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J. Bree - 01 - Broken Bonds (Oficial)
J. Bree - 01 - Broken Bonds (Oficial)
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PROLÓGO
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SOBRE A AUTORA
Sinopse
Vamos cedo para o jogo, porque acontece que Sage talvez não
tenha sido clara o bastante sobre o quanto ela ama futebol
americano e do quanto ama os jogos, ela é bastante exigente
quanto ao lugar em que vamos nos sentar. Ela está em um outro
nível de empolgação quanto a esse lance, falando sem parar no
caminho todo até o estádio sobre os jogadores e as estatísticas do
time. Até elogia Gabe, ignorando por completo sua habitual
relutância em falar sobre meus Vínculos, de tão animada que está
por assistirmos ao jogo de hoje.
Não me importo nem um pouco, porque vê-la tão feliz assim é
inédito. Somos amigas há semanas e o máximo que já arranquei
dela foi um sorriso tímido e uma risada sarcástica ocasional, mas,
neste momento, ela está irradiando alegria.
Precisamos parar na casa dela no caminho até o estádio e fico
esperando no carro, mandando mensagens de atualização para
North como uma possezinha obediente. Ele manda um monte de
respostas de uma palavra só, como se eu realmente não valesse
seu tempo, então faço questão de que minhas próprias mensagens
sejam muito longas e detalhadas, por pura petulância.
Porra, espero que ele odeie isso.
Estou rindo sozinha como uma criança quando a porta do carro
volta a abrir e Sage se senta no banco do motorista.
— Peguei o passe de temporada da Maria pra você, assim pode
entrar direto. Ela vai trabalhar até mais tarde hoje, então papai vai
avisá-la. E dessa forma não temos que lidar com ela — diz Sage,
enquanto dá partida no carro e sai da garagem. A playlist dela
começa e bandas punk indie ecoam no veículo.
Maria é a outra Vinculada do pai dela e completa a tríade do
vínculo de seus pais. Ela trabalha no Conselho como advogada e,
sendo uma das principais assessoras de North, está enchendo o
saco de Sage por ser minha amiga.
Sage a evita a todo custo.
Também vou fazer o possível para ficar longe dessa psicótica. Dá
para imaginar estar tão envolvida com seu chefe a ponto de fazer o
que pode para interferir com as amizades do Vínculo dele?
Não, obrigada.
Chegamos tão cedo que é fácil estacionar e Sage conversa com
todos que vemos como se fossem seus velhos amigos. Mas isso é
de forma contida, porque todos a olham com uma pena e
desconfiança mal disfarçada, mas pelo menos falam com ela, então
já é meio caminho andado comparado aos outros alunos da
faculdade.
Sage suspira e aponta para um casal.
— Aqueles são meus pais. Estão sentados no meu lugar,
esperando por nós.
Que merda.
Isso parece muita pressão, pela qual eu não estava preparada no
momento, mas Sage morde o lábio e volto para o modo melhor
amiga protetora porque fico irritada por nem seus pais serem mais
um espaço seguro em sua vida. Todos viraram as costas para ela,
graças a algo que está fora de seu controle.
Então, como se minha atitude de merda tivesse o invocado, Riley
chega com Giovanna no braço e eles passeiam pela pequena
multidão que começou a se formar. Ele está olhando para sua
Vinculada como se ela iluminasse toda sua vida com a beleza dela,
e há um certo ar de convencimento em torno dos dois. Como se
estarem juntos não fosse suficiente, eles também precisassem
esfregar na cara de todo mundo.
Assim que Riley vê os pais de Sage, ele liga todo seu charme e
bajula os dois como o babaca completo que é. E eles engolem tudo,
fazendo um esforço gigante só para falar com ele, como se ele não
tivesse enfiado uma faca bem no coração da filha deles.
Repulsivos, todos eles.
Sage hesita por um instante, depois puxa meu braço para tirar
minha atenção do rosto sorridente de Riley.
— Podemos ir ao vestiário ver meu irmão? Preciso de ar.
Sim, porque aqui fora no espaço aberto o ar noturno está
sufocante pra caralho agora que o cuzão do Vínculo dela está bem
ali fingindo ser um cara legal.
Ele é uma escória de merda.
Concordo e caminho na outra direção com ela, observando-a se
livrar com facilidade de cada barreira no caminho na base da
conversa, ignorando todos os olhares feios das pessoas como uma
profissional. Não levo isso tão na boa assim, e quando chegamos
em uma das salas de treinamento, já estou fazendo carranca para
todos ali como se estivesse prestes a causar problemas.
Sage esbarra no meu ombro com o dela para eu desfazer meu
semblante furioso, enquanto manda uma mensagem de texto para
seu irmão sair e vir nos encontrar. Ele não a responde, mas
decidimos esperar. Por sorte, não demora muito.
Sawyer parece muito com Sage, seu cabelo castanho
acinzentado é curto e ele já tem uma mancha de terra no rosto
graças à seja lá o que eles estiveram fazendo para se aquecer. Ele
está rindo e fazendo piada com seus colegas de time, mas quando
Sage o chama, ele a olha com surpresa e carinho genuíno.
Eles são próximos, e dá para ver que sentiu falta de sua irmã
aparecendo para assisti-lo.
Sendo sincera, não me importo com quanta merda vou ter que
aguentar de North e dos meus outros vínculos por estar aqui, vou
fazer tudo que posso para vir com Sage a todos os jogos de agora
em diante.
Sawyer franze um pouco o cenho para mim quando se aproxima,
mas puxa Sage para um abraço.
— Desbravando a tempestade? Não achei que você fosse ceder
à mamãe.
Sage zomba e encolhe os ombros.
— Ela enfim me venceu pelo cansaço, e passei a semana toda
com vontade de comer cachorro-quente. Como está se sentindo?
Eu me distraio um pouco enquanto eles falam sobre as
estatísticas do jogo desta noite, e todos os jargões esportivos
entram por um ouvido e saem pelo outro, porque por mais que eu
tenha uma ideia geral do esporte, definitivamente não entendo
metade do que estão dizendo agora.
Em vez disso, olho pelo corredor para todos os caras se
preparando para o jogo. A maioria deles já estão vestidos e prontos
para o jogo, alguns estão repassando seus rituais pré-jogo, e todos
estão sorrindo de forma descontrolada.
O quarterback sorri para mim, afastando seu cabelo molhado do
rosto, mas seus olhos se demoram em Sage por um instante antes
de ele se virar. Sem dúvida é mais velho do que a gente, provável
que esteja no último ano, e é gostoso pra caramba. Tem cabelos
loiros escuros e olhos azuis claros, e a covinha em sua bochecha
com certeza derreteria a maioria das garotas, mas estou imune a
garotos e seus charmes, graças à situação confusa do meu vínculo.
Também há uma certa tristeza se prendendo a ele quando olha para
Sage que me faz contrair a mandíbula.
Por que todo mundo é tão obcecado com ter pena dela e a tratar
como merda?
— Merda, desculpa, Sawyer, esta é Oli. Esqueci que vocês ainda
não tinham se conhecido de verdade.
Afasto os olhos do cara e sorrio para Sawyer, tentando não me
ofender com o olhar apreensivo que ele está me dando. Provável
que só esteja preocupado que Gabe vá encher seu saco se dirigir
um pouquinho que seja de simpatia na minha direção, então me viro
para ele e lhe dou um sorriso contido.
— Prazer em te conhecer, e boa sorte com o jogo de hoje.
Ele me dá um aceno breve com a cabeça, então hesita antes de
dizer:
— Obrigada por vir com Sage hoje. Significa muito para mim ela
estar aqui.
Finjo indiferença e me afasto um pouco mais dele.
— Sem problemas, eu queria ver o motivo de toda essa
algazarra.
Sage sorri para mim, mas o sorriso não alcança seus olhos, e me
afasto dos dois para lhes dar um instante para conversarem sem a
minha presença sondando e causando incômodo. Tento me misturar
entre as pessoas, o que é impossível graças à minha notoriedade, e
me vejo voltando a um dos corredores. Sei em qual direção teria
que ir para chegar aos nossos lugares, mas paro e mexo no meu
celular para parecer ocupada enquanto a espero. Não quero me
afastar demais e deixá-la sozinha com toda essa merda de gente.
Estou ali há alguns minutos quando algo chama minha atenção.
A porta para outra das salas de treinamento está entreaberta, e
consigo ver Gabe apertando a mão do capitão do outro time. Nada
de estranho nessa demonstração de espírito esportivo, exceto que...
ele está segurando alguma coisa que o outro cara acabou de
entregar a ele. Drogas? Espera, não, é um pedaço de papel. Os
dois estão olhando ao redor como se estivessem fazendo alguma
coisa muito ilegal, então os olhos de Gabe encontram os meus
através da porta.
Ele olha para mim.
Eu olho para ele.
Não tenho a menor porra de ideia do que ele está fazendo, mas
tenho certeza de que eu poderia ir até o vestiário, encontrar seu
técnico e arruinar a vida dele agora. A pequena faísca de pânico em
seus olhos me diz que não estou errada, ele está mesmo fazendo
alguma coisa que o faria ser expulso do time... ou passar a noite na
cadeia.
Só ficamos ali, olhando um para o outro por um segundo longo
demais, com um monte de porcaria pairando em silêncio entre nós
dois.
— Ei, desculpa pela demora. Devíamos ir nos sentar.
Eu me sobressalto e encontro Sage olhando para os próprios
pés, com os olhos um pouco vermelhos. Isso me tira do pequeno
transe em que estava e afasto os olhos de Gabe, passando meu
braço pelo dela até estarmos andando coladas uma na outra.
Nunca fui dedo-duro, e não vou me tornar uma só porque Gabe
tem sido um babaca comigo.
Voltamos para nossos lugares e Sage me apresenta para seus
pais na conversa mais constrangedora que tive desde que cheguei
aqui. Está claro que os dois não me querem perto de sua filha, mas
sorriem e fingem ser educados, sem dúvida porque ela só veio hoje
por minha causa.
Vou no embalo e os ignoro, conversando e fingindo com Sage
que está tudo bem, então o jogo começa e ela realmente se anima.
Algum tempo após o intervalo do meio do jogo, no qual comemos e
rimos até minha barriga doer, os pais dela atendem uma ligação e
vão buscar alguma coisa para comer. Uma garota que nunca vi
antes desliza para o lado de Sage no banco, minha amiga logo fica
tensa, entrando em estado instantâneo de alerta.
Por que as baboseiras dessa noite não acabam nunca?
Há um instante de silêncio enquanto a torcida ao nosso redor faz
um barulho ensurdecedor, mas quando o público se acalma, Sage
fala:
— Oli, essa é Gracie. O irmão dela, Félix, faz parte do time.
Ela não soa preocupada ou chateada, então sigo sua deixa e me
inclino para a frente para olhar a garota. Ela é bonita, seu cabelo
loiro está arrumado em um belo penteado, mas ela está usando
uma camiseta de banda e tem um piercing no nariz. Ela parece
deslocada aqui, mas está bem à vontade.
Gracie acena para mim sorrindo.
— Obrigada por fazer companhia para minha garota. Ela tem
estado triste demais ultimamente, mas também não vem me visitar
para que eu possa animá-la um pouco.
Olho para ela e depois para Sage, mas os olhos de Sage estão
fixos em seu irmão. Eu me atenho à energia de melhor amiga fiel.
— Ela é minha melhor amiga, sempre vou estar com ela.
Sage se sobressalta e me olha nos olhos, em seguida sorri.
— É você quem está arriscando um encontro com a Equipe
Tática para me fazer companhia, acho que merece um pouco de
gratidão.
Reviro os olhos.
— Nem me lembre. Então, Gracie, qual deles é Félix? Mal
consegui entender as regras direito, não conseguiria distinguir entre
os jogadores nem para salvar minha própria vida.
Ela ri e aponta para o quarterback, o mesmo que vi no vestiário
mais cedo.
— Aquele. A Sage te contou que ele é obcecado por ela? Tenho
tentado convencê-la a sair com ele desde que Riley se tornou o
maior cuzão do mundo, mas ela ignora.
Olho para ela em choque, mas Sage encolhe os ombros.
— Não quero um encontro por pena. Entendo que ele seja amigo
de Sawyer e goste de mim, mas não vou deixar que uma situação
que já é ruim, fique ainda pior.
Gracie revira os olhos, um espelho da minha própria reação.
— Ele é obcecado por você há anos. Ele destruiu a sala de
treinamento quando descobriu que você e Riley eram vinculados.
Isso não tem absolutamente nada a ver com Sawyer.
Olho de uma para a outra, mas Sage aperta bem os lábios e se
recusa a dizer qualquer outra coisa, mesmo depois que Gracie diz
tchau e se afasta.
É só depois que Gabe e seu time ganham o jogo, e estamos
esperando na porta do vestiário para ele me levar de volta ao
dormitório, que ela enfim volta a falar.
— Ele vai encontrar os próprios Vínculos um dia, e não vou
suportar perder mais alguém. Muito tempo atrás... cheguei a pensar
que talvez eu fosse o Vínculo central e pudesse ficar com os dois.
Burrice. Tento ficar longe de Félix porque, mesmo que não sejamos
vínculos, ver ele com outra pessoa vai doer. Não posso saber como
é estar com ele e depois perdê-lo. Riley já é ruim o suficiente.
Concordo com a cabeça porque entendo, mais do que qualquer
outra pessoa poderia. Estando perto dos meus Vínculos agora, a
melhor proteção que tenho é a fúria e o ódio que eles sentem por
mim. Se não tivesse isso, eu me despedaçaria sob o peso de tudo
que temos contra nós.
Eu ficaria destruída.
9
*
— Vamos para o porão hoje, então planejem seus exercícios de
acordo.
A classe toda geme como se tivéssemos acabado de ouvir que
estamos prestes a sermos enviados para o inferno para lutar com o
diabo em pessoa, mas, como sempre, não faço ideia do que Vivian
está falando. Todos se dirigem para os equipamentos da academia,
arrastando os pés mais do que de costume, e fico perto de Vivian,
preparando-me para seja lá qual circuito ele vai jogar para cima de
mim dessa vez.
Ele não se aproxima de mim assim que dispensa os outros, como
costuma fazer, em vez disso, observa os demais alunos por um
instante, como se estivesse averiguando o que estão escolhendo
fazer. É tão confuso que também me viro e observo, mas não
consigo descobrir o que é tão interessante assim para ele.
Todos estão escolhendo os equipamentos mais fáceis, as coisas
que acham mais tranquilas. Já passei tanto tempo na esteira e no
elíptico, assistindo aos outros alunos em seus próprios exercícios
para tentar me esquecer da dor que sentia, que sei que Gabe e
seus amiguinhos sempre acabam nos equipamentos de peso depois
de um jogo particularmente difícil de futebol. Vivian em geral grita
ordens para os caras irem logo para o cardio e acabarem logo com
isso, mas hoje ele só fica parado observando tudo.
Quando ele por fim se aproxima de mim, acena com a cabeça
para a esteira e diz:
— Pega leve hoje, é só um aquecimento.
Franzo o cenho para ele.
— O que tem de tão aterrorizante no porão? Se o bicho-papão
está lá embaixo, eu gostaria de saber agora, para poder me matar
antes, em vez de descer lá. Eu já estava mesmo planejando me
jogar de uma ponte, só vou ter que antecipar um pouco.
Ele me olha com severidade, e suas cicatrizes lhe dão uma
aparência ainda mais ranzinza, mas já estou nessa aula com ele há
tempo suficiente para só piscar os olhos de um jeito adorável como
resposta.
Vivian grunhe:
— Sou obrigado a relatar sobre alunos em crise, não diga essas
merdas na minha frente porque prefiro não ter que preencher toda
aquela papelada, menina.
Sorrio para ele e encolho os ombros, fingindo timidez.
— Tem algum professor que você odeie? Ficaria feliz em falar
essas coisas em outras aulas como forma de pedir desculpas.
Ele balança a cabeça e resmunga baixinho alguma coisa sobre
seu salário e ter que lidar com essa baboseira, mas isso não é nada
fora do comum.
Opto por me ater a meus exercícios de sempre porque às vezes
sou, ao mesmo tempo, teimosa e burra. O que quer que se esconda
no porão não vai me impedir de provar meu valor para Vivian, e não
é como se North fosse permitir que eu morresse aqui, não importa o
quanto eu queira isso de vez em quando.
Acho que não vou morrer antes de ele dar a ordem.
Depois que a primeira hora acaba, cada músculo do meu corpo
parece gelatina e minhas pernas mal estão aguentando meu peso.
Estou tão acostumada a isso agora que mal noto os tremores, só
suspiro frustrada quando minha garrafa balança demais na minha
mão para eu conseguir tomar um gole decente de água.
Vivian só nos dá um minuto para nos hidratarmos antes de ladrar
ordens e andar em direção à porta na parede mais distante, uma
pela qual nunca passamos antes e eu só presumi que fosse um
armário.
Acho que errei quanto a isso.
— Vai se arrepender de ter se forçado tanto assim, rejeitada —
Zoey resmunga e me empurra para passar, colidindo com tanta
força contra meu ombro que dói. A sensação de formigamento que
se espalha até as pontas dos meus dedos me diz que estou
encrencada, mas faço o melhor que posso para ignorar, esfregando
meus ombros e meu pescoço o melhor que posso com a mão
trêmula.
— Ela não está errada.
Reviro os olhos ao ouvir o som da voz de Gabe, mas não
respondo nem reajo, não tenho energia para gastar com ele e suas
baboseiras agora.
Preciso descobrir como sobreviver ao que Vivian está planejando
para nós hoje.
— Vai ser eliminada nos primeiros três minutos se não fizer dupla
com ninguém. É uma pena que Sage ou Sawyer não façam essa
aula, talvez você sobreviveria se sua namorada estivesse aqui pra
salvá-la.
Estamos atrás do resto do grupo, então me sinto confortável o
bastante para responsabilizá-lo por sua atitude mais uma vez.
— Está mostrando que se contorce de ciúmes de novo. Sabe,
nós poderíamos ser amigos também se você parasse de ser um
babaca. Se quer tanto assim ter a relação que Sage e Sawyer têm
comigo, tudo que precisa é parar de puxar o saco de North e apenas
ser meu amigo.
Ele grunhe e nega com a cabeça.
— Não quero ser a porra do seu amigo, Fallows.
Rio para ele, um som sinistro e zombeteiro.
— Não, você quer ser meu dono e tirar o que acha que é seu por
direito. Você é tão ruim quanto o resto deles.
Alguns dos seus colegas de futebol olham para nós, ouvindo o
suficiente do que estamos dizendo para verificar. Mostro o dedo do
meio e Gabe me empurra de leve com o ombro, mas graças ao
tratamento bruto de Zoey, eu cambaleio e fico sem ar.
— Fique longe de todo mundo no labirinto. O pessoal de Vivian
vai assistir e acompanhar a simulação inteira, mas, mesmo assim,
pode acabar se ferindo de forma grave se não tomar cuidado. Esse
é o único lugar do campus onde temos permissão de usar a
extensão máxima dos nossos dons, e vários caras gostam de
aproveitar porque aqui é seguro o suficiente pra isso. O porão todo é
à prova de bombas. Unser uma vez disparou ali e o lugar ainda está
de pé, então sabemos que é seguro.
Unser? Ergo uma sobrancelha para ele, mas Gabe ainda está
irritado comigo e só me dá um sorrisinho, dando de ombros para
fingir indiferença. Eu me viro para ele não ver o quanto me
incomoda não saber sobre quem está falando.
Que diabos “disparou” significa? Uma bomba humana? Um
Flama que tem um pouco de vigor extra em seu poder? As
possibilidades são, literalmente, infinitas na comunidade de
Favorecidos, então vou ter que perguntar para Sage mais tarde.
A escadaria é longa e curvada, e a temperatura sobe quanto mais
descemos, até parecer que o ar é feito de sopa, quente e espesso
em meus pulmões. Estou com uma pequena pontada de pânico na
barriga, e é o pior lugar para isso, porque meu dom começa a forçar
o controle firme que mantenho sobre ele em resposta.
Dá última vez em que fiquei encurralada no subsolo desse jeito,
fui torturada.
Eu me forço a pensar em alguma coisa, qualquer coisa, que não
seja aquela ocasião. Eu me obrigo a pensar em Sage e Félix, a me
perguntar se Félix vai conseguir encontrar algum jeito de convencer
Sage a lhe dar uma chance. É algo em que tenho pensado muito
desde o aniversário dela, porque não havia como confundir a
adoração nos olhos dele sempre que olhava para Sage. Às vezes,
os vínculos não são nenhuma benção e só complicam mais as
coisas, e aqueles dois são um exemplo clássico disso.
Gabe olhando para mim como se estivesse imaginando como
seria me sufocar até a morte é outro.
Quando chegamos ao fundo da escada, encontro uma pequena
sala. Três das paredes são de pedra, e a do lado oposto é composta
apenas de enormes portas corta-fogo acopladas em concreto. O
que quer que esteja do outro lado, está óbvio que vou entrar às
cegas.
Vivian espera até estarmos todos aglomerados no espaço, então
grita, sua voz ecoando no espaço minúsculo:
— Vocês serão divididos de novo, dessa vez em grupos de três.
Não, não podem escolher com quem vão ficar. Não, não dou a
mínima se acham que isso é justo ou não. Não, não adianta
reclamar, pois não ligo para as suas opiniões e sentimentos aqui.
Minha preocupação é treiná-los o melhor que posso. Já tive
duzentos e quarenta três alunos que se formaram aqui e entraram
em Equipes Táticas, e a maioria ainda está viva hoje, graças a esse
treinamento, então calem a boca e cheguem no meio vivos se
quiserem ser aprovados nessa matéria. Os primeiros a alcançarem
a bandeira, serão aprovados de forma automática nessa aula para o
resto do ano.
Certo.
Chegar no meio sem morrer.
Nem vou tentar fingir que tenho chance de chegar no meio
primeiro, mas porra, vou pelo menos tentar fazer o percurso dentro
de uma hora. Não parece tão ruim assim, e se eu tiver outros dois
alunos que precisam de mim viva e consciente para passar, talvez
eu fique bem. Não é tão ruim assim.
Pelo menos, não era tão ruim antes de eu ser colocada com Zoey
e algum cara de quem nunca ouvi falar antes, mas que sorri para
Zoey como se isso fosse ser uma festinha ótima.
Gabe me dirige um olhar estranho, mas não faz menção de falar
com seus amiguinhos e mandar eles não serem uns cuzões comigo,
só sai andando na direção do seu próprio grupo e começa a
murmurar com eles. Suponho que o labirinto requeira estratégia,
mas Zoey e Brenton não dizem nada para mim quando me junto aos
dois. Eu também não falo nada para eles, já sei que é inútil.
Estou nessa sozinha.
No momento em que as portas abrem, vejo o que eles querem
dizer com simulação e, sendo sincera?
Estou total e completamente fodida.
Pois é, só mais uma sexta-feira normal para mim.
13
ESTEJA PRONTA ÀS 6.
A mensagem de Gabe me acorda às cinco da manhã e minha
cabeça ainda está doendo e que nojo, e não obrigada. Bebo um
pouco de água porque me recuso a acreditar que isso é ressaca, e
desidratação deve ser o verdadeiro culpado.
Depois de ontem, não consigo me obrigar a ficar brava por ele ter
me acordado, mas ainda não estou animada para encontrar com
Gabe tão cedo assim na porcaria da manhã sem um maldito motivo.
Ele me acompanhou até o quarto na noite anterior e me deixou
na minha porta em segurança, sem me julgar por gemer e
cambalear pela escada, então acho que estamos em um verdadeiro
acordo de paz, como se agora que eu me provei para ele, mentindo
a seu favor e o protegendo, ele vá dar uma chance verdadeira a
essa amizade e parar de descontar tudo em mim a cada segundo.
Eu me visto em roupas confortáveis, já que não tem nada aberto
no campus a não ser o refeitório nessa hora da manhã, então não é
como se eu precisasse impressionar alguém lá embaixo. Noto mais
uma vez o quanto minha camiseta está larga em mim, agora que
meus músculos estão bem mais tonificados, e eu de fato, mesmo,
preciso arrumar um jeito de arranjar uma renda para comprar umas
coisas novas.
Não consigo nem exibir meu trabalho árduo, droga.
Desço as escadas pisando forte, fazendo barulho suficiente para
acordar o prédio todo porque elas são todas umas vacas
fofoqueiras, de qualquer forma, então não estou nem aí se eu
arruinar a última chance delas de dormirem até tarde no feriado.
Chego na frente do prédio ao mesmo tempo em que Gabe, e pulo
direto para cima de sua moto quando ele me oferece o capacete
extra.
Já estou especialista em prender o capacete direto e subir na
moto atrás dele, então em um minuto já estamos voando pela rua
com o motor roncando. O sol da manhã já está brilhando no céu,
mas o vento fresco matinal ainda está pinicando a pele nua de
minhas mãos entrelaçadas na cintura dele. Quando enfim
estacionamos na frente do centro de TT, Gabe desliga o motor e
estende o braço para eu poder descer sem cair de bunda.
Não é o lugar que eu estava esperando, mas Gabe tem uma
chave para entrarmos e me conduz para dentro, acendendo luzes e
se enfiando dentro do vestiário masculino para pegar sua mochila.
Entro no vestiário feminino para fazer o mesmo, e o novo par de
tênis, que apareceu de forma mágico após o banho de sangue no
labirinto, ainda está de um branco reluzente, já que só usei uma vez.
Eu não sabia que a faculdade tinha um orçamento para substituir
itens danificados, mas suponho que haja um motivo para Draven
cobrar uma fortuna de mensalidade.
Gabe sorri quando me junto a ele, parecendo animadinho
demais, e resmungo:
— Você me tirou do quarto no raiar do dia, antes de acabar meu
toque de recolher, pra malhar? Como conseguiu contornar a
obsessão que North tem por me manter presa?
Meu tom de voz áspero e rouco faz Gabe sorrir ao colocar a
mochila no chão perto da parede e tirar a camiseta. Faço tudo em
meu poder para não assistir à contração de seus músculos
absurdos, mas sou só um ser humano e, caralho, ele é mesmo
gostoso demais para descrever.
Porra. Não, preciso parar de olhar antes que meu vínculo saia
para brincar.
— North não a matriculou em TT pra lhe torturar, não importa o
quanto você queira acreditar nisso. Vínculos estão sendo
sequestrados na rua pela Resistência todos os dias. Os que
ouvimos falar não são nem metade da quantidade real de casos.
Precisa saber como se defender, ainda mais considerando que você
não tem seu próprio dom para usar. Está indo bem em TT, mas
ainda nem cobrimos nada sobre defesa pessoal, e quando eu disse
para North que vou a ajudar a treinar, ele concordou que você
precisa de todo auxílio que puder.
Ai.
Quer dizer, é verdade, mas isso não significa que não doa ouvir
essas palavras saindo de sua boca. Ainda mais com ele ali sem
camiseta, procurando alguma coisa na mochila. Meu Deus, até suas
costas têm músculos definidos, como diabos você fica trincado
assim na nossa idade? Esse tipo de merda não leva tempo? Talvez
os genes de metamorfo ajudem e, meu Deus, estou gostando do
resultado.
— Você está babando — Gabe diz, com presunção pingando de
cada sílaba, e alguma coisa nesse momento me dá segurança de
flertar também, só um pouquinho.
Sei que não pareço nada com as garotas perfeitamente em forma
e com tudo empinado da classe, mas já demonstraram interesse por
mim o suficiente no passado para eu saber que não sou uma
mocreia completa. Quando solto minha mochila ao lado da dele e
tiro a camiseta, ficando apenas com o top de treino, transformo o ato
de me curvar para a frente, para procurar minha regata de treino na
mochila, em um espetáculo.
Ele solta um gemido e para de respirar.
Preciso engolir a alegria exultante que está subindo pela minha
garganta, e quando visto a regata pela cabeça, arqueio minhas
costas um pouco mais do que é necessário, fazendo meus peitos
parecerem mais empinados que o normal.
— Porra, isso é maldade pura. Estou aqui pra ajudá-la e foi você
quem decidiu que sexo está fora de questão — Gabe reclama, pega
sua garrafa de água e sai andando na direção de um equipamento
de musculação.
Dou risada, soando como uma idiota depravada, mas estou
cansada demais e convencida demais para importar com como me
pareço aos olhos dele neste momento.
— Eu jogo pra ganhar, você devia aprender essa lição agora
antes que seja tarde demais.
Ele encolhe os ombros e começa a preparar o equipamento para
mim.
— Você causou tanto dano que já estou imune, Fallows. Qual o
máximo que você consegue erguer no supino agora?
Droga.
Preciso ignorar a direta e forçar minha voz a continuar estável
quando digo:
— Dois quilos e meio.
Ele revira os olhos para mim, então me olha feio.
— Sei que está sendo insolente agora, mas se tivermos que
começar com dois e meio, isso vai levar uma eternidade. Você não
vai sair daqui nunca.
Bom, na verdade eu não estava brincando, mas não discuto
quando ele coloca dez quilos e acena com a cabeça para eu
começar. Não tenho pressa, em grande parte para irritá-lo, mas
também porque não tenho ideia se realmente vou conseguir fazer
isso.
Meia hora depois, decido que prefiro só... morrer.
Decido que vou deitar e morrer se a Resistência vier atrás de
mim, porque nada no mundo pode ser pior do que essa musculação
toda. Porra, e eu achava que os circuitos de treino de Vivian eram
ruins. Gabe, sem sombra de dúvida, o faria passar vergonha, e
começo a me arrepender de ter oferecido aquela bandeira branca
idiota para ele.
É assim que ele está me punindo por tê-los deixado.
— Não vou fazer mais nada. Se tentar me colocar em outro
aparelho, vou gritar de forma histérica e sair correndo daqui. Vou
procurar a polícia, os Desfavorecidos com certeza vão me ajudar a
escapar desse tipo de abuso.
Gabe revira os olhos para meu drama e, embora ele também
esteja suando por causa do exercício, sua voz sai estável e nem um
pouco ofegante como a minha.
— Pode reclamar para Gryphon mais tarde se está odiando, foi
ele quem montou o treino. Ele parecia achar que você aguentaria,
mas acho que posso ligar para ele e dizer que você desistiu.
Porra.
Que droga, ele descobriu o jeito exato de como me fazer cair que
nem a porra de um patinho, porque essa merda é que nem acenar
uma bandeira vermelha para um touro e no mesmo instante volto a
levantar pesos e torcer para morrer. Preciso de cada técnica de
distração que já aprendi para conseguir, mas aguento uma hora
inteira e meu corpo colapsa no tatame assim que ele murmura que
acabamos.
— Não vou carregá-la de volta para os dormitórios, então é
melhor você se recompor, Vínculo.
Eu o xingo, mas sai como uma confusão ininteligível de gemidos
e ofegos que só faz Gabe rir. Não há chances de que um dia eu vá
conseguir me mexer de novo, então só aceito que agora moro aqui,
nesse exato lugar do tatame. Preciso muito tirar essas roupas
nojentas e suadas, mas minha mochila está a pelo menos um metro
e meio de distância e quase choro ao pensar em alcançá-la sozinha.
Gabe escarnece do meu choramingo e traz a mochila para mim
enquanto se dirige ao vestiário masculino. Ouço o chuveiro ligando
e acho que tenho cerca de dez minutos para me erguer do chão.
Vou precisar de cada segundo.
SOMOS MAIS UMA VEZ jogados nas aulas como se nada tivesse
acontecido e é estranho pra caralho.
Gabe finge que não discutimos sobre sua visita espontânea ao
meu quarto e sobre o celular, e começamos a passar todas as
manhãs no centro de treinamento nos exercitando e repassando a
rotina de exercícios de defesa pessoal de Gryphon. North não
aparece na minha porta para arrancar meu celular, então tenho que
presumir que Gabe ficou de boca fechada a respeito. Mais ninguém
parece preocupado com os sequestros, embora eu note a
segurança extra no campus, os guardas nos vigiando de forma
discreta enquanto nos locomovemos entre os blocos.
Sawyer fica colado do lado de Sage, e só a deixa para ir para
suas próprias aulas, e tenho certeza de que só faz isso porque sabe
que Gabe está nos acompanhando. Quanto mais olho pelos
corredores, mais percebo que as pessoas estão andando em
grupos, como se todos os Vinculados estivessem ficando juntos por
segurança, então talvez não estejam tão imperturbados quanto
parecem à primeira vista.
Na sexta-feira, Gabe e eu nos separamos de Sage e Sawyer e
nos dirigimos ao TT, e, mesmo com todos os treinos extras que
estamos encaixando antes das aulas, eu me vejo temerosa em
voltar lá com os outros alunos. Fico esperando que Vivian decida
nos levar de volta ao labirinto, e meu corpo ainda está sentindo as
dores da última vez.
Ele não faz isso.
Quando estou vestida em minhas roupas de ginástica e entro na
área de treinamento, encontro vários caras de Equipes Táticas
espalhados. Metade deles se vira para dar uma boa olhada em mim,
o que é bastante desanimador, em especial quando fica claro que
eu os conheço.
São os que me pegaram e me arrastaram de volta para cá.
Estou prestes a andar até um deles, o cara que me derrubou e
me segurou no chão da cafeteria em que eu trabalhava, e chutar as
bolas dele com tanta força que até seus malditos ancestrais sintam,
quando Vivian grita para começar a aula.
— Vamos voltar para o tatame e trabalhar técnicas de defesa
pessoal.
Espero o mesmo tipo de gemidos que o porão despertou de
todos, mas, em vez disso, uma animação quase que instantânea se
espalha. Todas as garotas começam a olhar umas para as outras, e
os caras a flexionar os músculos, como se essa fosse uma
oportunidade de impressionar.
Continuo no meu lugar de costume atrás do grupo, mas Gabe se
aproxima para ficar comigo e dois dos seus amigos do futebol se
juntam a nós, dando um aceno respeitoso de cabeça na minha
direção. Bato meu ombro de leve em Gabe, aponto para o cara da
Equipe Tática que quero assassinar a sangue frio, e pergunto:
— Qual o nome dele?
Ele franze o cenho e se inclina para murmurar baixo no meu
ouvido.
— Kieran Black. É o segundo em comando de Gryphon e tem um
temperamento difícil, então fique longe dele.
Concordo com a cabeça, mas acho que ele está se esquecendo
de que eu também tenho um temperamento difícil, e ele já foi
incendiado, está queimando dentro de mim e pronto para botar fogo
naquele filho da puta.
— Vamos ver quanto vocês todos já esqueceram, sim? Hanna,
Ty, vão para o tatame e repassem as posições, os ataques e
bloqueios que já treinamos.
Um dos amigos de futebol de Gabe avança, assim como uma das
garotas. Hanna não é uma fofoqueira ou uma das assanhadas, e
seus ombros são tão musculosos e definidos que acho que ela vai
esmagar qualquer um que a enfrente, porque ela sem dúvida é
fodona. É quase o suficiente para fazer me sentir bem intimidada.
Bem, é isso.
Porém o lance é que já tenho treinado essas posições, graças ao
tempo que passo com Gabe, mas não sou idiota a ponto de contar
isso para alguém. Fico só assistindo enquanto Hanna e Ty
repassam os movimentos, como se estivesse vendo algo novo.
Hanna é muito melhor do que eu, é claro, mas a movimentação
de pés de Ty é desleixada. Percebo ao mesmo tempo que Vivian,
cuja boca está curvando para baixo e, quando ele chuta o calcanhar
de Ty, o par vai pro chão em um montinho ofegante, grunhindo.
Abafo um risinho que me rende uma olhada feia de Kieran.
Gryphon não faz nenhuma tentativa de olhar em minha direção, o
que já sei que se deve à sua crença de que sou uma pirralha
desprezível, então isso dói um pouco.
Uma vez que voltam a ficar de pé, Vivian avança para o espaço
vazio e fala com sua voz retumbante:
— As regras são simples, vence o primeiro a colocar os ombros
do oponente no chão, e sob nenhuma circunstância vocês têm
autorização de usar seus dons.
Ah, perfeito, o tipo exato de competição que eu de fato tenho uma
chance de vencer, e considerando as posições e movimentos que
Gabe tem treinado comigo, estou bem confiante de que vou
derrotar... alguém. Mesmo que seja só a primeira pessoa que me
subestime, vai ser bom para minha autoconfiança e meu humor
depois desse show de merda que foi a semana que tivemos.
Talvez meus Vínculos me deem um tempo se souberem que
posso me defender mesmo sem um dom. Duvido, mas, ei, existe
uma esperança.
— Fallows, suba no tatame. Preciso ver o quanto você está
atrasada nisso para poder descobrir como diabos vou lhe nivelar.
Reviro os olhos para Vivian antes de sorrir para ele.
— Se continuar pegando no meu pé, as pessoas vão comentar,
velhote.
Todos os caras da Equipe Tática na minha frente ficam rígidos,
como se estivessem chocados por eu falar com seu amado
treinador desse jeito, mas Gryphon só balança a cabeça, ainda
mantendo os olhos em qualquer lugar, menos em mim.
Odeio tanto isso.
— Para com essa merda. Não vou deixar você de fora só porque
fala demais. Vai lá, derrube Hanna no tatame e vou ficar
impressionado o suficiente para não fazer você dar voltas correndo
por ser uma linguaruda.
Rio dele, embora comece a me aproximar.
— Se você acha que isso é ser linguaruda, ainda não me viu
dando o meu melhor, mas certo, me jogue no precipício para seu
próprio deleite doentio.
Gabe sorri, abaixando a cabeça para o tatame para que Vivian
não veja que ele está se divertindo comigo provocando o velho
treinador. Tenho a impressão de que ele não se safaria disso tão
bem quanto eu.
Hanna é muito musculosa e, quanto mais me aproximo dela, mais
hesito, pois não esperava que ela fosse tão sólida de perto. Ela não
sorri ou tenta me provocar, só espera eu tirar meus sapatos e subir.
Ficamos paradas ali, olhando uma para outra, até Vivian decidir
começar o combate:
— Vai.
O primeiro erro dela é ir direto para a ofensiva, disparando para
mim e atacando, mas, depois de uma semana com Gabe fazendo a
mesma coisa, estou preparada. Usar o impulso dela contra ela
mesma, jogá-la por cima do meu ombro e plantá-la no tatame é tão
fácil como respirar.
Gabe é no mínimo o dobro do tamanho dela, então sou um pouco
brusca, mas antes que eu possa soltá-la e pedir desculpa por ser
uma babaca, ela dispara seu dom contra mim e me manda voando
pela sala, jogando-me contra uma parede.
O gritinho que sai de mim é vergonhoso, mas não consigo
impedir meu choque por ela ter quebrado as regras só porque eu a
derrotei com muita eficiência.
— Jesus Cristo, será que a gente algum dia vai passar uma aula
sem algum de vocês machucar a Fallows? A menina vai precisar de
uma carteirinha do pronto-socorro desse jeito — Vivian resmunga,
mas me forço a ficar de pé e aceno com a mão para ele.
— Estou bem, não precisa ficar nervosinho pensando na
papelada.
Os alunos ao meu redor soltam uma risadinha nervosa, como se
achassem que que vão ser assassinados por estarem rindo comigo.
Esfrego a parte de trás da minha cabeça, mas não estava
fingindo, estou mesmo bem. Fico surpresa quando Hanna aparece
na minha frente franzindo a testa.
— Desculpa, não acredito que fiz isso! Não perco controle do
meu dom há anos. Não faço ideia de como isso aconteceu. Você
está bem? Precisa de ajuda pra ir até a enfermaria?
Ela parece bem sincera, e só gesticulo para ela deixar para lá.
— Não é a primeira parede em que me jogam, sem problemas.
Ela concorda com a cabeça, levanta-se e vira para encarar
Vivian, mas continua perto de mim como se estivesse esperando eu
desmaiar ou algo do tipo. Tento voltar a me concentrar na aula, mas
é como se a energia do lugar tivesse mudado e agora a tensão está
emanando de todos os lados. Olho ao redor, mas não há sinal de
onde isso está vindo, então forço minha atenção de volta aos
combates ocorrendo no tatame.
Sou obrigada a ficar sentada pelo restante da sessão, mas uma
competição árdua se inicia e é legal demais assistir. Rodada após
rodada, assistimos enquanto os grupos se tornam cada vez
menores. Sinto um tipo estranho de orgulho de Vínculo por Gabe
vencer todas as lutas, até ser o último de pé.
Vivian resmunga um “muito bom” para ele, mas Gabe se
empertiga como se tivesse recebido elogios intermináveis, e é bem
bizarro. Todos voltamos aos vestiários para trocar de roupa e Hanna
continua um pouquinho perto demais de mim o tempo todo. Começo
a achar que o pedido de desculpa dela foi só de fachada e ela está
prestes a me dar um soco enquanto estou de calcinha, mas quando
a porta do vestiário fecha, ela inspira fundo.
— Puta merda, sério mesmo, achei que estava prestes a ter
minha vida toda destruída pela Equipe Tática inteira do Shore por
ter jogado você longe. Juro, não tive intenção de fazer isso. Não
tenho ideia por que meu dom se descontrolou.
As palavras dela saem de uma vez e levo um segundo para me
lembrar que o sobrenome de Gryphon é Shore.
— Está tudo bem, é provável que só ficaram chocados por você
ter desrespeitado as regras de Vivian. Não estou ferida, não se
preocupe com isso.
Ela geme e tira as roupas para vestir seu jeans e camiseta. Eu
fico um pouco mais constrangida em me trocar na frente de todos,
mas é só por que metade das minhas roupas não me servem mais e
é vergonhoso não poder me vestir do jeito que eu quero.
— Todos nós sabemos o que aconteceu com Zoey, sei que não
devo perder o controle perto de você. Nunca mais vou deixar isso
acontecer.
Franzo o cenho para ela, mas Hanna ainda está resmungando
pra si mesma e preciso a interromper para dizer:
— Zoey perdeu a posição porque atacou alguém da sua equipe,
não teve nada a ver comigo. Fica de boa, Gryphon na verdade não
me suporta. Você vai ficar bem.
Ela para e me encara por um instante, então nega com a cabeça.
— Ele visitou a família dela pessoalmente. Eu estava na casa
dela terminando um trabalho que fizemos juntas, e foi a coisa mais
aterrorizante que já vi. Merdas pessoais à parte, você ainda é o
Vínculo dele, e Gryphon Shore não é alguém que você decide irritar
por simples capricho.
Hanna joga a mochila por cima do ombro e sai apressada, antes
que eu possa decifrar metade do que ela disse. Fico parada no
vestiário até ele esvaziar, agarrando meu moletom com as mãos,
enquanto questiono tudo que pensei que sabia sobre esses meus
Vínculos.
North leva tanto Atlas quanto eu de volta para meu quarto sem
dizer nada e tranca a porta após sair. Ainda estou me contorcendo
de vergonha por causa de toda essa provação, mas Atlas logo tira
as roupas até ficar de cuecas e se deita na cama como se tudo isso
fosse muito normal, e não a pior noite da minha vida desde que
cheguei aqui.
Durmo mal pra caramba, e todas as vezes que abri os olhos
durante a noite vi Atlas olhando carrancudo para o teto, então sei
que ele também não dormiu nada. Às seis da manhã, acordo com
uma mensagem de Gabe dizendo que ele vem me buscar para
nosso treino da manhã, então decido levantar logo e dar início ao
dia.
Tomo um banho rápido, muito feliz, apesar de tudo, por ter um
banheiro particular sem fofoqueiras falando merda para mim
enquanto me lavo. Quando estou vestida e pronta, volto para o
quarto e encontro Atlas vestido, esperando por mim na cama, com o
rosto ainda solene.
Entro em pânico e minha boca começa a tagarelar um pouco.
— Tenho treinado com Gabe, é um treino brutal que Gryphon
montou, mas tem ajudado com o TT. Vivian está impressionado com
meu desenvolvimento desde que cheguei aqui. Você vai gostar dele,
ele é rabugento e tenta matar a gente no labirinto do porão, mas
gosto do velhote.
— Sei bem quem Vivian Wentley é, Oli, mas agora estou mais
preocupado com você. Precisamos decidir qual nosso plano aqui,
porque já falei com minha família. Eles querem que a gente volte
para a Filadélfia e coloque alguns milhares de quilômetros entre nós
e os merdas dos Draven até termos a chance de nos conhecermos
um pouco melhor... você tem muitas opções aqui, não quero que
façam você achar que essa é a única. Você não é uma prisioneira,
não é uma propriedade de quem Nox pode abusar como bem quer.
Eu me encolho e passo uma mão no rosto.
— Você ouviu o que ele disse, não é o que você está pensando.
Eu poderia ter o empurrado e não fiz isso. A culpa é minha.
Atlas se levanta e suspira.
— Você ouviu o que eu disse também, Oli. Ele sabia o que estava
fazendo. Você é uma Central, literalmente todas as fibras do seu ser
querem esse vínculo, e ele usou isso contra você.
Não gosto do que ele está dizendo, porque estou sentindo que
ele acha que sou impotente contra o vínculo dentro de mim, e acho
que ontem à noite provei que não sou. Fui uma bendita máquina
lutando para impedir a vinculação, e mesmo que o que aconteceu
depois não tenha sido o que chamaria de algo ótimo, estou
orgulhosa pra caramba de mim mesma.
— Não quero mais falar sobre isso. Será que podemos só... ir pro
treino e decidir todo o resto depois? Eu... apenas estou cansada.
Ele suspira de novo e concorda com a cabeça, passando a mão
na nuca e oferecendo a outra para eu segurar. Não importa que
ainda esteja um pouco magoada por suas palavras, mesmo assim,
eu a seguro, pois, pelo menos, sei que ele está tentando fazer o que
é melhor para mim.
Mais ninguém pode dizer o mesmo.
No momento em que a porta fecha atrás de nós, percebo que não
faço nenhuma ideia de como chegar no andar de baixo, mas quando
fico paralisada, Atlas ri e me puxa.
— Memorizei o caminho ontem à noite.
Dou uma bufada para ele por ser tão bom assim em se localizar,
mas fico feliz por não precisarmos chamar North para nos guiar.
Quando chegamos no saguão, Gabe já está esperando por nós,
vestido em suas roupas de treino e com uma carranca no rosto.
Atlas entra na defensiva, sempre pronto para brigar com qualquer
um que não seja eu.
— Se estava esperando ficar sozinho com Oli, você é um merda
sem sorte porque não vou confiar em nenhum de vocês com ela
depois da noite passada. De jeito nenhum.
Os olhos de Gabe se dirigem a mim, mas evito olhar neles.
Sendo honesta, só quero que o dia acabe o mais cedo possível.
Quero subir numa esteira e passar um tempo sozinha tentando
decidir o que diabos vou fazer.
Será que eu deveria ir para Nova Iorque com Atlas e começar
uma vida nova lá? Devo continuar com meu plano de fugir de todos
eles?
Gabe não diz uma palavra a nenhum de nós, ele com certeza já
ouviu a versão de alguém sobre o que aconteceu na noite anterior e
em vez disso só sai andando na direção de sua moto e coloca o
capacete.
Atlas segura minha mão e me leva até seu carro, abre a porta
para mim e me ajuda a entrar como um perfeito cavalheiro. Minha
cabeça está um caos e não tenho um pingo de energia para ficar de
conversa fiada com ele esta manhã.
Ouvimos música no caminho, nenhum de nós diz nada, e é só
quando chegamos ao campus e encontramos a entrada bloqueada
por obras na rua que Atlas xinga baixo:
— Você sabe de algum outro lugar perto onde eu possa
estacionar?
Eu o oriento até o outro lado do campus, e encontramos Gabe já
esperando por nós ali, assim como uma dúzia de outros carros.
A hora seguinte é um tipo especial de tortura.
Atlas transforma “ser melhor que Gabe em tudo” em sua missão,
os dois se cutucam o tempo todo com comentários mordazes, e
nunca desejei tanto fones de ouvido e música pop alta na vida.
Quando Sage me manda uma mensagem para a encontrar no
refeitório e tomar café da manhã, estou pronta para matar os dois e
apenas saio sozinha. Os dois me acompanham, flanqueando-me
como se fossem meus próprios seguranças mal-humorados, mas
não estou a fim de tentar melhorar o clima.
Com sorte, Sawyer está com Sage e pode assumir a tarefa.
Estamos no meio do caminho para o prédio quando meu dom
começa a se retorcer nas minhas entranhas, um primeiro alerta
vindo de dentro de mim de que algo está muito, muito errado aqui.
Os dois garotos param e seguram meus braços para me fazer parar
com eles.
Atlas ergue uma sobrancelha para mim, mas os olhos de Gabe
reluzem brancos enquanto ele olha o entorno, usando sua
habilidade de metamorfo para melhorar sua visão, então ele xinga
com força em voz baixa, pega o celular em um segundo e seus
dedos começam a voar pela tela.
— Corram. Precisamos buscar abrigo agora mesmo.
Ele não precisa dizer duas vezes.
Disparamos em direção ao prédio principal, minhas pernas
doloridas ficam infelizes de terem que correr de novo, mas estou
muito mais rápida e mais resiliente agora que temos treinado há
tanto tempo. Agradeço a Vivian mentalmente por todo o tempo que
passei na esteira graças a ele. Posso ver Atlas se forçando para
manter meu ritmo, é óbvio que ele é mais rápido quando não tem
que cuidar de mim, mas Gabe está acostumado a se manter do meu
lado. Ele pega o celular sem vacilar um passo, dá alguns toques na
tela e volta a enfiá-lo no bolso.
— North está a caminho e Gryphon já está no campus, só
precisamos te levar a um ponto de evacuação — diz Gabe com a
voz em um volume que apenas nós conseguimos ouvir por cima do
barulho de nossos pés pisoteando a calçada.
Atlas acena para ele, pronto para segui-lo, embora eles tenham
se provocado a manhã toda, porque Gabe conhece esse lugar
melhor do que nós dois. Quando chegamos ao refeitório, ocorre
uma explosão no lado leste do campus, e o barulho é tão alto que
meus dentes batem, Atlas me segura rápido e me tira do chão,
curvando-se ao meu redor como um escudo humano. Não consigo
respirar por um segundo, mas, logo em seguida, Gabe está nos
empurrando para fora do caminho, para trás de um prédio.
— Esse é um ponto de evacuação? Achei que a gente precisava
ir para o prédio principal? — reclama Atlas, mas Gabe mal está
ouvindo.
— Dara? Porra, não consigo ver merda nenhuma aqui, você deve
estar por perto.
Ele está literalmente falando com uma parede de tijolos e estou
prestes a conferir se há ferimentos em sua cabeça quando o ar ao
nosso redor tremeluz e, de repente, há um grupo de alunos parados
juntos ali, pálidos como uma folha de papel e murmurando uns com
os outros sobre que porra está acontecendo.
— Graças a Deus! Ardern, onde estão Shore e os Draven? A
gente viu pelo menos oito grupos da Resistência, deve ter cinquenta
ou sessenta deles aqui!
Porra, reconheço a voz no mesmo instante, e sim, é o merda do
Martinez. Tento me convencer de que agora talvez não seja a
melhor hora de me apegar a ranços, mas também não consigo
evitar odiar esse cara.
— As Equipes Táticas já estão os neutralizando, só precisamos
ser discretos e esperar acabar — diz Gabe, com uma voz confiante
e clara. A mudança no grupo é instantânea, um pouco da
preocupação e do pânico se dissipa como se a palavra dele tivesse
de fato importância para o grupo. Gostaria de sentir o mesmo, o
medo ainda está me percorrendo, mas minha cabeça ainda está
clara o suficiente para eu ver o que está acontecendo ao meu redor.
Isso não é bem uma coisa boa, ainda mais quando outro grupo
da Resistência passa correndo por nós em suas roupas de combate.
Fico de boca fechada e abafo minha própria respiração, para o caso
de fazer algum barulho descuidado e entregar nossa posição.
Então as portas do prédio que dão para o pátio abrem e os
estudantes saem correndo em todas as direções. O grupo da
Resistência vira e logo vai atrás deles. Um dos caras na frente
dispara uma onda de fogo e preciso desviar os olhos, pois de jeito
nenhum vou assistir gente sendo queimada viva agora.
— Ardern, não saia de perto de Oli — diz Atlas, então ele se vira
e corre para fora do escudo, indo direto para o Flama na mesma
hora em que os gritos de suas vítimas começam.
Gabe xinga baixinho e olha para ver quem mais está no grupo
conosco, mas nenhum deles faz menção de ajudar. Ele me olha de
novo e eu aceno para ele.
— Vai. Vá ajudar Atlas, vou ficar bem.
Por um momento, ele hesita mais uma vez, então segura meus
dois braços.
— Dara é o melhor escudo que já vi, ninguém vai saber que você
está aqui enquanto ela estiver ao seu lado. Não saia desse lugar,
Oli. Prometa.
Há outro barulho de explosão, então Gabe está arrancando as
roupas, chutando os sapatos e se transformando tão rápido que mal
posso dizer que testemunhei o momento. Em um segundo, ele está
de pé ali, pura pele dourada esticada sobre seu corpo musculoso, e
no seguinte, um enorme lobo está parado em seu lugar.
Nunca tinha visto um metamorfo de perto.
É incrível pra caralho.
Fico parada ali sem a menor intenção de sair. Não posso, não
sem usar meu dom, e não há motivos para fazer isso neste exato
momento. Não posso ajudar as pessoas queimando, e confio que
Gabe e Atlas vão fazer o que puderem para parar a batalha. Os dois
são muito mais úteis do que eu nesse momento, e tenho que
acreditar que os outros estão a caminho para nos encontrar.
Então o escuto, o grito de Gracie que vem de trás de nós.
— Ai meu Deus, Sage! SAGE!
Não.
Porra, não mesmo. Só por cima do meu cadáver que vou deixar
alguma coisa acontecer com a única pessoa que me aceitou sem ter
quaisquer motivos ou expectativas.
— Fallows, caralho, você é idiota. — Não fico esperando para
ouvir o restante da merda da opinião de Martinez e saio correndo.
Há fumaça por todos os lados, mas sigo os sons dos gritos de
Gracie até literalmente atropelá-la por causa da minha visão
prejudicada pelo resultado da explosão.
— Oli? Ai meu Deus, por favor, onde estão seus Vínculos? Eles
pegaram a Sage, eles...
Agarro os braços dela e lhe dou um chacoalhão, como se
pudesse fazer a informação de que preciso sair dela desse jeito.
— Onde, Gracie? Onde ela está, porra?
Ela não chega a responder, porque ouço uma voz, que eu torcia
para nunca mais ouvir na vida, gritar:
— Pico de energia! Peguem aquela lá.
Eu já sei que Sage é forte, ouvi histórias sobre como ela
desenvolveu seus poderes, e seu controle elemental é de elite. E é
por esse motivo que não saio correndo desesperada para me
esconder quando a voz de Olivia interrompe o caos.
Olivia Turner.
O cão farejador da Resistência está aqui para encontrar os
Favorecidos dignos de serem levados, o que significa que já
pegaram Sage, e agora me encontraram. Não posso ajudar Sage, a
não ser que permita que me levem também.
É idiota e irresponsável, e não dou a mínima para isso porque ela
é a porra da minha melhor amiga.
Então fico parada ali, empurro Gracie para longe de mim e
resmungo para ela:
— Corra.
Então deixo eles me levarem. A fumaça está densa demais para
enxergá-los antes que suas mãos já estejam fechando em meus
braços, e resisto um pouco, como se estivesse tentando fugir,
enquanto me carregam. Os dois homens que me seguram estão
com máscaras que cobrem todo o seu rosto, então eles vieram
preparados para o exato ataque que planejaram para hoje.
Quando paramos atrás de um caminhão de comboio, olho para
cima e meus olhos encontram uma Sage bastante aterrorizada,
presa e amordaçada na traseira. Suas pálpebras se arregalam e ela
começa chorar ao me ver. Não são lágrimas de alívio por eu estar
com ela. Não, ela está surtando porque agora eu também estou em
perigo.
Se antes eu não tivesse certeza de que estava fazendo a coisa
certa, teria agora.
— Carrega ela, os Draven estão limpando o pátio, e se não
sairmos daqui nos próximos trinta segundos, vamos morrer.
Abaixo a cabeça ao ouvir a voz de Olivia. Droga, espero que ela
não me veja agora. Os homens que estão segurando meus braços
me erguem e me jogam no caminhão com Sage. Um dos dois sobe
depois de mim, e em seguida partimos, o caminhão dispara rápido
demais, todos esbarramos e empurramos uns aos outros enquanto
tentamos ficar em pé sem poder usar os braços para nos equilibrar
ou ter como nos segurar.
Há outro grito quando o caminhão vira na estrada, acertando um
buraco que quase nos faz cair em uma vala, mas o motorista
consegue corrigir o curso e manter todos vivos. Olho pela abertura
dos fundos e vejo Kieran correndo atrás de nós, já com uma arma
na mão, mas não tem como ele dar um bom tiro, não sem arriscar
atingir um dos prisioneiros ou fazer o caminhão tombar.
Quando o vejo pela última vez, está segurando o celular na
orelha.
24
*
Leva apenas dez minutos para os Favorecidos começarem a
conversar entre si, sussurrando e surtando uns com os outros a
respeito de onde estamos, o que vão fazer com a gente, ou quando
vamos sair dessa confusão. Quando Sage olha para mim, coloco
um dedo nos lábios e nós duas olhamos para os babás de novo.
Só temos que ser pacientes e orar para Gabe acordar logo,
porque nenhuma de nós consegue carregá-lo e nossos dons
também não vão ajudar com isso. Então esperamos. Ficamos
sentadas ali e esperamos conforme o dia passa. Em alguns
momentos, há gritos e berros do lado de fora, mas ninguém mais
entra na tenda. As pontas dos meus dedos começam a formigar
com poder, como se meu dom estivesse irritado por eu tê-lo
chamado, mas não ter feito nada ainda, e os olhos de Sage
arregalam para mim quando ela o sente.
Quando Gabe enfim geme, não consigo evitar um pulsar do meu
poder, meu alívio envia uma onda tangível que faz a tenda toda cair
em silêncio.
Os dois babás olham para mim, sua atenção, por fim, foi
despertada o suficiente para se aproximarem.
— Foi a anomalia, Fiona. Você devia ir lidar com isso para a
gente não tomar uma surra por brincar com ela.
Fiona se levanta da cama dobrável em que estava jogada, e seus
olhos escuros disparam para mim antes de começarem a brilhar.
Nada.
Nem sequer registro a tentativa dela de me nocautear, e meu
poder se empertiga um pouco, todo presunçoso por não estarmos
mais à mercê de ninguém.
Já eu, estou menos presunçosa, pois sei que ser eu mesma de
novo não é motivo de empolgação.
— Forte demais pra você? Bem, não podemos aceitar isso, não
é? — o homem fala de novo, levantando-se e caminhando em
minha direção.
Os olhos dele brilham para mim, mas quando nada acontece, ele
xinga baixinho.
— Ela é um vazio, também não consigo derrubá-la.
É tão fácil quanto respirar. É o mesmo plano que usei para
escapar da Resistência da primeira vez. Gemo e me dobro na
cintura para apertar minha barriga, fingindo estar ferida. Não vão
tentar ajudar, mas como eu previa, eles se aproximam para dar uma
boa olhada em mim.
Há outro gemido e um grunhido, e olho para ver Gabe acordado,
com os olhos abertos olhando direto para mim. Vacilo por um
segundo com meu poder hesitando em minhas veias, porque talvez
eu conseguiria convencer Sage a não falar sobre isso, mas de jeito
nenhum Gabe vai manter meu dom em segredo.
Mas olho nos olhos de Gabe e decido que basta. Não posso
perder mais ninguém.
Não importa que eu não tenha tocado no meu dom em anos, a
fonte ainda está lá, esperando por mim. Sentir todo o verdadeiro
poder dentro de mim quando o chamo é como enfim inspirar fundo
depois de passar todo esse tempo dando apenas arquejos rasos.
Eu me sinto inteira de novo.
Gabe percebe, ele pode farejá-lo em mim, e seus olhos
arregalam. Ele é inteligente e está coerente o suficiente para ficar de
boca fechada, mas posso ver o choque registrado em seu rosto.
Contraio a mandíbula e me concentro, minha mão está tremendo
pendurada ao meu lado, mas preciso fazer isso direito. Se não
canalizar bem, posso perder minha melhor amiga e meu Vínculo, e
já vivi dor e desesperança suficientes. Não preciso adicionar suas
mortes à lista, mesmo que tenha desejado fugir de todos eles.
É nesse momento que Fiona percebe e reconhece o poder,
arregalando os olhos:
— Puta merda. Puta merda, o que ela está fazendo aqui?
O homem avança, como se estivesse tentando me ver melhor, só
que meu poder dispara e inunda seus corpos, agarrando suas
almas. Meu dom quer tomar tudo, mas eu o controlo e, em vez
disso, engatilho a escuridão dentro dos dois.
Ainda é tão apavorante quanto da primeira vez que fiz isso,
assistir seus piores pesadelos, medos e partes mais feias jorrarem
sobre eles, até estarem se contorcendo no chão, com as mentes
quebradas de forma irreparável.
Estão presos em seus próprios horrores e não vão escapar até
que alguém os poupe do sofrimento.
Agradeço a Deus que nenhum dos dois faz barulho, o normal é
que soltem pelo menos um grito abafado ou qualquer coisa assim
quando caem, mas agora que todos estão olhando para eles, tanto
com choque quanto com horror absoluto, não há um único som
dentro da tenda.
— Oli, que porra foi essa? Que porra você fez com eles? — Olho
mais uma vez para Gabe e o encontro se sentando com dificuldade,
com as mãos ainda presas às costas e os olhos arregalados para
mim, mas agora o tempo está correndo contra nós.
Qualquer um pode entrar aqui e ver o que fiz.
Estendo o braço até conseguir fechar a mão na perna do cara e
Sage, abençoada seja sua alma, no mesmo instante se mexe para
me ajudar a puxá-lo. É difícil pra caramba, mas conseguimos
apalpá-lo pelas barras até encontrarmos um conjunto de chaves.
— Que diabos vocês duas estão fazendo?
Eu me sobressalto, mas é só o cara no canto mais longe, enfim
saindo do seu estupor por ter visto o meu dom em ação. Ao invés de
respondê-lo, ergo um dedo até meus lábios para sinalizar que ele
precisa se calar antes que faça com que sejamos pegas. Ele pisca
para mim como se ninguém nunca tivesse mandado ele ficar quieto
antes.
Idiotas de merda.
Destranco minha jaula e depois a de Sage, e vamos depressa
para a de Gabe enquanto uma das outras garotas começa a chorar.
Espero que seja de alívio e que ela supere isso rápido, pois ainda
falta um longo caminho antes de sequer chegarmos perto de
estarmos em segurança.
Sage abre a jaula de Gabe e vai para a próxima pessoa,
enquanto entro para desamarrá-lo e tirá-lo dali. Ele pisca seus olhos
para mim de modo vago, lutando para os focalizar, e meu coração
fica apertado no peito vendo que fizeram sei lá que porra com ele.
Quando me agacho ao seu lado, ele diz rouco:
— Como você impediu eles de te derrubarem? Já vi Zoey fazer
isso uma centena de vezes.
Eu me atrapalho com a corda em volta de seus pulsos enquanto
tento soltá-lo.
— Você viu Zoey derrubar minha versão sem dom. Estou um
pouquinho mais turbinada agora. Não tenho tempo para explicar,
você consegue dar uma de Hulk e tirar essa corda?
A cabeça dele meio que rola nos ombros e começo a me
preocupar de verdade que ele tenha uma concussão ou sofrido
dano demais naquela sua cabecinha linda.
— Um deles me dopou, não consigo acessar minha
transformação. Porra, como você ainda está consciente, Oli?
Escarneço e dou um último puxão na corda, e quase grito de
alegria quando ela finalmente se solta.
— É óbvio que você não tem prestado muita atenção em
Introdução aos Favorecidos. Estou bem mais acima na cadeia
alimentar do que aqueles merdinhas, tanto assim que eles não são
nada pra mim... do mesmo jeito que você também está em um nível
superior e precisaram te drogar para contê-lo. Consegue se
levantar? A gente tem que ir agora.
Eu o ajudo a se levantar e sair da jaula. Por sorte, Gabe
consegue sustentar o próprio peso, só precisa de um pouco de
ajuda para se equilibrar de pé. Quando preciso segurar seu braço
para impedir que tombe para frente, ele contrai a mandíbula e eu o
observo se recompor, piscando de modo furioso e esfregando o
rosto como se pudesse forçar as drogas a saírem de seu organismo
apenas pela força de vontade.
Pigarreio para chamar a atenção dos presentes, todos os dez de
nós, agora fora das jaulas, e digo sem emitir um som que: nós
precisamos sair daqui.
Faço isso devagar, olhando para todos para me certificar de que
estão entendendo o que estou gesticulando. Depois digo da mesma
forma: quem ainda consegue usar seus dons?
Sage pode, e três outros. Temos uma Flama, um Metamorfo e
dois outros que não conseguem gesticular bosta nenhuma direito,
acho que é ou porque suas habilidades são mentais, ou estão
dizendo que foram atingidos na cabeça.
Ótimo.
Fecho os olhos, chamo meu poder para que ele saia e permito
que crie um mapa para mim. Isso é perigoso, mas só se eu alcançar
Carlin ou outro examinador com o mesmo nível de habilidade.
Então, algo mágico pra caralho acontece.
Encontro Gryphon.
Eu o sinto se assustar quando meu dom encosta nele. Sinto sua
incredulidade e então a onda de adrenalina, o alívio por eu estar
viva e aqui. Para onde quer que tenhamos sido levados, ou era
perto ou ele também tem um transportador. Kieran está com ele, e
nem consigo ficar irritada por esse imbecil estar aqui.
Então, encontro Nox.
Certo, esse me deixa menos feliz, ainda mais quando seu dom
tenta alcançar o meu. Ele está tentando descobrir que porra consigo
fazer, como sou capaz de mapeá-los, e todos os outros segredos
que escondi deles.
Eu me afasto deles.
Meus olhos abrem e fico na ponta dos pés para colocar os lábios
no ouvido de Gabe, e sussurro de forma tão suave que mal passa
de um suspiro:
— A cavalaria chegou.
Quando Gabe começa a cambalear, passo o braço dele sobre
meus ombros e envolvo sua cintura com o braço, enquanto nos levo
em direção à abertura da tenda. Desacelero minha respiração o
suficiente para usar meus sentidos aguçados.
Porra, é bom tê-los de volta.
Fico feliz por exato meio segundo, então os tiros e os barulhos de
luta começam.
Meus Vínculos foram encontrados.
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