivating operation,

e.g., Laraway, Snycerski, Michael, & Poling, 2003; Michael & Miguel, 2020). Essas

operações motivadoras (OMs) apresentam dois efeitos principais: 1) Efeito alterador de

valor, ou seja, alteram momentaneamente o valor ou efetividade de uma consequência

como reforçador ou punidor; 2) Efeito alterador de comportamento, em que ocorre uma

alteração momentânea em alguma dimensão do comportamento, em geral, a frequência

do comportamento, embora o efeito possa ser em relação a outra dimensão, por exemplo,

a latência (tempo entre um estímulo e a ocorrência de uma resposta) ou a magnitude ou

“intensidade” do comportamento (Michael & Miguel, 2020).

Considerando esta definição de OM e retomando o exemplo anterior, para que

uma criança esteja motivada para pedir e ter acesso a um brinquedo preferido, a OM

descrita seria guardar o brinquedo por algumas horas (ou seja, privar a criança do acesso

ao brinquedo por determinado período). Após esse período sem acesso ao brinquedo, ao

apresentar o brinquedo novamente, o valor reforçador do brinquedo seria


momentaneamente aumentado (efeito alterador de valor). Da mesma forma, a frequência

momentânea de comportamentos que, no passado, foram consequenciados com o

brinquedo, por exemplo, pedir o brinquedo (caso esse repertório já tenha sido treinado ou

esta seria uma oportunidade para ensinar o comportamento). Outras dimensões do

comportamento também podem ser alteradas: a latência, por exemplo, a criança pode

pedir o brinquedo poucos segundos após ele ser apresentado; ou a magnitude da resposta,

por exemplo, quando a criança pede o brinquedo com um tom de voz alto e entonação

adequada. A OM descrita nesse exemplo é chamada de Operação Estabelecedora (OE)

porque aumenta o valor da consequência (acesso ao brinquedo). Ao contrário, poderíamos

ter uma Operação Abolidora (OA), que diminui o valor da consequência. Por exemplo, a

criança ter acesso livre ao brinquedo antes da sessão, provavelmente será uma OA que

diminui o valor reforçador do brinquedo durante a sessão (e diminui a probabilidade de

comportamentos que, na história da criança, foram consequenciados com o brinquedo,

incluindo pedir o brinquedo).

Dessa forma, as OMs podem ser classificadas em Operação Estabelecedora (OE),

que aumenta o valor ou efetividade da consequência e Operação Abolidora (AO), que

diminui o valor ou efetividade de uma consequência (e.g., Laraway et al., 2003; Michael

& Miguel, 2020).

Outro exemplo, na situação de terapia, seria criar a motivação para a criança

perguntar onde está um item. Essa organização do ambiente é fundamental para ensinar

a criança a fazer perguntas a partir da sua motivação ou “interesse” para ter acesso à

resposta à pergunta ou informação. Nesse caso, uma OE possível seria o terapeuta

entregar um brinquedo com uma parte em falta (por exemplo, entregar a pista de corrida

sem os carros, ou entregar a casinha sem os bonecos). Essa OE tende a aumentar o valor

reforçador do item faltante e evocar comportamentos reforçados no passado com acesso

ao item. Então, diante do brinquedo com o item em falta, a criança pode demonstrar
iniciativa em buscar o item (olhar ao redor, apontar para o brinquedo, olhar para o

terapeuta, entre outros). Neste momento, o terapeuta poderia fornecer dica para a criança

perguntar “Onde está o carro?” ou “Onde está o boneco?”. Após a criança fazer a

pergunta, o terapeuta deve fornecer a informação: “Está no armário” ou “Está na gaveta”

e, a partir da informação, a criança pode ter acesso ao item. Nesse contexto, um exemplo

de OA, poderia ser o terapeuta já entregar o brinquedo completo. Ou seja, diante do

brinquedo completo não há motivação para perguntar onde está um item (na presença do

item, o valor reforçador em obtê-lo é diminuído).

No contexto de estratégias de ensino incidental e naturalístico, em que a

motivação é um ponto chave para garantir oportunidades de ensino, é fundamental a

compreensão do conceito de operação motivadora e seus efeitos sobre o comportamento.

Dessa forma, o analista do comportamento pode planejar situações e organizar operações

motivadoras relacionadas a itens, brinquedos e/ou atividades preferidas no ambiente para

favorecer a “motivação” do aprendiz e treinar os terapeutas a implementar tais estratégias.

Ensino Incidental: Definição e histórico

O ensino incidental (Incidental Teaching, cf. Hart & Risley, 1975) consiste em

uma estratégia de ensino que ocorre durante a interação entre o terapeuta e o aprendiz em

um contexto de brincadeira, atividade social ou rotina no ambiente natural (por exemplo,

brincadeira no chão, momento de parque, atividade em grupo com pares, atividade na

quadra, horário do lanche). Diversos estudos conduzidos por Hart e Risley investigaram

a efetividade do ensino incidental, entre as décadas de 60 e 80 (Hart & Risley, 1968;

1974; 1975; 1980). Nesses estudos, o objetivo era ensinar habilidades verbais a crianças

de baixo nível socioeconômico, que frequentavam escolas públicas e/ou tinham algum

tipo de atraso de linguagem.


O termo ensino incidental (cf. incidental teaching, Hart & Risley, 1974) foi

utilizado pela primeira vez pelos autores, em um estudo conduzido em 1974. Neste

estudo, o objetivo era ensinar repertórios verbais a partir das oportunidades naturais no

contexto de sala de aula de uma pré-escola. Para o estudo, foram separados dois conjuntos

de materiais/brinquedos. Um conjunto permanecia disponível na sala de aula e outro os

alunos poderiam ter acesso contingente ao comportamento de pedir. Os autores

categorizaram os repertórios verbais em 1) uso de substantivo (e.g., “carro”); 2) uso de

combinação substantivo-adjetivo (e.g., “carro vermelho”); e 3) uso de uma sentença

composta (e.g., “eu quero um carro para brincar”). O registro das vocalizações em

condição de linha de base ou treino era realizado por meio de amostras com intervalos de

15 minutos durante situação de brincar livre.

Os procedimentos para ensinar cada categoria eram implementados no contexto

de grupo da sala de aula por cerca de 30 dias, de acordo com níveis de dica pré-definidos.

Cada oportunidade era iniciada com a possibilidade de a criança responder independente

e, caso não fosse observada uma resposta, o professor implementava o nível de dica

seguinte. Essa hierarquia de dicas foi definida posteriormente na literatura como de

menos para mais (cf., least-to-most, Cooper et al., 2020). A Tabela 1 apresenta os níveis

de hierarquia descritos no estudo de Hart e Risley (1974). Para o ensino de pedidos com

substantivos, por exemplo, no nível 1, diante de uma inciativa da criança para ter acesso

ao item, o professor fornecia a oportunidade de ela responder de forma independente por

30 segundos. Caso a criança não emitisse a resposta, após os 30 segundos, era fornecido

o nível 2 de dica, nesse caso, uma pergunta “o que você quer?” ou “do que você precisa?”.

Da mesma forma, caso a criança não respondesse, o professor fornecia o nível 3 de dica:

“qual o nome disso?”. Por fim, no nível 4 a dica era o modelo vocal do professor, por

exemplo, “isso é um carro, diga carro” (Hart & Risley, 1974).

INSERIR TABELA 1
Os resultados do estudo foram apresentados por média do uso de palavras dos 12

participantes, em amostras de 15 minutos de observação, durante brincadeira livre. Os

resultados demonstraram que a média do uso de substantivos e especialmente de

combinações substantivo-adjetivos aumentou significativamente ao longo da exposição

ao treino. Enquanto, antes da intervenção, a média de uso de combinações substantivo-

adjetivo era de uma resposta por amostra, no treino, a média passou para cinco a seis

respostas por amostra. Além disso, o uso de combinações substantivo-adjetivo não

treinadas diretamente também aumentou, indicando generalização. Em relação às

sentenças compostas, na linha de base, a média de uso era de 0,2 por amostra e passou

para 20, na condição de treino, em que o acesso aos itens era contingente às respostas

com sentenças (Hart & Risley, 1974).

Os autores discutiram a efetividade do procedimento, além dos seus efeitos em

termos de generalização e possibilidades de treino, que foram exploradas em estudos

subsequentes (Hart & Risley, 1974). Em termos históricos, os estudos de Hart e Risley

(1968; 1974; 1975) são fundamentais para compreender a definição de ensino incidental

e suas contribuições para a Análise do Comportamento.

Os autores apresentaram claramente a definição de ensino incidental em um artigo

publicado em 1975. De acordo com Hart e Risley (1975), “uma situação de ensino

incidental é selecionada pela criança; ou seja, a criança inicia a interação1” (p. 411-

412). Durante as oportunidades de ensino incidental, portanto, o aprendiz inicia uma

interação e, diante de uma iniciativa, o terapeuta apresenta uma oportunidade de ensino,

usando materiais e/ou atividades de interesse presentes no ambiente natural. Alguns

exemplos de comportamentos considerados como “iniciativa” são: a criança olhar para

1
“An incidental teaching situation is child-selected; that is, the child initiates interaction…” (Hart &
Risley, 1975, p. 411-412)
um item, tentar pegar o item, esticar a mão na direção do item, apontar o item, pedir um

item ou atividade.

Os autores descrevem detalhadamente as variáveis que o adulto deve analisar para

tomar uma decisão acerca da apresentação de uma oportunidade de ensino, a partir da

iniciativa da criança: 1) se aquela iniciativa pode ser utilizada para uma oportunidade de

ensino; 2) decidir que resposta-alvo pode ser trabalhada; 3) decidir que tipo de dica

utilizar (por exemplo, pistas/dicas não verbais ou verbais); e 4) se a dica inicial não evocar

a resposta-alvo, que nível ou dica adicional deve ser utilizada (Hart & Risley, 1975). Os

autores colocam ainda que a resposta-alvo a ser trabalhada depende do perfil e

características do aprendiz e pode variar conforme o contexto/situação. Em relação à dica,

os autores utilizam o termo em inglês cue, que poderia ser traduzido como pista e pode

englobar pistas contextuais e dicas verbais. Nesse sentido, os autores consideram como

pistas a atenção do adulto e dicas verbais (em geral perguntas, como “O que você quer?”,

“O que é isso?”, entre outras). Caso a pista ou dica inicial não seja suficiente para evocar

a resposta, o adulto pode, então, fornecer uma dica adicional apresentando o modelo vocal

parcial ou total (por exemplo, “Diga: faça...” ou “Diga: faça isso”).

Dessa forma, no ensino incidental, são apresentadas oportunidades de ensino, a

depender da iniciativa do aprendiz, em vez de tentativas estruturadas e iniciadas pelo

terapeuta. Diversas habilidades podem ser ensinadas por meio de ensino incidental como,

por exemplo, habilidades verbais, sociais e de brincar, embora a ênfase dos estudos tenha

sido o treino de repertórios verbais (e.g., Hart & Risley, 1975). Os próprios autores

afirmaram esse ponto: “o ensino incidental tem sido mais frequentemente aplicado ao

ensino de linguagem... 2 ” (Hart & Risley, 1975, p. 412). Contudo, outras habilidades

poderiam ser trabalhadas nesse formato de ensino. Por exemplo, para o objetivo de comer

2
“Incidental teaching has been most frequently applied to the teaching of language and is here considered
in that context.” (Hart & Risley, 1975, p. 412)
usando o talher, seria possível ensinar essa habilidade por meio de ensino incidental,

durante a refeição. Ao início da refeição, na presença do prato de comida e uma OM

correspondente que estabelece a comida como um reforçador naquele momento, diante

da iniciativa da criança de tocar a comida ou tentar pegar a comida com a mão o terapeuta

poderia apresentar uma oportunidade de usar o talher, fornecendo a ajuda necessária. O

reforçador para o comportamento de usar o talher seria o acesso à comida, ou seja, um

reforçador natural relacionado ao uso do talher e ao contexto da refeição.

A literatura tem indicado algumas vantagens do ensino incidental, entre as quais:

a motivação e a iniciativa do aprendiz, ser implementado ao longo das atividades

cotidianas e rotinas, envolver o uso de reforçadores naturais e/ou diretamente

relacionados ao comportamento-alvo e favorecer a generalização das habilidades para

outros contextos (e.g., LeBlanc, Esch, Sidener, & Firth, 2006).

No estudo conduzido por McGee e colaboradores (1985), por exemplo, os autores

compararam o ensino incidental versus estruturado ao ensinar habilidades de usar

preposições (e.g., em cima/em baixo, dentro/fora, na frente/atrás). Participaram do estudo

três meninos com autismo com idades entre 6 e 11 anos. As sessões de treino eram

realizadas na sala de aula, sendo que a condição de ensino estruturado era realizada com

os estímulos apresentados na mesa e a condição de ensino incidental era realizada com

os estímulos apresentados em prateleiras, simulando uma forma natural de apresentação

dos itens. As sondas de generalização eram realizadas em outra sala diante de uma

prateleira diferente. Na condição de ensino estruturado, o terapeuta iniciava uma tentativa

ao fornecer o comando “Onde está a/o...” seguido do nome do item (por exemplo, “Onde

está o dado?”). Respostas corretas eram seguidas por elogios e um item/brinquedo

preferido, mas não aquele usado na tentativa (por exemplo, acesso a um carrinho). Na

condição de ensino incidental, diante de uma iniciativa da criança em pedir o item, o

terapeuta fornecia o comando “Onde está a/o...” seguido do nome do item solicitado (por
exemplo, “Onde está a bola?”). Caso a criança respondesse apontando para o item, o

terapeuta então fornecia o comando “Me diga onde” (a criança deveria dizer, por

exemplo, “em cima da caixa”). Respostas corretas eram seguidas por elogios e o

item/brinquedo usado naquela oportunidade de ensino (nesse exemplo, a própria bola).

As sessões de treino eram realizadas com um par de preposições (e.g., em cima/embaixo)

até o critério de 80% de respostas corretas independentes nas duas condições. A seguir,

eram ensinados novos pares de preposições da mesma forma. Após alcance do critério de

100% de respostas corretas independentes com três pares de preposições, nos dois

procedimentos, eram realizadas sessões de manutenção. Por fim, eram realizadas sondas

de generalização em uma sala diferente e com novos terapeutas, em sessões de 10 minutos

em contexto de brincar livre, com os estímulos apresentados em uma nova prateleira

(McGee et al., 1985).

Os resultados do estudo indicaram que os dois procedimentos foram efetivos no

ensino do uso de preposições. Em relação à generalização, entre contextos, pessoas e

posição dos materiais treinados, foram observados maiores níveis de uso das preposições

que foram ensinadas na condição de ensino incidental. Ou seja, a condição de ensino

incidental produziu resultados melhores de generalização. Os autores discutiram esses

dados em termos da importância em incluir componentes de ensino incidental na

programação e currículo para ensino de habilidades verbais em crianças com autismo

(McGee et al., 1985).

Uma das desvantagens do ensino incidental, em comparação ao uso de DTT é o

número de oportunidades de treino, pois cada episódio resulta em apenas uma

oportunidade de ensino. Nesse contexto, alguns autores desenvolveram uma versão

modificada do ensino incidental (Modified Incidental Teaching Sessions – MITS,

Charlop-Christy, & Carpenter, 2000).


O MITS envolve uma combinação de ensino incidental com tentativa discreta, em

que a primeira oportunidade de ensino envolve a iniciativa da criança (ensino incidental)

e, após essa oportunidade, o terapeuta incorpora duas tentativas de treino adicionais. O

estudo foi realizado com três crianças com autismo cujos pais foram treinados a

implementar os procedimentos de ensino. Por exemplo, considerando o comportamento

de fazer pedidos, diante da iniciativa da criança para ter acesso a um item, a mãe ou o pai

deveria esperar até 10 segundos por uma resposta ou, ao final do intervalo, fornecer a dica

“Me dá o brinquedo”. Diante de uma resposta correta, a criança poderia ter acesso ao

brinquedo e, em seguida, eram realizadas mais duas tentativas de “prática” (utilizando o

mesmo procedimento de atraso de dica), em que a criança deveria pedir para ter acesso

novamente ao brinquedo. Nesse caso, a primeira oportunidade envolvia a iniciativa da

criança (ensino incidental), enquanto as duas tentativas seguintes de prática envolviam

um componente de tentativa discreta (totalizando três oportunidades de ensino no

episódio). O estudo conduzido por Charlop-Christy e Carpenter (2000) indicou que o

MITS produziu melhor resultado de aquisição em comparação ao ensino incidental.

Ensino Naturalístico

As estratégias de ensino naturalístico (NaTS, Naturalistic Teaching Strategies,

e.g., Charlop-Christy et al., 1999; Charlop, Lang, & Rispoli, 2018) foram desenvolvidas

no contexto de favorecer a aquisição de habilidades verbais, especialmente vocalizações

funcionais e fala, em contraponto a estratégias de ensino estruturadas, que não consideram

aspectos motivacionais e reforçadores relacionados às atividades, além de não favorecer

a generalização das habilidades. Charlop e colaboradores (2018) também colocam que o

termo estratégias de ensino naturalístico (NaTS) engloba procedimentos de intervenção

que possuem componentes em comum, entre os quais, ensino em ambiente não

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