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RESULTADOS DA INTERPRETAÇÃO

I. Generalidades
A reconstituição do pensamento legislativo a partir do texto da lei pode originar situações de coincidência
ou de não coincidência entre o significado literal e o espírito da lei, ou seja, entre a dimensão semântica e
a dimensão pragmática da lei: as situações de coincidência conduzem à interpretação declarativa, pois
que o intérprete limita-se a atribuir á lei o seu significado literal, não descobrindo nenhuma divergência
entre a sua dimensão semântica e a sua dimensão pragmática; as situações de não coincidência
determinam a interpretação reconstrutiva, pois que o significado da lei é reconstruído pelo intérprete a
partir do seu significado literal.
II. Interpretação declarativa
1. Noção
A interpretação declarativa é aquela que resulta da coincidência entre o significado literal e o espírito da
lei: a letra fornece um certo significado literal e o espírito resultante dos elementos não literais da
interpretação mostra-se compatível com aquele significado, não ficando aquém, nem indo além dele.
2. Modalidades
De acordo com a influência dos elementos não literais para compreensão do significado literal da lei, pode
distinguir-se entre uma interpretação declarativa lata, média e restrita. A interpretação declarativa lata é
aquela em que o significado literal é o mais extenso possível. A interpretação declarativa restrita é aquela
em que o significado literal é o menos extenso possível. A interpretação declarativa média é aquela em
que o significado literal é o que corresponde ao significado mais frequente da palavra; não havendo
nenhuma razão para adotar uma interpretação declarativa lata ou restrita, as palavras têm o significado,
técnico ou não técnico, mais comum.
III. Interpretação reconstrutiva
1. Generalidades
O significado literal e o espírito da lei podem não coincidir: nesta hipótese, há que reconstruir o significado
da lei a partir do seu texto com o apoio do seu espírito. Nesta reconstrução há que observar o limite
imposto pela letra da lei.
A letra pode levar a atribuir um significado à lei e os vários elementos da interpretação podem impor a
atribuição de um significado mais amplo ou mais restrito à lei interpretada: no primeiro caso, o intérprete
realiza uma interpretação extensiva; na segunda hipótese, uma interpretação restritiva. Na interpretação
extensiva, o interprete induz o campo de aplicação da lei para alem da sua letra; na interpretação restritiva,
o interprete reduz o seu âmbito de aplicação da lei para aquém da sua letra.
2. Interpretação extensiva
2.1 Configuração
a) O espírito da lei vai alem da sua letra, pelo que essa fonte permite inferir uma regra que não está
abrangida na sua letra. A dimensão pragmática da lei vai alem da sua dimensão semântica. Na
interpretação extensiva, há casos não abrangidos pela letra da lei que também devem ser atingidos pela
regra a inferir da lei, pelo que nela o mundo é mais amplo do que aquela letra. A interpretação extensiva
ocorre sempre que a letra se refira à espécie e o seu significado deva abarcar o género, ou sempre que a
letra de uma tipologia taxativa respeite a um ou a alguns subtipos do mesmo tipo. À interpretação
extensiva está subjacente um juízo de agregação: o que vale para a parte deve valer igualmente para o
todo.
Na interpretação extensiva, a letra da lei comporta uma exceção implícita que não é admitida pelo seu
espírito.
b) Nada impede que as regras excecionais possam ser obtidas através de uma interpretação extensiva
das respetivas fontes.
2.3 Delimitações
Enquanto na interpretação extensiva o significado da lei vai alem do seu significado literal, na interpretação
declarativa lata o significado da lei é o seu significado literal mais extenso.
A aplicação da lei a um caso não previsto, mas análogo aos casos tipificados ou enumerados, não decorre
de nenhuma interpretação extensiva, dado que ela está em completa correspondência com a previsão
aberta da lei.
3. Interpretação restritiva
3.1. Configuração
a) O espírito da lei fica aquém da letra da lei, pelo que não se justifica que se infira uma regra que seja
aplicável a todos os casos que são abrangidos pela sua letra. Baseia-se num princípio de restrição, pois
que a dimensão pragmática da lei fica aquém da sua dimensão semântica. Na interpretação restritiva, o
mundo é mais pequeno do que a letra da lei, pois que há casos abrangidos por esta letra que não devem
ser abarcados pela lei.
Verifica-se sempre que a letra da lei respeite ao género e o seu significado deva limitar-se à espécie ou
sempre que a letra da lei se refira a várias concretizações de um tipo e o seu significado deva restringir-se
a alguma ou algumas dessas concretizações. O intérprete é levado a reduzir a uma das espécies ou a
uma das concretizações de um regime que se reporta a um género ou a todo um tipo. A interpretação
restritiva baseia-se num juízo de desagregação, dado que o que esta estabelecido para o todo só deve
valer para a parte.
A lei é “derrotada” pelo seu espírito, dado que, apesar de essa letra não comportar nenhuma exceção, o
espírito da lei implica que ela seja interpretada como comportando uma exceção.
3.3 Delimitação
Enquanto na interpretação restritiva o significado da lei fica aquém do seu significado literal, na
interpretação declarativa restritiva o significado da lei é o seu significado literal menos extenso.
A interpretação restritiva consiste na exclusão de certos casos do âmbito de aplicação da lei; a redução
teleológica na não aplicação de uma lei a um caso que é abrangido pela sua letra, isto é, na construção de
uma exceção ao regime legal.
3.4 Consequências
A interpretação restritiva conduz à inaplicabilidade da lei a factos ou situações que são abrangidos pela
sua letra, o que implica que esses factos ou situações vão ser regulados por um outro regime jurídico. A
determinação deste regime comporta várias hipóteses. Uma delas verifica-se quando a interpretação
restritiva implica que o caso não tem relevância jurídica e pertence ao espaço livre de direito. Uma outra
hipótese ocorre quando a interpretação restritiva da lei deixa espaços para a aplicação de uma outra lei
também vigente no ordenamento.
Esta solução fundamenta-se no seguinte argumento: se a regra é construída com base numa interpretação
restritiva da lei, então o que não cabe nesta lei é regulado, na falta de qualquer outra regra aplicável, por
uma regra de significado contrário à lei, ou seja, por uma regra excecional.
IV. Desconsideração da regra
1. Vinculação à lei
A vinculação dos tribunais à lei: esta vinculação é uma importante garantia do Estado de direito e da
separação de poderes, porque ela não só assegura a prevalência da lei sobre qualquer intuição ou
sentimento do juiz, como obsta à substituição do legislador pelo juiz. A vinculação do juiz não é à letra da
lei, mas ao resultado da interpretação.
A conclusão de que o juiz está vinculado ao resultado da interpretação deixa em aberto o problema de
saber em que condições ele pode não aplicar a regra inferida da fonte. Isso implica a análise da
interpretação ab-rogante e da interpretação corretiva.
2. Interpretação ab-rogante
2.1 Caracterização
A interpretação ab-rogante é imposta por um ato de comunicação falhado e pode ser qualificada como
singular ou sistémica. É singular quando a fonte não é inteligível em si mesma, isto é, quando o intérprete
não lhe pode atribuir nenhum significado. É sistémica quando a fonte remete para um regime que não
existe no sistema jurídico. A remissão é vazia de sentido, pois que a fonte não tem nenhuma referência.
2.2 Efeitos
A interpretação ab-rogante da lei remissiva pode originar a chamada lacuna oculta, porque, onde se
pensava haver um regime jurídico, não há, afinal, nenhum regime. Há, então, que proceder à integração
dessa lacuna.
3. Interpretação corretiva
3.1 Generalidades
A interpretação corretiva pode manifestar-se tanto na aplicação da lei a um caso que ela exclui, ou seja, na
eliminação de uma exceção prevista na lei, como na não aplicação da lei a um caso que ela abrange, isto
é, na construção de uma exceção não prevista na lei.
Nestas interpretações, os elementos não literais conduzem a uma restrição ou a uma extensão do
significado literal da lei; na interpretação corretiva, pelo contrário, a letra e o espírito da lei são ambos
desconsiderados, dado que essa interpretação implica que a lei deixa de ser aplicada a um caso que ela
abrange.
3.2 Concretização
a) A natureza da equidade é, então, ser retificadora do defeito da lei, defeito que resulta da sua
característica universal.
A generalidade das ordens jurídicas exclui a interpretação corretiva, não admitindo sequer o recurso à
equidade para evitar consequências legais tidas por indesejáveis. É esse também o caso do direito
português, pois que o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou
imoral o conteúdo do preceito legal. A função jurisdicional não tem poderes de correção das leis imitidas
pelo poder legislativo.
Uma interpretação corretiva da lei seria, portanto, uma interpretação que não respeitaria os critérios de
interpretação definidos no art. 9º CC e, por isso, uma interpretação contra legem num duplo sentido, dado
que seria uma interpretação quer contra a lei interpretada, quer contra os critérios de interpretação da lei.

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