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FREQUÊNCIA DE DIREITO CONSTITUCIONAL

2ª Frequência – 1ª Chamada
Maio 2021
Prof. Dr. António Araújo
Mafalda Torcato Borges 2020127798

I – a)
No sistema presidencial norte-americano, fortemente marcado pela separação rígida de
poderes, os checks and balances são uma forma de atenuar este traço e de tornar a
coexistência dos órgãos mais tolerável. A utilização do veto presidencial é uma das suas
formas.
O Presidente norte-americano dispõe de veto sobre as bills e projetos, podendo impedir
que estes se tornem leis. Tendo 10 dias para assinar o decreto, o Presidente pode optar por
gozar do seu veto, fazendo com que o projeto retorne à Câmara do Representantes ou ao
Senado, dependendo de onde surgiram os trabalhos, ou promulgá-lo, tornando-se então lei.
Apenas uma maioria relativamente alta, de cerca de 2/3 no Congresso, pode fazer com que a
vontade do Presidente seja “ignorada” e que o projeto se torne lei, embora o veto tenha sido
imposto. Contudo, caso, durante esse período de 10 dias, o Presidente não assine o decreto,
este passa a lei (art.º 1.º, secção 7, n.º 2 da Constituição dos EUA). Este veto é uma das
formas dos checks and balances – medidas que temperam a rígida separação de poderes do
sistema constitucional norte-americano – neste caso, por parte do Presidente dos Estados
Unidos da América em relação ao Congresso.
É importante então sublinhar a diferença entre veto suspensivo e resolutivo. Este veto que
o Presidente norte-americano possui sobre as leis do Congresso é considerado suspensivo,
uma vez que estas podem vir a ser confirmadas pela maioria dos 2/3. Caso se tratassem de
projetos cuja eventual confirmação do Congresso não fosse possível, isto é, se o Presidente
vetasse a lei e o Congresso não pudesse vir a confirmá-la, o veto presidencial seria
considerado resolutivo.
No entanto, o Presidente dos Estados Unidos da América dispõe de outra modalidade de
veto: o pocket veto. Quando o Parlamento está interrompido ou suspenso – normalmente, no
fim da sessão legislativa (aditamento 20.º, secção 2 da Constituição dos EUA) – o Chefe de
Estado, não podendo devolver o projeto-lei ao Congresso, pode apenas “colocá-lo na gaveta”,
equivalendo então a uma rejeição do diploma sem ter que passar pelo Senado ou pela Câmara
dos Representantes, sem que o Presidente se tenha que expressar em relação à rejeição.
Em suma, numa situação legislativa normal, se o Presidente não assinasse uma bill, esta
seria aprovada, tornando-se lei (o seu silêncio equivale a promulgação). No fim da sessão
legislativa, ou seja, quando o Congresso se encontra perto de encerrar, este mesmo silêncio,
que antes era sinónimo de resposta afirmativa, agora significa a rejeição do diploma.
A única maneira de contornar esta situação é, aquando da abertura do Congresso, uma das
Câmaras voltar a introduzir a legislação, sob forma de nova bill.

I – b)
Antes da Revolução de 5 de outubro de 1910, a monarquia entrava em crise. Numa das
entradas da longa lista de razões para a crise monárquica, encontrava-se a governação através
de decretos ditatoriais.
Ora, o Parlamento estava aberto apenas durante 3 meses (art.º 17.º da Carta Constitucional
de 1826, doravante “Carta de 1826”) o ano inteiro, o que dificultava em muito a legislação,
uma vez que, quando este fechava, era teoricamente impossível legislar, dado que este poder
era da competência das Cortes (art.º 13.º da Carta de 1826). Contudo, o Executivo ignorava
esse facto e legislava (“ilegalmente”) na mesma, construindo normas à partida
inconstitucionais (análogo ao art.º 32.º da Carta de 1826).
Assim, quando o Parlamento reabria novamente, os deputados perdoavam (ou
indemnizavam) o Executivo através das bills de indemnidade. Desde modo, estas
funcionavam como uma amnistia das inconstitucionalidades praticadas pelo Executivo, com
o Parlamento a “fechar os olhos” perante estas “ilegalidades”.
Embora esta fosse apontada como uma das inúmeras razões para a queda da monarquia no
século XX e mudança de regime, a República não aprendeu com os erros do passado. Apesar
de uma das suas grandes promessas ter sido a fiscalização das inconstitucionalidades,
consagrada no artigo 63.º da Constituição de 1911, o governo da República perpetuou a
governação através de decretos ditatoriais e consequentes bills de indemnidade, como ainda a
monarquia o tinha feito (mesmo tendo sido condenada por tal).
Não dispondo de poder de veto (art.º 31.º da Constituição de 1911) e com o Parlamento
em funcionamento apenas 4 meses por ano (art.º 11.º da Constituição de 1911), o Executivo
optava novamente pelos decretos ditatoriais como forma de legislar e atenuar talvez a
hegemonia parlamentar (ignorando o art.º 47.º/3.º da Constituição de 1911), saltando todo o
processo de aprovação de lei (art.º 29.º da Constituição de 1911), apesar de, teoricamente, o
Executivo já ter iniciativa legislativa (art.º 28.º da Constituição de 1911), embora algo
limitada. Estes decretos eram então repetidamente perdoados com as bills de indemnidade.
Entre inúmeras outras razões, o incumprimento de promessas constitucionais (contra estes
bills de indemnidade) foram, novamente, uma das causas para a queda do regime, agora
republicano.

II
O semipresidencialismo surge por volta dos anos 1920 como meio-termo para os regimes
presidenciais e regimes parlamentares – o grande dilema constitucional europeu, que sempre
se dividiu em duas grandes fases: primeiro, a instabilidade parlamentar, pautada por
revoluções e inconstância, e depois, uma fase mais estabilizadora, de pendor presidencial,
marcada por uma figura forte de traços autoritários e ditatoriais.
Apesar da República de Weimar ter sido a primeira a introduzir um embrião deste sistema
de governo, um dos exemplos mais ilustrativos em relação a este compromisso é o sistema
constitucional francês, tendo sido exatamente este que fez com que o cientista político
Duverger cunhasse o termo “semipresidencialismo”.
Ora, façamos então uma viagem histórica pelo caso exemplar de França. Com
constituições a desabrocharem sempre de períodos de revolução, o sistema constitucional
francês foi sempre constante em relação ao padrão constitucional continental, com os polos
revolucionário parlamentar e estabilizador presidencial. Primeiro, surgiam movimentos e
fases revolucionárias onde era atribuído um enorme poder ao Parlamento (como a
Constituição de 1793 com todo o poder à Assembleia), o que acabava por levar
inevitavelmente a uma grave instabilidade (exemplo da época do “Terror” jacobino). Deste
modo, surgia então uma figura incontornável que restabelecia a ordem e o equilíbrio, com
grandes poderes, apesar destes inicialmente poderem vir disfarçados ou diminutos (Napoleão
como “apenas” cônsul na Constituição de 1799) e que, eventualmente, levava a cabo um
regime mais “personalizado” (Napoleão na Constituição de 1804). Depois de quase dois
séculos desta sucessão de ciclos, quando DeGaulle instaura a V República e redige a
Constituição – apesar de este ser uma figura cujo engrandecimento de poderes era notável –
cria uma forma de governo de conciliação entre o parlamentarismo instável e o
presidencialismo autocrata. Contudo, poder-se-ia considerar que, tendo em conta os poderes
do Presidente, havia um pendor presidencialista. É ainda em 1962, quando há uma Revisão
Constitucional, que se reforça mais o papel do Presidente da República e se verifica uma
limitação do parlamentarismo.
No caso de Portugal, podemos também afirmar que o semipresidencialismo da
Constituição de 1976 pretendia encontrar um consenso entre o parlamentarismo instável da
Constituição de 1911 e a figura forte e concentração de poderes num só indivíduo patentes na
Constituição de 1933 (talvez presidencialismo não seja a expressão mais correta para o
“sistema representativo simples de chanceler” de Salazar).
Feito um enquadramento histórico, abordemos agora o lado mais teórico e abstrato daquilo
que é o sistema semipresidencialista, apresentando alguns artigos da Constituição da
República Francesa (CRF) e da Constituição da República Portuguesa (CRP), dois sistemas
semipresidenciais modernos, embora com diferentes pendores, para corroborar os seus traços.
Essencialmente, o semipresidencialismo é um sistema tripolar que exige o equilíbrio entre
os órgãos: Presidente da República, Governo e Parlamento. É caracterizado pela base de
legitimidade e democraticidade do Presidente da República, uma vez que este é eleito por
sufrágio direto (art.º 6.º/1 da CRF e art.º 121.º/1 da CRP). Este Presidente da República, não
é exatamente um governante com grandes funções executivas, mas, ao mesmo tempo, não
passa apenas por uma “figura ornamental”, isto é, não tendo os poderes do Presidente dos
Estados Unidos da América, o Presidente do sistema semipresidencialista, não é também uma
figura como a Monarca do Reino Unido, tendo menos poderes que o primeiro, mas mais que
o segundo. Alguns dos poderes do Presidente passam pela dissolução do Parlamento (art.º
12.º/1 da CRF e art.º 133.º e) da CRP) e demissão do Governo (art. 8.º da CRF e art.º 133.º
g) da CRP) e o veto sobre diplomas (art.º 10.º/2 da CRF e art.º 136.º da CRP).
Genericamente, as funções do Presidente da República são arbitrais e de controlo (“O
Presidente da República vigia pelo cumprimento da Constituição e, pela sua arbitragem [...]”,
art.º 5.º/1 da CRF; “garante [...] o regular funcionamento das instituições democráticas”, art.º
120.º da CRP) e de representação (art.ºs 52.º e 80.º/1 da CRF e art.º 135.º da CRP). Um dos
exemplos dos “fracos” poderes do Presidente, passa pelo facto do Executivo ser autónomo
deste.
Uma das grandes diferenças entre os poderes dos Presidentes da República francês e
português é a presidência do Conselho dos Ministros por parte do primeiro (art.º 9.º da
CRF), algo que não se verifica em Portugal (art.º 184.º da CRP). Outra passa pela
importância e utilização dos referendos pelo Presidente da República como forma de
legitimação, no caso de França.
Uma das características mais relevantes deste sistema é a (dupla) responsabilidade
política do Executivo (art.º 190.º da CRP), que tem que responder politicamente perante a
Assembleia (art.º 20.º/3 da CRF), com moções, inquéritos, fiscalização, etc., e perante o
Presidente (art.º 8.º da CRF), que pode demitir o Governo. Pode-se considerar que existe até
uma teia de relações e responsabilidades entre os órgãos: o Governo controla o Parlamento,
que, por sua vez, fiscaliza o Governo (art.º 20.º/3 da CRF e art.º 162.º a) da CRP), podendo o
Presidente da República destituir e dissolver, respetivamente, estes dois órgãos (art.º S 8.º/1 e
12.º/1 da CRF e art.ºs 133.º e), g) da CRP).
Em tom de conclusão, podemos afirmar que o sistema semipresidencial veio como “uma
alternativa aos sistemas de governo clássicos”, presidencial e parlamentar, fazendo então uma
breve comparação entre o sistema semipresidencialista e estes.
Começando pelo sistema presidencial, nomeadamente com o seu expoente no
constitucionalismo americano, uma das grandes diferenças é a concentração de poderes no
seio do Executivo e a separação de poderes, que, no caso dos EUA, tem de ser temperado
pela existência de checks and balances; em oposição à tripartição de competências entre o
Parlamento, Governo e Presidente da República no semipresidencialismo. Outra importante
diferença é a da independência recíproca entre os órgãos, sem responsabilidade política (o
Presidente é autónomo perante o Congresso e o Congresso não pode demitir o Presidente,
salvo raras exceções), obrigados a conviver; opondo-se à dupla responsabilidade executiva do
semipresidencialismo. Por outro lado, existem algumas semelhanças, como a eleição por
sufrágio direto na maioria regimes presidencialistas, algo que não acontece nos EUA. No
caso do parlamentarismo, com o seu expoente no sistema de gabinete britânico, encontramos
algumas semelhanças, como a existência de meios de ação do Parlamento sobre o Governo, a
dissolução do Parlamento pelo Chefe de Estado e a institucionalização da oposição. Por outro
lado, há uma predominância do Governo (cabinet no Reino Unido), com a concentração do
poder executivo neste; novamente, opondo-se ao equilíbrio tripartido do
semipresidencialismo.
Finalmente conseguimos perceber porque é que, para alguns, o semipresidencialismo
representa o sistema alternativo perfeito, conjugando algumas vantagens do presidencialismo
e parlamentarismo e alterando e ignorando aquelas que podem ser consideradas
desvantajosas. Mas é ainda importante ressalvar que o semipresidencialismo é um sistema
próprio, com as suas características particulares, e não apenas um presidencialismo mais
fraco ou um parlamentarismo mais forte.
Contudo, apesar de ter sido criado para superar o dilema dos regimes, este sistema não é
isento de falhas e críticas. Uma vez que, teoricamente, implica o equilíbrio entre três órgãos
(Parlamento, Governo e Presidente da República), é um sistema muito instável e exigente.
Por isso, na prática, acaba sempre por cair para um dos lados, dependendo muito da
conjuntura política. Usualmente, se o Governo tiver maioria absoluta no Parlamento, a
tendência será haver um Presidente mais “apagado” (não esquecendo que nunca como no
caso britânico) e para a Assembleia e o Executivo dominarem; caso o Governo tenha maioria
relativa no Parlamento, o principal ator será o Presidente.
O caso português é um exemplo de um sistema semipresidencial a caminhar para um
pendor parlamentar, com um número de competência quanto aos/sob os outros órgãos (art.º
163.º da CRP) e capacidades legislativas exclusivas (art.º 164.º da CRP).
Outra das críticas apontadas a este sistema é a excessiva flexibilidade – quais são afinal as
fronteiras de ação do Presidente? – que acentua a diferença entre “law in action” e “law in
books”, como é o caso de Angola, que se apresenta como um sistema semipresidencial,
quando, na verdade, tem um peso militar e do Presidente enormes.

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