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Direito à Imagem e Reserva da Intimidade da Vida Privada da

Criança:
Exposição Excessiva da Criança nas Redes Sociais

Trabalho de avaliação contínua realizado no âmbito da unidade curricular de


Direitos da Criança

Maria João Miranda da Costa


Nº de aluno: 345021072

Faculdade de Direito | Escola do Porto


Maio de 2022
Abreviaturas e Siglas
Ac. Acórdão
Al.(s) Alínea
Art.(s) Artigo(s)
CC Código Civil
CDC Convenção dos Direitos da Criança
CDFUE Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia
CEDH Convenção Europeia dos Direitos do Homem
CP Código Penal
CPCJ Comissão Nacional de Promoção dos Direitos das Crianças
CRP Constituição da República Portuguesa
DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos
Ed. Edição
LPCJ Lei da Proteção das Crianças e Jovens em Perigo
Pp. Página(s)
RCT Lei n.º 105/2009, de 14 de Setembro
RGPTC Regime Geral do Processo Tutelar Cível
UE União Europeia
UNICEF United Nations International Children Emergency Founds
Vol. Volume

2
Índice:

Abreviaturas e Siglas 2

1. Introdução 4

2. A criança enquanto sujeito de direitos 4

2.1. Direito à imagem 4

2.2. Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada 5

3. Responsabilidades parentais e o superior interesse da criança 6

4. Criança em situação de perigo 7

5. Problematização 8

5.1. Sharenting 8

5.2. Sharenting comercial – “Mommy influencers” e “Kid’s influencers” 9

5.3. Perigos do sharenting 10

5.4. Recomendações 10

6. Conclusão 11

Bibliografia 12

3
1. Introdução
Este trabalho pretende alertar para os perigos causados pelo fenómeno sharenting ao
direito à imagem e reserva sobre a intimidade da vida privada da criança.
O sharenting traduz-se na partilha de dados pessoais dos filhos, por parte dos pais,
através de imagens ou vídeos, nas suas redes sociais, sem o seu consentimento, não
tutelando o superior interesse da criança, e o crescimento deste fenómeno deve-se ao
constante desenvolvimento tecnológico.
A este propósito a UNICEF concretizou um estudo onde avalia o impacto do
crescimento digital, na situação mundial da infância, afirmando de forma pertinente o
seguinte, “A tecnologia já mudou o mundo, agora está a mudar a infância”. 1

2. A criança enquanto sujeito de direitos


2.1. Direito à imagem
A personalidade jurídica é adquirida por toda e qualquer pessoa, mediante o
nascimento completo e com vida (art.66.º, n. º1 Código Civil), implicando a qualidade de
sujeito de direitos 2, esta que se traduz na aptidão para ser titular de relações jurídicas, ou
seja, direitos e obrigações, entre os quais se encontram os direitos de personalidade
(art.70.º CC).3 Estes direitos caraterizam-se como direitos inatos, intransmissíveis,
irrenunciáveis, absolutos, extrapatrimoniais, gerais e relativamente indisponíveis. 4
Deste modo, o direito à imagem, enquanto direito especial de personalidade 5, está
previsto no artigo 79º do CC, protegido constitucionalmente no artigo 26.º, n. º1 da
Constituição da República Portuguesa e cuja violação é punida criminalmente (art.199.º
do Código Penal).
No entendimento de MENEZES CORDEIRO, proteger a imagem de uma pessoa
equivale a tutelar a sua intimidade e a tranquilidade de cada um, enquanto representação
da pessoa na sua configuração exterior. 6 Contundo, a hodierna evolução da tecnologia,
o surgimento de mecanismos como o vídeo, a gravação por telefones portáteis, televisão

1
https://www.unicef.pt/media/1700/110-situacao-mundial-infancia-2017.pdf.
2 Cfr. (BARBOSA, 2017, pp. 140 - 169).
3
Cfr. (HÖRSTER, 1992, p. 304).
4
Cfr. (PINTO, 2005, pp. 208-209).
5
Cfr. (VASCONCELOS P. P., 2017, pp. 62-63).
6
Cfr. (CORDEIRO M. , 2020 , pp. 315-321); (CORDEIRO M. , Tratado de Direito Civil, 2017, p. 254);
(COSTA, Direito à Imagem, 2012, pp. 1366-1368).
4
internacional, divulgação por Internet e as redes sociais, revelam uma dificuldade
acrescida na proteção do direito à imagem. 7
2.2. Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada
O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, está previsto art.80.º do CC, é
protegido constitucionalmente (26.º, n. º1 da CRP), e cuja violação constitui ilícito penal
(art.192.º do CP). A nível internacional, atente-se no art.12.º da DUDH, art.8.º, n. º1 da
CEDH e no art.16.º da CDC.
O art. 80.º do CC, prevê a liberdade de cada um orientar a sua vida privada como
entender, nas suas várias realidades, como a origem, identidade da pessoa, situação de
saúde, situação patrimonial, imagem, escritos pessoais, amizades, relacionamentos
sentimentais, preferências estéticas, opiniões políticas e religiosas. 8 Segundo PAIS DE
VASCONCELOS, a reserva sobre a intimidade da vida privada, consiste no direito a ser
deixado em paz.9
A questão que se impõe é a seguinte, será que o conceito de privacidade, assume hoje
a mesma dimensão e limites, comparadamente com épocas em que não existia a
necessidade de exposição voluntária de dados pessoais em plataformas digitais?
Atualmente, verifica-se uma mudança a nível comportamental, em função do surgimento
de novas redes sociais e formas de comunicação em linha, o que nos leva a indagar, quais
as informações que ainda merecem a tutela do direito à reserva sobre a vida privada, uma
vez que, há certos dados que decidimos partilhar livremente em plataformas com um nível
de privacidade reduzido.10-11
Neste sentido, o Comité dos Direitos da Criança já se pronunciou sobre os direitos
das crianças no ambiente digital, no Comentário Geral nº 25 (2021), alertando para a
necessidade de proteger a vida privada da criança na internet. Particularmente, quando a
sua violação, deriva da atuação dos seus representantes legais que colocam em risco a
segurança da criança, sublinhando que pode ser necessário uma intervenção profunda e
até mesmo aconselhamento familiar ou outros serviços, com o intuito de salvaguardar a
privacidade da criança. 12

7
Cfr. (CORDEIRO M. , Código Civil Comentado - Parte Geral , 2020 , pp. 315 - 321).
8
Cfr. (CABRAL, 1988, pp. 30-31).
9
Cfr. (VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 2015, p. 62).
10
Neste sentido, entende MARIA DA GLÓRIA REBELO que a “definição exata do que é a vida privada
depende dos costumes ou dos usos sociais existentes num determinado país, num determinado momento
histórico.” - (REBELO, 1998, pp. 83-84).
11
Cfr. (RODOTÀ, A vida na sociedade de vigilância - a privacidade hoje, 2008 , pp. 92-93).
12
https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/crc-cg25-pt.pdf.
5
3. Responsabilidades parentais e o superior interesse da criança
As crianças são titulares de Direitos de Personalidade desde o seu nascimento
completo e com vida, mas não têm capacidade de exercício desses direitos (123.º CC).
Esta incapacidade de exercício, é suprida através da representação legal (124.º CC), pelos
pais ou tutor, sendo que em princípio, são os pais, através do exercício das
responsabilidades parentais (1878.º).13
As responsabilidades parentais são um conjunto de poderes-deveres (n.1.º do
art.1878.º CC) como zelar pela segurança, proteger a saúde, prover o sustento, dirigir a
educação, representar e administrar os bens. 14 Porém, este exercício não pode ser
desempenhado arbitrariamente, antes pelo modo exigido pela sua função, ou seja, de
acordo com o “superior interesse do filho” 15, uma vez que, hoje em dia, as crianças não
são um mero objeto de proteção, mas sujeitos de direitos. 16
O conceito “superior interesse da criança” (art.3.º, n.º 1 CDC; art.24º, nº2 da CDFUE;
art.23.º nº.1 al. d) Convenção de Haia; art.4.º, al. a) da LPCJP; art.4º. do RGPTC;
art.1878.º, n.º 1 CC), apresenta uma natureza vaga e indeterminada, está em
desenvolvimento contínuo, pode ser aplicado em diferentes contextos e dispões de dois
halos conceptuais, uma zona de menor indeterminação associada a princípios
constitucionais e uma zona mais periférica à qual é necessário recorrer a poderes
discricionários. Segundo CLARA SOTTOMAYOR, este conceito dispõe de uma grande
ambiguidade, admitindo ao tribunal uma ampla margem de decisão.17
O Comité dos Direitos da Criança quando se pronunciou sobre a criança em ambiente
digital, sublinhou a necessidade dos Estados Partes e dos representantes legais em
proteger o superior interesse da criança a propósito da utilização do ambiente digital, face
ao facto de o ambiente digital não ter sido originalmente concebido para as crianças.
Nestes casos, pode surgir um conflito entre os direitos de personalidade de criança
(direito à imagem e direito à reserva sobre a intimidade da vida privada), e os direitos-
deveres dos pais, por exemplo, dever de vigilância (1878.º, n. º1 CC). Assim, creio que o
exercício das responsabilidades parentais, nos casos em que existe uma partilha excessiva
de dados pessoais das crianças nas redes sociais, não é concretizado no superior interesse

13
Cfr. (PINTO, 2005, pp. 228-234); (SOTTOMAYOR, O Direito dos Afetos e o Interesse da Criança ,
2014, pp. 58-62).
14
O n. º1 do art.1878.º CC, não é taxativo. (MARTINS, 2008, p. 193)
15
Cfr. (MARTINS, 2008, p. 189).
16
Cfr. (POMPEO & FRANZONI, 2021, pp. 76-77).
17
Cfr. (SOTTOMAYOR, A Regulação das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 2014);
(SOTTOMAYOR, O Direito dos Afetos e o Interesse da Criança , 2014, pp. 313-314).
6
da criança, antes como forma de realização pessoal dos pais, na espera de likes,
comentários e reações, satisfazendo unicamente o desejo de aprovação destes. 18

4. Criança em situação de perigo


PAULO GUERRA pronuncia-se a propósito do infame programa “SUPER NANNY”,
afirmando que a Convenção sobre os Direitos da Criança deve estar atenta a novas e
modernas formas de maltrato infantil, tal como parece ter sucedido no designado
programa.19 Neste sentido, já se pronunciou o Comité dos Direitos da Criança em 2021,
ao alertar para os perigos e risco que o sharenting acarreta para a privacidade da criança.
O art.3.º da LPCJ esclarece quando é que a criança está em situação de perigo, e no
seu n.º 2), está previsto um elenco exemplificativo de situações de perigo e que permite
que a ocorrência de outro facto não descrito, constituam um perigo para a segurança,
saúde, formação e educação da criança. 20
Assim sendo, pretende-se saber se a criança que vê o seu direito à imagem e reserva
sobre a intimidade da vida privada violados, pelos seus representantes legais, está numa
situação de perigo que merece ser tutelada pela LPCJ, com consequente intervenção da
CPCJ.
Deste modo, a propósito da intervenção da CPCJ, vamos distinguir duas situações, a
primeira será os casos em que celebram contratos entre o menor e uma determinada
empresa, agência publicitária, canal de televisão. A segunda consiste nos casos de
sharenting comercial, prática corrente nos casos de “Mommy influencers” e “Kid’s
influencers”, casos em que há a exposição da criança em redes sociais, com um intuito
lucrativo.
A diferença entre estes dois casos, reside no facto de que na primeira situação, existe
um contrato de disposição da imagem da criança, celebrado com uma determinada
entidade e que exige a intervenção obrigatória da CPCJ, sendo necessário o seu
consentimento, nos termos do art.5º, n. º3) da Lei nº 105/2009, de 14 de Setembro.21 Além
de haver uma regulação do número de horas de trabalho permitido e necessidade de
conciliar o período de trabalho e período escolar. Ou seja, o problema coloca-se nos casos
em que não existe um contrato subordinado à RCT e a exposição da imagem do menor

18
Cfr. (COUTINHO, 2019, pp. 25-30). (MARUM, 2020 )
19
Cfr. (GUERRA, 2021, p. 25).
20
Cfr. (GUERRA, 2021, p. 31).
21
Vd. Ac. TC nº262/2020, de 13 de Maio que já julgou pela não inconstitucional a norma do art.2º, nº1 e
art.5º, nº1 a 3 e art.7º da RCT (Lei 105/2009).
7
decorre de certas práticas pelos seus pais, como a gravação de vídeos e fotografias em
ambiente familiar, não existindo um controlo e autorização destas pela CPCJ, só se
eventualmente houver uma queixa exterior à CPCJ, sobre uma possível situação de
perigo.

5. Problematização
5.1. Sharenting
O sharenting consiste na partilha (share), por parte dos pais (parenting) de dados,
sobretudo fotografias e vídeos, dos filhos nas suas redes sociais.22 Esta partilha cresce de
dia para dia, graças ao constante desenvolvimento digital que testemunhamos, se
antigamente os pais colocavam fotos dos filhos na carteira ou faziam álbuns com
fotografias para mostrar à família e amigos, hoje em dia, a realidade altera-se e a criança
23
já nasce no mundo digital, com as suas ecografias ou fotos do parto nas redes sociais.
Falamos de fotografias ou vídeos da criança no primeiro dia de aulas, em competições
desportivas, fotos de aniversário, fotos de férias, fotos da criança a dormir, fotos que
retratam os seus hábitos alimentares, hábitos de higiene e momentos particulares de
birras, zangas, choro. Apesar destas publicações não revelarem de forma explícita dados
da criança, facilmente terceiros conseguem retirar as suas conclusões (nome, dia de
aniversário, escola, atividades extracurriculares).24-25
Segundo um estudo realizado pela “EU Kids Online” de 2020, onde foram
entrevistadas cerca de 25 mil crianças entre os 9 e 17 anos de 19 países (inclusive
Portugal), 30% dos pais não perguntaram se as crianças permitiam o compartilhamento,
cerca de 14% não gostou que o conteúdo fosse publicado e solicitou que este fosse
removido, 7% recebeu comentários negativos e maldosos de amigos.26 Sublinhe-se que
metade dos entrevistados portugueses afirmaram terem ficado incomodados com estas
partilhas nas redes sociais, e solicitaram aos pais que as apagassem . Estes números são
hoje muito superiores, há inclusive estudos que revelam que o sharenting aumentou com
o surgimento do vírus SARS-CoV-2 e a imposição de confinamento. 27

22
Cfr. (B.STEINBERG, 2017 , p. 839).
23
Cfr. (OTERO, 2017 , p. 412).
24
Cfr. (EBERLIN, 2017 , pp. 257-258).
25
Os principais motivos que justificam estas publicações, são na grande maioria os seguintes, motivos
pessoais (estar em contacto com família e amigos), motivos comerciais, criação de um álbum digital e
influência de agências, etc - (SALIBA, 2020, pp. 34-37).
26
https://www.lse.ac.uk/media-and-communications/assets/documents/research/eu-kids-
online/reports/EU-Kids-Online-2020-March2020.pdf.
27
https://blogs.lse.ac.uk/parenting4digitalfuture/2020/08/12/sharenting-during-covid/;
8
A jurisprudência já se pronunciou sobre estas questões no notável Acórdão do
Tribunal de Relação de Évora de 25 de Junho de 2015 (relator Bernardo Domingos), na
qual se compreende a sua relevância para o exercício das responsabilidades parentais,
segundo o qual, a ponderação de certos direitos como a liberdade de expressão e
autoderminação individual devem ceder perante o superior interesse da criança, para
salvaguardar a vida privada, os dados e segurança da criança. 28-29
5.2. Sharenting comercial – “Mommy influencers” e “Kid’s influencers”
Com o desenvolvimento da internet, novas profissões começam a surgir, é o caso
das/os – influencers digitais. Analisaremos aqui duas vertentes do sharenting comercial,
as “mommy influencers” e os “kid’s influencers”.
A “mommy influencers” são mães (na esmagadora maioria), cuja profissão consiste
em produzir conteúdo digital (fotografias, vídeos, etc.), sobre variados temas (moda,
beleza, bem-estar, vida familiar, etc), para plataformas digitais (Instagram, Facebook,
Youtube, Tik Tok). No que respeita à remuneração, recebem pelos posts em que
publicitam marcas, em conformidade com o nível de interações com o público, e também
por presenças em determinados eventos.
Muitas das vezes, marcas de bebés (por exemplo, Corine de Farme, Dodot, Nestlé,
Bepanthene, etc.), contactam estas influencers para que realizem publicidade remunerada
a determinados produtos da marca. Daqui resultam milhares de fotografias e vídeos destas
crianças, filhos das influencers digitais, junto a cremes, fraldas, carrinhos de bebé, etc.
Este tipo de publicações e o período de maternidade em si, que é igualmente documentado
de início ao fim, de forma exaustiva, surge quase como uma espécie de comercialização
da maternidade. São os filhos são uma forma de produção de conteúdo digital? 30
A propósito dos “kid’s influencers”, esta modalidade não se confunde com o caso
suprarreferido, aqui o perfil da rede social é da criança, o conteúdo reside única e
exclusivamente sobre a vida da criança e a conta é gerida pelos pais. As redes sociais
mais utilizadas são o Instagram, Youtube e Tik Tok. Creio que estas situações merecem
a nossa atenção, isto porque se assistirmos a alguns destes vídeos ou se fizermos scroll

28
Cfr. (CALVÃO, 2016 , pp. 134-135).
29
No mesmo sentido, CA Aix-En-Provence, 6e ch. C, 2 Septembre 2014, nº 13/19371; CA Versailles, 2e
ch. Sect. 1, 25 Juin 2015, nº 11/01886.
30
A este propósito a SIC realizou em 2020, uma reportagem sobre várias influencers, designada o #O
conteúdo somos nós, que causou controvérsia e deixou de estar disponível, e que se indagava se estas
mães tinham o direito de expor e comercializar a imagem dos seus filhos desta forma. Neste sentido,
alerto que ao contrário dos casos regulados pela RCT, aqui não há uma intervenção da CPCJ.
https://www.facebook.com/watch/?v=349576072677276
9
nestes perfis, compreendemos que o conteúdo não é produzido em 5 minutos, requere
tempo e repetição por parte da criança, e sublinhe-se novamente, sem que se verifique
qualquer supervisão externa, estamos perante um trabalho totalmente produzido no seio
familiar. Pode gerar-se uma certa pressão psicológica por parte dos pais na criança, tendo
31,
em conta que as visualizações do público geram retribuição monetária passando a
criança a ser vista como mais uma fonte de rendimento para a família, pode refletir-se no
seu desenvolvimento escolar, na sua vida profissional (a importância da pegada digital) e
moldar a forma como se relaciona com colegas, como se comporta e a forma se
perceciona esteticamente.
5.3. Perigos do sharenting
É necessário alertar para os perigos que esta exposição acarreta. Desde logo, a
suscetibilidade de a criança sofrer bullying, afetando a sua saúde mental a curto e longo
prazo.
A criança torna-se mais vulnerável a certos crimes, como o rapto em função do acesso
32, 33,
aberto a certas informações, fraude digital digital kidnaping fotos adulteradas e
34.
utilizadas em redes de pornografia infantil Alerte-se ainda para a questão dos data
broker’s, certas empresas de tratamentos de dados que são recolhidos através de sites que
visitamos, produtos que compramos, aplicações que instalamos, concretizam um perfil de
comportamento de cada pessoa, e estes dados já começam a ser recolhidos quanto a estas
crianças, por exemplo, através de vídeos que as crianças assistem no youtube e fotografias
35,
publicadas pelos pais para serem posteriormente vendidos com várias finalidades,
detetação de fraudes, publicidade colocada, identificação de identidades.
5.4. Recomendações
36
Tal como determina STACEY STEINBERG , podemos traçar um conjunto de
recomendações, com intuito de alertar os pais, por exemplo, conhecer as políticas de
privacidade das redes sociais, há sites que permitem selecionar uma audiência específica

31
https://www.abc15.com/news/region-central-southern-az/maricopa/arizona-youtube-mom-faces-30-
charges-for-abusing-5-adoptive-kids. (HEMKEMAIER, 2020 , pp. 43-44).
32
Segundo um estudo do BARCLAYS, em 2030 o sharenting pode ser o responsável pelo roubo de
identidade de 7 milhões de pessoas e gerar mais de 800 milhões em prejuízo.
https://www.bbc.com/news/education-44153754
33
https://qz.com/1434858/digital-kidnapping-is-a-reminder-of-the-dangers-of-social-media/
34
Uma pesquisa realizada pela Austrália eSafety, afirma que metade das fotos partilhadas em sites de
pedofilia, eram imagens publicadas pelos pais nas redes sociais e blogues, sendo que havia imagens em
estado de nudez ou seminudez, intituladas como, Kids at beach, Nice Boys play in river, gymnasts.
35
https://www.youtube.com/watch?v=v9EKV2nSU8w&t=857s.
36
Cfr. (B.STEINBERG, 2017 , pp. 877-882).
10
a quem a foto será apresentada. Recomenda-se a ativação das notificações do Google para
ser avisado sempre que o nome da criança surge numa pesquisa. Repensar os casos em
que é sensata a partilha anónima, por exemplo, a exposição de uma doença. É importante
não partilhar a localização da criança e da família, por exemplo, da escola ou hotéis em
que estão de férias.
Não se deve publicar fotos da criança nua ou seminua (fralda ou roupa de banho),
pelas razões já mencionadas. Os pais devem refletir no efeito que a fotografia pode
representar no futuro da criança, por exemplo, a nível académico ou profissional. Por fim,
a criança deve consentir na publicação o conteúdo, a criança deve ser ouvida e respeitada
quanto à publicação das suas fotografias, creio que só assim é que as responsabilidades
parentais são exercidas no superior interesse da criança. 37

6. Conclusão
Com este trabalho pretendeu-se refletir sobre a necessidade de proteção dos direitos
de personalidade (direito à imagem e reservas sobre a intimidade da vida privada) da
criança, no ambiente digital. Neste sentido, salientamos a importância dos representantes
legais enquanto responsáveis por suprir a incapacidade de exercício do menor, através do
exercício das responsabilidades parentais (1878.º CC), zelando pelo superior interesse da
criança.
Alertamos para o contínuo desenvolvimento tecnológico, e como tal faz-se mister
uma reflexão por parte dos pais, antes de publicarem fotografias dos seus filhos nas redes
sociais, tornando-os vulneráveis aos perigos supracitados.
Abordamos as várias facetas do fenómeno sharenting, sublinhando com especial
cuidado, a questão atual da comercialização da imagem da criança, nos casos dos Kid’s
influencers e das Mommy influencers, indagando se estas situações não constituem uma
situação de perigo para a criança.
Conclui-se por concretizar algumas advertências, uma vez que, a posição aqui
defendida não é a da proibição total da publicação da imagem da criança, porque na
sociedade digital em que vivemos, tal seria impraticável. O que se pretende é alertar os
pais para um uso consciente das redes sociais, advertindo para o como e quando devem
publicar, para que as responsabilidades parentais sejam exercidas em conformidade com
o superior interesse da criança.

37
Cfr. (SARKADI, 2020 , pp. 981-982).
11
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