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TUBERCULOSE NA APS - POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO DA

NUTRIÇÃO NA AÇÃO PROGRAMÁTICA DA TUBERCULOSE


- Repercussões da TB no estado nutricional das pessoas acometidas pela doença

O cuidado nutricional em pessoas com tuberculose: A TB está associada à


pobreza, desnutrição e deficiência do sistema imune. A relação entre TB e desnutrição é bi-
direcional. Ao mesmo tempo em que a desnutrição é fator de risco, o quadro clínico da
doença é responsável por desencadear desnutrição secundária, tornando-a uma
consequência comum na maioria dos casos de tuberculose.

Quadros de desnutrição comprometem o sistema imunológico, e,


consequentemente, diversos mecanismos importantes, tais como a fagocitose, imunidade
mediada por células, concentração de anticorpos e produção de citocinas. Em caso de
infecção, ocorre ainda um aumento das necessidades nutricionais, frequentemente
associada com a perda de peso corporal.

- Ações de cuidado nutricional para pessoas com TB que podem ser desenvolvidas
pelos profissionais de saúde da APS

Todos os indivíduos com TB ativa devem receber: 1) avaliação de seu estado


nutricional e 2) aconselhamento adequado à avaliação realizada no momento do
diagnóstico e durante todo o tratamento.

A triagem de risco nutricional deve ser realizada o mais breve possível. Esse
procedimento pode ser executado por profissionais de saúde previamente capacitados. Os
indivíduos classificados com risco nutricional deverão ter uma avaliação nutricional mais
completa realizada por nutricionista.

1. Triagem nutricional

- Definida pela Sociedade Americana de Nutrição Parenteral e Enteral (ASPEN) como


"processo para identificar desnutrição ou risco de desnutrição para determinar se avaliação
nutricional mais detalhada é indicada”.

- Para adultos, idosos, lactantes e gestantes (também indivíduos hospitalizados) sugere-se


o uso do Malnutrition Universal Screening Tool – MUST, por ser barato e de fácil uso. A
soma da pontuação gera escore classificado em baixo, médio e alto risco de desnutrição.
- Sem risco nutricional (baixo risco): necessidade de reavaliação periódica;
- Risco nutricional (risco médio/elevado): necessidade de avaliação de nutricionista.

2. Avaliação nutricional

- Deve ser realizada por nutricionista e é definida pela ASPEN como “abordagem de
diagnóstico nutricional abrangente com uso combinado de: história clínica, nutricional e de
medicação; exame físico; medidas antropométricas e exames laboratoriais".

- Mudança de peso: a perda de peso involuntária é um dado importante para a avaliação


do estado nutricional.

AÇÕES QUE O APOIO MATRICIAL EM NUTRIÇÃO PODERÁ DESENVOLVER NA


ATENÇÃO ÀS PESSOAS COM TB

1. Recomendações nutricionais: levando em consideração a maior predisposição de


perda de peso e, consequente, desnutrição em indivíduos com TB, o alvo da conduta
nutricional na maior parte dos casos diz respeito à recuperação do estado nutricional
através da garantia do aporte calórico. As orientações devem ser pautadas em uma
alimentação saudável que atenda a RDA, não devendo ser menores do que as
estabelecidas para indivíduos saudáveis, conforme gênero e idade. Na desnutrição grave
deve ser considerada a suplementação alimentar, embora o Ministério da Saúde e a OMS
não tenham estabelecido suplementação específica para os casos de TB.

2. Necessidades energéticas: para estabelecer a recomendação energética,


primeiramente calcular a TMB (pode ser estimada pela equação de Harris & Benedict).

Determinada a TMB, o GET pode ser estimado pela multiplicação dos fatores
atividade, injúria/lesão e térmico. O fator térmico é aplicado apenas na vigência de estados
febris associados e os fatores de injúria/lesão são específicos para algumas enfermidades.
No caso da TB, não existe uma determinação específica de fator injúria/lesão. Assim, deve-
se multiplicar ao valor da TMB apenas o fator atividade (1,2 para indivíduos acamados; 1,25
para indivíduos acamados com mobilidade e 1,3 para indivíduos ambulantes).

Também se pode calcular a necessidade calórica pela “Fórmula de Bolso”.


Manutenção: 25-30 Kcal/Kg; ganho: 30-35 Kcal/Kg; desnutrição grave: >35 Kcal/Kg.

3. Macronutrientes: evidências sugerem que a proporção de energia de cada um dos


macronutrientes deve ser a mesma de indivíduos saudáveis (carboidratos: 45-65%;
proteína: 15-30%; gordura: 25- 35%).

Considerando a relação entre tuberculose, desnutrição e sistema imune, destaca-se


a importância da manutenção da síntese muscular. Em casos de eutrofia: 0,8-1 g/kg/dia;
desnutrição leve-moderada: 1-1,2 g/kg/dia; desnutrição grave: 1,5-2,5 g/kg/dia. Indivíduos
com doença renal grave, que não em diálise, são exceção à regra de alto consumo protéico.

4 Micronutrientes: estudos transversais e de coorte têm sugerido que a tuberculose ativa é


comumente associada a baixos níveis séricos de zinco e vitaminas A, C, D e E.

- Zinco: essencial para o crescimento, desenvolvimento e função imunológica. A


deficiência de Zn está comumente associada à desnutrição protéico-energética.
Principais fontes: fonte animal como ostras, fígado, carne bovina, carnes escuras de
aves, carne de vitela, caranguejo e ovos. Cereais integrais são ricos em Zn, mas a
presença de fatores antinutricionais diminui a biodisponibilidade.
- Vit A: envolvida na função dos linfócitos B e T, na ativação dos macrófagos e na
geração de anticorpos. Fontes alimentares de origem animal são fígado, manteiga,
queijo, leite integral, gema de ovo e peixe. Contudo, os alimentos de origem vegetal
possuem preços mais acessíveis.
- Vit C: importante papel na reciclagem e reativação da vit E. Vitamina C diminuída é
associada com redução da imunidade, queda de atividade bactericida e mobilização
de macrófagos prejudicada.
- Vit D: níveis séricos reduzidos dessa vitamina parecem aumentar o risco de
infecção por tuberculose. Apesar de vários estudos com suplementação de vitamina
D não demonstrarem benefícios significativos que sustentem a
suplementação/dosagem recomendada no tratamento da tuberculose, sabe-se que
essa vitamina desempenha importante papel na ativação de macrófagos e restrição
do crescimento bacteriano. As fontes alimentares de vitamina D (D2 ou D3) são
escassas e de conteúdo não significativo na maioria dos casos.
- Vit E: atua por interações com a enzima glutationa peroxidase, que influenciam
direta e indiretamente na imunidade, a partir de combinações de suas funções
antioxidantes. Tem sido relatado que a vit E pode reforçar indiretamente fatores
imunes e interagir com as vit A e C, potencializando a sua capacidade antioxidante.
A deficiência de vit E reduz o poder bactericida de leucócitos e linfócitos, a produção
de imunoglobulinas e a produção e funcionamento de linfocinas e citocinas.

5 SUPLEMENTOS NUTRICIONAIS PARA INDIVÍDUOS EM TRATAMENTO DE


TUBERCULOSE ATIVA

Revisão sistemática avaliou 35 estudos com mais de 8 mil indivíduos tratando TB


com objetivo de verificar os efeitos de suplementos nutricionais por via oral. Os
micronutrientes avaliados foram: vitaminas A, D e E, Zn e Se. Concluiu-se que os estudos
são insuficientes para comprovar a redução de taxas de morte ou cura por TB (evidência
muito fraca). No entanto, há indicação de melhora no ganho de peso (evidência moderada)
e na qualidade de vida (evidência fraca) em algumas situações.

ORIENTAÇÕES RELACIONADAS COM A NUTRIÇÃO QUE OS DEMAIS


PROFISSIONAIS DA APS PODEM OFERECER ÀS PESSOAS TRATANDO TB

1. Segurança alimentar e a adesão ao tratamento medicamentoso da tuberculose: em


tratamento prolongado, a adesão medicamentosa é frequentemente menor do que a
esperada. Considerando que a insegurança alimentar é uma barreira para o tratamento,
alguns programas oferecem gratuitamente alimentos/refeições para promover adesão ao
tratamento ou minimizar consequências econômicas de uma doença prolongada. Abordar a
segurança alimentar tem potencial de melhorar acesso e adesão ao tratamento e promover
recuperação nutricional.

2. Manejo nutricional nos efeitos adversos do tratamento: a perda de peso é


multifatorial (inapetência, náusea, dor abdominal, perda de nutrientes por vômitos/diarréia,
alterações metabólicas pela doença, entre outros), podendo ser agravada pelo uso dos
medicamentos. O manejo nutricional tem importante papel na recuperação do estado
nutricional, na evolução da condição clínica e resposta ao tratamento.

- 2.1. Náuseas e vômitos: os sintomas podem se atenuados por algumas medidas


simples, como:

* Fracionar as refeições;

* Refeições em ambiente tranquilo e arejado;

* Ofertar alimentos da preferência do paciente;

* Evitar deitar-se após as refeições ou manter cabeceira elevada até 2h após


ingestão alimentar;

* Preferência por aporte proteico em vez do calórico e lipídico;

* Não consumir alimento ricos em gordura, condimentados, muito ácidos ou


açucarados e com odor forte;

* Não consumir líquidos com a refeição;

* Evitar alimentos em temperaturas extremas;

* Oferta de líquidos claros (sucos, chás, caldos, gelatinas, gengibre e lascas de


gelos) entre as refeições.

- Em caso de vômitos contínuos, limitar qualquer comida ou bebida até o vômito


cessar. Após, aguardar de 30-60 min e iniciar alimentação em pequena quantidade
de líquidos claros.

- 2.2. Hiperuricemia com artralgia: é um efeito adverso frequente durante o uso da


pirazinamida (PZA) e, em menor frequência, com o uso do etambutol. A PZA pode
ser responsável por artralgia (dor nas articulações), sem relação com a
hiperuricemia (excesso de ácido úrico no sangue). Nesse caso, o uso de
antiinflamatórios não esteroidais costuma ser efetivo. A hiperuricemia pode ser
causa de graves problemas renais que podem evoluir para uma insuficiência renal.
Nesse caso, deve-se fazer orientação nutricional de alimentação com baixo teor de
purinas (manejo nutricional equivalente quando casos de gota).

* Alimentos ricos em purina: O consumo desses alimentos é conhecido por


contribuir para as concentrações de ácido úrico no plasma.
**São compostos que quando metabolizados, formam o ácido úrico. Encontrados principalmente nos alimentos ricos em proteínas e
quando consumidos em excesso, podem elevar os níveis de ácido úrico, podendo acarretar problemas como gota e litíase renal.
* Biodisponibilidade de purina nos alimentos: a biodisponibilidade de
metabolização da purina em ácido úrico varia substancialmente. Estudos
demonstram que o processo de cocção afeta o conteúdo de purina nos alimentos,
podendo reduzir o risco de alta ingestão desta substância.

* Aporte protéico: é desaconselhada a ingestão de carnes (gado, porco ou


cordeiro, principalmente) e frutos do mar. Já o leite está associado à redução do
risco, pelo papel uricosúrico das proteínas do leite. A proteína vegetal também não
apresenta acréscimo no risco de gota. Isto sugere que a restrição é aplicada para
purinas de origem animal, mas não vegetais. A ingestão total de proteína não parece
estar diretamente associada à elevação dos níveis séricos de ácido úrico.

* Aporte hídrico: os cálculos de ácido úrico formam-se em urinas com pH ácido. Em


associação a uma dieta que promova alcalinização da urina, recomenda-se a
ingestão de 2-3L de líquidos por dia, preferencialmente água pura.

* Consumo de etanol: o consumo de etanol pode induzir hiperuricemia. O consumo


moderado de vinho (até 1 copo/dia) não aumenta o risco de hiperuricemia, em
contraponto ao consumo de cerveja que confere um risco maior. Além do seu teor
de álcool, a cerveja é rica em purinas, em especial a guanosina, favorecendo a
hiperuricemia e o risco de gota.

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