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A Uber defendeu que não faz uso de nenhuma ferramenta de jurimetria, algoritmo
ou inteligência artificial para a tomada de decisão quanto à celebração de
acordos judiciais. Enfatizou que, como qualquer litigante, equaciona aspectos
financeiros de gestão da sua carteira de processos judiciais trabalhistas e os
riscos inerentes à qualquer disputa judicial, buscando reduzir custos e o número
de casos ativos por meio da celebração de acordos processuais. A empresa
apontou ainda a existência de expressivo número de acordos celebrados em
turmas julgadoras com posição reconhecidamente favorável à empresa e a
existência de decisões judiciais da segunda instância do Regional mineiro em seu
desfavor, bem como do próprio Tribunal Superior do Trabalho (TST), o que
demonstraria inexistência de manipulação da jurisprudência.
Evidentemente, qualquer litigante quer evitar ser vencido no processo judicial, por
isso a conciliação aparece como um meio ao menos de mitigação desse risco. E
a lei não traz qualquer restrição ao momento da celebração dos acordos, que por
vezes acontecem já em sede de execução. É por isso que não causa qualquer
estranhamento – e nunca causou – o grande volume de processos nos CEJUSCs
de segundo grau. Veja-se, por exemplo, que os CEJUSCs de 2º Grau da Justiça do
Trabalho receberam 26.063 processos apenas em 20222.
Para o leitor não familiarizado com o tema, a jurimetria nada mais é do que o uso
de dados estatísticos aplicados ao Direito. É dizer, atualmente existem programas
de computador (softwares) que por meio da análise automatizada de dados
públicos tentam prever a probabilidade de êxito em demandas judiciais, os
valores arbitrados caso a parte não seja vitoriosa na demanda, entre outras
análises probabilísticas. Muitos escritórios utilizam esses softwares para auxiliar
no trabalho de aconselhamento jurídico, bem como o fazem muitas empresas
como apoio à gestão de suas respectivas carteiras de processos judiciais.
As perguntas que realmente precisam ser feitas são: que infração há contra o
contraditório, o devido processo legal e ao resultado útil do processo se os
advogados das partes traçam estratégias processuais com informações públicas
e conduzem eles mesmos pesquisa nos repositórios dos Tribunais, a fim de
identificarem tendências de posicionamento dos julgadores e buscarem a
autocomposição? Ou mesmo se utilizam ferramentas tecnológicas que fazem
essas pesquisas de modo automatizado?
A mais relevante, no nosso sentir, diz do papel dos julgadores. Uma turma de
desembargadores ou um juiz, como destaca a decisão, não é “mero e pacífico
espectador da relação processual, desprovido de qualquer dever como atuante,
promotor e garantidor da justiça“. Ou seja, todos os acordos celebrados passam
pelo crivo do Judiciário, que deve examinar as condições de validade do acordo
processual e corrigir eventuais problemas identificados. O fato de haver uma
proposta de acordo de uma das partes não obriga o ex adverso a aceitá-la ou os
julgadores a homologá-la. E pelo que se apurou nos autos da ACP, todos os
acordos da Uber foram ratificados pelo Judiciário sem que qualquer vício formal
ou material tenha sido apontado.
Outrossim, a decisão relembra bem qual o papel dos precedentes judiciais dentro
da ordem jurídica brasileira. Ora, uma vez que o Brasil segue o modelo de civil law,
em detrimento do common law, os precedentes judiciais não vinculam outros
julgadores. O fato de um juiz ou turma, mesmo do próprio TST, entender pela
existência ou inexistência de vínculo trabalhista entre a Uber e os motoristas, não
torna obrigatória para outros julgadores a adoção da mesma ratio decidendi e não
implica que casos semelhantes tenham o mesmo desfecho.
A decisão parece-nos salutar, ainda, por reafirmar que o processo não é um fim
em si mesmo, mas um instrumento de pacificação social que tem como objetivo
principal “o acesso à Justiça, o que equivale, assim, à obtenção de resultados
justos, a tempo e modo”. Dessa forma, a conciliação, em qualquer grau de
jurisdição, é uma vertente do acesso à justiça, pois propicia a resolução do
conflito de forma mais célere, haja vista que as partes ainda poderiam esperar
pelo julgamento de recurso nos tribunais regionais e recorrer às instâncias
superiores, além de todos os incidentes possíveis da fase de execução do
processo. É bom lembrar que as partes sempre estão representadas por
advogados que, presume-se, estão a avaliar a conveniência e licitude dos
acordos, nos termos de suas obrigações instituídas pelo Código de Ética da OAB.
Como recentemente afirmou o juiz do trabalho Otavio Torres Calvet3, não deve a
magistratura intervir no interesse do jurisdicionado para impedir o fim do litígio.
Aqueles que desejam continuar a discussão sobre a existência de vínculo de
emprego com as plataformas continuam tendo assegurado o direito de não
celebrarem acordo, apresentando suas demandas às instâncias superiores do
Poder Judiciário voluntariamente.
Finalmente, a decisão nos parece muito importante também ao afirmar que o
Judiciário não vai ficar à margem das evoluções tecnológicas – ao que
acrescentamos que ele não deveria ficar afastado das soluções que podem trazer
mais eficiência e celeridade para a prestação jurisdicional, como com o uso da
jurimetria. A sentença destaca que o próprio MPT fez uso de jurimetria para
ajuizar a ação civil pública, ao compilar dados estatísticos que supostamente
demonstrariam a manipulação. Também uma leitura do último Relatório Geral da
Justiça do Trabalho4 permite-nos pressupor que a tecnologia e os dados
estatísticos vêm sendo utilizados pelo Judiciário para prestar contas aos
jurisdicionados, para compreender melhor sua própria realidade, e, decerto, alocar
com mais eficiência seus recursos financeiros e humanos, por exemplo.
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1 https://www.conjur.com.br/2021-mai-04/trabalho-contemporaneo-recusa-
homologacao-acordo-formacao-jurisprudencia
2 https://mpt.mp.br/pgt/noticias/acordo-entre-mpt-e-tst-estimula-conciliacao-
para-solucao-de-processos
3 https://www.tst.jus.br/web/estatistica/jt/relatorio-geral
4 https://www.tst.jus.br/documents/18640430/24374464/RGJT.pdf/f65f082d-
4765-50bf-3675-e6f352d7b500?t=1688126789237
VANDERLÉIA DE OLIVEIRA MIRANDA – Labor and Employment Counsel para a Uber do Brasil e
mestranda em Sociologia Econômica pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
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