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Jung diz que se pode olhar para as coisas de mais de uma perspectiva. Um olhar
que vê as coisas como se tivessem qualidades específicas próprias, compostas de
substâncias próprias. Este seria o olhar substancialista onde uma substância produz
efeito sobre outra levando ao pensamento causal. Outra forma de olhar seria uma
perspectiva energética que reconhece a intensidade como as coisas são vividas. Seria
uma perspectiva que leva em conta a quantidade, a intensidade, da experiência de um
evento (JUNG, 2000d, §2).
Jung não fecha, no texto sobre energia psíquica, uma posição sobre o paralelo
psicofísico embora em outro momento defenderá a ideia de que a matéria possua um
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elemento psíquico e que a psique possui um aspecto físico (unus mundos) 1 (JUNG,
2013e). Fica evidente que diverge da ideia de que a psique é resultado do
funcionamento cerebral. Considera a psique um sistema energético relativamente
fechado, ou seja, mantem uma certa constância na quantidade de energia psíquica
(JUNG, 2000d, §9).
Em meu modo de ver, a relação psicofísica é um problema distinto, que talvez venha a
ser resolvido algum dia. Enquanto isto, a psicologia não pode deter-se diante desta
dificuldade, mas pode considerar a psique como um sistema relativamente fechado. E
preciso, portanto, romper com a concepção "psicofísica" que me parece insustentável,
pois seu ponto de vista epifenomenológico é ainda um resquício de uma herança do
velho materialismo científico. ...
As relações causais dos acontecimentos psíquicos entre si, que podemos observar a
qualquer momento, contradizem o ponto de vista epifenomenológico que possui uma
semelhança fatal com a concepção materialista segundo a qual a psique é uma secreção
do cérebro, tal como a bílis, que é uma secreção do fígado. ... O fato psíquico merece
ser considerado como um fenômeno em si, pois não há motivo nenhum para concebê-
lo como um mero epifenômeno, embora esteja ligado à função cerebral, do mesmo
modo como não se pode considerar a vida como um epifenômeno da química do
carbono. (JUNG, 2000 d,§10)
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“(...) nos aproximamos um pouco mais da compreensão do enigmático paralelismo psicofísico, pois agora
sabemos que existe um fator que transcende a aparente incomensurabilidade de corpo e psique, dando
à matéria uma certa propriedade "psíquica" e à psique uma certa "materialidade", através das quais um
pode agir sobre o outro. (...) A suposição de que a matéria viva possua um aspecto psíquico e que a psique
possua um aspecto físico condiz melhor com a experiência. “(...) a existência estaria fundamentada sobre
um ser até agora desconhecido, que possui propriedade material e psíquica, ao mesmo tempo.
Considerando o pensamento da física moderna, esta suposição deverá encontrar menos resistência do
que antigamente. Desta forma, também desapareceria a incômoda hipótese do paralelismo psicofísico, e
haveria a possibilidade de construção de um novo modelo de mundo, mais próximo do "unus mundus".”
(JUNG, 2013e, Um mito moderno sobre coisas vistas no céu, §780)
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de valor e mais energia psíquica. A teoria de repressão reconheceria apenas os complexos que
podem tornar-se conscientes, mas haveria conteúdos que não poderiam se tornar conscientes
por serem algo novo (como novas formações criativas que teriam origem inconsciente). Como
uma gravidez psíquica estes complexos poderiam permanecer com alto valor energético sem
estar consciente pelo seu caráter estranho de novidade (JUNG, 2000 d, §19).
É proposto avaliar a quantidade energética pelo número das constelações produzidas
pelo mesmo complexo; pela frequência e intensidade relativas das perturbações do complexo.
Também pelo tempo usado para falar de um determinado tema, pela intensidade como é
afetado pelo tema. É, o que Jung chama de um instinto de reconhecimento direto de
instabilidade emocional.
Diferenciar força e energia é imprescindível, pois energia é um conceito que não existe
objetivamente no fenômeno em si, mas existe sempre só na experiência. Decorre disto a
importância de saber como foi a experienciado o evento por aquele sujeito. Como foi vivido.
Quando atualizada energia aparece em fenômenos como instintos, vontade, desejos, afeto,
atenção etc. Quando em potencial em disposições e atitudes.
Assim, prazer, sentir etc. não seria energia, pois esta seria a força e a condição para estes
fenômenos. O conceito de quantidade (intensidade) nunca poderia ser qualitativo, ou seja, não
poderia estar vinculado a uma característica específica como sexual, poder, etc.
O valor exige um conceito explicativo quantitativo, que jamais poderá ser substituído
por um conceito qualitativo, como a sexualidade, por exemplo. Um conceito qualitativo
designa, ao invés, sempre uma coisa, uma substância; um conceito quantitativo, por seu
lado, designa sempre uma relação de intensidade e jamais uma substância ou coisa.
(JUNG, 2000 d, p. §51)
Não haveria como provar uma relação entre energia física e psíquica. Se os
processos inconscientes também pertencem a psicologia e dizer que existem coisas
obscuramente conscientes; uma escala de clareza. Concede-se um lugar a fisiologia
cerebral pois as funções inconscientes se transfeririam para os processos dos substratos
cerebrais. Não haveria qualquer possibilidade de separar processo psíquico do biológico
(JUNG, 2000 d, §29-30).
Sugere estender o conceito de energia psíquica para energia de vida (diferente
de força vital ou bioenergia). Excluem-se reflexões sobre saber se o processo existe ao
lado do físico, embora pareça provável que não sejam dos processos que ocorrem lado
a lado, mas que estejam ligados (JUNG, 2000 d, §32-33).
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conceito nas matérias da experiência pode ocorrer uma concretização que dá impressão
equivocada de uma substância. Engana-se, pois, é impossível imaginar o quantum a não
ser como o quantum de algo e este algo é uma substância. Assim o conceito acaba
inevitavelmente sendo hipostasiado (JUNG, 2000d, §52-53).
Jung escolhe o termo libido por razões históricas que retomam o percurso
freudiano resgatando o impulso, mas não ficando preso a nenhuma característica
especa, embora o conceito aplicado de energia seja imediatamente hipostasiado
(instintos, afetos etc.). A palavra latina “libido” não tem sentido exclusivamente sexual,
e sim o significado amplo de avidez, desejo, impulso. Jung refere que autores se serviram
de outros nomes para aproximarem-se deste conceito - a “vontade” de Schopenhauer,
a δρμή (impulso ou apetite) de Aristóteles, o “Eros” de Platão, o “amor e ódio dos
elementos” de Empédocles, ou o “élan vital” de Bergson. Não se associa libido com
nenhuma definição sexual, mas não se nega a existência de dinâmicas sexuais ou de
qualquer outra espécie (JUNG, 2000d, §54-56).
“a libido com a qual operamos, além de não ser concreta ou conhecida, é propriamente
uma incógnita, uma pura hipótese, uma imagem ou um tento no jogo, tão inapreensível
concretamente quanto a energia do mundo das representações físicas” (JUNG, 2000d,
§56)
Outra confusão inevitável existe entre energia e o conceito de causa e efeito que
é um conceito dinâmico e não energético. A visão mecanicista entende que A produz B
que produz C com uma conotação qualitativa (a substância A produz efeito e leva a B
etc.) e assim A seria causa de B etc. A visão finalista ou energética vê apenas vê A, B ou
C como meios de transposição de energia, sem causa, passando de um para outro
entropicamente; só são consideradas as intensidades do efeito e assim prescinde da
causa. A energia poderia transpor-se através A B C ou de W, X ou Y. Ambas perspectivas
observam a sequência, mas a energética considera a equivalência da intensidade da
ação transmutada ao invés da causa e do efeito. Ou seja, a mecanicista causal considera
o conteúdo em si que está sendo vivido ou relatado com suas características específicas;
a energética a intensidade com que o material está aparecendo. Apesar das diferenças
epistemológicas ambas se misturam inevitavelmente no conceito de força (“energia do
psíquico” - mecanicista; “energia psíquica” – energética). O mesmo processo assume
aspectos diversos de acordo com a maneira como é observado (JUNG, 2000d, §57-59).
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aventura). Incialmente há recusa quer seja por medo ou por ligações com o mundo
atual. Precisará do encontro com um mentor, sábio, alguma força sobre sobrenatural
que o levará a cruzar o limiar (descida aos ínferos, barriga da baleia etc.). Passará por
provas, desafios, receberá ajuda (deuses); haverá tentações para que se desvie do
caminho; confronta-se com os elementos que maior poder tinham na sua vida; atinge
nova compreensão (morte, transformação etc.). Do confronto resulta a incorporação ao
herói de parte da figura ameaçadora (sangue, pele etc.). Segue-se um momento de
recusa em voltar, recebe apoio para voltar, mas quando volta já não é o mesmo; traz
algo de valor maior, coletivo, aproximação dos mundos.
Portanto a regressão não é um retrocesso ou uma degeneração, mas um
momento do processo. Apenas a permanência neste estado seria doentia. Assim como
progressão não significa evolução, poder-se-ia estar em progressão sem evolução e em
regressão sem involução (JUNG, 2000d, §69-70).
Fala-se de progressão e regressão como processos de forças que podem ser
comparadas a cursos d’agua. O represamento seria um obstáculo que transforma a
energia cinética em energia potencial. Devido ao represamento a água é forçada a
buscar outro caminho. Se neste caminho passar por turbinas de geração de eletricidade
a energia pode vir a manifestar-se sob nova forma. Importante que a intensidade da
progressão seria equivalente à intensidade da regressão (JUNG, 2000d, §72).
Da visão energética deduz apenas a progressão e a regressão pois esta
perspectiva é da intensidade, o quantum e jamais uma qualidade específica. O existir da
progressão e regressão só pode ser compreendido a partir de substâncias (qualidades)
e, portanto, mecanicista-causal. Ou seja a intensidade - energia psíquica – precisa
aparecer em alguma substância com qualidades específicas para ser compreendida, mas
isto não é a energia psíquica (JUNG, 2000d, §73).
Pode-se confundir progressão com extroversão e regressão com introversão.
Progressão caminha no sentido do tempo para frente e isto pode acontecer de forma
extrovertida quando há preponderância de objetos externos ou introvertida quando se
adequar a objetos internos (sentimentos, ideias, emoções, fatores subjetivos). A
regressão pode ser introvertida ao retirar-se do mundo externo, mas pode ser
extrovertida ao refugiar-se em vivências externas extravagantes (JUNG, 2000d, §77).
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Referências
CAMPBELL, J., 1989. O Herói de Mil Faces. São Paulo: Cultrix/Pensamento.
JUNG, C. G., 2013e. Um Mito Moderno Sobre Coisas Vistas no Céu. Petrópolis: Vozes.
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