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PROTOCOLO DOENÇA DE CROHN

Público: PACIENTES PORTADORES DE DOENÇA DE CROHN


Fernanda Aparecida Costa Amancio de Souza
Autor e revisor: Julia de Macedo Moura Silva
Larissa Bastos Lima
Última atualização: 20/10/2023

1. Definição

A Doença de Crohn (DC) é uma doença inflamatória crônica de etiologia que pode
envolver fatores genéticos, ambientais e/ou imunológicos. Normalmente afeta o íleo distal
e o cólon, mas pode afetar qualquer parte do trato gastrointestinal de forma segmentar,
assimétrica e transmural com intensidade variável.

A doença começa com inflamação das criptas e dos abscessos, que progridem para
pequenas úlceras. Essas lesões e inflamações da mucosa podem evoluir para úlceras
profundas transversais e longitudinais com edema mucoso entre as úlceras.

A disseminação transmural da inflamação causa linfedema e espessamento da parede


intestinal e do mesentério. A gordura mesentérica tipicamente se estende à superfície
serosa do intestino. Linfonodos mesentéricos com frequência aumentam de tamanho.
Inflamação extensa pode resultar em hipertrofia muscular, fibrose e estenose, que podem
causar obstrução intestinal.

Abscessos são comuns e fístulas frequentemente penetram estruturas vizinhas,


incluindo outras alças intestinais, bexiga ou o músculo psoas. As fístulas podem mesmo
se estender para a pele do abdome anterior ou flancos. Independentemente da atividade
da doença intra-abdominal, abscessos e fístulas perianais ocorrem em 25 a 33% dos
casos; essas complicações são frequentemente o aspecto mais preocupante da DC.

Uma vez confirmada, a DC raramente é curada e é caracterizada por episódios


intermitentes de exacerbações e remissões. Alguns pacientes apresentam doença grave
com períodos frequentes de dor debilitante. Entretanto, com correta terapia clínica e
intervenção cirúrgica, muitos pacientes evoluem bem e se adaptam com sucesso.

Quando o tecido afetado pelo quadro inflamatório não consegue mais,


irreversivelmente, exercer suas funções e causa muitos sintomas e obstrução intestinal,
deve-se realizar a retirada da parte afetada de forma cirúrgica. Conforme são realizadas
essas retiradas de partes do intestino, o quadro pode evoluir para Síndrome do Intestino
Curto (SII). Quando o paciente se encontra em fases agudas da DC e/ou se apresenta
com SII, a dietoterapia em sua maioria é nutrição enteral com formulação parcialmente ou
extensamente hidrolisado, ou, em casos de obstrução intestinal e intestino insuficiente,
deve-se optar por terapia de nutrição parenteral exclusiva.

A mortalidade relacionada à doença é bem baixa. Câncer gastrintestinal, incluindo


câncer de cólon e intestino delgado, é a principal causa de mortalidade associada à DC.
Cerca de 10% das pessoas tornam-se incapacitadas pela DC e complicações que ela
causa.

1.1. Classificações
A DC pode-se apresentar-se em fase ativa ou fase remissiva e, para identificar, pode-
se utilizar como método o Índice de Harvey-Bradshaw, representado a seguir.

Somatória do score:
 ≤ 4: remissão
 5-7: leve a moderada
 ≥ 8: moderada a grave
Também, pode-se apresentar em três tipos de intensidades clínicas, sendo elas:
 Leve a moderada: pacientes ambulatoriais, capazes de tolerar alimentação via
oral, sem manifestações de desidratação, toxicidade, desconforto abdominal,
massa dolorosa, obstrução ou perda maior que 10 % do peso habitual;
 Moderada a grave: pacientes que falharam em responder ao tratamento ou
aqueles com sintomas mais proeminentes de febre, perda de peso, dor
abdominal, náuseas ou vômitos intermitentes (sem achados de obstrução
intestinal), ou anemia significativa;
 Grave a fulminante: pacientes com sintomas persistentes a despeito da
introdução de corticóide e/ou terapia biológica (ex., infliximabe, adalimumabe
etc), ou indivíduos que se apresentam com febre, vômitos persistentes,
evidências de obstrução intestinal, sinais de irritação peritoneal, caquexia ou
evidências de abscesso.

2. Alterações físicas e metabólicas


 Inflamação, abcesso e/ou ulcerações em partes do TGI com características
transmural, afetando o desempenho do órgão em todas as usas funções;
 Aumento das citocinas proinflamatórias de forma sistêmica;
 Absorção de nutrientes diminuída, sendo mais comum de vitaminas
lipossolúveis, cálcio e vitamina D, causando deficiências e osteopenias;
 Desnutrição e anorexia secundária;
 Desequilíbrio da microbiota intestinal.

3. Diagnóstico
O diagnóstico da doença se baseia no conjunto de informações obtidas pela anamnese
e exame físico adequados, exames laboratoriais (biomarcadores sorológicos e fecais),
exames radiológicos, endoscópicos e anatomopatológicos. Alguns métodos utilizados,
são: Raio-X contrastado, colonoscopia, biópsia etc.

4. Sinais e sintomas
A DC habitualmente causa diarreia, cólica abdominal, frequentemente febre e, às
vezes, sangramento retal. Também podem ocorrer perda de apetite e perda de peso
subsequente. Podem ocorrer sintomas que não têm nada com o trato digestivo. Também
pode apresentar grande variedade de manifestações extra intestinais, sendo as mais
frequentes as cutâneas, articulares, oculares, bem como sintomas sistêmicos, sendo
algumas destas: artrite; aftas; olhos inflamados, vermelhos, feridos e sensíveis à luz;
desenvolvimento de erupções cutâneas ou doenças fúngicas dolorosas e avermelhadas
nas pernas.
Em geral, os sintomas mais frequentes que fazem os pacientes buscar atendimento
médico são a diarreia persistente, dor abdominal e a perda de peso.

5. Dietoterapia

a) Objetivos dietoterápicos (claro objetivo e em forma de tópicos)


 Manutenção ou recuperação do estado nutricional;
 Manter ou promover a remissão do quadro inflamatório;
 Tratar e evitar sintomas;
 Melhorar qualidade de vida;
 Tratar e evitar deficiências de vitaminas e minerais.

b) Suplementação

O uso de suplemento nutricional oral em complemento à dieta habitual é seguro, bem


tolerado e efetivo na manutenção da remissão na DC. A ingestão diária de suplemento
oral de 600 kcal é possível em pacientes com DC inativa e a ingestão oral com
suplemento nutricional em quantidade superior a esta só é possível por muito curto
período na DC ativa.

Nas fases de remissão, podem ser indicadas suplementação de vitaminas do


complexo B, vitaminas lipossolúveis, ômega 3, cálcio e vitamina D, mas devem ser
avaliados caso a caso. Nos casos de pacientes com inflamação intestinal persistente,
como naqueles dependentes de corticoidoterapia, é recomendado o uso de suplemento
nutricional oral.

6. Principais fármacos utilizados e interações fármaco-nutriente

Quadro 1: Interações entre fármacos e nutrientes


CLASSE TERAPÊUTICA FÁRMACO INTERAÇÕES
Antimicrobiano Sulfassalazina Diminui absorção de folato.
Antimicrobiano Antibióticos Diminui síntese de vitamina
K e afeta a qualidade da
microbiota intestinal.
Antilipêmico, Colestiramina Esteatorréia e
sequestrante de ácidos consequentemente,
biliares deficiência de vitaminas
lipossolúveis.
Antidiarreico Cloridrato de Loperamida Não foram encontrados
dados.
Imunossupressor Azatioprina Náuseas, êmese, anemia e
disgeusia.
Corticóide Corticóides em geral Diminui absorção de cálcio,
aumenta perda nitrogenada
e aumenta a perda de
magnésio na urina.

7. Fitoterapia/ Óleos essenciais


Estudo estão sendo desenvolvidos para apontar a efetividade e eficácia no
uso de fitoterapia para o tratamento de Doenças Inflamatórias Intestinais (DII),
sendo as plantas mais estudadas neste campo a Boswellia seratta, Aloe vera,
Curcuma longa, Artemisia absinthium, Androfagis paniculata, Triticum aestivum.
Alguns estudos sugerem que o uso destas plantas pode conduzir à remissão
clínica, a um aumento do intervalo de tempo entre as recidivas e/ou a uma redução
da intensidade dos sintomas na Doença Inflamatória Intestinal.
Apesar de ter resultados positivos no tratamento, ainda não há bastante
evidência clínica na segurança durante um uso prologado de tratamento baseado
nas plantas. Portanto, é necessário um conhecimento mais profundo dos princípios
ativos que são responsáveis pelas suas propriedades. É necessário também mais
ensaios clínicos sobre o uso da fitoterapia na DII com um número maior dos
doentes para avaliar a eficácia e a segurança.

8. Condutas (cuidados) gerais


 A manutenção do estado nutricional é o ponto mais importante da
conduta do nutricionista, pois o EN está muito correlacionado à atividade da
doença;
 A variação do VET ocorre de acordo com a atividade inflamatória, extensão
da doença e estado nutricional. Em geral, é recomendada dieta
normocalórica e hiperproteica, podendo ser utilizado os parâmetros de 25 à
30 kcal/kg/dia e 1,2 à 1,5 g de proteínas/kg/dia;
 Atenção à albumina sérica, pois níveis séricos baixos estão relacionados
com um aumento de complicações pós-operatória, desnutrição no pré-
operatório, aumento de risco de complicações cirúrgicas, inclusive
deiscência de anastomoses;
 Dieta baixa em FODMAPs: alguns estudos sugerem que a adesão a uma
dieta pobre em FODMAPs pode causar diminuição de alguns sintomas, mas
a adesão da dieta como forma de estratégia para DC ainda é cientificamente
inconclusivo, pois, visto que os pacientes possuem ingesta alimentar
diminuída, é menos vantajoso aderir uma dieta restritiva, devendo ser
avaliado individualmente.
 Não há recomendações dietéticas claras para qualquer dieta específica
na DC, entretanto recomenda-se adotar dieta baixa em gorduras, sacarose,
lactose e fibras insolúveis quando doença ativa para diminuir a irritação do
TGI, não sendo necessário estas restrições quando a doença está em
remissão.
 Dados sobre Terapia Nutricional (ESPEN): A TNE parece ser efetiva na
prevenção das crises de agudização e manutenção da remissão. Observa-
se menor recidiva das crises quando administrada metade das
necessidades nutricionais como nutrição enteral (dieta elementar) e metade
como dieta via oral. A TNE suplementar pode ser efetiva na manutenção da
remissão na DC, já a TNP não é recomendada para manutenção da
remissão. Já em crianças e adolescentes, TNE exclusiva é eficaz e é
recomendada como a primeira linha de tratamento para induzir a remissão.
 É necessário sempre considerar: impactos socioculturais, qualidade de
vida, saúde mental, produtividade e recursos de saúde do paciente.
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