NUTRICIONAL: NÍVEL 3-4 DEFINIÇÕES E HISTÓRICO A doença de Crohn é uma enteropatia inflamatória granulo-matosa aguda e crônica, com efeito de “pavimentação” (normalmente no íleo terminal e no ceco). Em geral, o surgimento da doença ocorre entre 15 e 30 anos. A doença de Crohn difere da colite ulcerativa por afetar o trato GI desde a cavidade bucal até o reto; a colite ulcerativa envolve o tecido mucoso do cólon e do reto. Aproximadamente, 1,4 milhões de pessoas nos Estados Unidos e 2,2 milhões de pessoas na Europa sofrem dessas doenças (Loftus, 2004). A ativação do fator de transcrição nuclear-κB foi relacionada com diversas doenças inflamatórias, inclusive a doença de Crohn; o uso de temperos/condimentos e plantas medicinais pode suprimir essa via (Aggarwal e Shishodia, 2004). Os fitoquí-micos encontrados em açafrão-da-terra (cúrcuma), pimenta-vermelha (capsaicina), cravo (eugenol), gengibre (gingerol), cominho, anis e erva-doce (anetol), manjericão e alecrim (áci-do ursólico), alho (dialil sulfeto, S- alilmercaptocisteína, ajoene) e romã (ácido elágico) podem exercer efeitos protetores (Ag-garwal e Shishodia, 2004). Na doença de Crohn, o lúmen intestinal diminui; o peristaltismo induzido pela ingestão de alimentos causa cólica, especialmente no quadrante inferior direito. Outros sintomas são febre, perda de peso, debilidade, náusea, feridas na boca, fissuras anais, vômito, dores abdominais, sangramento intestinal e exacerbações esporádicas. Ver Figura 7.6. Ocorre diarreia aquosa crônica por causa de edema, má-absorção dos sais biliares, proliferação bacteriana e ulceração. A constrição pode precipitar obstrução intestinal. Também podem estar presentes artrite, irite ou uveíte, conjuntivite, icterícia ou prurido. Aproximadamente 25% dos casos apresentam-se com a tríade clássica de dor abdominal, perda de peso e diarreia (Beattie et al., 2006). Cerca de 1/3 das crianças exibe falha de crescimento; seus sintomas podem não ter origem no trato GI, mas envolver inflamação, febre, palidez e anemia. Níveis plasmáticos elevados de homocisteína são consequência de enteropatia inflamatória em crianças, provavelmente mediada pelo baixo nível de folato associado com a dieta ou à fisiopatologia da doença (Nakano et al., 2003). A tera-pia nutricional é um tratamento adjuvante importante. Um milhão de pessoas padecem desse distúrbio. Em 1/3 dos casos, apenas o íleo é envolvido; em 45%, tanto o íleo como o intestino grosso são afetados. Apenas 25% dos casos chegarão um dia à remissão. Pacientes acometidos por essa doença apresentam maior risco de contrair câncer de cólon, obstrução, fístulas anorretais e abscessos. A nutrição enteral total pode ser o tratamento adequado para crianças com problemas específicos; o candidato ideal para esse tipo de tratamento é um adolescente com doença de Crohn recém-diagnosticada e com ileíte terminal complicada por falha de crescimento e retardo de amadurecimento (Ruem-mele et al., 2000). Em outros casos com síndrome do intestino curto, poderá ser essencial a introdução de NPT. Evidências epidemiológicas, clínicas e experimentais apoiam a associação entre enteropatia inflamatória e um grande número de fatores ambientes aparentemente não relacionados; tabagismo e flora bacteriana entérica constituem a maior evidência; a localiza-ção geográfica de algumas regiões, como o norte dos Estados Uni-dos, bem como processos alérgicos e autoimunes, também podem estar relacionados (Danese et al., 2004). A doença de Crohn é as-sociada com múltiplas mutações genéticas; as evidências sugerem que envolve uma resposta imune anormal contra a flora microbia-na do intestino (James, 2005). Terapias com antifator de necrose tumoral alfa (anti-TNF-α) vêm sendo utilizadas para tratar pacien-tes, com resultados satisfatórios (Brown e Abreu, 2005). Se o tratamento clínico falhar, pode ser indicada a realização de cirurgia. A intervenção cirúrgica talvez seja necessária em ca-sos de sangramento contínuo, íleo recorrente, abscessos ou fís-tulas, além de falha do tratamento farmacológico, como resis-tência a esteroides. Após o procedimento de proctocolectomia total, ocorrem queda na morbidade e aumento na probabilida-de de interrupção de todas as medicações relacionadas à doen-ça (Fichera et al., 2005). OBJETIVOS • Repor líquidos e eletrólitos perdidos na diarreia e no vômi-to. Diminuir a irritação mecânica e promover repouso, espe-cialmente se houver diarreia. • Repor as reservas de nutrientes; corrigir a má-absorção ou anemia. A emaciação em pacientes com doença de Crohn é consequência da desnutrição, mas não de hipermetabolism (Schneeweiss et al., 1999). O estado nutricional deficiente pode estar relacionado à diminuição no consumo alimentar por anorexia, náusea ou vômito, dor abdominal, restrição alimentar, efeitos colaterais de medicamentos, perdas pro-teicas por lesões de mucosa ulcerada, perda sanguínea ou condições para a cicatrização de ferida, proliferação bacte-riana e má-absorção. • Monitorar intolerâncias à lactose ou ao glúten, que podem estar presentes. • Promover a cura; proporcionar repouso ao intestino, evitan-do os agentes agressores, mas alimentar o paciente para evi-tar a perda de massa proteica crítica. Fornecer alimentos que contenham ácidos graxos de cadeia curta e glutamina para estimular a recuperação. • Evitar a ocorrência de peritonite, obstrução, cálculos renais ou fístulas. • Promover ganho de peso ou evitar perdas por exsudatos ou ingestão inadequada. • Preparar o paciente para a cirurgia se houver necessidade (talvez em decorrência de falha do tratamento clínico, obs-trução, fístula ou peritonite). Pode haver a necessidade de colectomia total ou ileocolectomia direita. • Estimular o crescimento na criança. Os estirões de cresci-mento seguem um ganho de peso constante. • Quando o distúrbio está controlado, o consumo de óleo de peixe pode diminuir a gravidade dos sintomas. Figura 7.6 Erosões da doença de Crohn. (De Yamada T, et al. Atlas of gastroenterology. 3a ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2003.) • Monitorar cuidadosamente os níveis de minerais e oligoele-mentos para garantir níveis adequados. O ferro tende a estar baixo (Lomer et al., 2004). É recomendável o aumento na ingestão de antioxidantes. • Evitar ou combater osteopatia metabólica (p. ex., osteope-nia, artropatias) causada pela própria doença, má-ab dos nutrientes, efeitos colaterais dos medicamentos e fatores relacionados ao estilo de vida. RECOMENDAÇÕES DIETÉTICAS E NUTRICIONAIS • Em relação às necessidades energéticas do adulto, estimar de acordo com o IMC atual. IMC baixo (<15) pode necessitar de 35-45 kcal/kg; IMC de 15-19, de 30-35 kcal/kg; IMC de 20-29, de 25-30 kcal/kg; e IMC alto (>30), de 15-25 kcal/kg. Estimar as necessidades no extremo superior da normalida-de para crescimento e reparo tecidual em bebês ou crianças. • Na presença de constrições (estenoses) ou fístulas, usar uma dieta com baixo teor de fibra, que seja rica em calorias, com conteúdo proteico elevado de 1-1,5 g/kg. • Para alguns pacientes, a alimentação por sonda com adição de glutamina pode ser útil. As fórmulas poliméricas são acei-táveis, mas não há necessidade de produtos elementares. En-saios controlados aleatorizados demonstram que a nutrição enteral é eficaz em mais de 50% dos casos nessa população (Dray e Marteau, 2005). • A nutrição parenteral perioperatória pode melhorar a imu-nidade humoral, reverter a desnutrição e facilitar a reabilita-ção (Yao et al., 2005). Se a NPT for imprescindível após co-lectomia total, utilizar a técnica de calorimetria indireta para estimar as necessidades (Cormier et al., 2005). • Uma dieta relativamente rica em gordura pode melhorar o equilíbrio energético (Mingrone et al., 1999). Limitar a in-gestão de gordura apenas na ocorrência de esteatorreia; nes-se caso, os TCMs podem ser mais bem tolerados. • Talvez haja indicação do uso de ácidos graxos ômega-3. O uso de ácido oleico na dieta de pacientes acometidos pela doença de Crohn e o aumento na ingestão de dieta rica em antioxidantes poderiam diminuir a atividade inflamatória (Alzoghaibi et al., 2003). • Suplementar a dieta com polivitamínicos e minerais, sobre-tudo, tiamina, folacina, vitamina B12, vitamina E, zinco, vita-mina D, cálcio, magnésio e ferro. As vitaminas A e K devem ser administradas em dias alternados. No caso de ressecção intestinal superior a 200 cm, poderá ocorrer deficiência de selênio; monitorar atentamente. • Reduzir a ingestão de lactose, se não houver tolerância. Ve-rificar as tolerâncias a trigo e glúten. • Monitorar a evolução do paciente com rigor; os pacientes podem ficar melindrosos. Refeições pequenas e frequentes podem ser mais bem toleradas. Na+, K+ Alb, pré-albumina (transti-retina) (baixas) Proteína ligadora de retinol Transferrina, capacidade total de ligação do ferro Homocisteína sérica Folato sérico Balanço nitrogenado Teste de Schilling (para vitamina B12) Ca++, Mg++ Vitamina B12 sérica Proteína total BUN, creatinina Caroteno sérico Zn sérico (diminuído) Contagem total de linfócitos Cu sérico Leucograma, velocidade de hemossedimentação (aumentadas) Teste da exalação do hidrogênio Análise da gordura fecal Fator de atividade da doença de Crohn Sigmoidoscopia Radiografia, endoscopia Enema de bário, degluti-ção de bário Medicamentos comumente utilizados e possíveis efeitos colaterais • Antibióticos são eficazes para fístulas; pode haver necessida-de de vitamina K. O metronidazol e/ou o ciprofloxacino são muito eficientes (Sartor, 2004). O metronidazol pode ser uti-lizado quando há envolvimento anal; no entanto, podem ocorrer náusea, vômito, anorexia ou diarreia. Pode-se usar mesalamina ou olsalazina se a sulfasalazina estiver causando reações alérgicas; podem ocorrer náusea e vômito. INDICADORES CLÍNICOS Exame clínico/histórico Estatura Peso IMC Histórico alimentar PA Temperatura Número de movimentos in-testinais, frequência Exames laboratoriais PCR Hb & Ht Fe++ sérico (diminuído) • Agentes antidiarreicos: A sulfasalazina (Azulfidine®) diminui a inflamação, mas também reduz os níveis de folato; o pacien-te talvez precise de suplementos de folato. Podem ocorrer fe-bre, queda de cabelo, mielossupressão ou nefrotoxicidade. Há necessidade de quantidade extra de líquido. • A terapia com anti-TNF-α é benéfica. As infusões de inflixi-mabe proporcionam alívio. O infliximabe bloqueia o TNF-α e reduz a inflamação resultante. • Os corticosteroides costumam causar desequilíbrio eletrolí-tico; esses agentes são mais eficazes quando há envolvimen-to do cólon. Dessa forma, talvez o paciente venha a necessi-tar de uma dieta que proporcione restrição de sódio, comquantidades extras de proteína, cálcio e potássio, por causa do aumento das perdas. Um novo medicamento localmente ativo, a budesonida (Entocort®), diminui os episódios de acne e edema facial. • O uso de medicamentos derivados da Cannabis como adju-vantes no tratamento de enteropatia inflamatória está sob es-tudo; um receptor CB1 está presente nas células epiteliais co-lônicas e musculares lisas, enquanto um receptor CB2 faz parte das células do sistema imunológico, incluindo macró-fagos e plasmócitos. • O metotrexato pode ser útil na redução da necessidade de esteroides e na melhora dos sintomas. Podem ocorrer esto-matite, gengivite, náusea e diarreia. • Os probióticos podem ser benéficos; há necessidade de estu-dos clínicos para verificar as bactérias específicas a serem re- comendadas (Brown e Valiere, 2004). Foram conduzidos es-tudos com antioxidantes, glutamina, ácidos graxos de cadeia curta, prebióticos, probióticos, dietas com baixo teor de mi-cropartículas e produtos enriquecidos com fator de cresci-mento em transformação beta-2 (Dray e Marteau, 2005). • Injeções mensais de medicamento biológico sob investigação para doença de Crohn proporcionam alívio dos sintomas e podem induzir à remissão. A dose de 400 mg de certolizuma-be pegol (Cimzia®), um agente anti-TNF humanizado, está aguardando aprovação do FDA para uso na doença de Crohn. Plantas medicinais, produtos botânicos e suplementos • O uso de medicina complementar é comum nessa popula-ção (Langhorst et al., 2005). Cebola, valeriana e chá são re-comendados para enteropatia inflamatória; no entanto, não há estudos clínicos que comprovem sua eficácia. • Carragena, um extrato de fibra solúvel de algas utilizado como aditivo alimentar em muitos produtos alimentares industriali-zados para alterar a textura, substituir a gordura e evitar a ocorrência de sinérese, pode ser prejudicial a pacientes com lesões intestinais preexistentes (Shah e Huffman, 2003). • Os ácidos graxos ômega-3 podem ajudar a diminuir os sinto-mas da doença de Crohn; estudos para investigar essa desco-berta estão em andamento. O ácido alfa-linoleico (ALA) é mais eficiente para reduzir a inflamação intestinal do que os ácidos eicosapentaenoico e docosaexaenoico. Os suplemen-tos de óleo de peixe podem causar efeitos colaterais, como flatulência e diarreia. ORIENTAÇÃO, ACONSELHAMENTO E TERAPIA NUTRICIONAIS • Incentivar o paciente a comer. Amenizar seus temores asso-ciados aos horários das refeições. Discutir os papéis desem-penhados pela ingestão de fibras, líquidos e suplementos. • Com relação ao consumo de alimentos, poderá ser útil a as-sistência ou reavaliação periódica por um nutricionista. • Certificar-se de que as fontes de potássio serão aumentadas durante os períodos de diarreia. • Instruir o paciente a mastigar bem os alimentos e evitar a de-glutição de ar (aerofagia). • Enfatizar o papel desempenhado pelo cálcio e pela vitamina D na mineralização dos ossos; abordar fontes alternativas, quando o leite não puder ser utilizado. É recomendável o monitoramento anual da densidade óssea. Estimular a práti-ca de exercícios. • A alimentação noturna por sonda tem se mostrado útil para a recuperação do peso ou para o crescimento. A nutrição en-teral total com uma fórmula líquida é capaz de suprimir a in-flamação intestinal e induzir à remissão na doença de Crohn ativa (Johnson et al., 2006; Newby et al., 2005). Orientação ao paciente – Doença de origem alimentar • A manipulação cuidadosa dos alimentos e a lavagem criterio-sa das mãos são medidas importantes para evitar a introdução de patógenos de origem alimentar ao paciente que possa es-tar sofrendo de diarreia e desconforto relacionado. Para mais informações (em inglês) • Colon Cancer Screening • Crohn’s Disease http://www.uwgi.org/guidelines/ch_08/ch08txt.htm http://digestive.niddk.nih.gov/ddiseases/pubs/crohns/ • Crohn’s and Colitis Foundation of America http://www.ccfa.org/ • HealingWell Crohn’s Disease Resource Center http://www.healingwell.com/ibd/ • National Association for Colitis and Crohn’s Disease http://www.nacc.org.uk/content/home.asp